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17 setembro 2024

Responsabilidade política

No dia 9 de Shakespeare de 170 (17.9.2024) tivemos nossa prédica positiva, com a leitura comentada do Catecismo positivista (iniciando a décima terceira conferência, dedicada à  tríplice transição ocidental).

Na parte do sermão abordamos a responsabilidade política.

Além disso, antes do sermão, falamos sobre alguns filmes para a cinemateca positivista e também abordamos um livro de Alberto Cupani.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/miPwS) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/dNWrD).

Os tempos da prédica foram os seguintes:

00 min 00 s - início

03 min 28 s - exortações iniciais

16 min 44 s - efemérides

21 min 10 s - cinemateca positivista

46 min 10 s - comentário sobre livro

55 min 09 s - leitura comentada do Catecismo Positivista

1 h 21 min 50 s - sermão

2 h 22 min 10 s - exortações finais

2 h 30 min 04 s - término

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Prédica positiva

(9.Shakespeare.170/17.9.2024) 

1.       Início

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.1.1. De modo específico 1: não sejamos imaturos nem mesquinhos

2.1.2. De modo específico 2: cuidemos do meio ambiente, melhoremos o padrão de consumo, apoiemos a transição energética, combatamos o aquecimento global, as queimadas, o negacionismo climático

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides:

3.1.    2 de Shakespeare (10.9): nascimento do nosso correligionário italiano Mattia Caneppele (2004)

3.2.    9 de Shakespeare (17.9): transformação de Rodolfo Paula Lopes (1984)

3.3.    13 de Shakespeare (21.9): nascimento de Luís Lagarrigue (1854)

3.4.    14 de Shakespeare (22.9): início da primavera

4.       Cinemateca positiva

4.1.    Julie e Júlia (EUA, 2009, direção de Nora Ephron)

4.1.1. É um filme que combina comédia romântica com comédia dramática, de maneira muito simpática

4.1.2. Podemos considerá-lo positivista porque apresenta a importância que a história tem para as pessoas; porque indica que a influência subjetiva, após a transformação, por vezes é maior que a influência objetiva; porque indica que essa influência subjetiva pode ser benfazeja e dar sentido (e sentido positivo) à vida das pessoas

4.2.    Sobre Pollyanna

4.2.1. Na semana passada nosso amigo e correligionário Eugênio Macedo perguntou-nos se o livro e filme Poliana poderiam ser enquadrados na Biblioteca e na cinemateca positivista; naquele momento não conseguimos responder, mas agora podemos

4.2.2. O livro Poliana foi escrito em 1913 pela estadunidense Eleanor H. Porter (1868-1920)

4.2.3. A personagem Poliana enfrenta problemas na vida e, para isso, joga o “jogo do contente”, em que, em face de dificuldades, procurava encontrar sempre o lado bom das coisas

4.2.3.1.             Por exemplo: “Uma vez eu tinha pedido bonecas e ganhei muletas. Mas fiquei feliz porque não precisava delas [das muletas]” (citação extraída da Wikipédia)

4.2.4. Em si mesmo, o “jogo do contente” pode ser entendido como uma técnica para manter o bom humor e, no limite, para manter a sanidade quando enfrentamos graves e/ou contínuos problemas na vida

4.2.5. Entretanto, há que se ter muito cuidado com isso, pois com facilidade pode converter-se em uma forma de alienação sistemática

4.2.5.1.             Por exemplo: quando ocorre um acidente de trânsito com ônibus (ou acidente aéreo) e morrem todos menos uma pessoa: no jogo do contente considera-se bom que uma pessoa tenha sobrevivido: por certo que essa vida tem que ser valorizada, mas valorizá-la mais que a morte de todos os outros é uma forma grosseira e mesquinha de alienação

4.2.6. Augusto Comte era contrário a essa forma de alienação, que ele chamava de “otimismo” e que nos dias atuais podemos chamar de “providencialismo teológico”

4.2.6.1.             Uma versão satírica e extremada desse otimismo – que, vale insistir, com enorme facilidade descamba para o providencialismo teológico – foi descrida por Voltaire no livro Cândido, ou o otimismo (de 1759)

4.2.7. Em face disso, o livro e o filme Poliana não se enquadram precisamente no espírito positivo; como dissemos, o otimismo da personagem Poliana aproxima-se mais da alienação providencialista que do verdadeiro espírito positivo

4.2.7.1.             Em contraposição, vale notar que Augusto Comte recomendava a leitura de livros (e a assistência de óperas) que têm conteúdos duríssimos: basta considerarmos as obras de Homero e de Shakespeare

4.2.7.1.1.                   Homero compôs a Ilíada, que não apenas é o relato de uma guerra como, em particular, aborda o episódio da “ira de Aquiles”

4.2.7.1.2.                   Shakespeare compôs peças por vezes belas e leves, como A tempestade e Sonhos de uma noite de verão, mas também peças pesadas, como Otelo, Macbeth e mesmo Romeu e Julieta

5.       Comentário sobre livro

5.1.    Livro Sobre a ciência (https://fil.cfh.ufsc.br/livro-alberto-cupani-sobre-a-ciencia-estudos-de-filosofia-da-ciencia/), de Alberto Cupani (Florianópolis, UFSC, 2023, 2ª ed.)

5.1.1. Esse livro expõe debates e reflexões contemporâneos sobre as ciências

5.1.2. Esse livro tem duas qualidades em particular:

5.1.2.1.             Por um lado, ele é muito didático, ao expor com clareza e ao explicar os debates, as polêmicas etc.

5.1.2.2.             Por outro lado, embora o autor não cite Augusto Comte e embora (repetindo o senso comum academicista) considere que o “positivismo” é o Círculo de Viena e concepções objetivistas, reducionistas etc., o fato é que suas preocupações e suas perspectivas são positivistas ou, pelo menos, são muito próximas a nós

6.       Leitura comentada do Catecismo positivista

6.1.    Início da décima terceira (e última) conferência, dedicada à exposição do desenvolvimento histórico da evolução humana, ou seja, do desenvolvimento da religião, em particular da transição própria ao Ocidente

7.       Sermão: sobre a responsabilidade política

7.1.    O tema de hoje relaciona-se diretamente com o Positivismo e, ao mesmo tempo, com as nossas vidas cívicas, seja no Brasil, seja no mundo: a responsabilidade de nossas ações

7.1.1. O que exporemos são apenas algumas indicações sobre a responsabilidade política e sobre os mecanismos de responsabilização; não temos nenhuma intenção de esgotar o assunto

7.2.    Como veremos, ao tratar das responsabilidades, há algumas confusões que convém desfazer, assim como há separações duras que convém também desfazer

7.2.1. Ao tratarmos das “responsabilidades políticas”, o Positivismo tem clareza que uma coisa são as responsabilidades políticas e outra são as responsabilidades sociais: entretanto, para nós, embora distintas, elas não são (e não podem ser) radicalmente separadas – embora a reflexão sociopolítica atual, muito marcada pelo academicismo, faça questão de separá-las com dureza

7.2.2. De maneira semelhante, no Positivismo reconhecemos que há o âmbito doméstico e o âmbito cívico, assim como há o Estado e a chamada “iniciativa privada”: são distinções importantes que devem ser preservadas e respeitadas; ainda assim, não se pode nem se deve opor de maneira dura e radical esses âmbitos: para o Positivismo, o cívico e o doméstico são complementares, da mesma forma que, como todos trabalhamos para o benefício de todos, devemos considerar que todos somos “servidores públicos”, ou seja, que nossas ações visam ao bem comum

7.2.3. Atualmente, quando se fala em “responsabilidade política”, a preocupação central é com a responsabilização pelas más ações, pelas omissões, pela incompetência – ou seja, o viés é negativo e com um quê de punitivismo –; entretanto, uma teoria sociopolítica verdadeira tem que considerar antes de mais nada e acima de tudo o viés positivo, reservando o viés negativo para uma situação extrema e anormal: o Positivismo adota essa perspectiva e desenvolve sua teoria sociopolítica com essa preocupação

7.3.    Passemos então ao tema das responsabilidades

7.4.    Tudo na vida exige responsabilidade; crescer, amadurecer, virar adulto consiste justamente em assumir responsabilidades

7.4.1. Uma parte importantíssima da ação das famílias consiste, justamente, em preparar os infantes para assumirem responsabilidades, vinculando, assim, a vida doméstica à vida pública

7.4.1.1.             Essa vinculação é afirmada com todas as letras pelo Positivismo

7.4.1.1.1.                   O Positivismo, sendo uma religião positiva, isto é, real, útil, relativa e simpática, é a única religião que estabelece os objetivos da família, que estabelece os objetivos da sociedade cívica e que estabelece as relações mútuas entre ambas (em particular no sentido indicado acima)

7.4.1.2.             Vale notar que, infelizmente, nas últimas décadas, a tendência moral – e comercial! – é no sentido da infantilização dos adultos e da manutenção das pessoas em condições mentais e morais próximas da infância, isto é, em infâncias perpétuas

7.4.1.3.             Nessa tendência, o que se apresenta, ou melhor, o que se vende é a concepção de que uma boa vida é a vida sem responsabilidades

7.4.1.4.             Deveria ser evidente que nenhum país pode manter-se, que dirá desenvolver-se, com a mentalidade infantilizadora que permeia nossas sociedades – o que é agravado pelos seriíssimos problemas que enfrentamos (crise climática, desinformação sistemática, radicalização política, graves conflitos internacionais)

7.5.    Assumir responsabilidades é assumir obrigações; em outras palavras, assumir responsabilidades significa cumprir deveres

7.5.1. Esses deveres são autoimpostos e/ou impostos “externamente” (pelas nossas relações familiares, pelos nossos empregos, pelas nossas profissões, pelas nossas carreiras públicas de modo geral)

7.5.2. Novamente, o Positivismo afirma com clareza: todos nós temos deveres de todos para com todos: viver em sociedade e, ainda mais, viver de maneira altruísta implica necessariamente assumir e cumprir nossos deveres

7.5.3. Vale notar que cumprir nossos deveres não significa não viver com alegria, com satisfação e/ou com leveza; mas, inversamente, significa não entender os deveres, as obrigações, as responsabilidades como ônus, como fardos, como sempre e necessariamente coisas ruins e desagradáveis (e ruins e desagradáveis em particular porque nos obrigam a sair de nossos egoísmos)

7.6.    Por outro lado, assumir responsabilidades também significa “responsabilizar-se por” algo, ou seja, significa assumir os ônus nos casos de problemas com aquilo a nosso cargo

7.6.1. Como sabemos, esse é o sentido habitual de “responsabilizar-se” por algo

7.6.2. Uma possível conseqüência extrema da responsabilização é a eventual destituição do cargo, da função ou, em todo caso, da responsabilidade

7.7.    Vale notar que a responsabilização só pode acontecer quando encaramos as ações como especificamente humanas: o que está acima ou abaixo do ser humano (“deus ou besta”, como dizia Aristóteles) é “irrresponsável”, ou seja, irresponsabilizável

7.7.1. A política e as ações teológicas são indiscutíveis e irresponsáveis – logo, são irresponsabilizáveis

7.7.2. Mas a “soberania popular” e a “vontade popular”, na medida em que estão “sempre certas”, também são irresponsáveis e irresponsabilizáveis: não por acaso, a soberania popular é a corrupção metafísica da “soberania divina” dos reis

7.7.2.1.             Rousseau era muito claro nesse aspecto: a democracia nunca erra, por piores que sejam suas decisões!

7.8.    Na vida política, o tema da responsabilização vincula-se estreitamente à reflexão republicana; isso significa que somente quando se leva a sério o conceito de república é que se pode falar com seriedade em responsabilidades

7.8.1. Uma das formas de levar a sério a república é falar-se em “cidadania” – embora isso seja um caminho meio enviesado, que assume o republicanismo travestindo-o de democracia, ao mesmo tempo em que se finge que a democracia à la Rousseau não é irresponsável e irresponsabilizável

7.8.2. Evidenciar o vínculo entre republicanismo e cidadania pode parecer banal, mas não é

7.8.2.1.             Por um lado, como vimos, a democracia à la Rousseau rejeita a noção de responsabilidade

7.8.2.2.             Por outro lado, o marxismo condena como sendo “burguês” (ou seja, falso, alienante, formalista, hipócrita) o republicanismo e toda a preocupação com a responsabilidade pública

7.8.2.2.1.                   Vale notar que, atualmente, o marxismo acabou aceitando a noção de “cidadania”; mas desde Marx até a derrocada do marxismo soviético em 1989-1991, os marxistas (e, daí, o conjunto da esquerda e dos “progressistas”) rejeitavam o republicanismo e a cidadania como tolices hipócritas, cínicas, formalistas – burguesas, enfim

7.9.    Para que a responsabilização por algo seja possível, são necessárias pelo menos duas condições, uma social e outra institucional:

7.9.1. A condição social é a existência da sociedade civil, em particular da sociedade civil organizada, isto é, com órgãos próprios que expressem as opiniões

7.9.2. A condição institucional é que sejam garantidas as liberdades fundamentais, que são as liberdades de consciência (e de pensamento), de expressão e de associação

7.9.3. Na verdade, Augusto Comte, no Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo, nota que as condições são três e não somente duas: o público (a sociedade civil), o sacerdócio (um órgão de interpretação) e uma doutrina sociopolítica (o Positivismo); adicionalmente, incluímos também as liberdades

7.9.3.1.             O Positivismo é tanto a doutrina quanto o órgão de interpretação e fiscalização; da mesma forma, a existência, a relevância, a autonomia da sociedade civil e das liberdades são afirmadas e defendidas pelos positivistas; por fim, como vimos antes, também defendemos a noção de deveres (e, portanto, de responsabilidades)

7.9.3.2.             Convém notar que as responsabilidades são públicas, ou seja, de todos para com todos, quer sejam do Estado, quer sejam da iniciativa privada, quer sejam da sociedade civil

7.9.4. O Positivismo também afirma outro princípio político fundamental para a responsabilização: trata-se do “viver às claras”

7.9.4.1.             A importância do viver às claras torna-se evidente quando se considera que, sem o que se chama atualmente de “transparência”, é impossível que a sociedade civil acompanhe as ações dos governantes, ou melhor, dos líderes (quer sejam do governo, quer sejam da sociedade civil)

7.10.                     Atualmente a reflexão sobre as responsabilidades políticas assume o nome pomposo, necessariamente em inglês, de “accountability[1]

7.10.1.   A palavra accountability indica a propriedade de ser accountable, ou seja, responsabilizado por algo, de prestar contas por algo

7.10.2.   Na verdade, a concepção da accountability é restrita à responsabilização, pouco preocupada com o exercício das responsabilidades

7.10.2.1.          Há um certo elemento de punitivismo na preocupação da teoria da accountability com a responsabilização: não por acaso, os autores que tratam da accountability reconhecem a origem liberal dessas reflexões

7.10.2.2.          Infelizmente, o exercício efetivo das atividades públicas (governamentais ou não), mesmo quando se emprega o rótulo geral de “república”, é considerado sob a luz do liberalismo, ou seja, não como uma função pública que exige dedicação e seriedade, mas como gastos a serem a todo momento justificados

7.10.3.   Em termos da responsabilização, a accountability considera dois ou três aspectos: (1) o acompanhamento pelo público das ações dos líderes; (2) a imputação de culpa nos casos de fracasso ou má gestão; (3) a imputação de penas àqueles considerados responsáveis

7.10.4.   Por outro lado, reconhecem-se dois ou três mecanismos institucionais gerais para a prática da accountability:

7.10.4.1.          Mecanismos verticais: de cima para baixo, são as eleições

7.10.4.2.          Mecanismos horizontais: são os controles institucionais internos (no caso do Estado brasileiro, são órgãos como o Tribunal de Contas, a Controladoria-Geral da União e até o Ministério Público)

7.10.4.3.          Mecanismos sociais: a fiscalização realizada pela própria sociedade

7.10.5.   É notável que apenas os mecanismos eleitorais e institucionais sejam “classicamente” (isto é, nos últimos 50 anos) considerados; como Rodrigo Horochovski nota, apenas recentemente se passou a levar em consideração os mecanismos sociais – logo esses mecanismos, que são anteriores lógica, social e historicamente aos outros!

7.10.6.   Os mecanismos sociais são os mais claros, na medida em que indicam os critérios e os objetivos das ações e também avaliam o desenvolvimento, os resultados, a eficiência e a eficácia e a moralidade das ações

7.10.6.1.          Não é por acaso que o Positivismo afirma a centralidade dos mecanismos sociais

7.10.7.   Os mecanismos institucionais têm lá sua importância; embora interfiram bastante no desenvolvimento das ações públicas, com freqüência são opacos em seus critérios e seus objetivos

7.10.8.   Já os mecanismos eleitorais são confusos, pois misturam mudanças dos governantes com avaliação de políticas públicas com responsabilização por efeitos e comportamentos; isso tudo além de considerar-se que as eleições são fonte de legitimação e, claro, que “a soberania popular nunca erra”

7.10.8.1.          Vale notar que os liberais dividem-se a respeito dos mecanismos eleitorais e sociais: alguns aferram-se ao formalismo eleitoral desprezando a sociedade civil e seus órgãos; outros desprezam o elemento popular que se manifesta na sociedade e/ou nas eleições

7.10.8.2.          Os mecanismos eleitorais, além de misturarem e confundirem inúmeras questões, apresentam dois graves problemas fundamentais:

7.10.8.2.1.                Travestem questões qualitativas em problemas quantitativos; ou seja, fingem que a qualidade governativa e a responsabilidade social são meras questões de número

7.10.8.2.2.                Transportam para os “representantes” a expressão das opiniões da sociedade, o que na prática desautoriza a sociedade de representar e expressar a si própria com autonomia

7.11.                     Em suma:

7.11.1.   Ao tratarmos das responsabilidades, há algumas confusões correntes, assim como algumas divisões profundas – tanto umas quanto outras o Positivismo recusa

7.11.1.1.          As responsabilidades políticas e as responsabilidades sociais não podem ser separadas de maneira radical e profunda

7.11.1.2.          A noção de responsabilidade não pode limitar-se ao viés negativo e potencialmente punitivista de “responsabilizar-se por”, mas deve considerar, antes, os parâmetros positivos que estabelecem os objetivos, as metas, os critérios da vida social e que definem os deveres de todos para com todos

7.11.2.   O Positivismo afirma com clareza, desde o início, que todos devemos cumprir com seriedade e da melhor maneira possível as nossas obrigações quaisquer: esse é o sentido fundamental de “ter responsabilidade” ou de “ser responsável”

7.11.2.1.          Assim, o Positivismo afirma que todos temos deveres com todos

7.11.3.   O Positivismo também considera que “ter responsabilidade” significa “ser responsabilizado” pelas ações ou pelas omissões, no caso de fracasso, imperícia ou erros

7.11.4.   Para o Positivismo, a “responsabilização” anda em conjunto com o “viver às claras”

7.11.5.   Para o Positivismo, tanto as responsabilidades positivas quanto a responsabilização negativa é feita pela sociedade, por meio de seus órgãos, que estabelece os objetivos das ações e os critérios de avaliação, além de acompanhar a realização dessas ações, eventualmente exigindo a substituição de incompetentes e/ou a punição dos faltosos

8.       Exortações finais

9.       Término da prédica 



[1] Para muito dos comentários sobre a literatura técnica sobre a accountability, baseio-me largamente no artigo de Rodrigo R. Horochovski, “A accountability e seus mecanismos: um balanço teórico” (disponível aqui: https://www.researchgate.net/profile/Rodrigo-Horochovski/publication/359415384_ACCOUNTABILITY_E_SEUS_MECANISMOS_UM_BALANCO_TEORICO/links/623afe32b0cf7d78ec6d55e2/ACCOUNTABILITY-E-SEUS-MECANISMOS-UM-BALANCO-TEORICO.pdf). É importante realçar, entretanto, que me basear é diferente de reproduzir: vários conceitos que apresento são interpretações minhas.

26 junho 2024

Transição para o Positivismo no politeísmo e no fetichismo

No dia 9 de Carlos Magno de 170 (25.6.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, concluindo a sua undécima conferência, dedicada ao regime público.

Como a leitura comentada esteve um pouco travada nas prédicas anteriores, decidimos novamente nesta semana não realizar o sermão - que, de qualquer maneira, como indicamos anteriormente, apresenta apenas um caráter complementar na prédica. 

Assim, pudemos estender-nos nos comentários ao Catecismo positivista, que, nessa prédica, referiram-se à transição para a Religião da Humanidade nos países politeístas (Índia, por exemplo) e nas sociedades fetichistas (por exemplo, tribos centro-africanas). 

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/xbZ6g) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/QwnEk).

A leitura comentada começou aos 21 min 28 s.

 


23 junho 2024

Transição para o Positivismo no monoteísmo extraocidental

No dia 2 de Carlos Magno de 170 (18.6.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua undécima conferência, dedicada ao regime público.

Como a leitura comentada esteve um pouco travada nas prédicas anteriores, decidimos não realizar o sermão - que, de qualquer maneira, apresenta apenas um caráter complementar na prédica. 

Assim, pudemos estender-nos nos comentários ao Catecismo positivista, que, nessa prédica, referiram-se à transição para a Religião da Humanidade nos países monoteístas que não integram o Ocidente, ou seja, em particular a Rússia (na época em que o Catecismo foi escrito, o Império Russo), a Turquia (na época em que o Catecismo foi escrito, o Império Turco-Otomano) e o Irã (na época em que foi escrito o Catecismo, a Pérsia). 

Antes de iniciarmos a leitura comentada do Catecismo, fizemos comentários adicionais sobre alguns livros:

- A esquerda não é woke, de Susan Neiman

- O momento comtiano, Laicidade na I República e Comtianas brasileiras, além de outros, de Gustavo Biscaia de Lacerda

- O léxico de Augusto Comte, de Ângelo Torres.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/sX11C) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/Mnayr).

A leitura comentada começou aos 43 min 43 s.



29 abril 2024

Celebração do Dia do Trabalhador

No dia 9 de César de 170 (30.4.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua undécima conferência, dedicada ao regime público.

No sermão fizemos uma pequena celebração do Dia do Trabalhador.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nk.dev/Xie1E) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://encr.pw/clHMm). O sermão começou aos 54 min 30 s.

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *


Celebração do Dia do Trabalhador 

-        O tema desta semana refere-se ao trabalho, considerando o Dia do Trabalhador, celebrado em 1º de maio, ou melhor, neste ano (que é bissexto) em 10 de César (dia de Demóstenes, na semana de Alexandre)

o   Na verdade, seguindo o calendário positivista, que é regular e mais racional, o Dia do Trabalhador seria celebrado em 9 de César (dia de Felipe II, na semana de Alexandre)

o   No Brasil, o Dia do Trabalhador foi instituído em 26 de setembro de 1924, pelo Decreto n. 4859, do Presidente Artur Bernardes

§  O texto do decreto é realmente belo: “Artigo único – É considerado feriado nacional o dia 1 de maio, consagrado à confraternidade universal das classes operárias e à comemoração dos mártires do trabalho; revogadas as disposições em contrário”[1]

o   A data de 1º de maio foi proposta pela II Internacional Socialista em 1886, em homenagem à Revolta (ou Massacre) da Praça de Heymarket, em Chicago, em que uma manifestação sindical inicialmente pacífica transformou-se em pancadaria e repressão armada da polícia, após uma bomba explodir em meio aos policiais, já no final do encontro trabalhista

-        O trabalho e os trabalhadores, para o Positivismo, são da maior importância

o   Ao contrário do que muitos afirmam – não somente críticos (como os marxistas), mas também pessoas supostamente próximas ao Positivismo –, os valores, as concepções e as prescrições positivistas em relação ao trabalho e aos trabalhadores não são formas de enganar os trabalhadores e/ou de tapar os buracos sociais, políticos, econômicos e morais causados pelo chamado “capitalismo”

§  Devemos, mais uma vez, lembrar as duríssimas e inequívocas críticas de Augusto Comte à mesquinhez e ao egoísmo da burguesia, feitas desde o início de sua carreira

·         A importância dessas críticas aumenta quando lembramos que muitas delas foram expostas no Apelo aos conservadores (1855)

o   O Apelo foi escrito como uma exposição do Positivismo dirigida aos líderes políticos, sociais e industriais – ou seja, à “burguesia”

§  Aliás, com o necessário fracasso do marxismo e do chamado “socialismo realmente existente”, os herdeiros do marxismo agora se vêem obrigados a recuperar e a valorizar a ação dos positivistas, como no caso de Francisco Quartim de Morais[2]

§  Uma importante exceção – não por acaso brasileira – é a de Leônidas de Resende, que, em 1932, propôs um interessante, mas confuso, marxismo positivista, em seu livro A formação do capital e seu desenvolvimento[3]

o   Os elogios ao trabalho e aos trabalhadores sempre foram reiterados e consistentes da parte de Augusto Comte; não por caso, ele sempre viu nos proletários um dos sustentáculos do Positivismo e, ao mesmo tempo, sempre considerou que o Positivismo deve servir para melhorar as condições de vida dos proletários

o   Augusto Comte desde o início de sua carreira ministrou cursos populares: Astronomia, Filosofia Positiva (isto é, filosofia, ciências, história), História da Humanidade

§  Os primeiros discípulos de Augusto Comte, não por acaso, foram proletários, convencidos da doutrina a partir da audiência do curso popular de Astronomia, como foi belamente narrado por Fabien Magnin, no 21º aniversário de transformação de Augusto Comte[4]

o   Em 1848 Augusto Comte criou a Sociedade Positivista e propôs a “Associação Livre para a Instrução Positiva do Povo em todo o Ocidente Europeu”

§  Nas décadas seguintes outras associações positivistas proletárias também foram criadas, como a Sociedade Positivista para o Ensino Popular (1876) e a Sociedade Positivista para o Ensino Popular Superior (1876)

o   Também em 1848 Augusto Comte escreveu o Discurso sobre o conjuntodo Positivismo, dirigido para os proletários e com um extenso capítulo sobre os proletários

o   Vários positivistas foram sindicalistas e/ou apoiaram os sindicalistas: Frederic Harrison, Auguste Keufer, os irmãos Lagarrigues, Miguel Lemos e Teixeira Mendes

o   Rodolfo Paula Lopes, filho de também Rodolfo Paula Lopes, trabalhou na Organização Internacional do Trabalho, elaborando relatórios sociológicos e econômicos sobre o desemprego e, depois, também organizou um livro chamado O proletariado na sociedade moderna (1946), da coleção “Arquivos Positivistas” (em francês)

-        Em termos filosóficos e sociológicos, eis o que o Positivismo tem a dizer a respeito dos trabalhadores e do trabalho:

o   Os trabalhadores, ou melhor, os proletários constituem a providência geral da sociedade, no sentido de que eles são os responsáveis pelo conjunto das atividades práticas que mantêm a sociedade

§  Do ponto de vista político e moral, os proletários devem atuar como apoio do sacerdócio, fornecendo energia e força ao caráter moral do poder Espiritual

§  Os proletários também devem fiscalizar o poder Temporal, inspirados e orientados pelo sacerdócio; essa fiscalização é-lhes tão mais fácil quanto eles são os principais destinatários das ações dos patrícios

o   Os proletários, com suas famílias, correspondem na prática ao conjunto da sociedade e, dessa forma, a política positiva deve basicamente se dirigir a eles

§  Isso significa que o conjunto dos esforços sociais deve visar a satisfazer as necessidades dos proletários, em termos materiais, intelectuais e morais

·         É necessário insistir: as necessidades dos proletários não são principal nem exclusivamente materiais, mas são também intelectuais e morais

o   Embora sejam auxiliares do poder Espiritual, os proletários atuam em termos práticos no poder Temporal, correspondendo à força dispersa (cujo poder provém da sua união), em contraposição complementar com o patriciado, que corresponde à força concentrada (na forma do capital) e que é propriamente o poder Temporal

-        Temos que ter clareza de que a valorização do trabalho, e, por extensão, dos trabalhadores, é fruto de um longo desenvolvimento histórico

o   Esse desenvolvimento segue a lei dos três estados práticos, segundo a qual a atividade é inicialmente militar conquistadora, depois militar defensiva, enfim pacífica e industrial

§  Nessa evolução, as atividades produtivas são sempre realizadas pelos proletários, mas, como sabemos, nem sempre eles são valorizados

§  O que mudou ao longo do tempo, então, foi a estrutura social geral, a principal atividade da sociedade e, daí, a situação específica dos trabalhadores

o   Na Antigüidade, as atividades socialmente valorizadas eram a guerra e/ou o ócio com vistas à produção intelectual; elas eram reservadas à elite da sociedade; o trabalho era considerado degradante e, portanto, relegado aos escravos

§  Enquanto os escravos – tornados cativos devido às guerras, às dívidas e/ou a um assujeitamento “tradicional” (como no caso do mito da escravidão hebréia no Egito) – eram propriedade móvel dos seus senhores, a consolidação do sistema de conquistas (correspondente à fase imperial de Roma) conduziu à fixação dos trabalhadores nos territórios

§  Os antigos escravos tornaram-se assim servos da gleba

o   Na Idade Média, a atividade era ainda era militar, mas tinha cada vez mais um caráter defensivo; a cavalaria moderava a violência e estimulava o respeito para com os humildes; o trabalho não era mais degradante, mas continuava sendo relegado ao setor social mais baixo

§  Os servos da gleba, de qualquer maneira, embora não fossem livres e estivessem ligados aos territórios de seus senhores, tinham condições sociais superiores às dos escravos

§  Desde meados da Idade Média, os burgos mais prósperos caracterizavam-se pela atividade pacífica e produtiva e pelo trabalho livre; esses burgos, concomitantemente, passaram a buscar a libertação em relação aos grande senhores, transformando-se em cidades livres, cidades reais (isto é, sob a proteção dos reis) ou em repúblicas (como Florença, Gênova, Genebra, até mesmo Veneza)

·         O trabalho nos burgos, ou nas comunas, não se constituiu diretamente como trabalho livre: organizaram-se as guildas, que serviam como mecanismos de proteção, treinamento e reserva e controle de mercado

§  De qualquer maneira, a Idade Média legou à modernidade a valorização do trabalho produtivo e a libertação dos trabalhadores

o   Na modernidade, a atividade socialmente valorizada é a produção pacífica; os trabalhadores são livres

o   O trabalho produtivo e pacífico é a única atividade que pode ser plenamente universalizável, tanto em termos de extensão geográfica quanto em termos sociais; isso significa que só a paz garante o trabalho livre e que, inversamente, o trabalho livre exige a paz

o   Entretanto, um dos maiores sinais da “anarquia moderna” é que a emancipação dos trabalhadores não correspondeu à valorização dos trabalhadores

§  Os trabalhadores ficaram livres, mas a ausência de doutrinas socialmente compartilhadas – e de doutrinas socialmente responsáveis compartilhadas – também implicou que os trabalhadores ficariam sem amparo social (em contraposição, na Idade Média, bem ou mal os senhores feudais e a cavalaria reconheciam alguns deveres para com os servos)

§  A exploração do proletariado, ou o chamado “capitalismo”, portanto, é um dos maiores e piores sintomas da “anarquia moderna”

·         A solução da anarquia moderna não é diretamente “acabar com o capitalismo” (embora o chamado capitalismo tenha que acabar); a solução da anarquia moderna acabará também, e naturalmente, com o capitalismo

§  Um aspecto agravante da anarquia moderna, especialmente em comparação com a atividade militar, é que as qualidades necessárias para conduzir os empreendimentos industriais não são nem tão evidentes, nem tão precisas, nem tão simples quanto qualidades as militares; isso dificulta a determinação dos respectivos deveres

-        É necessário dizermo-lo com todas as letras: restabelecer valores e concepções compartilhados; reafirmar os deveres; afirmar o altruísmo; combater o egoísmo como padrão de moralidade e de relacionamento humano: essa é a única solução efetiva para a anarquia moderna e, daí, para o “capitalismo”

o   O Positivismo, portanto, não propõe os deveres sociais compartilhados como um tapa-buraco superficial para os agressivos males do capitalismo; os deveres sociais compartilhados não são uma desculpa para uma filantropia hipócrita, “alienadora” e “acrítica”

o   Os deveres sociais exigem uma alteração profunda na sensibilidade, nas idéias e, daí, nas práticas sociais

§  Isso equivale a dizer que as propostas sociais e políticas do Positivismo não podem ser apresentadas isoladamente da Religião da Humanidade, pois isoladamente elas não fazem sentido

o   Em termos de doutrinas sociais, convém considerarmos rapidamente o catolicismo

§  O catolicismo é extremamente ambíguo a respeito:

·         Sua doutrina é radicalmente egoísta, anti-humana e antissocial; a sua decadência necessária é o que alimentou diretamente a anarquia moderna e com freqüência conduz ao reforço do “capitalismo”, com ou sem a filantropia superficial e hipócrita

o   Esses traços também com freqüência são seguidos, no que têm de pior, pelos protestantes

·         Mas atualmente há algumas correntes católicas que mais ou menos deixam de lado a doutrina e seguem inspirações medievais, no que estas têm de melhor

o   É importante insistirmos neste aspecto: o caráter basicamente moral das soluções positivistas não o transforma em “moralista”

§  A esse respeito, antes de mais nada é necessário termos clareza de dois aspectos:

·         (1) Embora afirmemos com todas as letras a importância dos aspectos morais e intelectuais, nunca os positivistas deixaram de afirmar também a necessidade de propostas concretas, práticas, de curto e longo alcance, para remediar e/ou solucionar os problemas dos trabalhadores

o   Sendo mais específico: não somente não deixamos de afirmar essa necessidade como, mais importante, nunca deixamos de propor efetivamente medidas concretas

·         (2) Quem afirma que o Positivismo é “moralista” adota uma perspectiva materialista, que nega a importância da moralidade na vida humana e que reduz o ser humano e a sociedade às questões e às disputas econômicas e políticas

o   Assim, a defesa do materialismo implica a ignorância e a alienação profundas

§  O que o Positivismo faz é evidenciar que os grandes problemas econômicos atuais só admitem, no fundo, soluções morais, na medida em que esses problemas originam-se de problemas, desvios e aberrações morais

·         É evidente que as questões trabalhistas exigem soluções “econômicas”; mas o tipo de soluções varia de acordo com parâmetros morais; além disso, a própria exigência de tais soluções é de caráter moral

·         Nesta exposição não apresentaremos as propostas concretas feitas pelos positivistas (a começar por Augusto Comte!) porque são muitas e muitas propostas, feitas nos mais diferentes contextos

§  Quem nega o caráter moral dos problemas econômicos de modo geral é cego para a realidade e estimula a piora desses problemas

§  A “Economia Política” clássica reconhecia o caráter moral dos problemas econômicos: Adam Smith, David Hume, Charles Dunoyer

§  De maneira exemplar, o marxismo, sendo materialista, despreza a perspectiva moral, reduzindo a sociedade ao poder e à economia, donde ele percebe apenas conflitos

·         Contra a inspiração marxista, outras tradições socialistas anteriores, concomitantes e posteriores ao marxismo adotaram concepções morais: exemplo notável disso são as propostas atuais da chamada “economia solidária” (embora ela confusamente mantenha ideais e perspectivas marxistas)

-        Agora é necessário comentar diretamente a luta de classes:

o   A vida prática estimula por si só o egoísmo e as vistas parciais; isso significa que o poder Temporal, os patrícios e os proletários tendem a prestar atenção aos seus próprios interesses, desconsiderando (ou desprezando) a sociedade em geral e os outros grupos

§  Entretanto, o poder Temporal propriamente dito (o Estado) tem que ter vistas gerais (no espaço); de modo similar, os proletários, na medida em que não têm responsabilidades na mesma medida que os patrícios e em que sua força provém da sua união, tendem a desenvolver vistas gerais e sentimento generosos

§  O egoísmo social tende a concentrar-se no patriciado – que, assim, converte-se em (ou mantém-se como) “burguesia”

o   Os egoísmos de classe, ou mesmo os egoísmos de empresas, tendem a desenvolver-se com grande facilidade – e, daí, surgem os conflitos sociais

o   A luta de classes, portanto, não é uma característica inerente a toda e qualquer sociedade; ela consiste no sintoma da desregulação social, o que significa que no Ocidente ela é um sintoma da anarquia moderna

§  Novamente: pode-se considerar que a luta de classes é inerente à sociedade capitalista apenas no caso específico em que se considere que o capitalismo corresponde, precisamente, à sociedade desregulada, à anarquia moderna

o   Apesar de rejeitar em geral qualquer conflito, ou melhor, qualquer violência, Augusto Comte percebia na luta de classes um potencial positivo, ao indicar precisamente a desregulação social e a concomitante necessidade de regulação social (moral e intelectual)

§  Evidentemente, a luta de classes só é aceitável na medida em que se realizar pacificamente, ou seja, por meio das greves pacíficas, rejeitando-se expressamente tanto a revolução social (projeto acalentado pelos marxistas e por quase todos os socialistas) quanto a repressão ao sindicalismo

§  Deve-se notar, então, que a luta de classes não é um ideal moral, social e político, a ser acalentado, estimulado e buscado

§  Além disso, o fim da luta de classes não é o fim das classes, mas o fim da luta – e o fim da luta, quase sempre, por meio do reconhecimento da justiça das reivindicações dos proletários

o   É notável que o que a direita vê como “revolucionário” e a esquerda vê como “progressista”, para o Positivismo trata-se apenas de satisfação das condições da ordem social: o respeito aos trabalhadores, a garantia de manutenção das famílias, o auxílio na fiscalização do poder Temporal pelo poder Espiritual

-        Está subentendido no que comentamos até agora, mas vale a pena dizermos com clareza: a valorização dos proletários, dos trabalhadores, implica também a valorização do trabalho

o   No âmbito do Positivismo, isso equivale à dignificação do trabalho: trabalhar não é um castigo divino, mas fonte de valor para o ser humano: de fato, trabalhar enobrece os homens

o   Todos devem trabalhar, todos devem contribuir para a Humanidade; todos devem retribuir para a Humanidade aquilo que continuamente recebem dela: trabalhar é um dever moral

§  O trabalho livre, então, não é tornar-se livre do trabalho

§  Os mendigos devem ser objeto de respeito e de cuidados, mas é necessário entendê-los como casos extremos e excepcionais

o   Em sentido semelhante, a valorização e a dignificação do trabalho implicam não entender o trabalho como uma mercadoria

§  Não há dúvida de que o trabalho é a garantia de manutenção e continuidade da sociedade; também é a condição de aumento da riqueza

§  Mas é necessário ter clareza a respeito de um aspecto central e fundamental: o trabalho é a fonte de sustento das famílias

§  Novamente: o trabalho não é mercadoria, pois sua falta implica impossibilidade de sustento de famílias

§  A responsabilidade dos patrícios, então, é com a preservação e o aumento da riqueza social; mas isso só se dá por meio da geração de trabalho – e de trabalho de qualidade, em condições salubres, com salários adequados

§  Para o Positivismo, rigorosamente o salário não é a paga pelo trabalho executado, mas a contrapartida material pelos recursos empregados nas atividades constantes

·         Se o trabalho não é mercadoria, ele não pode ser “pago”; a retribuição pelo trabalho é a satisfação individual pelo bem prestado à coletividade e pela retribuição pela generosidade da Humanidade

o   Uma decorrência disso é que Augusto Comte adota a teoria do valor-trabalho, ou seja, a riqueza é gerada pelo trabalho realizado, pelo empenho coletivo em cada atividade

§  Essa é a concepção “econômica” decorrente da idéia de que a riqueza é socialmente produzida e, portanto, tem que ter uma destinação social

§  É bem verdade que há produtos cujo “valor” é dado por sua raridade relativa; mas a única forma de valorizar socialmente o trabalho; ou melhor, a única forma básica de entender sociologicamente a produção do “valor” é por meio do valor-trabalho: concepções que negam o valor-trabalho, como se sabe e não por acaso, postulam concepções egoísticas



[2] QUARTIM DE MORAES, F. As lutas pelos direitos trabalhistas do Positivismo. In: CONGRESSO DE HISTÓRIA ECONÔMICA, 11, São Paulo, 2020. Anais. São Paulo: USP, 2020. Disponível em: https://congressohistoriaeconomica.fflch.usp.br/sites/congressohistoriaeconomica.fflch.usp.br/files/publicacoes/XI-congresso-2020-anais-eletronicos-Francisco-Quartim-de-Moraes.pdf. Acesso em: 18.1.2023.

[3] Leônidas de Resende, A formação do capital e seu desenvolvimento, Brasília, Senado Federal, 2011. A “Apresentação” dessa edição, profundamente enviesada, é do lamentável liberal conservador Antônio Paim. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/574643/000943472_Formacao_capital_desenvolvimento.pdf.

[4] Anexo IV do Discurso sobre o espírito positivo (ed. Martins Fontes, São Paulo, 1990).