Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
14 agosto 2024
23 novembro 2022
Anotações sobre o amor
- Talvez mais que qualquer outro tema no âmbito do Positivismo, é muito difícil esgotar as reflexões que se pode fazer a respeito do amor; assim, estas anotações são apenas alguns comentários iniciais
- Muitas palavras no Positivismo têm uma forte carga semântica, no sentido da polissemia; o amor é exemplar a respeito:
o Bondade
o Altruísmo
o Sentimentos
- É o primado do amor que realmente permite ao Positivismo ser a Religião da Humanidade:
o O amor preside os sentimentos; os sentimentos, por seu turno, são o início e o fim da existência humana
o O amor permite ao Positivismo instituir o estado religioso e também a síntese
o O amor é a condição verdadeira e profunda de disciplinamento do egoísmo e, portanto, de solução do problema humano
o Desde o seu início o Positivismo é antiacademicista; mas é o amor que estabelece o anticientificismo e até o relativismo
o Por outro lado, o amor exige sempre a orientação da inteligência, seja para não se degradar em misticismo, seja para não se perder na realidade:
§ “Agir por afeição e pensar para agir”
§ “A inteligência é ministra do coração, não sua escrava”
o O símbolo máximo do amor no Positivismo é a própria figura da Humanidade, que, não por acaso, é mulher e é mãe
- Assim, o amor de Augusto Comte por Clotilde de Vaux não pode ser entendido como a mera paixão extemporânea de um homem mal amado de meia idade por u’a moça igualmente mal amada: essa forma de apresentar a questão, além de grosseira, é superficial e injusta para com os dois amantes
o Os sentimentos de Comte por Clotilde eram em tudo respeitosos e dignos e, por isso, paulatinamente passaram a ser correspondidos por Clotilde
o Acima de tudo, como o próprio Comte reconhecia, e como Teixeira Mendes repetia sem cessar, foi o amor por Clotilde que deu a Comte o impulso e a orientação de que precisava para realmente concluir e realizar a obra de sua vida, ou seja, a Religião da Humanidade
§ Em outras palavras, a Religião da Humanidade é o fruto direto do amor
- Existem vários instintos afetivos altruístas: apego, veneração e bondade
o Apego: relações entre iguais (vínculo entre irmãos, entre coetâneos, entre compatriotas, entre cônjuges)
o Veneração: relação afetiva do inferior, do mais novo e do mais fraco para com o superior, com o mais velho e com o mais forte
o Bondade: relação afetiva do superior, do mais velho e do mais forte para com o inferior, com o mais novo e com o mais fraco – é o “amor” propriamente dito
- O que se opõe ao amor, no Positivismo, é o egoísmo, não o ódio
o O egoísmo é natural e tem que ser disciplinado
o O ódio, embora seja um sentimento (negativo) possível, é eminentemente destruidor
§ Para ser eficaz, o amor tem que ser positivo: “só o amor constrói”
§ Podemos considerar que a atitude do Positivismo em face do ódio é no sentido de diminuir esse sentimento agressivo, convertendo-o em respeito, cooperação e convergência; caso não seja possível reverter o que separa os grupos e/ou os indivíduos entre si, deve ser estimulada a tolerância mútua
- O âmbito social do desenvolvimento do amor é a família
o A família estabelece relações e vínculos afetivos próximos – que são os mais intensos
§ Daí também a cobrança de Augusto Comte de que as mátrias sejam pequenas
o O fundamento das famílias é, precisamente, o amor – ou, em outras palavras, a função social das famílias é o desenvolvimento dos afetos (e não a reprodução, como afirmam (algum)as teologias)
o A família é o âmbito privilegiado da mulher – que, como se sabe (ou como se deveria saber) é mais afetiva que o homem
- O amor é inato
o Como Augusto Comte observa no Catecismo positivista, afirmar que o egoísmo é inato é banal; mas foi difícil o Ocidente reassumir que o altruísmo também é inato
o A metafísica individualista (a partir do monoteísmo cristão) e o cientificismo dificultaram muito o reconhecimento do valor do amor
o Apesar dos seus inúmeros problemas intelectuais e morais, a Idade Média sugeriu duas instituições moralmente importantes:
§ Por um lado, a partir do século XI, idealizou a Virgem Maria (com São Bernardo, por exemplo)
· Essa idealização substituiu a utopia do Cristo ressuscitado, que é intelectualista, masculina e pelo sofrimento, por uma utopia afetiva, feminina e construtiva – e que começa a valorizar as mulheres no âmbito da teologia católica
§ Por outro lado, no final da Idade Média, vários místicos passaram a afirmar a centralidade moral e intelectual do amor (com Tomás de Kempis, por exemplo)
- O instinto altruísta mais importante é a veneração:
o A veneração é o instinto mais importante porque ela é o mais difícil, na medida em que nos obriga a submetermo-nos a outrem e/ou a outras coisas
§ Em outras palavras, a veneração comprime o orgulho (e até a vaidade)
§ A veneração também nos lembra de que integramos uma longa continuidade histórica, ou seja, é ela que no final das contas afirma a historicidade do ser humano
o Como dizia Comte, “a submissão é a base do aperfeiçoamento”
§ Sempre que desejamos aperfeiçoar-nos (em qualquer coisa, em qualquer habilidade), temos que reconhecer que somos imperfeitos e que estamos abaixo de parâmetros julgados ideais: em outras palavras, sempre que desejamos o aperfeiçoamento, temos que nos submeter a algo e/ou a alguém
o Deveria
ser evidente e não deixa de ser um tanto degradante ser necessário afirmar que
a submissão não é sinônima de (auto)degradação, (auto-)humilhação: na positividade, a submissão é sempre digna
§ As filosofias políticas e sociais que têm maior importância atual no Ocidente são todas, ou quase todas, metafísicas e, por isso, elas rejeitam a veneração e consideram que toda submissão é sempre degradante
o Não é por acaso que Augusto Comte indicava que um dos melhores traços para avaliar o grau de positividade das pessoas, incluindo aí os próprios positivistas (ou pretensos positivistas), são os hábitos de veneração dessas pessoas
o Criticar algo ou alguém (ou simplesmente deles falar) sem conhecer é uma forma de ausência de veneração, ou seja, é uma forma de arrogância, de orgulho, de desprezo
§ Dito de outra maneira, criticar algo ou alguém sem o conhecer é agir sem amor (ou contra o amor)
24 maio 2021
Folha de S. Paulo: "Auguste Comte e o amor em tempos de pandemia"
O artigo abaixo, publicado no jornal Folha de S. Paulo de 23.5.2021, é da autoria Maria Carolina Loss Leite. A autora, evidentemente feminista, erra em um sem-número de aspectos da Religião da Humanidade; ao cometer esses erros, a autora repete os preconceitos políticos e intelectuais provenientes tanto do feminismo quanto da academia.
A despeito dos preconceitos academicistas e feministas da autora, ela viu-se obrigada a admitir a justeza das perspectivas de Augusto Comte, em particular no que há de mais importante em sua obra: a afirmação do amor, a concepção de que o amor deve estar na base de tudo.
Isso é uma tripla confirmação do Positivismo e de sua capacidade de superar preconceitos e ódios: afetiva antes de mais nada, mas também intelectual e, juntando esses dois âmbitos, igualmente uma confirmação prática.
O original do artigo pode ser lido aqui.
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Antes de passar ao artigo, convém ilustrar um pouco os erros cometidos pela autora. A título de exemplo, podemos indicar dois. Como comentamos antes, são muitos mais erros originários de preconceitos intelectuais e políticos, todos eles permeados por desdém e ironia, mas não faria sentido indicar cada um deles.
O primeiro erro que queremos indicar funda-se em um preconceito academicista: a autora afirma que, para Comte, o Grão-Ser é a "sociedade"; nisso a autore atribui a Augusto Comte uma concepção metafísica de Durkheim, que é visto como o "continuador" de Comte no âmbito da Sociologia - o que, por sua vez, serve tanto para desvalorizar a obra do próprio fundador da Sociologia e do Positivismo quanto para criar e manter um esquema simplista mas útil a polêmicas academicistas.
O segundo erro, já no âmbito do feminismo, consiste em que a autora repete o ódio feminista contra a concepção ao mesmo tempo generosa e realista de que as mulheres constituem o "sexo amante", preferindo que as mulheres sejam iguais aos homens especialmente em termos de violência e agressividade. Isso, aliás, vai na direção oposta da afirmação do amor, ou seja, em última análise, a negação do "sexo amante" é a própria negação do "amor por princípio"; nisso não há nem dignidade para as mulheres nem uma base regular para o amor.
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Auguste Comte e o amor em tempos de pandemia
Precisamos resgatá-lo antes que seja tarde
Falar de amor nos tempos tristes em que vivemos é necessário. Seja ele de qualquer forma, é sempre bem-vindo: do fraternal ao carnal. Por isso invoco o francês Auguste Comte, ou melhor, Isidore Auguste Marie François Xavier Comte. Considerado por diversos autores como o “pai” da sociologia por ter sido o primeiro a falar em estudar a sociedade do seu tempo, nasceu em 1798 e veio a falecer em 1857.
Para Comte, uma sensibilidade aliada ao amor transbordava em seus estudos ao ponto de sugerir a fundação de uma religião universal, considerando tanto os vivos quanto os mortos, haja vista que estes fizeram parte do mundo e deixaram seus legados. Chamava a sociedade de “o grande ser”.
Sua sociologia se baseou em um estudo na mudança dos corpos orgânicos —porque estes são vivos— e sociais. Foi o criador do positivismo, no qual projetava um pensamento do futuro baseado no passado. Colocado em uma fórmula, o positivismo poderia ser descrito como o amor aliado à inteligência mais a ação. O símbolo positivista era uma bandeira trazendo como figura central uma mulher.
Para criar suas obras, utilizou-se de esclarecimento, romantismo, racionalismo, empirismo, naturalismo (como o natural versus a história), desenvolvimentismo, holismo e relativismo. Seu lema, imortalizado, era “o amor por princípio, a ordem como base e o progresso como fim”. Percebia uma humanidade inserida em um todo e não apenas em uma sociedade, tendo, então, uma visão totalizante desta.
E aqui abro um parêntese sobre o amoroso Comte: apesar de pregar o amor, era contra qualquer tipo de emancipação feminina. Defendia que a igualdade dos sexos era incompatível e chamava a mulher de “sexo amante”, sendo o único exemplo de amor e devoção. Rompeu relações com seu amigo John Stuart Mill por conta de discordâncias em relação ao assunto. Mas isso já é outra história...
O lema de Comte foi parar em um dos grandes emblemas nacionais, atualmente tão desacreditado: nossa bandeira. Símbolo positivista brasileiro, possui a inscrição “Ordem e Progresso”, mas sem o “amor”. E, longe da ligação com o amor e do positivismo imaginado por Comte, sua criação se deu em meio à Guerra do Paraguai, sendo recentemente aproveitada como slogan em um governo após a retirada da presidenta Dilma Rousseff (PT) da cadeira do Executivo. Imagino como estaria Comte ao ver suas belas palavras e ensinamentos sendo utilizados não da forma como criou.
Lendo Comte, em meio a tantas desgraças, devemos acreditar que, com amor, muito luto e muita luta, poderemos trabalhar para atingir uma sociedade menos desigual. A sociedade atual vive em meio a um caos social, sanitário, econômico e ambiental, onde o ódio prevalece em diferentes tipos de pessoas.