No dia 11 de Frederico de 168 (15.11.2022) fizemos uma prédica positiva; na parte da leitura comentada do Catecismo positivista, concluímos a teoria geral do culto, tratando da influência intelectual do culto positivo. Já na parte de sermão, tratamos da importância da visão de conjunto para o ser humano, bem como da rejeição contemporânea da visão de conjunto pelo pós-modernismo e pela política identitária.
As anotações que serviram de base para a (longa) exposição sobre a importância da visão de conjunto estão disponíveis abaixo. A exposição oral está disponível aqui (no canal Positivismo do Youtube) e aqui (no canal Apostolado Positivista do Facebook), a partir de 53' 30".
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Importância da visão de conjunto
- A visão de conjunto permite que se entenda a realidade
o A visão de conjunto tem conseqüências morais, intelectuais e sociais:
§ A visão de conjunto oferece sentido ao mundo e à vida
§ É somente por meio da visão de conjunto que se pode explicar a sociedade e os indivíduos, ao inseri-los em “contextos”
· Ao entendermos a totalidade, sabemos onde fica cada coisa e, portanto, sabemos onde cada um de nós fica, está e como se relaciona com os demais
§ A verdadeira moralidade só é possível com base na visão de conjunto:
· Somente a partir da visão de conjunto é possível definir o que é bom e o que é ruim, o que é justo e o que é injusto
o Inversamente, a ausência de visão de conjunto, ou a negação da visão de conjunto, resulta em que a realidade torna-se incoerente e irracional e qualquer discussão sobre o que é certo e o que é justo torna-se impossível (quando não irrelevante)
§ A irracionalidade e a incoerência resultantes da ausência de síntese tem resultados muito claros: a perda do sentido da vida, a confusão mental, a perda de referências morais (em termos individuais e coletivos)
§ As consequências acima resultam, por sua vez, em aumento dos conflitos sociais e da violência social e política, em guerras (internacionais e/ou civis), no fanatismo e na intolerância, no adoecimento mental e físico
§ A rejeição da visão de conjunto, portanto, é
ao mesmo tempo imoral, irracional e antissocial (e antipolítica)
- Afirmar a possibilidade, a necessidade e até mesmo a indispensabilidade da visão de conjunto torna-se ainda mais urgente desde os anos 1960-1970 no Ocidente, com o desenvolvimento do pós-modernismo
o O pós-modernismo foi elaborado na França mas logo foi importado pelos Estados Unidos; na França ele manteve-se como uma modinha academicista, mas nos EUA ele desenvolveu-se, aprofundou-se e derivou para a prática política, na forma da política identitária
o O pós-modernismo nega, rejeita, despreza, impede as visões de conjunto, que ele chama de “visões totalizantes” ou de “grandes narrativas”
§ Os historiadores também desenvolveram suas próprias formas de desprezo pelas visões de conjunto
o De acordo com esses pensadores, não há motivo para elaborar-se visões de conjunto, pois objetivamente elas seriam impossíveis e, além disso, elas seriam desnecessárias
o Para eles, portanto, o bom é a fragmentação das idéias, a justaposição incoerente e irracional de concepções puramente subjetivas
§ A partir desse ultrassubjetivismo, o pós-modernismo afirma que não existe realidade objetiva, mas apenas “narrativas”
o Essa é a própria definição e afirmação do que Augusto Comte chamava de “anarquia”, ou seja, a ausência de valores e concepções compartilhados
- Ao longo de toda a história da Humanidade, o ser humano procurou elaborar visões de conjunto, ou sínteses
o Essas sínteses foram chamadas inicialmente de “religiões” e, depois, também (ou apenas) de “filosofias”
o Como se sabe, as metafísicas sempre atuaram como corrosivas das sínteses anteriores, mas, entre cada grande transição, a metafísica do momento já introduzia elementos da nova síntese
§ Com o início da mais recente grande fase de transição (após a Idade Média), a metafísica introduziu a sua corrosão, mas apresentando um caráter ambíguo: por um lado, auxiliando a ciência; por outro lado, desenvolvendo a pura corrosão
§ No século XVIII, algumas filosofias que tinham ainda um pé na metafísica afirmaram o espírito positivo e a visão de conjunto: foram os enciclopedistas, especialmente na França e na Escócia
§ Vale notar que mesmo algumas metafísicas modernas sem muito espírito positivo e/ou com forte espírito corrosivo (“crítico”) estimularam a visão de conjunto: Hegel e até Marx tiveram essa preocupação
o Entretanto, algumas ciências – não por acaso, as ciências superiores – exigem a visão de conjunto
§ Essa exigência é inaugurada pela Biologia, seja em termos globais, com a Ecologia, seja em termos individuais, com o estudo da inserção dos órgãos no corpo
§ A Sociologia e a Moral também exigem a visão de conjunto
§ Vale lembrar, entretanto, que a ciência é ambígua: se por um lado há ciências que exigem a visão de conjunto, por outro lado a ciência entregue a si mesma tende ao absoluto e, como a ciência é pelo detalhe, por si mesma ela vai contra a visão de conjunto
- A metafísica que rejeita a visão de conjunto, não por acaso, vincula-se à concepção individualista do ser humano: toda a tradição liberal é individualista e contrária à visão de conjunto
o Para os liberais (progressistas ou conservadores; ingleses ou alemães ou estadunidenses ou austríacos), a visão de conjunto equivale sempre à opressão da sociedade sobre o indivíduo
§ O máximo de “sociedade” que os liberais concebem é a justaposição de indivíduos e dos seus respectivos egoísmos
o O individualismo que descamba no liberalismo é o resultado da secularização da teologia: sai a divindade, mantém-se o egoísmo e rejeita-se a perspectiva social
o O liberalismo é uma degradação do republicanismo, em particular na perda do sentido coletivo da vida humana
o Mas é importante indicar que o liberalismo, apesar de seus defeitos intelectuais e morais, concebe ainda uma visão de conjunto em termos de leis válidas para todos (os indivíduos) – a isonomia
o Da mesma forma, ainda que limitado pelo individualismo, o liberalismo reconhece a importância da ciência
- O pós-modernismo (com sua conseqüência prática, a política identitária) é uma filosofia especificamente academicista e consiste no desenvolvimento sem freios da metafísica, isto é, do seu espírito corrosivo
o O pós-modernismo e a política identitária aprofundam os aspectos críticos, isto é, corrosivos da metafísica (da mesma metafísica que resultou no liberalismo e, paradoxalmente, também no marxismo)
o O pós-modernismo e a política identitária rejeitam (1) a ciência, (2) a visão de conjunto, (3) os valores compartilhados, (4) o universalismo nas políticas públicas
o De maneira correlata, o pós-modernismo e a política identitária defendem (1) o particularismo, (2) o irracionalismo anticientífico, (3) o exclusivismo e a exclusão de quem não é do grupo identitário, (4) as “narrativas” identitárias exclusivas e excludentes
§ Ao longo da história já tivemos exemplos concretos de tais “narrativas” identitárias: foram a “ciência proletária” de Stálin e a “ciência ariana” de Hitler; atualmente há as “epistemologias negras”, “epistemologias queer”, “epistemologias feministas” etc. etc. etc. – tudo isso devidamente identitário, antiuniversalista, particularista, sectário
§ Duas aplicações práticas do sectarismo pós-moderno-identitário:
· A defesa de discriminações “positivas”: “racismo inverso” (dos “negros” contra os “brancos”), “sexismo inverso” (das mulheres contra os homens) etc.
o Uma consequência institucional das discriminações positivas são as cotas de vagas
· A afirmação do “lugar de fala”, que consiste na defesa, no âmbito da retórica, de cotas exclusivas para os membros dos grupos identitários, de tal maneira que só podem falar sobre esses grupos os membros do próprio grupo, excluindo da possibilidade de falar desses grupos quem não os integrar
o Versões mais suaves do “lugar de fala” até admitem que não-membros dos grupos identitários possam falar sobre os grupos identitários – mas sempre de maneira subordinada
- É fundamental ter-se clareza de que não é necessário ser identitário para combater-se o racismo e promover a integração “racial”; para valorizar as mulheres e combater as discriminações e as violências contra elas; para valorizar os homossexuais e combater as discriminações e as violências contra eles etc.
o A associação (interessada) entre determinadas pautas sociais e políticas e o identitarismo prejudica as próprias pautas
o
É possível e necessário encampar essas pautas sem recorrer ao identitarismo e
aos seus profundos vícios morais, intelectuais e políticos
o Ao reconhecermos a justiça das pautas defendidas pelo identitarismo mas recusarmos seus defeitos morais, intelectuais e políticos, cada uma das políticas identitárias em particular deve ser entendida como um "grito dos excluídos"
- Insistimos: em contraposição à rejeição intelectual, moral e política da visão de conjunto realizada pelos pós-modernos, é necessário reafirmar a possibilidade e a necessidade das visões de conjunto, ou melhor, das sínteses
o A visão de conjunto tem aspectos objetivos e subjetivos:
§ Ela é subjetiva na medida em que é o ser humano (o sujeito) quem elabora e a quem se direciona a síntese
§ Ela é objetiva na medida em que se baseia em elementos objetivos, sejam eles cósmicos, sejam eles humanos (históricos e morais)
§ Deixando de lado o escandaloso (mas “charmoso”!) elogio da irracionalidade feito pelos pós-modernos, é questão de perguntarmos com clareza e de respondermos com ainda maior clareza: qual o problema com que a síntese seja subjetiva? Ora, nenhum!
o O Positivismo, a Religião da Humanidade afirma a visão de conjunto e a síntese:
§ A moralidade e a racionalidade estabelecidas por meio da subordinação progressiva de indivíduos e grupos a coletividades e perspectivas cada vez maiores: família, mátria, Humanidade atual (objetiva), Humanidade histórica (subjetiva)
o Apenas por meio da visão de conjunto e da síntese propostas pela Religião da Humanidade é possível realizar com êxito a busca da harmonia individual, do bem-estar coletivo, do sentido da vida, da felicidade