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23 junho 2024

Transição para o Positivismo no monoteísmo extraocidental

No dia 2 de Carlos Magno de 170 (18.6.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua undécima conferência, dedicada ao regime público.

Como a leitura comentada esteve um pouco travada nas prédicas anteriores, decidimos não realizar o sermão - que, de qualquer maneira, apresenta apenas um caráter complementar na prédica. 

Assim, pudemos estender-nos nos comentários ao Catecismo positivista, que, nessa prédica, referiram-se à transição para a Religião da Humanidade nos países monoteístas que não integram o Ocidente, ou seja, em particular a Rússia (na época em que o Catecismo foi escrito, o Império Russo), a Turquia (na época em que o Catecismo foi escrito, o Império Turco-Otomano) e o Irã (na época em que foi escrito o Catecismo, a Pérsia). 

Antes de iniciarmos a leitura comentada do Catecismo, fizemos comentários adicionais sobre alguns livros:

- A esquerda não é woke, de Susan Neiman

- O momento comtiano, Laicidade na I República e Comtianas brasileiras, além de outros, de Gustavo Biscaia de Lacerda

- O léxico de Augusto Comte, de Ângelo Torres.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/sX11C) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/Mnayr).

A leitura comentada começou aos 43 min 43 s.



04 março 2022

Mais alguns comentários sobre a invasão russa contra a Ucrânia

As observações abaixo dão continuidade à postagem feita em 2.3.2022 sobre a invasão russa da Ucrânia (disponível aqui). Elas não se referem às questões militares, mas à justificativa dada pela Rússia e às interpretações dadas no Brasil para essa invasão. Dessa forma, as observações tratam tanto de questões de fato quanto de questões de valores.

* * *

O "realismo" de Henry Kissinger que condena a inclusão da Ucrânia na OTAN é o mesmo que justifica o embargo econômico dos EUA contra Cuba: trata-se da idéia de "zonas de influência".

Como descrição política, as "zonas de influência" fazem sentido, é claro. Durante a Guerra Fria, essa era uma realidade fática e não havia muito o que falar: isso justificou a invasão soviética da Tchecoslováquia e da Hungria, da parte comunista, e o embargo contra Cuba, da parte dos EUA.
O problema é que não estamos mais na Guerra Fria. Assim, da mesma forma que o embargo dos EUA contra Cuba torna-se incompreensível e injustificável, deixar a Ucrânia à mercê da Rússia é inaceitável.
Foi a idéia das zonas de influência que justificou e legitimou, em última análise, a anexação violenta da Criméia pela Rússia em 2014. Em reação a essa violência, como nação soberana e preocupada com as questões mais elementares de segurança e de existência política, a Ucrânia foi atrás da OTAN (juntamente, e não por acaso, com inúmeros outros países da antiga Cortina de Ferro). Mas é ainda a idéia da "zona de influência" que justifica, da parte dos "realistas", a atual agressão russa contra a Ucrânia - pois a Ucrânia teria "provocado" a Rússia ao tentar defender-se, ao tentar preservar-se como país soberano e ao tentar evadir-se, dentro de suas possibilidades, da zona de influência russa.
O que não é explícito nesses raciocínios é que esse "realismo" acaba adotando um viés a favor das grandes potências: os países pequenos ou médios têm que se submeter às grandes potências. Em outras palavras, caso os países pequenos ou médios tentem ser, eles mesmos, realistas em favor de si mesmos, eles sofrerão punições das grandes potências a que estão submetidos. Para o realismo à la Henry Kissinger, as coisas são assim mesmo, não há muito o que dizer - e azar de quem não é grande potência.
É esse corolário meio fático, meio moral, de "azar de quem não é grande potência", que justifica a absurda afirmação de que a Ucrânia teria "provocado" a Rússia em 2022 ao solicitar a inclusão defensiva na OTAN, mesmo após ter sido desmembrada violentamente pela Rússia em 2014.
Para concluir: esse raciocínio "realista" encontra eco entre os esquerdistas que criticam a OTAN... bem entendido: encontra eco na medida em que os esquerdistas manifestam o seu antiamericanismo e seu anticapitalismo por meio da crítica à OTAN. Mas esses mesmos esquerdistas rejeitam essa teoria das zonas de influência quando se trata de Cuba. Enfim, é aquele negócio: dois pesos, duas medidas. (Nesse caso, o cinismo dos "realistas" é mais honesto que a hipocrisia dos esquerdistas; mas essa é outra questão.)

02 março 2022

Alguns comentários sobre a invasão russa contra a Ucrânia

A guerra da Rússia contra a Ucrânia começou na noite de 23 para 24 de fevereiro de 2022, após semanas de aumento de tensões e de ameaças russas contra a Ucrânia. Como não poderia deixar de ser – em particular nesta época de notícias e opiniões difundidas em tempo real –, isso deu azo às mais diversas perspectivas; como, por outro lado, a análise do conflito depende precisamente das perspectivas adotadas, convém tecermos algumas considerações a respeito de algumas delas.

À parte o antiamericanismo dos (cripto)comunistas, muitas pessoas razoáveis têm sido ambíguas a respeito da invasão da Ucrânia ao adotar o curioso realismo à la Henry Kissinger[1], dizendo que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) expandiu-se de maneira irresponsável entre os anos 1990 e 2020, irritando e “atemorizando” (!) cada vez mais a Rússia.

Ora, Letônia, Estônia, Lituânia, Hungria, Polônia[2]: todos esses países e diversos outros foram atrás da OTAN, em vez de terem sido buscadas pela organização. Esses países buscaram a OTAN não para “provocar” a Rússia, mas, muito ao contrário, por um medo histórico desse país – aliás, tão histórico quanto as alegadas relações umbilicais entre Rússia e Ucrânia.

A Ucrânia quer aderir à OTAN simplesmente porque tem medo – cada vez mais justificado – da Rússia. E a invasão da Criméia em 2014 parece que não ocorreu e que não foi um ato violentíssimo, praticado pela “irmã” Rússia. Se antes de 2014 o desejo ucraniano de ingresso na OTAN talvez pudesse ser condenado em termos do “realismo” de Kissinger, o fato é que após a tomada da Criméia essa condenação tornou-se mera figura de retórica e o medo ucraniano da prepotência russa (e não o contrário) tornou-se mais real do que nunca.

Da mesma forma, um dos argumentos para tentar-se justificar a invasão da Ucrânia – que, cada vez mais, evidencia que terminará por destruir o país em termos geográficos, políticos, econômicos e sociais – são os laços étnicos entre Rússia e Ucrânia. Isso não é desprezível, evidentemente. O problema é que esse argumento tem sido mobilizado para justificar a invasão (e a destruição) da Ucrânia pela Rússia; mais do que isso: o argumento da fraternidade étnica tem sido usado para negar aos ucranianos o direito soberano de decidirem coletivamente o que fazer de suas próprias vidas. Moldávia, Irlanda, Macedônia do Norte etc. etc. mais ou menos têm o direito à autodeterminação, a despeito de evidentes e seculares vínculos com outros países; mas à Ucrânia esse direito é negado.

Por fim, vale notar que, no caso da Polônia e da Hungria, por mais que desde há uns dez anos sejam países autoritários de extrema direita e próximos à Rússia, nem por isso abandonam a OTAN. O “realismo” pelo jeito vale para a Ucrânia e só para a Ucrânia – mas não para os outros.



[1] Cf.: Henry Kissinger, “How the Ukraine Crisis Ends” (The Washington Post, 6.3.2014) – https://www.henryakissinger.com/articles/how-the-ukraine-crisis-ends/.

[2] A relação dos estados-membros da OTAN e seus respectivos anos de ingresso na organização podem ser vistos aqui: https://es.wikipedia.org/wiki/OTAN#Estados_miembros.