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19 janeiro 2025

Edgar Proença Rosa: canto 11 de "Humaníadas" (O Ano Sem Par)

Reproduzimos abaixo o canto 11 do belíssimo poema Humaníadas, do poeta positivista Edgar de Proença Rosa (Rio de Janeiro, Portinho Cavalcanti, 1982, p. 82-86). Embora sem título, sugerimos para essa canto o título de "O ano sem par".

*   *   *


11

Oh vós Clotilde, soberana essência

Intemerata e máxima excelência

Dos mais sublimes dons da natureza,

Vós que ao Mestre a vida dedicastes

E a síntese final iluminastes,

 

Iluminai também meu coração,

Dai-lhe vigor, pureza e sensação

Para que eu possa em versos relembrar

O vosso amor, Senhora e Soberana

O mais sublime amor da espécie humana.

 

Vinde inspirar, Senhora, o vate ardente

Com vossas sete leis, constantemente

Pelos abrolhos árduos desta vida,

Fazendo a cada instante uma alvorada,

Um canto, uma canção sempre almejada.

 

Oh, Mestre excelso da Filosofia

Da alta Moral e da Sociologia

Autor sublime e fundador audaz,

Fazei com que a musa que mandais

A esta ardega empresa que inspirais.

 

Não falte nunca com engenho e arte

Que só de vós promana, e dest’arte

Seguir e prosseguir nesta alta empresa

Que assaz ciência exige e mais valor

Possa eu no crânio com maior amor.

 

Dai-me o sentido, o senso positivo

Deste que vou, caminho tão furtivo

Seguindo sobre escolhos e tropeços

Fazei com que a musa tão benquista

Não dispareça, agora, à minha vista.

 

Agora sim, atinge a Humanidade

O limiar da sua adulta idade

E Comte se enamora de Clotilde

Ao som do órgão de São Paulo Apóstolo

Ressoa para sempre um santo ósculo.

 

No interior daquele batistério

Como envolvido no maior mistério

O amor se ergueu por esse altar sublime

E duas almas para a eternidade

Personificarão a Humanidade.

 

Dois corações unidos num somente

Plasmarão a estrutura do Grão Ente

Na mais pujante força do Altruísmo,

O Amor glorificando a nossa vida

Belos dias dará a humana lida.

 

A Humanidade erguida nesse altar

Naquele altar que encerra “o ano sem par”

Os olhos fita num porvir longínquo

E sua lei suprema, então, proclama

Ardendo de paixão, ardendo em chama:

 

Somente o Amor, de fato, é minha lei,

Outra não quero nem mais outra sei

Que a esta de primeiro não se cumpra,

Merece a vida só quem sabe amar

E quem de amor ardendo não se cansar.

 

Estendida no tálamo de dor,

Clotilde escuta as juras de um amor,

Do amor que a morte exterminar não pode

Enquanto a vida foge-lhe asinha

Da eterna glória, viva, se avizinha.

 

Olhar esmaecido e a palidez

Transformam de Clotilde a pura tez

Sobre o leito de morte recostada,

Voz tremente nos lábios sem carmim

Indicam já da vida o triste fim.

 

Amigo, lembra-te que eu sofro tanto

Que a vida inglória se desfaz em pranto

Embora sofra sem o merecer,

E tomba a fronte úmida e gelada

No altar da vida eterna e venerada.

 

Viva, vivendo na lembrança eterna

Da espécie humana em união fraterna

Viva, mais viva do que outrora fora

Clotilde exangue sob o olhar de Comte

Deixa tombar na morte a casta fronte.

 

Vendo o extertor final dessa agonia

Fundo contrai-se a face de Sofia

Ante o leito de morte ajoelhada,

Enquanto o pranto em lágrimas sentido

Banha-lhe o rosto triste, entumescido.

 

Morta? não morta, que não morre quem

Nesta vida só tendo feito o bem

Se transforma co’a dor que a morte traz

E a dor se vai nos tempos mais crescendo,

Numa lembrança infinda se fazendo.

 

Morta? não morta, pois que a morte é o nada.

Não morre quem somente transformada

Desta se vai a outra mais suave,

Não morre quem na vida transitória

Mais mereceu o galardão da glória.

 

Não morre quem o Amor purificou

Mulher embora, como deusa amou,

E a esse amor o Mestre conduziu,

Para Aquela que tanto altruísmo encerra

Nada vale o negror da dura terra.