14 dezembro 2010

Em favor da campanha da ATEA










Considerando a virtual censura sofrida pela associação ATEA, manifesto aqui meu apoio à associação, reproduzindo os cartazes cuja divulgação foi obstada pela pusilanimidade das empresas de propaganda.

Convém notar, por outro lado, que essas empresas não hesitam em propagandear qualquer outra imbecilidade, mesmo as mais fúteis, chocantes ou perniciosas, em nome da "modernidade" ou das "leis do mercado", se não tiverem que fazer minimamente frente ao obscurantismo promovido pelas igrejas teológicas do país. Aliás, não se trata apenas de obscurantismo teológico: é também a hipocrisia cínica dos donos dessas empresas.

Conferir as reportagens abaixo:



21 outubro 2010

Notícia: Conferência sobre Vernon Lushington

Vernon Lushington and the Ethics of Positivism
Proferida por David Taylor
Domingo, 31 de outubro, 11h
SPES SUNDAY LECTURES ARE FREE AND OPEN TO ALL
South Place Ethical Society, Conway Hall, 25 Red Lion Square, London, WC1R
4RL ● Tel: 020 7242 8031

David Taylor is the inaugural recipient of the Blackham Fellowship Award, and will be speaking on the subject of his thesis, the lawyer, aesthete and Positivist, Vernon Lushington (1832-1912).

Lushington was, in the words of his friend Matthew Arnold, a traveller “between two worlds, one dead and the other powerless to be born”. No longer able to accept traditional Christian belief but concerned that “man without religion is a nutshell in the wind”, Lushington and others feared that unbelief would lead to moral degeneration and a collapse of the established system of values which underpinned nineteenth century society.
Lushington sought to develop a moral and ethical framework to work through the issues of the day and, in his search to replace traditional Christianity with a new spirituality, he became a Positivist, undoubtedly influenced by Auguste Comte and his works on Positivism and the ‘Religion of Humanity’.

10 outubro 2010

Gazeta do Povo: "Véu, liberdade e República"

O texto abaixo foi publicado no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, no dia 7 de outubro de 2010; o original está disponível aqui.


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Véu, liberdade e República

A questão “quais as liberdades mais básicas?” tem várias respostas, duas das quais seriam: (1) isso não faz sentido, pois (2) não há liberdades “mais básicas”. Discordamos dessas respostas: há, sim, liberdades mais básicas, que constituem os fundamentos de todas as outras. Quais seriam elas? Liberdades de pensamento, de expressão, de associação e de ir e vir. Não que outras liberdades não sejam importantes, mas essas quatro, que garantem aos indivíduos e aos grupos as condições mínimas para terem e exercerem a autonomia decisória, permitem que todas as demais sejam discutidas e estabelecidas, além de terem valor em si mesmas como valores políticos e sociais.

Pois bem: há algumas semanas aprovou-se na França uma lei que veda aos muçulmanos, em especial às muçulmanas, o uso de véus, burcas e adereços que cubram parcial ou totalmente seus rostos e que sejam a manifestação de suas crenças religiosas. O ar gu mento oficial apresentado é que tais adereços consistem em instrumentos, implícitos ou explícitos, da dominação social e masculina sobre as mulheres, subjugando-as e relegando-as a uma posição social não inferior, mas secundária; em outras palavras, tais adereços seriam instrumentos e símbolos da degradação das muçulmanas como cidadãs e como seres humanos.

Essa justificativa merece, sem dúvida, a mais profunda reflexão, pois enfatiza aspectos centrais para o projeto republicano perfilhado pelo Ocidente des de há pelo menos 200 anos, começando pela própria França: respeito universal aos seres humanos, capacidade de manifestação individual e coletiva, integração à vida coletiva de todos como cidadãos.

Todavia, essa mesma justificativa resulta na negação da autonomia individual para escolher as crenças; em nome do respeito ao pluralismo religioso, ataca-se os fundamentos desse pluralismo. É uma situação contraditória, cuja solução passa necessariamente pelo reafirmar do respeito ao pluralismo, ou melhor, do insistir em que as liberdades de pensamento e de expressão de fato são fundamentais e como tais devem ser tratadas.

No caso específico das muçulmanas francesas, é evidente que seu status social e político não pode ser o mesmo que o de muçulmanas de outros países: o uso dos adereços deve corresponder à manifestação externa de valores e escolhas íntimas, isto é, pessoais; dessa forma, elas são antes cidadãs (francesas) e depois, ou como que “por acaso”, muçulmanas e não o contrário (ou seja, antes muçulmanas e depois, “por acaso”, francesas). Dessa forma, respeitam-se os valores pessoais das muçulmanas (e, de modo geral, dos muçulmanos) tanto quanto respeitam-se os valores pessoais e as manifestações exteriores das crenças de judeus, cristãos, ateus, agnósticos, budistas etc. – além de reafirmar-se o republicanismo francês, que de maneira correta estipula o universalismo jurídico no lugar do comunitarismo.

Voltemos à justificativa oficial: o repúdio à expressão pública do que seria a submissão e a degradação das mulheres muçulmanas dirige-se, como se percebe com facilidade, a apenas um único grupo. Assim, embora o argumento em si seja moral e politicamente digno de consideração, ele é particularista e dirigido contra uma fé específica. Dessa forma, ele consiste mais em uma renovada expressão de islamofobia que na defesa do republicanismo. O argumento tem um inequívoco caráter ad hoc, elaborado de maneira casuística, para dar um lustro intelectual a uma forma de intolerância.

Para concluir: o que isso tem a ver com o Brasil? Ora, tudo. Não apenas porque os laços políticos, sociais e econômicos entre Brasil, de um lado, e França e países islâmicos, de outro lado, têm crescido, como porque os valores políticos e sociais brasileiros são muito próximos dos da França – de modo que o problema criado e enfrentado pela França refere-se também a dilemas brasileiros.

03 outubro 2010

Jean-Michel Muglioni: Crença em deus e cidadania: há relação?

Jean-Michel Muglioni comenta a afirmação do Papa de que é necessário acreditar em deus para alguém ser um bom ser humano e um bom cidadão. Evidentemente, isso é uma completa falácia, que o autor explica e critica. Vale a pena a leitura (em francês). O original está disponível aqui.

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La moralité dépend-elle de la croyance en Dieu ?

Réflexions théologico-politiques

par Jean-Michel Muglioni


En ligne le 3 octobre 2010

Benoît XVI est allé rappeler aux Anglais que sans la croyance en Dieu, l’humanité est vouée au totalitarisme. Il ne fait ainsi que reprendre les propos contre les Lumières de son prédécesseur. Jean-Michel Muglioni demande ici ce qu’il reste de l’exigence d’universalité du catholicisme si un homme ou même une société qui ne croient pas au Dieu de la religion romaine sont voués au mal. Comment la séparation de l’Église et de l’État peut-elle être admise par un croyant pour qui l’obéissance à la loi civile requiert l’accord de son Dieu ? Il suffit de formuler autrement la question pour avoir une autre réponse que celle des papes : est-il vrai que seule la croyance en Dieu peut éviter à un homme d’approuver Hitler ou Staline ?
Le refus des Lumières

Le Pape fait son métier : il veut des fidèles. Il craint de perdre sa clientèle. Et donc la rhétorique de Ratzinger, comme celle de son prédécesseur, ne recule devant rien, pas même devant la reductio ad Hitlerum et Stalinum : Wojtyla avait écrit que « si l’homme peut décider par lui-même, sans Dieu, de ce qui est bon et de ce qui est mauvais, il peut aussi disposer qu’un groupe d’hommes soit anéanti. Des décisions de ce genre furent prises sous le troisième Reich. ». Ainsi les horreurs du siècle passé seraient dues à l’athéisme.

Et d’où vient cet athéisme ? C’est la faute à Voltaire ! Comme on est cultivé au Vatican, on remonte plus loin : c’est la faute à Descartes, au cogito, à l’audace de se demander comme le fait Descartes si l’idée que nous avons de Dieu n’est pas aussi vide que celle d’une chimère, au lieu de se donner d’abord Dieu comme un être qui s’impose à nous avant tout examen et auquel il faut que nous soyons soumis. C’est aussi la faute à Kant, car il a pour thèse principale l’autonomie, c’est-à-dire la subordination de la croyance en Dieu à la moralité. Kant veut dire en effet que si nous nous conduisons bien parce que, croyant en Dieu, nous craignons son châtiment ou espérons ses récompenses, il n’y a aucune moralité dans notre conduite ; notre vie n’a de valeur morale que si elle a pour principe la libre reconnaissance du bien-fondé de l’honnêteté. Si, prolongée par la croyance en Dieu, notre conviction morale se renforce par une espérance en la réalisation de la justice, alors et alors seulement cette foi (qu’il appelle « pratique rationnelle » ou « raisonnable ») n’est plus une affaire de marchandage. Alors croire en un Dieu bon qui a créé un monde où le bien n’est pas irréalisable a un sens. Bref, Kant subordonne la théologie à la morale au lieu comme le Pape de faire dépendre la moralité de la croyance.


Le refus de la liberté de conscience

Ainsi, pour les papes, le pire n’est pas l’athéisme, puisque Descartes croyait en Dieu et même prouve en un certain sens l’existence de Dieu dans sa Métaphysique. Mais pour Wojtyla, affirmer l’existence de ce qu’il appelle, reprenant le mot de Pascal, « le Dieu des philosophes », c’est déjà de l’athéisme, puisque cette thèse métaphysique dépend du libre jugement qu’une conscience porte sur son savoir. Que Kant justifie la foi dans les limites de la simple raison est encore une manière de croire qui place au-dessus de la croyance la liberté du jugement. Ne pas croire comme le demande le Pape, c’est être un homme dangereux, sur la pente de l’hitlérisme et du stalinisme. L’Église a-t-elle donc réellement admis la liberté de conscience que l’histoire, c’est-à-dire les armes plus que les arguments, lui ont imposé de reconnaître ? Son chef ne se soucie pas tant de la croyance en Dieu que de son emprise sur les consciences : il faut qu’il puisse décider de ce qui est bien et de ce qui est mal. J’ai le sentiment que par bonheur mes amis catholiques ne partagent pas ces préjugés. [ Haut de la page ]


Transcendance d’un pouvoir ou transcendance de la raison

De là aussi les sornettes ressassées même en dehors de l’Église sur la transcendance, qui signifient qu’il faut un être tout puissant au-dessus de l’humanité, car, si elle oublie qu’il peut tout sur elle, elle deviendrait folle. Or cette transcendance théologique est le contraire de la transcendance cartésienne de la raison, qui veut dire qu’il y a une divinité de la pensée, de sorte que penser, pour l’homme, c’est pouvoir comprendre la vérité et non pas seulement se faire des idées, comme on dit. Dans un cas on parle de transcendance pour dire que l’homme doit se soumettre à une puissance supérieure, dans l’autre au contraire, il s’agit de rendre compte de l’honneur de penser : par la pensée l’homme participe de l’absolu et doit donc accéder à l’âge adulte de libre juge. Il arrive aux politiques de regretter eux aussi que les hommes ne soient pas tenus par la croyance en la première sorte de transcendance.


Les intégrismes

Comment s’en prendre aux intégristes musulmans, quand des sites catholiques (il suffit chercher sur le Net Mémoire et identité de Jean-Paul II) citent avec délectation cet ouvrage de Karol Wojtyla et rêvent de voir l’Église romaine imposer sa législation aux États ? Les propos des papes font douter que l’Église ait vraiment admis de ne plus régler la vie des hommes dans la cité : aurait-elle encore la nostalgie du temps où les plus ordinaires des pratiques humaines étaient subordonnées aux normes qu’elle imposait, comme la religion musulmane prétend encore le faire dans de nombreux pays ? La confusion délibérée de la religion et de la morale, puis de la moralité et des mœurs, caractérise tous les intégrismes. Dire que sans la croyance en Dieu, le totalitarisme nous guette, c’est leur donner raison, et c’est avoir une conception elle aussi totalitaire de la société et de la vie humaine en général.


Les régimes totalitaires se sont installés en pays chrétiens

Il y a en outre dans les propos du Vatican une naïveté admirable, car enfin le stalinisme a surtout pris dans des pays où il n’y avait guère d’athées. Je sais que l’Eglise orthodoxe a été très réellement persécutée par le régime communiste, mais est-il étonnant qu’elle ait retrouvé aujourd’hui toute son influence politique et que le pouvoir en place en Russie, dont on nous permettra de douter de la vertu républicaine et démocratique, s’appuie sur elle ? De la même façon, les historiens peuvent-ils nous dire que l’Allemagne des années 30 était composée essentiellement d’électeurs athées ? Que la France de Vichy était essentiellement faite de Français refusant le catholicisme ? La croyance en un même Dieu a-t-elle empêché protestants et catholiques de s’entretuer ? Est-elle pour beaucoup dans le règlement présent du problème irlandais ? Les guerres de religions sont-elles moins effroyables que d’autres, et les croisades ? Mais pour être vicaire de Dieu, on n’en écrit et on n’en dit pas moins n’importe quoi. Autre exemple. Il faut saluer la volonté du Vatican de mettre fin à des pratiques que les ministères de l’éducation ont partout couvertes jusqu’à une période récente, y compris dans l’école laïque, mais on ne voit pas que leur croyance ait mieux garanti de la pédophilie les serviteurs de Dieu que les autres hommes. Il n’est pas vrai que d’une manière générale la croyance en Dieu soit une preuve de moralité ou qu’elle éloigne du mal. [ Haut de la page ]


La reductio ad hitlerum n’a aucun sens

La question du rapport de l’athéisme et de la vertu morale et politique a été débattue par des philosophes, et tout au long du XVIII° siècle, à partir des Pensées sur la comète de Bayle ; ceux-là même qui voyaient là un vrai problème avaient d’autres arguments, et certains d’entre eux voulaient précisément fonder un ordre politique qui ne soit pas subordonné à une religion. Il y a donc une part de vérité dans les propos des papes, mais dans toute leur rhétorique, comme dans toute rhétorique politique ou théologico-politique, le pire est moins ce qu’elle fait dire de faux ou de mensonger, que son usage de la vérité. Par exemple, il est vrai, comme Wojtyla et Ratzinger le remarquent, qu’un peuple peut élire démocratiquement un despote, et ils peuvent prendre l’exemple de Hitler : mais ils n’ont pas le droit d’en conclure que les Lumières et Descartes, ayant appris aux peuples à disposer d’eux-mêmes et à se donner des lois, sont une cause de l’hitlérisme. Il est vrai que les lois démocratiquement votées peuvent être injustes, mais cet argument, et tous les exemples qu’on voudra, car ils sont nombreux, ne permettent pas de conclure que l’athéisme favorise l’injustice des lois. Cet argument n’a aucun sens : avant l’apparition chez nous de la démocratie et avant la séparation de l’Église et de l’État, les lois étaient-elles plus justes ? (Il est vrai que le but de la rhétorique romaine est aussi de s’en prendre à l’injustice prétendue des lois autorisant l’avortement dans certaines conditions). Osera-t-on prétendre que, pour savoir que la loi que les hommes se donnent peut être injuste, et pour avoir le courage de s’y opposer, il faut croire au Dieu des chrétiens ? Les Anciens le savaient et les théories du droit naturel, dont la Déclaration des droits de l’homme et du citoyen est issue, sont nées d’un combat contre la doctrine de cette Église et contre l’idée que le droit devrait avoir un fondement dans la foi – un fondement théologique et surnaturel, mais non rationnel ou naturel. C’est un retour à ce qu’on appelait la philosophie « païenne » qui a permis la révolution des Lumières. Le prêtre envoyé pour que Montesquieu sur son lit de mort renie L’Esprit des lois ne s’y était pas trompé. Bref, comme toujours, la force de la rhétorique repose sur un pari, qui est l’ignorance de ceux auxquels elle s’adresse. Car on le voit, la plus élémentaire vérité historique est bafouée. [ Haut de la page ]


Subordonner le respect de l’homme à la croyance en Dieu est le préjugé commun d’un certain christianisme et du scientisme le plus réducteur

Subordonner la distinction du bien et du mal à la croyance en Dieu, prétendre que sans cette croyance un homme peut disposer des autres comme il l’entend et les anéantir, subordonner donc le respect de la personne humaine à cette croyance, tel a toujours été le principe des persécutions religieuses.
Mais d’un autre côté il est devenu courant de soutenir que toute limitation imposée par la loi aux manipulations génétiques, par exemple, bride la recherche scientifique au nom de préjugés chrétiens archaïques ; que même le respect accordé à la personne humaine, c’est-à-dire le refus de réduire l’homme à l’animal qu’il est aussi, est un préjugé chrétien ou judéo-chrétien, suprême injure. Ce serait une illusion anthropocentriste qu’affirmer la supériorité de l’homme sur la bête, la valeur absolue de la personne humaine. Si les papes ne changent pas de rhétorique, alors ces « thèses » scientistes ont un bel avenir, car il devient impossible de distinguer religion et superstition et de soutenir que le respect de la personne humaine n’est pas une croyance irrationnelle contraire à la biologie moléculaire ou à la neurologie, lesquelles en effet ne risquent pas de trouver dans leurs laboratoires ce qui distingue l’homme de l’animal.

Envisagée au point de vue politique, la subordination de la morale à la religion revient à abandonner par exemple les comités d’éthique à l’arbitraire, puisque cette croyance ne saurait servir de principe à une législation qui s’impose aussi aux non-croyants. Alors il suffira de considérer qu’il y a une grande diversité de religions et de croyances, qu’elles varient selon les lieux et les époques, et que la vérité scientifique seule est universelle. Le catholicisme a souvent une façon de prétendre à l’universalité (catholique, en grec, veut dire universel) qui ruine ce qui en fait la vérité, c’est-à-dire son affirmation de la valeur absolue de la personne humaine en tout homme quel qu’il soit. Si cette valeur dépend de la religion qu’on a ou qu’on n’a pas, alors c’en est fini de l’universalité. On pardonnera la banalité d’un tel propos, mais elle signifie seulement que l’anticléricalisme est un combat éternel, pour qui du moins ne se contente pas d’une fausse morale et d’une fausse spiritualité.
[ Haut de la page ]
© Jean-Michel Muglioni et Mezetulle, 2010

08 setembro 2010

Tese de doutorado sobre Augusto Comte: "O momento comtiano"

Está disponível na rede minha tese de doutorado em Sociologia Política sobre o projeto sociopolítico de A. Comte, intitulada "O momento comtiano: república e política no pensamento de Augusto Comte". Ela foi defendida em 29 de março de 2010, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC, e tive a satisfação de ter como orientador o Prof. Ricardo V. Silva.

Em 2019 essa tese deverá ser publicada como livro pela Editora da UFPR.

http://www.tede.ufsc.br/teses/PSOP0369-T.pdf


O resumo da tese é este.


A pesquisa visa a expor e a explicar os principais traços da teoria política de Augusto Comte, considerando em particular seu projeto de república. Para isso, é necessário compreender o caráter sistêmico de tal pensamento, que implica que o todo precede as partes e que cada aspecto é ligado a todos os demais; assim, aplicando essa regra ao que Augusto Comte chama de “natureza humana” e à própria história humana, o que podemos chamar de “teoria política comtiana” é somente um aspecto de um pensamento englobante que abarca a inteireza da realidade humana.

Isso nos conduz a um novo princípio para compreendermos as idéias de Comte: o “englobamento de contrários”, conforme definido por Louis Dumont. Tal princípio consiste em que os valores sociais estabelecem ordens englobantes, que indicam a importância relativa de cada elemento face ao conjunto da sociedade; se o valor principal modificar-se ou alterar-se, a ordem dele derivada também se modifica. Assim, o Positivismo estabelece um princípio geral: o mais nobre modifica o mais grosseiro ao submeter-se a este; esse princípio é de caráter epistemológico, social e político e é completado por um par conceitual: “objetivo” e “subjetivo”. A combinação desses elementos resulta que o mais geral precede lógica, teórica e politicamente o mais específico, seja em termos humanos (subjetivos), seja em termos cosmológicos (objetivos); a essas oposições, especialmente na ordem humana, acrescenta-se outra: masculino-feminino, que pode ser convertida para intelectual/prático-moral/afetivo. Esses pares de oposições geram duas ordens gerais e englobantes de classificação: uma “oficial”, baseada em aspectos materiais, presentes e objetivos (políticos e econômicos), e outra “subjetiva”, baseada em aspectos espirituais e passados e futuros (intelectuais e morais).

Em termos metodológicos, como nos propomos a levar em consideração a lógica interna do pensamento comtiano, baseamo-nos nos conceitos elaborados por Mark Bevir: “tradições”, “dilemas” e “agência humana”. Grosso modo, eles referem-se respectivamente às correntes de pensamento que informam as idéias de alguém; as diferentes idéias que resultam em dificuldades que cada qual tem para confrontar ou para acomodar às suas próprias idéias na vida adulta; as capacidades e a liberdade individuais para criar novas formas de pensar e de organizar as idéias. Aplicando essas categorias analíticas a Comte, o resultado é o seguinte: as tradições que o informaram foram, de acordo com suas próprias observações, a dos “reacionários” (com Joseph de Maistre), a dos “revolucionários” (com o Marquês de Condorcet) e uma terceira, chamada genericamente de “positiva”, relacionada aos “enciclopedistas” (com Denis Diderot); seus dilemas eram os diálogos que realizou entre essas tradições a partir da terceira delas e, de maneira mais específica, a respeito dos problemas políticos, sociais e filosóficos com que se defrontou a França após a Revolução Francesa e, depois, com que o próprio Comte defrontou-se durante a década de 1840, particularmente durante a II República francesa (1848-1851).

Antes e durante a apresentação das idéias políticas comtianas, tratamos do ponto de vista teórico de alguns conceitos-chave tanto para a Teoria Política contemporânea quanto para a de Comte: “política”, “liberdade”, “igualdade”, “direitos e deveres”, “república”, “autoritarismo”, “ditadura” e, last but not the least, “democracia”. Após isso, apresentamos o projeto político positivista – nomeado em referência à realidade social, isto é, como “sociocracia” –; em termos gerais, esse projeto afirma que não há sociedade sem governo (nem vice-versa: não há governo sem sociedade); o governo, por seu turno, pode ser de dois tipos: espiritual ou temporal. A partir do “princípio de Aristóteles” – que estabelece que a sociedade consiste na separação dos ofícios e na convergência dos esforços –, o objetivo do governo é buscar a convergência dos esforços parciais: o poder Temporal no âmbito material, prático, e o poder Espiritual no que se refere às questões de idéias, valores e crenças. Além disso, enquanto o poder Temporal é responsável pelas pátrias (“cidades”, “cités”), o poder Espiritual atua no âmbito da educação, unindo entre si os cidadãos de cada cidade e as repúblicas do mundo inteiro.

As principais características das sociedades modernas, republicanas, são estas: pacifismo, altruísmo, generalidade de vistas; acima e antes de tudo, a estrita separação dos dois poderes (Temporal e Espiritual), conjugando a liberdade espiritual (isto é, as liberdades de pensamento e de expressão) com a ordem material (isto é, civil); ao mesmo tempo, deve ocorrer a consolidação dos poderes sociais (ou seja, políticos e econômicos) com afirmação das suas responsabilidades sociais, sob vigilância constante da opinião pública. A partir de tais valores e medidas práticas, segue-se uma detalhada e arrazoada relação de medidas específicas: transformação das grandes Forças Armadas em gendarmarias; fragmentação livre e pacífica dos grandes estados em pequenas unidades políticas; fim dos orçamentos teóricos (teológicos, metafísicos e científicos); estabelecimento da “hereditariedade sociocrática”; concentração do governo em um governante, seguida de um triumvirato, com a redução do parlamento a funções apenas e estritamente orçamentárias.


Palavras-chave: Teoria Política; englobamento de contrários; república; Augusto Comte; sociocracia; poder Espiritual; poder Temporal; liberdade.

16 agosto 2010

Ficha limpa, exceções e satisfação pública

Artigo publicado na Gazeta do Povo, em 15.8.2010:

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1035872


Ficha limpa, exceções e satisfação pública

Publicado em 15/08/2010 | Gustavo Biscaia de Lacerda

Embora vários críticos da Lei da Ficha Limpa tenham afir­­mado que se trata de uma proposta demagógica, é difícil não ver nela um instrumento simples e poderoso para que a qualidade moral e política dos candidatos seja mantida ou aumentada

Uma das palavras mais interessantes – e mais difíceis de traduzir – que a Ciência Política anglossaxã apresentou ao mundo é accountability. Em linhas gerais, ela corresponde à prestação pública e política de contas: não no sentido contábil ou financeiro, mas no de “dar satisfação”. Se um político – ou qualquer servidor público, ou mesmo qualquer indivíduo – assume publicamente compromissos, é investido de responsabilidade e obtém determinados poderes para cumprir o que prometeu e realizar as atividades inerentes à função. A contrapartida desses privilégios é satisfazer necessidades sociais e dar satisfação ao conjunto da sociedade do que fez e do que não fez: isso é accountability.

Deixemos de lado as várias possibilidades sociais e institucionais da accountability e concentremo-nos em outra questão: a prestação de contas no caso dos políticos não é apenas pelas promessas feitas (cumpridas ou não), mas também pelo comportamento de cada político face às instituições públicas: cada político age de modo a reforçar a importância das leis e sua justiça? As liberdades públicas são respeitadas e reforçadas? Há um ambiente social de verdadeira participação na vida pública e de promoção do bem comum? Ou, ao contrário, tem-se a sensação de desrespeito ao bem comum, de leis parciais e particularistas, de comportamentos predatórios?

A teoria atualmente aceita a respeito da representação política e das eleições estabelece que a sociedade escolhe com liberdade e, supostamente, com conhecimento de causa os candidatos que mais satisfazem as aspirações de grupos e indivíduos. De acordo com essa doutrina, os políticos sérios e “representativos” são eleitos e reeleitos, ao passo que os que não cumprem suas funções não obtêm a reeleição: essa é uma forma indireta de realizar-se a accountability.

Entretanto, por diversas razões, a qualidade política e até moral dos candidatos nas últimas décadas tem-se revelado baixa, em particular com postulantes que veem na representação uma forma de enriquecimento ou de obterem imunidade jurídica face a crimes diversos, em vez da realização de uma função pública, mesmo a despeito de uma suposta seleção feita pelos partidos políticos. Em tais casos, o descompasso entre a teoria da accountability eleitoral e a realidade social é gritante, pois inúmeros políticos vinculados diretamente ou indiretamente a crimes de diferentes espécies são eleitos e reeleitos: para minorar esses (d)efeitos, promulgou-se neste ano a lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n.º 135/2010), que impede que políticos condenados por diversas modalidades de corrupção candidatem-se a cargos públicos.

Embora vários críticos dessa lei tenham afirmado que se trata de uma proposta “demagógica” e “hipócrita”, é difícil não ver nela um instrumento simples e poderoso para que a qualidade moral e política dos candidatos seja mantida ou aumentada. Minará a autonomia dos partidos? Isso é discutível, mas é ainda mais discutível o tipo de autonomia defendida para que os partidos apresentem candidatos com problemas na Justiça. A sociedade pode e deve escolher sozinha seus candidatos? Sim, sem dúvida, mas é sabido que o voto com “conhecimento de causa” é difícil e que o “bem comum”, embora seja fundamental na vida pública, é uma categoria por vezes demais distante das preocupações dos cidadãos.

A lei da “ficha limpa” veio em boa hora: na verdade, demorou. Assim, todas as exceções que a Justiça (comum ou eleitoral) estabelece a essa lei servem para apenas um resultado: para diminuir a qualidade da votação e para degradar a República.

Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo da UFPR e professor da UTP. E-mail: GBLacerda@ufpr.br

28 junho 2010

Passos longos do gigante

Entrevista publicada no dia 27.6.2010, na Gazeta do Povo (Curitiba):

Mundo

Segunda-feira, 28/06/2010

Diplomacia

Os passos (muito) longos do gigante

Brasil se mostra reticente em tomar partido nos conflitos regionais sul-americanos, mas se expõe em questões distantes

Publicado em 27/06/2010 | Osny Tavares

A lenda da “Bota de Sete Léguas” é uma das mais conhecidas do folclore europeu. Segundo a tradição oral, há um par de botas mágicas que dá àquele que as veste a possibilidade de, em um único passo, percorrer a distância que dá nome ao calçado, o equivalente a 45 quilômetros. O que aparenta ser uma grande vantagem para o caminhante se torna, aos poucos, motivo de frustração. Em um único passo, o usuário das botas pula de uma cidade a outra, e se torna impossível para ele conhecer o local a contento. A menos que as descalce, é claro.

O Itamaraty parece ter calçado a bota das sete léguas diplomáticas antes de sair pelo mundo atuando nos conflitos internacionais. Ao mesmo tempo em que faz lances pouco arriscados em imbróglios entre vizinhos sul-americanos, o Brasil se compromete e se alinha em questões distantes, que não se refletem diretamente nos problemas do país.

Do outro lado da fronteira amazônica, por exemplo, a relação política entre Colômbia e Venezuela é instável ao menos desde 2008, quando uma operação militar colombiana no Equa­­dor matou um líder das Forças Armadas Revolucionárias da Co­­lômbia (Farc). O governo Chá­­vez acusa a Colômbia de “invasão do território” de seu aliado, e fez vários desagravos públicos a Bogotá. Instado a mediar o conflito, o Brasil pôs panos quentes na possibilidade de haver um conflito armado entre os dois paí­­ses. Porém não mediou negociações para uma reconciliação definitiva – como chegou a ser sugerido por analistas internacio­­nais – nem se alinhou a qualquer uma das partes, resistindo aos pe­­didos de apoio dos dois países.

A mesma moderação não é identificada na posição brasileira em relação ao polêmico programa nuclear iraniano, que o Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU) acredita ser militarista. O governo em Teerã, há 15 mil quilômetros de Brasília, contou com os apoios brasileiro e turco du­­rante a votação de sanções ao país persa. Brasil e Turquia, mem­­bros rotativos do CS, foram os únicos a votar contra a imposição de restrições comerciais ao governo Ahmadinejad. O alinhamento pró-Irã foi criticado pela secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, para quem há “divergências muito sérias” entre Brasil e Estados Unidos em relação ao país.

Na avaliação de Jorge Fon­­toura, doutor em Direito Inter­­nacional e professor do Instituto Rio Branco, as escolhas brasileiras em sua política internacional estão de acordo com a linha ideológica da cúpula do governo brasileiro. “Na política nacional, o executivo faz um governo de coabitação entre os partidos, mas na política externa segue suas convicções ideológicas”, analisa.

Porém nos esboços de divisão entre esquerda e direita presentes na América do Sul, o Brasil não está assumindo posições com a mesma paixão, concorda Fontoura. “No continente, o Bra­­sil tem responsabilidades mais evidentes. Mesmo com países como Bolívia e Venezuela, que parecem ter mais sintonia com o nosso governo, a relação é am­­bígua. Não há condenação ou apoio a estes governos”, avalia, apontando questões econômicas como principal motivo do distanciamento: “O Brasil não pode se associar diretamente a países com democracias problemáticas porque é o maior receptor de investimentos do bloco sul-americano – e investidores temem ameaças à democracia”.

No entanto, para Gustavo Bis­­caia de Lacerda, sociólogo e cientista político da Universidade Fe­­deral do Paraná (UFPR), a escolha brasileira é, sobretudo, impulsionada pelo momento atual da geopolítica global. “Há dois anos ou mais o Brasil esteve profundamente envolvido em questões latino-americanas. Como essas questões foram mais ou menos solucionadas, passa-se para um novo momento. Ao mesmo tempo, o Brasil de Lula e Celso Amo­­rim tem ambições mundiais, daí a participação nas negociações com o Irã. Não creio que haja uma inversão de prioridades. Haveria tal inversão se, em vez de desenvolvermos o presente ativismo, adotássemos, por exemplo, um perfil mais comercial e menos político”, relaciona.

No passo longo da diplomacia brasileira, Lacerda reconhece diferenças em relação ao comportamento dos principais atores internacionais da atualidade. “O Brasil é uma potência econômica e diplomática com legitimidade e capacidade de articulação política, mas não temos os demais atributos das demais potências, em particular os efetivos militares. Isso aumenta nossa legitimidade nos foros internacionais”, prevê.

Importância regional

Mesmo que o Brasil seja alçado ao nível das grandes influências políticas internacionais, a Amé­­rica do Sul continuará sendo uma região de importância fundamental para o bem-estar político e econômico do país, concordam os especialistas ouvidos pela reportagem. “Há uma relação de simbiose na região. O Brasil é o fiador do sucesso do continente, e se a América Latina estiver bem o Brasil também estará”, prevê Fontoura.

Biscaia de Lacerda corrobora a análise de correlação: “Os problemas regionais sempre nos afetarão, seja devido às questões de segurança – como uma guerra civil na Colômbia ou problemas sociais, políticos e econômicos no Paraguai, na Bolívia, na Vene­­zuela e, em menor escala, na Argentina – seja devido ao “efeito de demonstração”. Se o Brasil não consegue apaziguar ou manter o seu entorno em relativa paz, como pretende interferir nas grandes questões mundiais?”, indaga.

Nesse campo minado, contudo, é importante para o Brasil não passar a falsa imagem de país imperialista. “Hoje, o capital brasileiro tem inserção internacional e o empresário brasileiro atua agressivamente. O Brasil precisa ser sábio com seus vizinhos para não criar a pecha de arrogante”, recomenda Fontoura.

“Convém notar que estamos em uma situação internacional de destaque não somente porque nos esforçamos e sacrificamos para isso, mas também porque houve um declínio relativo de outras grandes potências”, ressalta Biscaia de Lacerda. “Embora estejamos agora em uma situação melhor do já estivemos, não temos condições de financiar qualquer outro ativismo internacional que não seja o das negociações”.

06 junho 2010

EUA querem dividir a conta

Entrevista concedida ao jornal Gazeta do Povo, de Curitiba (n. 29 427, de 6.6.2010):

http://www.gazetadopovo.com.br/mundo/conteudo.phtml?tl=1&id=1010877&tit=EUA-pedem-para-dividir-a-conta

Infelizmente, a jornalista indicou apenas que sou professor da Universidade Tuiuti, mas não sociólogo da Universidade Federal do Paraná, gerando confusão entre os dois empregos.

31 maio 2010

Criticidade de manual

Artigo publicado em 31.5.2010, no jornal Gazeta do Povo (Curitiba, n. 29 421, p. 2); o original pode ser lido aqui.


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Criticidade de manual

Na realidade pedagógica brasileira inúmeros temas são tratados de maneira rasteira, estereotipada e baseada em interesses facciosos.

A recente introdução da Sociologia no ensino médio, embora segundo alguns seja um avanço para a “reflexão social crítica”, também apresenta um sério risco de criar distorções intelectuais e políticas. A Sociologia, ao contrário de outras disciplinas, como a Matemática ou a Biologia, trata diretamente da organização da nossa sociedade; o que se ensinar em suas aulas terá consequências claras, embora não mecânicas nem imediatas, para a vida coletiva. Dessa forma, problemas em seu ensino resultam em sérios problemas sociais.

Deixemos claro, antes de mais nada, que não advogamos uma ciência “neutra”, asséptica, que se encastele nos bancos escolares e que, no fundo, não tenha serventia social alguma: o que nos preocupa, ao contrário, é que essa disciplina sirva para difundir preconceitos interessados, à direita e/ou à esquerda, isto é, dos marxistas, dos liberais ou dos católicos. Ao difundir preconceitos teóricos, essa disciplina pode legitimar perspectivas e rejeitar outras, ao sabor das conveniências e dos interesses.

Não afirmo que isso seja a regra: mas, por um lado, a implantação da Sociologia no Ensino Médio está apenas no início (ou seja, há tempo de sobra para tais distorções firmarem-se). Por outro lado, já temos à disposição exemplos clamorosos que confirmam os temores: basta ver a proposta de diretrizes para Sociologia do estado do Rio de Janeiro (cf. aqui: http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=1587〈=pt-br).

Vejamos outro exemplo, mais sutil e, por isso, mais daninho. No vestibular da Universidade Estadual de Maringá (UEM) de 2009, víamos a seguinte questão na prova de Sociologia: “Sobre o tema conflito social, assinale o que for correto”; entre as várias opções, havia a seguinte: “08) Auguste Comte define o conflito como propulsor da mudança social em direção ao Estado positivo”. O formulador da prova considerava que essa afirmação está errada – mas, ao contrário do afirmado pelos preconceitos (interessados ou não) e repetido pelos manuais, isso é incorreto.

A perspectiva-padrão (e única) dos manuais é que a teoria comtiana é a favor do “consenso”, a partir de um organicismo, em que todos os indivíduos e instituições têm de ser pacíficos e obedientes à ordem social vigente; assim, ele seria o arquiconservador, a que se deve opor o “progressivismo” da revolução e dos “conflitos”. Ora, deixando de lado a ideologia partidária implícita nessa visão, o fato é que – como minha tese de doutorado em Sociologia Política foi, precisamente, sobre a teoria sociopolítica de Augusto Comte – posso afirmar com segurança que essa teoria não é 1) contra o “conflito”, 2) nem organicista, 3) nem a favor do status quo 4) nem “conservadora”.

Recentemente, colaborei na elaboração da apostila do Colégio Positivo para a disciplina de Sociologia no ensino médio, redigindo a parte relativa a Comte: sem dúvida que abordei o tema acima. Todavia, essa é apenas uma única apostila – mesmo que seja uma apostila adotada em centenas de escolas Brasil afora –; outra coisa é a realidade pedagógica brasileira, em que inúmeros temas são tratados de maneira rasteira, estereotipada e, como vimos, baseada em interesses facciosos; ainda outra coisa é a realidade dos vestibulares, que seguem os mesmos preconceitos e erros, seja voluntariamente, seja involuntariamente.

Como dissemos há pouco, o exemplo acima é sutil, mas seus efeitos intelectuais e práticos não o são. O resultado disso tudo é desastroso sob qualquer perspectiva: os alunos dos manuais são deseducados, os vestibulares incentivam o erro e, no meio do caminho, quem aprender corretamente os conceitos sociológicos poderá ser apenado devido aos estereótipos acadêmicos e políticos.

30 maio 2010

Mais um artigo sobre Comte: moral laica e Positivismo

Mais um artigo sobre Comte, agora da autoria de Laurent Fedi e sobre a contribuição do Positivismo para a moral laica em ambientes de Concordata - aliás, nada mais atual para o Brasil.

http://www.augustecomte.org/contenu/fjoints/49-fjoint.doc

22 maio 2010

Propaganda antecipada, cultura política e república

O texto abaixo foi publicado no jornal curitibano Gazeta do Povo de 20 de maio de 2010; pode ser consultado diretamente por aqui:

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1004919&tit=Propaganda-antecipada-cultura-politica-e-republica

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Três anos atrás, víamos que nos Estados Unidos a campanha eleitoral que escolheria o sucessor de George W. Bush iniciara-se mais de um ano e meio antes das eleições: já no Brasil a campanha só pode começar seis meses antes. Por que a diferença?

Nos dois países os valores em jogo são a consideração de que todos os cidadãos podem, em princípio, concorrer a todos os cargos em igualdade de condições e em ambientes livres (sem impedimentos socioinstitucionais). O que muda em cada caso é que nos Estados Unidos valoriza-se mais a liberdade de associar-se e difundir as ideias dos candidatos; no Brasil valoriza-se a igualdade de condições da disputa, procurando-se evitar que o poder econômico de alguns ponha em desvantagem os economicamente menos privilegiados, mas cuja participação, pelo simples fato de serem cidadãos, é considerada tão importante quanto a dos demais.

Não vem ao caso tratar do acerto da escolha brasileira: aceitemo-la e consideremos o que se pratica no país. O que se pratica? A afir­­ma­­ção despudorada, ainda que cautelosa, da força do poder políti­­co e não do poder econômico: são os grupos no poder que têm maior possibilidade de propaganda antecipada, transformando a administração pública em palanques eleitorais em nome do “povo” (Mas não consideramos aqui que os programas sociais em voga são “eleitoreiros”: afinal, o Brasil apresenta problemas sociais muito sérios, que exigem atitudes que se dirijam diretamente aos grupos excluídos; é natural que os políticos que satisfaçam essas necessidades terão apoio popular).

O que interessa aqui é o seguinte: o desrespeito à legislação que proíbe a propaganda antecipada afeta de que maneira a cultura política brasileira? A resposta direta é: esse desrespeito fragiliza a nossa “república”; essa fragilização não é somente uma consequência indireta, mas também é um resultado intencional de vários políticos.

Enquanto a democracia pode ser definida grosso modo como a afirmação da “soberania popular”, a república pode ser entendida como o conjunto de instituições políticas que organiza os cidadãos em sua vida coletiva. Essas instituições têm de ser legítimas, isto é, consideradas aceitáveis e representativas da vontade do conjunto dos cidadãos; além disso, elas têm de ser minimamente eficazes, no sentido de que consigam identificar as demandas sociais e dar soluções para elas.

Ora, o que se vê é que o desdém pelas instituições políticas brasileiras é cada vez mais a regra, mesmo apesar do afirmado apoio de vários grupos e partidos políticos às instituições republicanas. Na verdade, pode-se considerar com seriedade que esse apoio é a compensação retórica para o desrespeito prático. Daí se desenvolve um sistema de hipocrisia que a população reconhece com facilidade: não são casuais o desânimo e a apatia políticos manifestados atualmente.

O problema vai além, pois as outras instituições responsáveis pela saúde política da república, ou são omissas ou, quando fiscalizam, são mais e mais achincalhadas. Os exemplos mais dramáticos são a imprensa, o Tribunal Superior Eleitoral e o Ministério Público: de maneira hipócrita e demagógica, todas as investigações que tais órgãos fizeram nos últimos meses foram desqualificadas, ridicularizadas e afirmadas como “perseguição partidária”. O mais clamoroso exemplo, para o que nos interessa, é o desdém do presidente Lula às (raras) multas que o TSE aplicou-lhe pelo desavergonhado uso eleitoral da propaganda institucional.

Repitamos: esse desrespeito sistemático tem efeitos na cultura política nacional, no sentido de estimular a apatia. Para evitar isso, a vida política tem de ser entendida como mais ampla que a atividade partidária, incluindo principalmente o controle do público sobre o Estado. Assim, o apoio popular às investigações do Ministério Público e à cobrança de que o TSE multe com rigor as propagandas eleitorais antecipadas é uma forma republicana e efetiva de participação política.

04 abril 2010

Ode à Polônia

A ode abaixo é de autoria do poeta positivista Edgar Proença-Rosa, que em 1939 redigiu-a em apoio à Polônia e em rejeição ao crime nazista.

Eis as palavras de Paulo Augusto Proença-Rosa, filho do poeta, ao enviar o poema:

"Sem prévia declaração de guerra, os alemães invadiram a Polônia no dia 1 de setembro de 1939; alguns focos de resistência lutaram por vários mêses, mas a guerra defensiva acabou com a rendição da Grupo Operacional da Cavaleria Independente do Gen. Franciszek Kleeberg no dia 5 de outubro de 1939. É neste triste episódio que meu pai, sofrendo com a descabida invasão, inspirou-se para escrever este emocionado poema".

* * *

ODE À POLÔNIA

Não morrerás, Polônia! Imorredouros

São teus feitos e filhos do passado!

Gloriosa viverás séculos vindouros,

Pois teu rincão por todos é amado!

És formada das mais belas

E suaves melodias!

O teu céu é só estrelas

Que te banham de harmonias!

Mesmo que a vândala e desleal nação,

Com legiões de vis escrofulosos,

O solo teu profana com a invasão...

Os teus filhos encontrarão gloriosos!

Paderewsky, o profundo,

Brailowsky divino,

Andam por todo mundo

Espalhando teu hino!

Não morrerás, Polônia! é imortal!

Nas páginas sublimes da história,

Os povos guardarão tua memória,

Pois não te atingirá golpe fatal!

És a mãe da “Polonaise”,

Das sonatas de Chopin,

Por isso não há quem despreze

Tua desgraça também!

A pérfida nação que te invade,

Cheia de fúria e de inveja alvar,

Do seio teu um dia hás de expulsar,

E terás outra vez a liberdade!

Edgard Ramos de Proença Rosa

Rio de Janeiro/ Copacabana/ novembro de 1939

10 fevereiro 2010

Eqüidade entre Augusto Comte e John Rawls

Artigo publicado na Brazilian Political Science Review (Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 58-92), comparando os conceitos de eqüidade presentes nas obras de Augusto Comte e John Ralws:

http://www.bpsr.org.br/english/arquivos/BPSR_v3_n1_feb2010_03.pdf