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13 agosto 2025

A ortodoxia positivista, mais uma vez

No dia 28 de Dante de 171 (12.8.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte - Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores).

No sermão abordamos novamente a ortodoxia positivista e alguns dos problemas e das dificuldades enfrentadas quando se trata da ortodoxia.

Antes do sermão também se comentou a agressão que Donald Trump realiza contra o Brasil desde há alguns meses; esse comentário incluiu a leitura do artigo "Autonomia nacional, multilateralismo e prepotência fascista" (disponível aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/08/monitor-mercantil-autonomia-nacional.html).

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/JqqJo3DW23A) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/615064741679084).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Mais uma vez a ortodoxia

(28.Dante.171/12.8.2025) 

1.      Invocação inicial

2.      Exortações iniciais

2.1.   Sejamos altruístas!

2.2.   Façamos orações!

2.3.   Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

2.4.   Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.      Datas e celebrações:

3.1.   Dia 26 de Dante (10.8): transformação de Miguel Lemos (1917 – 108 anos)

3.2.   Dia 27 de Dante (11.8): transformação de Luís Hildebrando Horta Barbosa (1973 – 52 anos)

3.3.   Dia 10 de Gutenberg (22.8): Live AOP com Rafael Cardoso Sampaio

4.      Comentário sobre a agressão internacional fascista de Donald Trump contra o Brasil

4.1.   A Religião da Humanidade é um poder espiritual, o que significa que atua por meio do aconselhamento

4.1.1.     Entre suas atribuições está o de apreciar os acontecimentos do dia-a-dia, indicando sua legitimidade ou sua falta de legitimidade

4.1.2.     Assim, não podemos deixar em silêncio as agressões reiteradas – que tudo indica que continuarão e piorarão nos próximos meses – contra nossa pátria e em violação sistemática dos supremos interesses da Humanidade, a partir de motivações retrógradas e militaristas, da parte do atual governo dos Estados Unidos

4.2.   Para sintetizar muito brevemente nossas perspectivas, leremos um artigo que publicamos no jornal carioca Monitor Mercantil em 27 de Dante de 171 (11.8.2025), intitulado “Autonomia nacional, multilateralismo e prepotência fascista” (disponível aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/08/monitor-mercantil-autonomia-nacional.html)

5.      Leitura comentada do Apelo aos conservadores

5.1.   Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

5.1.1.     O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

5.1.1.1.           O Apelo, então, é um apelo aos conservadores, não aos reacionários

5.1.1.2.           O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

5.1.1.3.           Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

5.2.   Outras observações:

5.2.1.     Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

5.2.2.     O capítulo em que estamos é a “Primeira Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”

5.3.   Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

6.      Sermão: mais uma vez, a ortodoxia positivista

6.1.   Em várias ocasiões anteriores abordamos a ortodoxia positivista; mais uma vez é necessário abordarmo-la, agora de maneira direta

6.1.1.     A noção da “ortodoxia positivista” por vezes dá ensejo a interpretações errôneas, a equívocos, a manipulações; em virtude desses problemas, com que nos defrontamos com triste freqüência, impõe-se a necessidade de tratarmos dela

6.1.2.     Assim, o que nos interessa aqui é (1) entendermos o que significa a “ortodoxia positivista” e (2) abordarmos algumas interpretações problemáticas ou simplesmente erradas do que significa essa ortodoxia

6.2.   O que é a ortodoxia positivista?

6.2.1.     A noção da ortodoxia positivista foi elaborada diretamente por Augusto Comte; está presente em suas obras, como nos prefácios do Sistema de política positiva, nas suas circulares anuais e também na correspondência

6.2.2.     A ortodoxia positivista consiste na aceitação integral da obra de Augusto Comte; isso significa basicamente aceitar e praticar a Religião da Humanidade

6.2.2.1.           Aceitar e praticar a Religião da Humanidade consiste em pelo menos três coisas: (1) por um lado, em reconhecer que a obra de Augusto Comte é a síntese maior e que qualquer tentativa de “corrigi-la” ou alterá-la em seus traços fundamentais é contrária à ortodoxia; (2) por outro lado, em conhecer de fato a obra de Augusto Comte, ou seja, sua letra e seu espírito, bem como as diversas aplicações da doutrina ao longo da história; (3) por fim, consiste em reconhecer e praticar a supremacia dos sentimentos, o papel subordinado da inteligência e da ciência e o afastamento do cientificismo e do academicismo

6.2.2.2.           Os positivistas ortodoxos são também chamados de positivistas completos; os chamados positivistas heterodoxos não são propriamente positivistas, sendo incompletos; os heterodoxos em quase todas as vezes são cientificistas, aceitando o Positivismo como filosofia em geral e como da ciência em particular, mas rejeitando a Religião da Humanidade, ou seja, o sistema geral de regulação da vida humana

6.2.3.     A noção de ortodoxia positivista, portanto, não tem nada a ver com fanatismo, intolerância, rigidez mental, resistência às mudanças, retrogradação, reacionarismo, “conservadorismo” etc.

6.2.3.1.           Tomada em um sentido comum, a expressão “ortodoxia positivista” pode ser altamente enganosa

6.2.4.     O que garante que a ortodoxia positivista não é rígida ou fanática? De modo muito simples e direto, a aplicação do relativismo e da simpatia, bem como da realidade, da utilidade e dos demais atributos da palavra “positivo”

6.2.4.1.           O relativismo, como se sabe, opõe-se ao absolutismo, ou seja, às concepções tomadas como indiscutíveis, como impassíveis de compreensão racional e de fundamentação empírica, como externas ao ser humano

6.2.4.2.           A simpatia estabelece que devemos buscar a convergência e também realizarmos a empatia; dessa forma, estar certo – embora sem dúvida seja importante – não é exatamente prioritário

6.2.4.3.           É claro que o relativismo e a simpatia requerem antes a realidade – o que falamos e pensamos tem que corresponder à realidade ou, pelo menos, não infringir as leis naturais – e a utilidade – o que falamos e pensamos tem que ser útil, o que também apóia o relativismo e a simpatia

6.2.4.4.           A rejeição do fanatismo na ortodoxia positivista é ilustrada exemplarmente pela máxima “inflexível a princípio, conciliante de fato

6.3.   Trataremos agora, brevemente, de alguns problemas, defeitos e más interpretações sobre a ortodoxia positivista – em outras palavras, de alguns desafios que a exposição da Religião da Humanidade enfrenta cotidianamente

6.3.1.     O sofisma do “positivismo ilustrado”

6.3.1.1.           A idéia do “positivismo ilustrado” foi disseminada pelos liberais conservadores brasileiros – a respeito de quem é importante indicar que muitos deles foram apoiadores do golpe militar de 1964 e do fascismo subjacente a ele –, como Antônio Paim, Roque Spencer Maciel de Barros e Ricardo Velez Rodriguez

6.3.1.2.           A idéia do “positivismo ilustrado” consiste no seguinte:

6.3.1.2.1.                O “ilustrado” é uma referência à “Ilustração”, ou seja, ao Iluminismo; com isso, embora os autores que defendam essa idéia sejam retrógrados e reacionários, eles opõem a Ilustração à escuridão do dogmatismo teológico

6.3.1.2.2.                O “positivismo ilustrado” seriam os positivistas heterodoxos, ou seja, as pessoas que foram somente influenciadas pelo Positivismo e aqueles que aceitaram apenas a interpretação cientificista do Positivismo

6.3.1.2.3.                A expressão “positivismo ilustrado” faz uma crítica enviesada aos positivistas ortodoxos, ou seja, aos adeptos da Religião da Humanidade, em particular a Miguel Lemos, Teixeira Mendes e à Igreja Positivista do Brasil, encarada pelos liberais conservadores como obscurantista

6.3.1.2.4.                Para os liberais conservadores, os bons positivistas, os “positivistas ilustrados” seriam os mais próximos do liberalismo, ou seja, do Estado limitado, da política vista como disputa eterna entre partidos que se sucedem, das eleições como mecanismo supremo de decisão política, do elitismo oligárquico, do parlamentarismo como regime político supremo, da alienação popular na condução da vida política e social etc.

6.3.1.3.           É impressionante constatar que a esquerda aderiu em massa a essa interpretação de má fé, como se pode ver nas obras de Sérgio Buarque de Holanda e de outros professores da Universidade de São Paulo (como Lelita Benoit, Paulo Arantes e Marilena Chauí)

6.3.2.     Ortodoxia vs. críticas dos ignorantes que não querem e não conseguem conhecer o Positivismo

6.3.2.1.           Há pessoas, às vezes infelizmente no interior do próprio Positivismo, às vezes alegadamente positivistas religiosos, que se põem contra a ortodoxia para justificar interpretações erradas, distorcidas, tolas

6.3.2.2.           No caso em que temos em mente, essas críticas à ortodoxia são ao mesmo tempo o instrumento e a justificativa não de concepções diferentes do que deveria ser o Positivismo, mas simples e diretamente da ignorância: nesse caso, a crítica à ortodoxia é a desculpa para a própria ignorância, para a incapacidade de conhecer – e, daí, de entender – o Positivismo

6.3.2.3.           Evidentemente, é melhor, mais honesto, mais nobre assumir a ignorância e pôr-se humildemente em uma digna submissão que, de maneira arrogante, fingir que conhece o Positivismo e criticar o que não conhece

6.3.3.     Ortodoxia vs. farisaísmo

6.3.3.1.           Quem acompanha as nossas prédicas sabe que dificilmente emprego expressões teológicas e muito menos bíblicas; entretanto, no presente caso a expressão “farisaísmo” é adequada

6.3.3.2.           O farisaísmo corresponde à hipocrisia, à exigência feita para os outros seguirem a ortodoxia mas que a própria pessoa que a exige não cumpre

6.3.3.2.1.                Aqueles que adotam o farisaísmo não são apenas aqueles que exigem dos outros, mas não para si mesmos, a ortodoxia; são também aqueles que exigem dos outros a ortodoxia mas que, eles mesmos, seguem os ignorantes, os apóstatas e também os hipócritas

6.3.3.3.           O farisaísmo corresponde, então, a uma atitude consciente; se for uma atitude inconsciente, pode tratar-se apenas de incoerência, devido à imaturidade da pessoa: a diferença em cada um dos casos está na má ou na boa fé da pessoa (além, claro, da maturidade pessoal)

6.3.4.     Ortodoxia vs. heterodoxia que busca “atualizações” e que afirma que a ortodoxia é “ultrapassada”

6.3.4.1.           Em diversas ocasiões comentamos que jovens aderentes consideram que o Positivismo tem que ser “atualizado”, sem conhecerem o que é o Positivismo e sem saber nem entender o que seria a sua “atualização”

6.3.4.2.           Essas críticas, feitas por pessoas de boa vontade mas desconhecedores do Positivismo, dirigem-se a tudo o que foi feito antes e, portanto, atingem em particular a ortodoxia

6.3.4.2.1.                Em conseqüência da crítica à ortodoxia e a “tudo o que veio antes”, de maneira consciente ou inconsciente há nessa postura um estímulo da heterodoxia, seja na forma do cientificismo, seja na do academicismo, seja na rejeição do relativismo, seja no estímulo a variadas metafísicas

6.3.4.2.2.                A ânsia por mudanças com freqüência ignora – em linha com a ignorância do Positivismo – que os humildes e sinceros esforços de imitar os grandes e elevados exemplos (morais, intelectuais, práticos) são exercícios muitos mais difíceis do que pode parecer à primeira vista

6.3.4.2.3.                Da mesma forma, a ânsia por mudanças com freqüência ignora – novamente em linha com a ignorância do Positivismo – que a ausência de parâmetros enseja sentimentos, concepções e práticas freqüentemente medíocres, inconsistentes e/ou prejudiciais

6.3.4.2.4.                Por fim, as máximas positivistas “só se destrói o que se substitui” e “conservar melhorando” dão os parâmetros do aperfeiçoamento, em que se conjugam as mudanças e as inovações com o respeito à história e à ortodoxia

6.3.4.3.           Há nessas críticas a concepção ingênua de que o que é “novo”, por ser “novo”, é bom e que quem é “jovem” (e/ou “novo”) sabe o que é mais adequado

6.3.4.4.           Trata-se, portanto, de um misto de boas e más qualidades: boa vontade e entusiasmo por um lado, ignorância, arrogância e espírito destruidor, por outro lado

6.3.5.     Ortodoxia vs. excesso de defesa do Positivismo

6.3.5.1.           Nos casos anteriores falamos de situações postas contra a ortodoxia; mas há um caso em que o problema é a seu favor: trata-se igualmente de uma dificuldade de entendimento do que é a ortodoxia, em que se adota uma postura de defesa excessiva do Positivismo

6.3.5.2.           Na verdade, não se trata propriamente de defesa excessiva do Positivismo, mas de sua aplicação inadequada

6.3.5.2.1.                Logo, trata-se mesmo de compreensão inadequada do que é a ortodoxia

6.3.5.3.           Esse é o caso em que se atribui a concepções não positivas, ou a concepções incompleta ou imperfeitamente positivas, o título de “heresias”

6.3.5.3.1.                Grosso modo, uma heresia é uma concepção que distorce ou corrompe a doutrina (dito de outra forma, trata-se das “heterodoxias”): de qualquer forma, é uma concepção que está ou que surge no âmbito da própria doutrina, não fora dela

6.3.5.3.2.                A heresia consiste em uma elaboração teórica contrária aos fundamentos da doutrinas; não consiste, portanto, nem em meras preferências pessoais e/ou em comentários mais ou menos isolados

6.3.5.4.           Ora, concepções elaboradas fora do Positivismo não podem ser consideradas heréticas apenas porque eventualmente não correspondem ao Positivismo: isso é falta de relativismo e de simpatia

6.3.5.4.1.                Nesses casos, o que se pode e deve fazer é apreciar o grau de positividade das concepções consideradas (em termos dos sete atributos da palavra positivos e/ou em termos de simpatia, síntese e sinergia)

6.3.5.5.           Esse problema, sem dúvida ocorrido com boa fé, consiste em um excesso de entusiasmo combinado com imaturidade pessoal, intelectual e prática

6.3.6.     Ortodoxia vs. heresias (heterodoxias)

6.3.6.1.           No item anterior fizemos referência a heresias: se, por um lado, concepções externas ao Positivismo não podem ser chamadas de heresias, as concepções surgidas no âmbito do Positivismo que se afastam, ou melhor, que negam a ortodoxia são, por definição, heréticas

6.3.6.2.           As heresias não consistem nas “atualizações” do Positivismo, considerando desenvolvimentos históricos, teóricos, afetivos, organizacionais, cultuais etc.; as heresias são mudanças profundas, que alteram ou, pior, negam a estrutura, a letra e o espírito do Positivismo

6.3.6.3.           Mesmo que eventualmente realizadas com boa fé, as heresias são sempre ruins e prejudicais, pois degradam as condições morais, intelectuais e práticas da positividade e assim, portanto, dificultam a ação da Humanidade e o aperfeiçoamento do ser humano

6.4.   Em suma:

6.4.1.     A ortodoxia positivista corresponde à aceitação, ao conhecimento e à prática do conjunto da obra de Augusto Comte e, em particular, à Religião da Humanidade

6.4.2.     Ao contrário do que o senso comum pode supor e do que muitos – de maneira interessada – afirmam, a ortodoxia positivista não é intolerante, fanática, rígida, indisposta à conversa, às demonstrações, às mudanças e aos aperfeiçoamentos etc.

6.4.2.1.           A flexibilidade da ortodoxia positivista baseia-se no relativismo e na simpatia, bem como na realidade, na utilidade e nos demais atributos da palavra “positivo” e é expressa com clareza na máxima “inflexível a princípio, conciliante de fato”

6.4.3.     Podemos determinar algumas dificuldades, problemas e equívocos na compreensão e na aplicação da ortodoxia positivista:

6.4.3.1.           O sofisma do “positivismo ilustrado”

6.4.3.2.           A crítica dos ignorantes contra a ortodoxia como forma de justificar a própria ignorância

6.4.3.3.           O farisaísmo

6.4.3.4.           A concepção de que a ortodoxia, por definição, é “velha” e “ultrapassada”

6.4.3.5.           A defesa excessiva do Positivismo

6.4.3.6.           As heresias, ou seja, as heterodoxias

7.      Exortações finais

7.1.   Sejamos altruístas!

7.2.   Façamos orações!

7.3.   Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

7.4.   Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

8.      Invocação final

 

Referências

- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva (Paris, Société Positiviste, 5e ed., 1893)

- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, L. Mathias, 1851-1854)

- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.

- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934)

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.), "Autonomia nacional, multilateralismo e prepotência fascista" (Monitor Mercantil, Rio de Janeiro, 11.8.2025): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/08/monitor-mercantil-autonomia-nacional.html

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.), Prédica positiva “Sobre ‘comtismo’ e atualização do Positivismo” (Curitiba, 10.São Paulo.169/30.5.2023; disponível em: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2023/05/sobre-comtismo-e-atualizacao-do.html)

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.

06 agosto 2025

Positivismo, anarquia e anarquismos

No dia 21 de Dante de 171 (5.8.2025) retornamos do nosso recesso de julho e realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos Conservadores (em sua "Primeira Parte", dedicada à doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores).

No sermão abordamos a noção positiva de anarquia, bem como realizamos uma apreciação positiva dos movimentos anarquistas.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/rCB57a-q-04) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/1515004713186855/).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

A noção positivista de anarquia

(21.Dante.171/5.8.2025)

1.      Invocação inicial

2.      Exortações iniciais

2.1.   Sejamos altruístas!

2.2.   Façamos orações!

2.3.   Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

2.4.   Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.      Datas e celebrações:

3.1.   Dia 19 de Dante (3.8): transformação de David Carneiro (1990 – 35 anos)

4.      Leitura comentada do Apelo aos conservadores

4.1.   Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

4.1.1.     O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

4.1.1.1.           O Apelo, então, é um apelo aos conservadores, não aos reacionários

4.1.1.2.           O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

4.1.1.3.           Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

4.2.   Outras observações:

4.2.1.     Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

4.2.2.     O capítulo em que estamos é a “Primeira Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”

4.3.   Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

5.      Sermão: a noção de anarquia no Positivismo

5.1.   O tema deste sermão tem pelo menos três justificativas:

5.1.1.     Por um lado, com freqüência Augusto Comte refere-se à anarquia moderna e/ou aos hábitos anárquicos; mas, embora ele refira-se a isso, o sentido dessa expressão de modo geral tem que ser inferido; assim, convém explicar o que é a “anarquia” no sentido positivista

5.1.2.     Por outro lado, desde fins da década de 1840 existe o movimento anarquista, com uma grande e diversificada atividade teórica e prática; muitos anarquistas estiveram em contato com positivistas (Proudhon com Augusto Comte; Francisco Viotti, Miranda Santos e Astrogildo Pereira com Teixeira Mendes, Henry Edger na comunidade estadunidense de Modern Times), além de alguns anarquistas terem-se tornado positivistas (Martins Fontes no Brasil, Georges Deherme na França); assim, devido a questões concretas, convém aproveitarmos esta prédica para abordarmos alguns elementos gerais do movimento anarquista

5.1.3.     Por outro lado, nos últimos tempos se tem falado em um “positivismo anarquista”, o que é ao mesmo tempo motivo de confusão e um erro moral, intelectual e prático – e, portanto, é necessário comentarmo-lo, mesmo que brevemente

5.1.4.     Considerando essas justificativas, este sermão terá três partes, desigualmente distribuídas: na primeira, trataremos do conceito sociológico e moral da anarquia; na segunda parte comentaremos, ainda que rapidamente, o movimento anarquista; por fim, trataremos do “positivismo anarquista”

5.2.   Comecemos, então, tratando da noção positiva de anarquia[1]

5.2.1.     Como dissemos antes, até onde conseguimos determinar, Augusto Comte não apresentou uma definição formal da anarquia, embora em sua obra os diversos traços, seus efeitos, seus agentes promotores etc. sejam largamente indicados

5.2.2.     Essa noção, na verdade, é muito simples: ela consiste na ausência de parâmetros sociais compartilhados, capazes de regular os sentimentos, as idéias e, daí, as atividades práticas

5.2.3.     Os parâmetros sociais compartilhados correspondem aos critérios que estipulam o que é bom e o que é ruim, o bem e o mal, o justo e o injusto, o certo e o errado

5.2.3.1.           Esses parâmetros são sociais, o que equivale a dizer o seguinte: têm um caráter histórico e são progressivos (ou seja, desenvolvem-se ao longo do tempo e seguindo a continuidade e a acumulação histórica); mantêm a ordem social; são compartilhados por todos na sociedade e são implementados pelo poder Temporal e pelo poder Espiritual

5.2.4.     A prevalência legítima desses parâmetros sociais compartilhados constitui as sociedades orgânicas; quando os parâmetros entram em crise, ocorre a anarquia e já não se sabe o que fazer e como agir; os abusos privados e públicos tornam-se mais comuns, assim como as críticas, as disputas e as crises sociais, políticas e morais

5.2.4.1.           Devemos notar que, embora aplicados também pelo poder Temporal, esses parâmetros são espirituais (como indicado pela noção de “legitimidade”); assim, a transição de parâmetros e, daí, a anarquia é antes de mais nada uma questão espiritual, ou melhor, de transição entre poderes espirituais

5.2.5.     Como a história humana é progressiva (ou seja, ela evolui com o passar do tempo), a passagem de uma fase para outra exige a mudança de parâmetros coletivos; assim, a mudança de uma fase para outra acarreta períodos de anarquia

5.2.5.1.           Vale notar que a maneira de pensar própria às transições é a metafísica, com seu aspecto corrosivo; assim, ao permitir e realizar as transições, a metafísica de modo geral assume um aspecto progressivo e também anárquico; entretanto, o progressivismo da metafísica só ocorre enquanto ela mantém-se como transitória; além disso, a anarquia não é progressiva, mas é uma situação transitória entre duas fases

5.2.6.     No caso do Ocidente, o fim da Idade Média trouxe a decadência – necessária – da teologia e do militarismo, ao mesmo tempo em que se desenvolveram a ciência (ou melhor, a positividade) e a sociedade industrial

5.2.6.1.           Como Augusto Comte apresentou nos Opúsculos de filosofia social, na Filosofia positiva, na Política positiva e no Catecismo positivista, essa transição corresponde ao “duplo movimento moderno”, que é de decomposição dos elementos antigos (teologia e militarismo) e composição dos elementos novos (positividade e sociedade industrial), freqüentemente com os últimos atuando tanto na decomposição quanto na composição

5.2.6.2.           Esses dois movimentos, embora fossem concomitantes entre si, ocorriam com velocidades distintas: a decomposição dos elementos antigos era mais fácil, e portanto mais rápida, que a composição dos elementos novos; já os elementos novos, além de precisarem de uma quantidade enorme de materiais prévios, também exigiam para sua constituição que os seus materiais surgissem em uma ordem determinada e que ocorresse igualmente a decomposição prévia dos elementos antigos em uma ordem determinada

5.2.6.3.           Nesse quadro, a anarquia surgiu como um resultado inescapável: os parâmetros antigos não eram mais respeitados e os novos ainda não estavam constituídos nem disseminados

5.2.6.4.           Em face da ausência de parâmetros comuns (da anarquia), a manutenção da ordem tornou-se premente; devido à decadência do poder espiritual antigo (o catolicismo), o poder temporal reafirmou suas responsabilidades e até as ampliou, com os estados nacionais consolidando-se, ampliando de tamanho e de atividades e substituindo os antigos estados feudais

5.2.6.4.1.                Com isso, a transição dos elementos antigos para os modernos assumiu um aspecto de maior estabilidade temporal (especialmente política) e instabilidade (ou melhor, anarquia) espiritual

5.2.6.4.2.                Daí, aliás, o voto de Thomas Hobbes implementado por Frederico II e admirado por Augusto Comte: manutenção da ordem material e plena liberdade espiritual

5.2.7.     Comentamos há pouco que a anarquia é uma questão espiritual; dito isso, temos que notar que a transição moderna (e a correspondente anarquia) apresenta um aspecto central: não se trata somente da substituição de um poder espiritual por outro, que com a correlata mudança de perspectivas (como ocorrido na passagem do politeísmo greco-romano para o monoteísmo católico); a transição moderna assume um aspecto revolucionário, devido à profundidade das mudanças ocorridas: fim da escravidão e instituição do trabalho livre (passando pela servidão feudal), fim do militarismo e instituição da atividade produtiva pacífica e, acima de tudo, substituição do absolutismo filosófico pelo relativismo filosófico

5.2.7.1.           Essa transição moderna, assim, é principalmente intelectual (com a passagem do absolutismo para o relativismo sendo a mudança mais profunda e mais difícil); esse problema intelectual tem conseqüências morais e afetivas, alterando profundamente os sentimentos; a partir desses dois aspectos, tem conseqüências práticas

5.2.7.2.           A profundidade das mudanças modernas é tão grande e tão radical que essas mudanças exigem tempo para ocorrerem e disseminarem-se; bem vistas as coisas, no caso da mudança espiritual, a positividade já está constituída, com a fundação da Religião da Humanidade em 1854, mas sua disseminação enfrenta grandes obstáculos, com a permanência do absolutismo e do militarismo

5.2.7.3.           A dificuldade para a disseminação do Positivismo e a permanência do absolutismo e do militarismo resultam na permanência da anarquia moderna

5.2.8.     Um aspecto central que devemos indicar é este: a anarquia moderna, com a confusão espiritual e o crescimento do Estado, conduziu, como com freqüência ainda conduz, a abusos de toda ordem: Estado despótico e/ou autoritário, confusão entre os dois poderes, militarismo, exploração do proletariado (que é tratado como se fosse escravo) etc.

5.2.8.1.           Em outras palavras, muitos dos problemas contemporâneos resultam não da natureza das coisas, mas, sim, das características da atual época de transição; no caso do Estado, por exemplo, ele não é por si só, sempre, tirânico, mas sua falta de regulação permite e estimula a atuação tirânica

5.2.9.     A anarquia moderna não é somente a ausência de parâmetros compartilhados (que corresponde a não se saber o que se deve fazer); ela também é o enfrentamento cotidiano e aparentemente infindável entre diferentes concepções: esse traço em particular é o que torna tão problemática e tão terrível a anarquia moderna

5.2.9.1.           De maneira concreta, o enfrentamento moderno entre diferentes concepções assume a forma da disputa entre parâmetros retrógrados e parâmetros anárquico-revolucionários, isto é, entre concepções teológico-militaristas e concepções crítico-destruidoras

5.2.9.1.1.                De maneira vulgar, cada uma dessas concepções é chamada de promotoras da “ordem” e do “progresso”

5.2.9.2.           Na disputa entre retrógrados e anárquicos, cada um dos partidos alimenta um ao outro em uma oscilação cansativa e degradante: os retrógrados buscam recriar uma ordem decaída e justificar abusos, o que estimula os revolucionários; a anarquia revolucionária reafirma a necessidade de ordem, estimulando os retrógrados – e assim sucessivamente

5.2.9.2.1.                Essa dinâmica iniciou-se já na Revolução Francesa e, sob os rótulos fugidios de “direita” e “esquerda”, difundiu-se pelo Ocidente e pelo mundo e tem-se eternizado desde então

5.2.9.3.           Como sabemos, é necessário deixar para trás os elementos antigos, que não por acaso são decaídos (pois são teológicos e militaristas), assim como é necessário ultrapassar os elementos transitórios, puramente críticos mas igualmente absolutos; a única solução para isso é por meio da positividade, do relativismo e do pacifismo; assim, apenas com o Positivismo é possível a política que una radicalmente a ordem e o progresso, abandonando a oposição antiga e estéril entre elas

5.3.   Passemos agora à segunda parte deste sermão, considerando o movimento anarquista atual

5.3.1.     Há muitas questões que devemos considerar agora:

5.3.1.1.           Quais as características gerais do anarquismo

5.3.1.2.           As relações entre o movimento anarquista e a anarquia criticada por Augusto Comte

5.3.2.     Sobre o movimento anarquista, duas observações preliminares:

5.3.2.1.           Em primeiro lugar, o sentido corrente de anarquia corresponde a “desordem”; já o movimento anarquista não propõe essa desordem – isto é, pelo menos não de maneira explícita, pois os anarquistas são radicalmente contra os órgãos coletivos que impedem a desordem

5.3.2.1.1.                Alguns teóricos do anarquismo (como Proudhon) chegaram a usar a palavra “anarquia” como sinônima de desordem, mas de modo geral o anarquismo não propõe a desordem

5.3.2.1.2.                Veremos adiante que os anarquistas entendem que a ordem social surge espontaneamente, sem a necessidade do Estado (e do sacerdócio); essa concepção é correta (embora limitada) e afasta do anarquismo a igualdade entre anarquia e desordem

5.3.2.2.           Em segundo lugar, não existe um único anarquismo, mas vários movimentos anarquistas

5.3.2.2.1.                A pluralidade de anarquismos é devida tanto à diversidade de concepções teóricas e propostas práticas quanto, de maneira mais profunda, devido ao espírito que anima o anarquismo, ou seja, a rejeição de poder central (quer seja temporal, quer seja espiritual)

5.3.3.     A concepção central do anarquismo, como o próprio nome indica, consiste na rejeição do poder, seja o poder temporal, seja o poder espiritual; no que se refere ao poder temporal, trata-se tanto do poder político quanto do poder material (econômico)

5.3.3.1.           Os anarquistas consideram que todo poder organizado é despótico, tirânico; devido a isso, em vez de buscarem regular, corrigir, melhorar, aperfeiçoar, a solução dada pelos anarquistas é destruírem e combaterem o poder

5.3.3.2.           É importante indicar que os anarquistas passam da crítica à eventual tirania do poder à concepção de que todo poder é sempre e necessariamente tirânico; assim, para os anarquistas, a história humana é basicamente a história da exploração e da dominação humana

5.3.4.     Tanto como base quanto como conseqüência da rejeição ao poder, o anarquismo adota uma perspectiva individualista da realidade, ou seja, para eles o indivíduo é o valor mais importante, sendo a sociedade e as organizações concepções derivadas, secundárias e sempre vistas com enorme suspeita

5.3.4.1.           A ênfase no indivíduo baseia-se em uma valorização da dignidade humana, centrada nos indivíduos; ao mesmo tempo, a rejeição ao poder baseia-se em uma denúncia da tirania do Estado, da tirania da burguesia e da tirania sacerdotal; no século XX (mas começando com clareza e intensidade em meados do século XIX) o anarquismo também rejeitou a tirania marxisto-comunista

5.3.4.2.           Assim, o anarquismo é radicalmente igualitarista e contra toda hierarquia

5.3.4.3.           Por outro lado, há anarquismos que valorizam bastante a fraternidade, seja como prática local, seja como um valor mais ou menos universal

5.3.4.3.1.                Em particular, a defesa da fraternidade também corresponde à defesa dos trabalhadores e, de modo mais amplo, dos proletários

5.3.4.3.2.                Da mesma forma, os anarquistas valorizam e buscam dignificar as mulheres

5.3.5.     Um aspecto importante dos anarquistas, ou melhor, de alguns anarquistas é que eles distinguem a ordem social da atuação do Estado, no sentido de que a ordem surge espontaneamente, a partir da interação entre os seres humanos (e o Estado corrompe, ou prejudica, ou impede a ordem)

5.3.6.     Em termos mais concretos, a rejeição ao poder e a centralidade do individualismo conduz de modo geral o anarquismo ao seguinte:

5.3.6.1.           Em termos de organizações, os anarquistas criam associações de indivíduos, que são de modo geral pequenas, na forma de “coletivos”, sindicatos, cooperativas, fazendas; há um esforço para estimular a fraternidade e em muitos casos isso realmente ocorre

5.3.6.2.           Em termos espirituais, os anarquistas tendem ao ateísmo; entretanto, há anarquistas que baseiam seu anarquismo em concepções teológicas, muitas vezes cristãs

5.3.6.3.           Em termos de estratégias práticas, com freqüência os anarquistas não rejeitam a violência e muitos defendem abertamente a violência, chegando ao ponto de serem efetivamente terroristas (com o uso de bombas e depredações, por exemplo); todavia, há anarquistas pacifistas

5.3.7.     Vale notar que as características que indicamos acima correspondem aos anarquistas de esquerda; há também os de direita, que são os anarcocapitalistas

5.3.7.1.           Os anarcocapitalistas rejeitam o Estado, visto por eles como impeditivo da liberdade e da constituição da ordem social

5.3.7.2.           Para eles, é o capitalismo que promove a liberdade e a dignidade individuais

5.3.7.3.           Dessa forma, os anarcocapitalistas representam a radicalização à direita do liberalismo

5.4.   Em face do conceito de anarquia e das características dos movimentos anarquistas, podemos apreciar da seguinte maneira o anarquismo:

5.4.1.     Indiscutivelmente, os movimentos anarquistas apresentam características simpáticas: o estímulo da fraternidade; a afirmação da dignidade humana; o elogio e a defesa do proletariado; o elogio e a dignificação das mulheres; a noção de que a ordem social surge espontaneamente; a crítica à tirania política, à tirania econômica, à tirania e à hipocrisia espiritual; em alguns casos, também a defesa do pacifismo

5.4.2.     Por outro lado, o anarquismo apresenta características gravemente negativas:

5.4.2.1.           Sua crítica à tirania temporal resulta em pura destruição; em vez de buscar solucionar os problemas, a “solução” anarquista consiste em destruir o Estado, a riqueza e o sacerdócio

5.4.2.1.1.                Tal “solução” é pura e simplesmente infantil: algo tem problemas? Vamos destruir! É a mesma postura que muitos assumem a respeito do casamento: o casamento tem problemas? Adotemos o “casamento aberto”, ou o “poliamor”, ou a poligamia, ou variações desse tipo

5.4.2.1.2.                Em outras palavras, a noção positiva de que só se destrói o que se substitui é totalmente rejeitada pelo anarquismo

5.4.2.1.3.                Aliás, a noção positiva de consagrar para regular (e regular para consagrar) também é rejeitada e desprezada pelo anarquismo

5.4.2.1.4.                A noção de que todo poder é tirânico conduz à rejeição direta da concepção de que toda sociedade precisa de órgãos de coordenação e de afirmação do bem comum sobre os egoísmos e os esforços individuais: o Estado e o sacerdócio são proscritos pelos anarquistas e quem os defende é acusado de maneira peremptória e automática de “autoritários” (quando não totalitários, fascistas, exploradores etc.)

5.4.2.1.4.1.                      Além da infantilidade completa dessa concepção e dos juízos derivados, ela também é profundamente irresponsável em termos práticos: para ficarmos com dois exemplos fáceis, todo o sistema de previdência e de saúde pública exige uma burocracia pública grande e eficiente; da mesma forma, a brevidade com que a Humanidade lidou com a devastadora pandemia de covid-19 só foi possível graças à existência e à atuação de estados nacionais atuantes

5.4.2.1.5.                A concepção dos seres humanos apresentada pelos anarquistas afirma, celebra e aprofunda as clivagens sociais: quem é anarquista merece confiança; quem tem poder, riqueza e/ou poder espiritual merece desconfiança

5.4.2.1.6.                Não é por acaso que os anarquistas são grandes promotores de atitudes “anti”: são grandes denunciadores e críticos

5.4.2.1.6.1.                      Embora muitas das denúncias dos anarquistas “anti” apresentem elementos positivos (seja nas denúncias propriamente ditas, seja na sugestão implícita de elementos para as soluções), o fato é que no final das contas nessas denúncias os anarquistas são incapazes de perceber, ou de reconhecer, que a solução dos problemas denunciados envolve sempre (ainda que não exclusivamente) a atuação de órgãos centrais e de coordenação (sejam órgãos temporais, como o Estado, sejam órgãos espirituais, como o sacerdócio)

5.4.2.2.           A crítica à hipocrisia e às vezes também à tirania sacerdotal conduz muitos anarquistas ao ateísmo, o que é também um defeito intelectual e moral

5.4.2.2.1.                Como comentamos antes, há algumas correntes pacifistas no anarquismo, especialmente inspiradas pela teologia: isso indica os graves limites morais e intelectuais do anarquismo; embora haja anarquistas humanistas, as relações entre anarquismo, pacifismo e ateísmo sugerem que o anarquismo ateu tende a ser violento e o anarquismo pacifista tende a ser teológico: em outras palavras, o anarquismo consegue combinar a retrogradação com a anarquia, ou seja, ele reafirma a lógica contraditória, oscilante e insustentável próprio à revolução moderna ocidental

5.4.2.3.           Não podemos esquecer que os anarquistas são profundamente individualistas; há anarquistas agressivamente individualistas, embora haja anarquistas que têm preocupações propriamente sociais

5.4.2.3.1.                A noção de fraternidade humana dos anarquistas, então, é limitada pelo seu individualismo

5.4.2.3.2.                A valorização do individualismo pelos anarquistas resulta em que a sociedade é apenas a soma de indivíduos, que podem constituir uma comunidade; mas uma verdadeira concepção de coletividade torna-se impossível

5.4.2.3.3.                Como não existem verdadeiras coletividades para o anarquismo, não existem coletividades históricas (exceto as tirânicas); logo, os anarquistas rejeitam a concepção de Humanidade

5.4.2.3.4.                Em termos políticos, como sabemos, o individualismo conduz à noção absoluta de direitos e à rejeição da de deveres

5.4.2.4.           A concepção de que todo poder é despótico resulta em que a concepção histórica do anarquismo é também destruidora: para eles, a história é a história da dominação, da exploração, da alienação, da humilhação

5.4.2.4.1.                Os anarquistas, portanto, mantêm e reafirmam a ruptura histórica própria à teologia monoteísta (ao cristianismo) e que foi aprofundada e radicalizada pela metafísica revolucionária

5.4.2.4.2.                Ora, como Augusto Comte sempre afirmou e reafirmou, é impossível conceber o ser humano e a solução dos problemas sociais sem concepções gerais, em particular sobre a totalidade da história

5.4.2.4.3.                Como vimos antes, a fraternidade anarquista é limitada em termos espaciais, mas sua rejeição da história humana indica que essa fraternidade é também limitada no tempo

5.4.2.4.3.1.                      A noção anarquista de história, então, consiste muito mais em um processo de degradação permanente e destruição contínua que no desenvolvimento e na regulação das forças humanas

5.4.2.5.           As relações ideais para os anarquistas são comunidades pequenas, simples, pouco tecnológicas

5.4.2.5.1.                É necessário afirmar com clareza e honestidade que a afirmação de comunidades simples, pequenas e pouco tecnológicas estimula a formação e o fortalecimento de vínculos pessoais fortes e verdadeiros, além de aproximar o ser humano do meio ambiente – e tudo isso é extremamente saudável

5.4.2.5.2.                Esse ideal não é conseqüência direta da profunda ruptura histórica promovida pelo anarquismo, mas vincula-se à sua noção de que todo poder (e, a fortiori, toda organização maior) é tirânico

5.4.2.5.3.                O ideal anarquista de comunidades – nunca “sociedades”, que são entendidas como tirânicas! – pequenas, simples e pouco tecnológicas aproxima os anarquistas de comunidades rurais e pré-modernas

5.4.2.5.3.1.                      Isso torna o anarquismo pouco simpático às sociedades modernas, necessariamente urbanas; no limite, ele é inadequado para lidar com elas

5.4.2.6.           Não podemos deixar de lado a violência anarquista, que é um elemento central da atuação de muitos movimentos anarquistas

5.4.2.6.1.                Alguns defensores do anarquismo, às vezes do anarcopacifismo, negam que haja e/ou que tenha havido anarquistas terroristas, afirmando ao contrário que isso não passa de “propaganda burguesa” ou “pró-Estado”: isso é uma tolice; houve e há anarquistas terroristas

5.4.2.6.1.1.                      É importante reconhecermos que nem todo anarquista é violento; quem constitui as comunidades pré-modernas busca e precisa da paz; além disso, há os chamados anarcopacifistas

5.4.2.6.2.                Entretanto, muitos teóricos do anarquismo afirmam que o pacifismo é uma forma de apoiar a violência dos ricos e poderosos e que a violência só se combate com violência

5.4.2.7.           O elogio anarquista da violência torna extremamente discutível a sua defesa da fraternidade – que, como vimos, é limitada no espaço (quem defende e/ou participa do Estado, da riqueza e/ou do sacerdócio não merece a fraternidade) e no tempo (a história humana é a história da exploração e da humilhação)

5.4.2.8.           Duas breves comparações:

5.4.2.8.1.                Anarquistas comparados com os comunistas: os anarquistas rejeitam totalmente a noção de permanência atual (quando não futura) do Estado; além disso, os anarquistas são mais “éticos” que os comunistas, como se pode ver nas críticas que os anarquistas fizeram contra a hipócrita brutalidade de Marx no movimento operário; entretanto, os anarquistas mantêm e aprofundam as noções de ruptura social e de ruptura histórica, rejeitam a noção de sociedade (devido ao seu individualismo) e são extremamente ambígüos a respeito da violência (que, à semelhança da luta de classes, é vista como um instrumento contra o poder)

5.4.2.8.2.                Anarquistas comparados com os liberais: os anarquistas valorizam diretamente a fraternidade humana, bem como a dignidade individual (o que os liberais fazem fracamente); sua concepção de ser humano rejeita a redução materialista, ou economicista, do ser humano a um agente econômico (como os liberais em geral e os anarcocapitalistas em particular concebem); anarquistas e liberais consideram que a ordem social surge naturalmente e desconfiam do Estado; mas anarquistas e liberais são individualistas, de modo que as sociedades são meramente somas de indivíduos; por outro lado, os anarquistas são extremamente ambígüos a respeito da violência, ao passo que os liberais, ao menos em princípio, rejeitam a violência; além disso, em termos de concepções históricas, embora haja distintas correntes do liberalismo, muitas delas (como no caso dos liberais conservadores) têm concepções históricas mais sadias que a do anarquismo (por mais limitadas que sejam), ao valorizarem continuidades históricas; por fim, os liberais reconhecem a importância da riqueza e, principalmente, do poder e, em face dos evidentes problemas que eles apresentam, os liberais propõem regular sua atividade, em vez de destruí-los

5.4.3.     Ainda que muitas vezes (ou até com freqüência) seja correta e necessária a crítica aos desvios do poder e da riqueza, os anarquistas são incapazes de perceberem que os graves problemas que eles denunciam têm uma origem histórica e que essa origem liga-se à desregulação dos poderes, ou seja, ao seu abuso, não ao seu uso

5.4.3.1.           Ora, a desregulação dos poderes deve-se ao declínio dos parâmetros coletivos de regulação, ou seja, deve-se ao desenvolvimento da anarquia

5.4.3.2.           O desenvolvimento moderno da anarquia deve-se ao declínio necessário da teologia (em termos espirituais) e do Estado militarista (em termos temporais), sem que os novos parâmetros da positividade e da atividade pacífica estivessem constituídos (até 1854) e estejam disseminados (desde 1854)

5.4.4.     Em suma:

5.4.4.1.           O movimento anarquista apresenta alguns elementos morais positivos, como o estímulo à fraternidade, a afirmação da dignidade individual, a valorização do proletariado e a dignificação das mulheres, além da crítica aos desvios de conduta do poder, da riqueza e até do poder Espiritual

5.4.4.2.           Por outro lado, o movimento anarquista é contra a regulação dos poderes sociais, é individualista, despreza a continuidade histórica, tem uma concepção infantil e irresponsável de como lidar com os problemas sociais, idealiza relações sociais retrógradas e de modo geral estimula e pratica a violência

5.4.4.3.           O movimento anarquista, portanto, consegue combinar a retrogradação com a anarquia

5.4.4.4.           Assim, embora seja necessário distinguir a noção abstrata de anarquia (com seu conteúdo moral, intelectual e prático), do movimento anarquista concreto, e embora o movimento anarquista apresente alguns aspectos positivos, é necessário termos clareza: o movimento anarquista corresponde, sim, ainda que não de maneira exclusiva, ao conceito de anarquia, na medida em que o movimento anarquista promove ativamente a anarquia moderna

5.5.   Em face do que comentamos até agora, nossa apreciação do chamado “positivismo anarquista” é a seguinte:

5.5.1.     Embora nos últimos tempos se fale em um “positivismo anarquista”, essa concepção de um “positivismo anarquista” é tão errada, superficial, irracional e imoral quanto as de um “positivismo espírita”, ou de um “positivismo cristão”, ou de um “positivismo comunista”

5.5.1.1.           Um suposto “positivismo anarquista” nega aspectos centrais do Positivismo e finge que o anarquismo não tem graves defeitos morais, intelectuais e práticos

5.5.1.2.           Além disso, a concepção de um “positivismo anarquista” gera confusão moral, teórica e prática – o que, diga-se de passagem, aumenta socialmente a anarquia e prejudica individualmente quem busca conhecer o Positivismo (e até quem busca conhecer o anarquismo)

5.5.2.     Em outras palavras e de maneira direta: não existe um “positivismo anarquista”

5.5.2.1.           É claro que, por outro lado, pode existir anarquismo inspirado, ou influenciado, ou apenas próximo do Positivismo

5.5.2.2.           Da mesma forma, embora seja totalmente incorreto falar-se em ou propor-se um “positivismo anarquista”, isso não impede que identifiquemos aspectos de proximidade do anarquismo com o Positivismo, como realizamos nesta prédica

5.6.   Importa repetirmos que o objetivo fundamental desta prédica foi tratar do conceito positivo de anarquia; abordamos e apreciamos à luz do Positivismo o movimento anarquista e, depois, o suposto “positivismo anarquista” devido a questões práticas e porque, de qualquer maneira, esses temas adicionais seriam objeto de questões do público que acorre às nossas prédicas

6.      Exortações finais

6.1.   Sejamos altruístas!

6.2.   Façamos orações!

6.3.   Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

6.4.   Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

7.      Invocação final

 

Referências

- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva (Paris, Société Positiviste, 5e ed., 1893)

- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, L. Mathias, 1851-1854)

- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.

- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934)

- George Woodcock (port.), História das idéias e movimentos anarquistas (Porto Alegre, L&PM, 2002)

- Peter Gelderloos (port.), Como a não-violência protege o Estado (Subta, s/l, 2014)

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), A solução da questão social, segundo os ensinos da verdadeira ciência positiva – conferência realizada a 27 de Frederico de 120 (30 de novembro de 1908), in: ____. A preeminência social e moral da Mulher (n. 273 da série da IPB; Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1908)

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O Positivismo e a questão social – a propósito da propaganda anarquista (N. 383 da série da IPB; Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1915)

 



[1] Essas concepções podem ser lidas na Filosofia positiva:

- O v. 4 apresenta 76 referências diretas a “anarquia” ou “anárquico”, das quais as que se referem mais diretamente ao que nos interessa estão nas páginas 29, 81, 92, 330, 486 e 494.

- O v. 5 apresenta 21 referências diretas a “anarquia” ou “anárquico”, das quais as que se referem mais diretamente ao que nos interessa estão nas páginas 436 e 400.

- O v. 6 apresenta 61 referências diretas a “anarquia” ou “anárquico”, das quais as que se referem mais diretamente ao que nos interessa estão nas páginas 454 e 824.

Na Política positiva, encontramos referências diretamente úteis para o que nos interessa aqui no v. 2, páginas 130, 131 e 178; no v. 3, páginas 2, 29 e 34-35; no v. 4, páginas XXXVI, 10, 11, 195, 304-305, 366, 368, 370-371, 382, 384, 393, 453 e 475.

No Apelo aos conservadores, encontramos referências diretamente úteis para o que nos interessa aqui nas páginas XI, XXVIII, XXI, XXXI, 1, 3, 42, 43, 45, 48, 122-123, 146, 150-151 e 197.