No dia 23 de Gutenberg de 170 (3.9.2024) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, agora em sua duodécima conferência (dedicada à exposição da evolução histórica do desenvolvimento humano, ou seja, da religião, em particular do fetichismo e do politeísmo).
Depois das exortações e da indicação das efemérides, lemos nosso documento "Programa republicano mínimo - orientações para o voto no dia 6 de outubro".
Na parte do sermão procuramos responder à seguinte pergunta: o Positivismo é tecnocrático?
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/9s5IO) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/mMKn5).
Os tempos da prédica foram os seguintes:
00 min 00 s - início
15 min 27 s - exortações
24 min 58 s - efemérides
29 min 35 s - leitura do documento "Programa republicano mínimo"
45 min 21 s - leitura comentada do Catecismo positivista
1 h 00 min 51 s - sermão
2 h 10 min 00 s - término
As anotações que serviram de base para a exposição oral estão reproduzidas abaixo.
* * *
O Positivismo é tecnocrático?
(23 de
Gutenberg de 170/3.9.2024)
1. Abertura
2. Exortações
iniciais
2.1. Sejamos
altruístas!
2.2. Façamos
orações!
2.3. Façam
o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
3. Efemérides:
3.1. 24
de Gutenberg (4.9): nascimento de Richard Congreve (1881)
3.2. 25
de Gutenberg (5.9): transformação de Augusto Comte (1857)
3.3. 26
de Gutenberg (6.9): nascimento do Alte. Henrique Batista de Oliveira (1908)
3.4. 27
de Gutenberg (7.9): independência do Brasil (1822)
4. Leitura
do documento “Programa republicano mínimo – orientações para o voto no dia 6 de
outubro”
IGREJA
POSITIVISTA VIRTUAL
Programa
republicano mínimo
Orientações
para o voto no dia 6 de outubro
1. Introdução: a
necessidade de critérios para escolher candidatos
Neste ano, no dia 6 de
outubro, teremos eleições municipais, em que a população brasileira elegerá
seus novos prefeitos e vereadores; desde o dia 16 de agosto temos campanha
eleitoral. Os partidos políticos, a Justiça Eleitoral, os meios de comunicação
e vários grupos da sociedade civil afirmam que é importante “votar com
consciência”, “votar de maneira esclarecida”, “buscar os melhores candidatos”,
mas muito raramente, para não dizer nunca, são apresentados com clareza os
critérios que definem a “consciência”, o “esclarecimento”, os “melhores”. No
máximo há a afirmação de que os candidatos escolhidos devem “representar” os
eleitores, com isso querendo dizer que os candidatos devem pensar e agir de
maneira semelhante aos eleitores – o que, dizendo com clareza, está muito
distante dos verdadeiros interesses sociais.
Com o objetivo de
auxiliar a reflexão pública e, na medida do possível, orientar nossos
concidadãos eleitores na escolha de candidatos a prefeito e a vereador,
apresentaremos neste documento alguns critérios
positivos e critérios negativos – ou seja, opiniões e
comportamentos que os candidatos devem apresentar para serem escolhidos, bem como opiniões e comportamentos que são
motivos para rejeitar candidatos.
Este manifesto é dirigido a todos e todas os brasileiros e
brasileiras, nossos concidadãos eleitores e nossas concidadãs eleitoras. Como se verá, à
primeira vista talvez o programa abaixo pareça muito exigente: mas, por um
lado, isso não é motivo para desconsiderá-lo; por outro lado, isso indica o
quanto estamos distantes do republicanismo no Brasil.
Antes, porém, é
importante expor os fundamentos políticos, sociais e morais dos critérios que
apresentaremos.
2. A política positiva
e a república
Desde 15 de novembro
de 1889 o Brasil é uma República. Embora à primeira vista o conceito de “república”
pareça pouco, na verdade ele é um dos mais densos e importantes na vida de
qualquer cidadão. A noção de república é um ideal:
nem sempre esse ideal realiza-se na prática, mas isso não é motivo para
desvalorizar o ideal, nem para rejeitá-lo. Vejamos, então, quais são os
elementos desse ideal.
O sentido fundamental
da república é o bem comum: efetivamente se dedicar
ao bem-estar coletivo, superando o
individualismo, o egoísmo, os particularismos, isso é ser republicano. Além
disso, a república também se opõe à monarquia e, portanto, à sociedade de
castas; em outras palavras, na república
o valor de uma pessoa é dado pelo mérito individual, em vez de ser pelas
condições em que nasceu (pelo “berço”).
Mais importante do que
isso, a dedicação ao bem comum significa a subordinação
da política à moral, ou seja, a subordinação da política aos princípios e
valores maiores da Humanidade, em que a família subordina-se à pátria e a
pátria subordina-se à Humanidade. Somente assim a atividade política pode ser
entendida como a dedicação ao bem comum e, a partir disso, ser fiscalizada e
responsabilizada.
Disso se seguem várias
conseqüências. A primeira delas é que o conjunto da sociedade deve sempre ser
levado em consideração. A fraternidade
universal é um valor básico: como todos devem orientar suas condutas para a
melhoria de vida de todos, o respeito
mútuo e a afirmação da dignidade
fundamental de todos são pilares da vida coletiva. Daí se segue também que
as relações sociais têm que ser pacíficas:
qualquer forma de violência degrada as relações humanas e o ambiente social. O
pacifismo e a fraternidade universal impõem, por seu turno, o repúdio ao
racismo e às discriminações de “gênero”; da mesma forma, eles exigem o respeito
ao meio ambiente e, claro, aos animais.
Uma segunda
conseqüência é que, embora toda sociedade moderna seja composta por patrícios e
proletários, a maior parte da sociedade é composta pelo proletariado (ou seja,
pelos trabalhadores) e os esforços sociais têm que se orientar para a melhoria
das suas condições de vida: é esse o objetivo que deve orientar a ação dos
patrícios.
A regra republicana
básica é o “viver às claras”: cada um
deve adotar valores em sua vida que sejam
publicamente defensáveis e de fato viver conforme esses valores. No caso
dos governantes e das figuras públicas, o viver às claras também significa que
todos os seus atos são responsabilizáveis, ou seja, são passíveis de acompanhamento, avaliação e cobrança públicas. A publicidade dos atos e das
motivações é a regra, nunca a exceção. Como conseqüência do viver às claras,
todos devem sempre falar a verdade e cumprir o prometido – ou, em outras
palavras, não se deve mentir nem se deve trair.
A instituição
republicana básica é a separação entre
igreja e Estado: o aconselhamento não pode nem precisa da violência do
Estado para fazer-se valer, nem o Estado pode condicionar os seus serviços à
aceitação de crenças oficiais. Isso é o que se chama vulgarmente de
“laicidade”; uma de suas conseqüências é que sacerdotes devem manter-se afastados do Estado a fim de garantirem
sua dignidade, assim como o Estado deve recusar sacerdotes para não ser usado
como instrumento de opressão. O afastamento dos sacerdotes em relação à
política não quer dizer alienação nem
indiferença; quer dizer que, como sacerdotes, não podem trabalhar para o
Estado.
A separação entre
igreja e Estado é a base das liberdades fundamentais: são as liberdades de
crença, de manifestação e de associação, assim como o direito de ir e vir, o habeas corpus e o devido processo legal.
Adicionalmente, os órgãos do Estado – especialmente os que são responsáveis
diretos pelo atendimento à população – e os servidores públicos devem ser
valorizados, mantendo-se sempre também a dignidade da chamada iniciativa
privada.
Finalmente, as instituições
sociais fundamentais devem ser valorizadas, a começar pela família. Entre a família e a sociedade política (as pátrias) as
relações são de complementaridade, não de oposição; o papel da família é o de
desenvolvimento afetivo e de educação moral, preparando os cidadãos para a vida
na sociedade mais ampla; o papel da sociedade política é o de realizar os
trabalhos práticos necessários para manter e desenvolver a vida de todos. Como
é mais ampla, a sociedade política regula
e protege a família. As pátrias, por sua vez, devem todas unir-se em prol
da Humanidade. Assim como os proletários devem ser valorizados e respeitados,
as mulheres devem ser valorizadas e ter sua dignidade mantida e afirmada.
Esses valores e essas
práticas constituem muito do que é a república, embora não a esgotem. Tudo isso
almeja a realização dos um dos supremos ideais dos brasileiros e de todos os
seres humanos, que é a união da ordem com o progresso. Como dissemos em outro
manifesto,
quando a ordem e o progresso ficam separados, eles tornam-se antagônicos um em
relação ao outro, de tal maneira que a ordem transforma-se em ordem retrógrada
e opressiva e o progresso torna-se caótico e também opressivo. Apenas a união
das duas perspectivas, em que ambas sejam simultaneamente respeitadas e
valorizadas, torna possível que cada uma delas seja cumprida. A ordem consiste
na consolidação do progresso, ao passo que o progresso é o desenvolvimento da
ordem; o vínculo entre ambos é o amor, que, em termos políticos, deve ser
entendido em termos de fraternidade, respeito mútuo e tolerância. O respeito à
ordem não equivale à submissão cega ou servil ao poder político; da mesma
forma, a verdadeira relação entre o poder e os cidadãos não é a de um soldado
que se submete ao seu comandante.
3. Recomendações positivas: procurar candidatos com este
perfil
Considerando os
valores e os princípios indicados acima, recomendamos que se vote em candidatos a prefeito ou a vereador que apresentem
estas características:
-
respeitem
e façam valer a separação entre igreja e Estado (a chamada “laicidade do
Estado”)
-
respeitem
a dignidade humana e a fraternidade universal
-
respeitem
a dignidade do espaço público e das instituições republicanas
-
respeitem
a dignidade e valorizem as condições de vida da população brasileira, em
particular dos trabalhadores e dos mais pobres, além dos povos indígenas
-
respeitem
a dignidade e valorizem a família, independentemente da orientação sexual de
cada família
-
respeitem
e valorizem a dignidade das mulheres
-
tenham
histórico de combate ao racismo e a outras discriminações
-
tenham
histórico de defesa da dignidade e das condições de vida dos animais
-
tenham
histórico de defesa do meio ambiente
4. Recomendações negativas: recusar candidatos com este
perfil
Considerando os
valores e os princípios indicados acima, recomendamos que não se vote em candidatos a prefeito ou a vereador que tenham um
histórico pessoal e intelectual contrário ao republicanismo. De modo
específico, rejeitamos candidaturas que
apresentem estas características:
-
sejam
membros de cleros, ou seja, sacerdotes, padres, pastores ou equivalentes
-
promovam
o clericalismo nas funções públicas (o uso do Estado para promover cultos e/ou
doutrinas)
-
desvalorizem
os problemas sociais e/ou criminalizem a pobreza
-
promovam
a cultura da violência, em particular estimulando a difusão e o uso de armas de
fogo pela população civil
-
promovam
valores e práticas exclusivistas e excludentes, incluindo aí as chamadas pautas
identitárias
-
neguem
os problemas ambientais (os “negacionistas climáticos”)
-
promovam
a “cultura do cancelamento”
-
promovam
a “cultura da baixaria”
-
tenham
histórico de ligação com o crime, na forma de apoio ou participação em
milícias; de apoio ou participação no crime organizado; de irresponsabilidade
pessoal
-
promovam
o racismo, a misoginia e preconceitos diversos
Curitiba, 28 de agosto de 2024.
5. Leitura
comentada do Catecismo positivista
5.1. Continuação
da duodécima conferência, sobre a evolução histórica do desenvolvimento humano,
isto é, da religião, abordando em particular o fetichismo e o politeísmo
6. Sermão:
sobre a tecnocracia
6.1. O
tema do sermão de hoje com freqüência ressurge nos debates políticos e sociais
6.1.1. Além de
ressurgir com certa freqüência, o tema da tecnocracia muitas vezes é associado
ao Positivismo, o que exige de nós uma resposta, seja a favor, seja contra
6.1.2. Como
veremos, não somente o Positivismo tem algo a dizer a respeito da tecnocracia
como o que diz é contrário a ela
6.1.2.1.
Aliás, mesmo um filósofo francês de orientação
católica – Jean Lacroix – reconheceu com facilidade que o Positivismo é
totalmente contrário à tecnocracia (cf. Jean Lacroix, A sociologia de Augusto Comte, Curitiba, Vila do Príncipe, 2003, p.
101, 115)
6.2. Antes
de mais nada, temos que saber o que é a “tecnocracia”
6.2.1. Trata-se de
um problema mais geral sobre as relações que se estabelecem entre a ciência, a tecnologia
(ou a “técnica) e a política
6.2.2. Segundo a Wikipédia – cuja página em
português sobre a tecnocracia é no mínimo problemática –, a autoria formal da palavra
é de William Henry Smith, engenheiro estadunidense, em 1919
6.2.3. Podemos
perceber pelo menos dois sentidos básicos para a tecnocracia:
6.2.3.1.
governo dos técnicos (ou dos “sábios”)
6.2.3.2.
governo baseado em decisões técnicas, em que
essas decisões impedem, ignoram ou rejeitam a discussão pública
6.2.3.2.1.
O que se supõe nessas duas possibilidades é que,
de um lado, há os técnicos sábios que atuam no governo e que elaboram as
políticas públicas que terão como objeto, ou como alvo, a “população”; de outro
lado, há uma população que recebe, ou sofre, as políticas públicas e que é
ignorante e incapaz de avaliar, opinar e agir
6.2.3.2.2.
Os técnicos, além disso, são vistos como
distantes e acima das disputas políticas; seu conhecimento seria puramente
objetivo e “neutro”
6.2.3.2.3.
Haveria, assim, uma separação clara entre Estado
e sociedade e a ação do Estado seria (quase) sempre unilateral, de cima para
baixo
6.2.3.2.4.
Em outras palavras, a imagem que surge da ou com
a tecnocracia é a de um governo técnico ativo, todo-poderoso e todo sábio e de
uma sociedade passiva e ignorante
6.2.4. Mesmo
sendo contrários à tecnocracia, é importante notar que todo governo deve,
necessariamente, basear suas decisões em avaliações técnicas: se não for assim,
as decisões – e, de maneira mais ampla, as políticas públicas – serão mero
palpitismo, meras tentativas e erros (e muitos erros!)
6.2.4.1.
O que a república – ou melhor, a sociocracia –
exige é que, por um lado, as avaliações técnicas sejam feitas e levadas a sério
e, por outro lado, ao mesmo tempo (e, às
vezes, até antes), que a população seja ouvida em suas demandas, que a
população possa avaliar, opinar, modificar e até participar da formulação e da
aplicação das políticas públicas
6.2.4.2.
A “população” que recebe as políticas públicas
não é u’a massa informe, passiva e irracional; não por acaso, Augusto Comte
falava em “sociedade civil”, ou seja, em uma sociedade organizada, ativa,
necessariamente capaz de avaliar por si só as diversas questões – contando,
para isso, é claro, com seus próprios “técnicos”
6.2.4.3.
Todo esse processo de avaliação e de
participação na elaboração e na implementação das políticas públicas – que são
intrínsecos à sociocracia! – integra o que se chama atualmente de
“participacionismo”, “deliberacionismo” etc., constituindo o que se é conhecido
por “democracia participativa”
6.2.5. É
necessário notar que a crítica à tecnocracia com freqüência inclui um elogio da
atividade política
6.2.5.1.
Entretanto, esse elogio pode abarcar muitos
sentidos diferentes da política:
6.2.5.1.1.
A política como espaço da participação cívica
social
6.2.5.1.2.
A política como espaço da disputa de poder
6.2.5.1.3.
A política como espaço da retórica e da disputa intriguista
e fofoqueira, de caráter parlamentar
6.2.5.2.
Cada um dos diferentes sentidos acima implica
uma postura diferente em relação à tecnocracia, ou melhor, críticas diferentes
à tecnocracia
6.2.5.2.1.
Sem concordarmos com a tecnocracia,
evidentemente o Positivismo avalia de maneira diferente cada um dos sentidos
dados à política: valorizamos muito a participação cívica social, aceitamos
mais ou menos como um fato a disputa do poder, mas rejeitamos o intriguismo
parlamentar
6.3. Como
é que o Positivismo encara a tecnocracia, o suposto governo dos técnicos e
quais os fundamentos da avaliação positivista disso?
6.3.1. O conceito
básico aqui é a instituição fundamental da política positiva, a separação entre
os dois poderes, em que de um lado há o poder Temporal, que trata da ordem
material das sociedades, e de outro há o poder Espiritual, que trata da ordem
intelectual e moral das sociedades
6.3.1.1.
O poder Temporal é prático, o poder Espiritual é
teórico: cada um deles requer habilidades e qualidades específicas para
satisfazer necessidades e atividades diferentes, resultando até mesmo em
problemas diferentes
6.3.1.1.1.
A confusão entre os dois poderes degrada cada um
deles e impede o adequado desenvolvimento das respectivas atividades
6.3.1.1.2.
Além disso, de maneira específica, a confusão
dos dois poderes impede que o poder Espiritual
fiscalize e avalie o poder Temporal, ao mesmo tempo em que torna praticamente impassíveis de avaliação
e discussão as ordens do poder Temporal
6.3.1.2.
Exigência fundamental da separação entre os dois
poderes é a existência de uma sociedade civil organizada, que se representa por
si só e que orienta a ação do Estado
6.3.1.2.1.
Em outras palavras, existe antes uma sociedade e
depois, e a partir da sociedade, existe um Estado
6.3.1.2.2.
É essa sociedade civil que informa o Estado, que
estabelece os valores e as principais idéias, que propõe os problemas a serem
enfrentados, que acompanha e avalia as políticas públicas
6.3.1.3.
O poder Espiritual é o responsável pela
mobilização e pela expressão das idéias da sociedade civil
6.3.1.4.
Dessa forma, a separação dos dois poderes
estabelece, pelo Positivismo, ao mesmo tempo um quadro institucional e uma
realidade social em que a sociedade não é nunca passiva, embora sem dúvida seja
diferentemente ativa em relação ao Estado
6.3.2. Como
indicamos antes, o Estado tem que ter um corpo técnico altamente qualificado, a
fim de avaliar os problemas sociais, elaborar, implementar e avaliar (a posteriori) as políticas públicas
projetadas para tratar dos problemas sociais
6.3.2.1.
A presença de técnicos no Estado é uma exigência
ao mesmo tempo política e moral
6.3.2.1.1.
As sociedades modernas desenvolveram as ciências
e, a partir delas, as várias tecnologias: não há porque o Estado não se
utilizar desses conhecimentos e das técnicas resultantes; seria, como de fato
é, totalmente imoral o Estado desprezar esse conhecimento técnico
6.3.3. Assim como
a sociedade civil é ativa e possui seus próprios técnicos, é claro que,
inversamente, os técnicos a serviço do Estado não são alheios aos valores e às
idéias difundidas na sociedade civil (e, claro, nem são alheios às disputas
havidas no seio da sociedade)
6.3.3.1.
Assim, a correta imagem que se deve ter, no que
se refere à tecnocracia, ou melhor, contra ela, é a de um Estado e de uma sociedade
que se relacionam de diversas formas e que mantêm uma porosidade mútua (ainda
que, evidentemente, a instituição chamada Estado tome as decisões coletivas e
implemente-as com caráter impositivo)
6.3.4. É
importante lembrar que Augusto Comte criticava asperamente as pretensões
políticas dos “sábios” e dos cientistas
6.3.4.1.
Não por acaso, um dos muitos motivos por que
Augusto Comte criticava Platão era devido à pretensão desse grego de instituir
os “filósofos-reis”, ou seja, em que os filósofos deveriam necessária e exclusivamente
ser os reis
6.3.4.2.
Da mesmíssima forma, um dos vários motivos por
que Augusto Comte criticava Saint-Simon – e que também resultaram no rompimento
de relações entre eles – foi a pretensão platônica modernizada, não mais com os
“filósofos-reis” mas com os “cientistas-reis”
6.3.4.3.
Essas diversas críticas de Augusto Comte – como
se vê, todas elas baseadas em última análise no princípio da separação entre os
dois poderes – foram por vezes sumariadas por nosso mestre na expressão
“pedantocracia”, ou seja, o “governo dos pedantes”
6.3.4.3.1.
A expressão “pedantocracia” foi criada por
Stuart Mill
6.4. Vale
a pena perguntarmos: como é que se chegou a atribuir ao Positivismo um caráter
tecnocrático?
6.4.1. Isso se
deu basicamente por três caminhos diferentes, mas que com freqüência são
complementares
6.4.1.1.
Por um lado, uma série de escorregões
filosóficos a partir de interpretações superficiais e muito apressadas da obra
de Augusto Comte
6.4.1.1.1.
O raciocínio aí é dedutivo, ou seja, baseia-se
em conceitos gerais e genéricos para, apenas com base neles (e, portanto, sem a
leitura direta de Augusto Comte nem um conhecimento minimamente adequado de
nosso mestre), deduzir o seguinte: Comte teria afirmado a importância social e
política dos cientistas (afinal, ele teria sido cientificista); ele teria
afirmado também que a ciência é “neutra” e que é indiscutível (um objetivismo
acrítico); para Comte, a nova sociedade (científica) deveria ser governada
pelos cientistas: logo, Comte teria proposto a tecnocracia!
6.4.1.2.
Por outro lado, o desejo de críticos do marxismo
e do sovietismo de encontrar fundamentos filosóficos mais amplos às suas
críticas
6.4.1.2.1.
É fato que parte da justificativa do sovietismo
residia em concepções tecnocráticas
6.4.1.2.2.
Quem faz essa crítica são pensadores de viés
liberal que com freqüência consideram que a ciência deve ser apenas descritiva
e nunca prescritiva – ou seja, que a ciência não deveria nunca fazer previsões!
6.4.1.2.3.
Esses pensadores, em vez de mirarem na falta de
liberdade constitutiva do marxismo e do sovietismo, procuram criticar todas as
concepções que valorizam a ciência e as suas previsões
6.4.1.3.
De maneira menos evidente, ou seja, menos
honesta, há também o desejo de criticar-se a afirmação social e intelectual da
ciência nas sociedades modernas
6.4.1.3.1.
O sentido da crítica, aí, é o de “demonstrar” os
efeitos negativos da ciência por meio da tecnocracia
6.4.1.3.2.
Nesse caso, estão pensadores francamente
teológicos (católicos, por exemplo) mas também aqueles metafísicos que são
teológicos envergonhados (místicos, idealistas etc.)
6.4.2. No Brasil,
essas três origens convergiram contra o Positivismo pela direita liberal,
durante e após o regime militar
6.4.2.1.
Escandalosamente, os herdeiros morais e
políticos de Roberto de Oliveira Campos – os mesmos herdeiros e colegas que apoiaram
o regime de 1964 durante o regime e que o apoiam hoje com saudade – têm a
ousadia de chamar-nos de “tecnocráticos”!
6.5.
Em
suma:
6.5.1. A tecnocracia consiste na presunção da
neutralidade política da ciência, da onisciência dos sábios e da passividade
ignorante da sociedade civil
6.5.2. O Positivismo rejeita a tecnocracia, a
partir da separação entre os dois poderes:
6.5.2.1.
A
ciência não é “neutra”, a sociedade civil não é passiva nem ignorante e o
Estado não é e não pode ser visto como onisciente
6.5.3. O Estado precisa, necessariamente, de um
amplo corpo técnico altamente qualificado; mas isso é muito diferente dos
pressupostos que permitem a tecnocracia, ou seja, do Estado onisciente e ativo
que pura e simplesmente impõe decisões a uma sociedade amorfa, passiva e
irracional
7. Encerramento