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24 janeiro 2024

Necessidades individuais satisfeitas pelas religiões

No dia 23 de Moisés de 170 (23.1.2024) iniciamos as atividades da Igreja Positivista Virtual no ano de 170 (2024). Nessa ocasião, demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua nona conferência, dedicada ao conjunto do regime.

Antes da leitura comentada, indicamos diversas atividades realizadas no período do recesso: 

- a comemoração da Festa da Humanidade (1º de Moisés/1º de janeiro);

- a celebração do nascimento de Augusto Comte e também a celebração de Rosália Boyer (19 de Moisés/19 de janeiro);

- a criação da coleção "Positivism" na biblioteca virtual Internet Archive.

Depois desses anúncios, lembrando que o Positivismo é uma religião cívica, lemos o manifesto intitulado "Pela república, a favor da sociocracia, contra o terrorismo fascista", lançado em 8 de Moisés de 170 (8.1.2024) (disponível aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2024/01/manifesto-pela-republica-favor-da.html).

Na parte do sermão, comentamos as necessidades individuais satisfeitas pelas religiões. As anotações que serviram de base para essa exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (disponivel aqui: https://l1nq.com/psLt3) e Igreja Positivista Virtual (disponível aqui: https://acesse.one/uBHLP).

A leitura do manifesto iniciou-se aos 13 min 56 s.

A leitura comentada do Catecismo positivista começou aos 34 min 25 s.

O sermão começou em 1h 12 min 05 s.

*   *   *


-        Há algumas semanas tivemos uma observação, que é também uma espécie de dúvida, apresentada por um jovem que tem estudado o Positivismo:

o   Por vezes as teologias obtêm e mantêm seus aderentes devido à necessidade de muitos indivíduos de verem-se tutelados integralmente, o tempo todo, por entidades todo-poderosas

-        Em primeiro lugar, a percepção de que há teológicos que precisam desse tipo de tutela não pode conduzir-nos à ilusão, ou até ao preconceito, de que todos os teológicos buscam essa tutela

o   Em primeiro lugar, devemos lembrar que há diferentes tipos de teologia e que, portanto, elas geram ou estipulam diferentes tipos de comportamentos

§  A busca de tutela é mais própria ao monoteísmo – e, em particular, ao monoteísmo cristão – que ao politeísmo, em que os vários deuses têm comportamentos díspares mas que, com freqüência, não são exatamente tutelares (e as tutelas são particulares a grupos ou âmbitos específicos)

o   Mas, de qualquer maneira, mesmo no caso do monoteísmo cristão, diferentes tradições e diferentes indivíduos têm relações diferentes com a divindade

§  A relação de submissão solicitante mantém-se em geral, mas é claro que, por um lado, há indivíduos que requerem menos a tutela, assim como, por outro lado, há indivíduos que solicitam mais a tutela

-        A busca de uma divindade todo-poderosa que tutele o tempo todo os indivíduos é característica de naturezas mais frágeis, por vezes em termos objetivos (isto é, pessoas que vivem na pobreza ou na miséria), mas com freqüência em termos subjetivos

o   Em face disso, duas reflexões surgem:

§  (1) Pessoas mais frágeis precisam de mais apoio

·         Mas não devemos criticar essa necessidade em si mesma: isso é uma questão de respeito às características pessoais de cada um e mesmo às condições sociais em que vivem, além de isso evocar a regra do dever altruístico: a dedicação dos fortes pelos fracos

§  (2) Mas, por outro lado, em certas situações, essa busca de tutela tem de fato um aspecto de infantilidade, em que um adulto busca o apoio subjetivo de uma figura paterna (ou, mesmo, em termos mais amplos, de uma figura parental)

o   Ora, como indicamos antes, diferentes religiões estimulam diferentes sentimentos e, daí, conduzem a diferentes comportamentos: os monoteísmos efetivamente estimulam mais a busca de uma tutela absoluta:

§  As figuras patriarcais, tutelares e vingativas do judaísmo e do cristianismo, a divindade punitiva do Islã, mesmo as ambigüidades afetivas e apocalípticas da trindade cristã

§  Tudo isso, próprio a uma época que já se encerrou há muito e muito tempo, ainda hoje estimula bastante muitos comportamentos irresponsáveis, seja porque são “fanáticos”, seja porque são infantilizados

-        Feitos esses comentários, devemos ter cuidado com outra coisa: não devemos apenas criticar a situação dos monoteístas que buscam a tutela; devemos considerar que essa busca em si mesma corresponde a uma necessidade humana verdadeira e legítima, mas cuja solução teológica (em particular monoteísta), como de hábito, é inadequada

o   Antes de prosseguirmos, devemos lembrar que as divindades monoteicas – seja a do judaísmo, seja a do catolicismo, seja a islamismo – estão radicalmente separadas dos seres humanos, não precisam dos seres humanos para nada e, ante elas, os seres humanos estão solitários e desamparados

§  A solidariedade terrena é certamente estimulada pelo altruísmo inato ao ser humano, mas, do ponto de vista dogmático, tal solidariedade é apenas uma forma de aumentar o exército de indivíduos isolados (e interesseiros) perante a divindade que não tem nenhum interesse real em nós

-        A noção de “Humanidade” tem, e tem que ter, um aspecto de conforto, de apoio; esse elemento é tanto objetivo quanto subjetivo

o   Antes de mais nada, devemos ter clareza de que o apoio fornecido pela Humanidade é de caráter relativo e não absoluto, ou seja, não é todo-poderoso e em larga medida depende das ações dos seres humanos

o   Augusto Comte referia-se por vezes à Humanidade como a nossa “providência real”: esse aspecto de “providência” já deixa claro que é ela, a Humanidade, que nos cria e que, em última análise, fornece-nos tudo aquilo de que precisamos

§  A imagem que representa a Humanidade (a mulher com cerca de 30 anos, segurando em seu colo um bebê) sugere diretamente o apoio, o carinho, o afeto, o conforto que a Humanidade provê e inspira-nos

o   Mas a Humanidade é relativa e é composta; como dizia Augusto Comte a partir de Dante, ela é “filha de seu filho”: a Humanidade tem vários âmbitos de atuação

-        Por um lado, a Humanidade é um ser composto: seus mínimos elementos são as famílias e as mátrias; nas famílias e nas mátrias – e também, cada vez mais, no que se chama atualmente de “sociedade internacional” – buscamos e obtemos os apoios de que necessitamos

o   O centro moral de cada família é a mulher, seja como esposa, seja como mãe: assim, o conforto moral que ela provê é uma prefiguração da deusa positiva

o   Além disso, em parte generalizando o apoio doméstico, em parte solucionando as dificuldades que, concretamente, todos podemos enfrentar na obtenção de apoio e amparo doméstico, Augusto Comte elaborou a concepção dos “anjos da guarda”

§  Os anjos da guarda consistem precisamente naquelas figuras que nos ampara(ra)m afetivamente e que, por isso, são merecedoras da nossa idealização pessoal

§  Essas idealizações são esforços conscientes da nossa parte de homenagear essas figuras, estabelecendo-as como importantes e poderosos apoios subjetivos em nossas vidas, o que resulta, além disso, em estímulos contínuos para o nosso desenvolvimento e aperfeiçoamento moral, intelectual e prático

-        Por outro lado, a ação da Humanidade é tanto objetiva quanto subjetiva:

o   Citamos há pouco as famílias e as mátrias (e até a sociedade internacional): elas têm um caráter objetivo, ao fornecer-nos o amparo material em nossas vidas

o   Mas as famílias, as mátrias e a Humanidade, evidentemente, também atuam de maneira subjetiva, ao estimular, alimentar e regular nossos sentimentos e nossas idéias

§  Aliás, é exatamente dessa forma e a partir dela – isto é, da característica subjetiva – que cada um de nós pode ter o apoio e o amparo da Humanidade:

·         Seja por meio da inspiração da figura abstrata da Humanidade, seja por meio da ação mais direta e concreta das nossas mães, das nossas esposas, das nossas irmãs, a Humanidade acolhe-nos e conforta-nos

·         Por outro lado, as famílias, as mátrias, a Humanidade inspiram-nos a noção de dever, isto é, de responsabilidades de todos para com todos, em particular dos fortes para com os fracos

o   O resultado dos aspectos objetivos e subjetivos é que a Humanidade:

§  Conforta-nos ativa e passivamente, direta e indiretamente

§  Cria, mantém e desenvolve as condições para esse conforto

§  Esse conforto não é só subjetivo, mas é também objetivo, na medida em que a realidade humana não é a de um isolamento individual radical, mas é a de relações permanentes por todos os lados – relações que, aliás, não se limitam aos seres humanos, mas estendem-se aos animais domésticos e, por meio do fetichismo, também a muitos objetos, ao Sol, à Lua, ao fogo etc.

§  Mas temos que insistir neste ponto: o conforto objetivo e subjetivo provido pela Humanidade estimula e, na verdade, exige a noção de dever, isto é, de responsabilidade de todos para com todos

-        Como uma decorrência do aspecto anterior (objetividade/subjetividade), a ação da Humanidade dá-se tanto no presente quanto, ainda mais, no passado e no futuro:

o   A distinção entre passado/futuro e presente conduz-nos à distinção entre a vida objetiva e a vida subjetiva de uma forma mais precisa, ao indicar que na vida subjetiva estão todos os seres humanos convergentes que já morreram, além de aqueles todos que ainda não nasceram; na vida objetiva estão os servidores da Humanidade, os seus agentes concretos, que são todos os indivíduos que atuam em prol dos seres humanos e das coletividades

§  Não existem indivíduos por si sós; o que há são integrantes de famílias e de mátrias, que também colaboram para a Humanidade

o   Por um lado, os indivíduos, ou melhor, os agentes concretos da Humanidade são os titulares de deveres

§  Esses deveres, aliás, mudam de acordo com os grupos sociais que se considera; quanto mais recursos tiverem os grupos sociais, maiores são seus deveres e, portanto, maiores são as cobranças que devem ser feitas sobre eles

§  De qualquer maneira, como já indicamos algumas vezes: entre os deveres que cabem a todos estão os de atuarem em prol dos demais (é o objetivo concreto do “viver para outrem”) e, portanto, o de atuarem objetivamente como a providência que é a Humanidade

o   Por outro lado, os agentes concretos da Humanidade são confortados, inspirados, alimentados e orientados pela Humanidade em suas ações

§  A lei do dever, isto é, o “viver para outrem”, é também um ideal, um objetivo geral que orienta a vida de cada um de nós

§  Assim, sob a inspiração da Humanidade, colaboramos ativamente para o melhoramento e o enriquecimento da vida de todos como, em termos “puramente” individuais, temos sempre objetivos de vida: não ficamos nunca sozinhos no universo nem ficamos desorientados em nossas vidas

-        Para concluir:

o   Como dissemos antes, diferentes religiões estimulam diferentes traços da natureza humana

o   Os monoteísmos estimulam com freqüência – e talvez de maneira particular – a busca do tutelamento individual, ou melhor, a busca de uma tutela infantilizante

o   Mas se a tutela infantilizante é uma solução que, no final das contas, é degradante, ainda assim podemos considerar que ela baseia-se por vezes em necessidades legítimas – de apoio, de amparo, até mesmo de orientação na vida

o   A respeito de todos esses aspectos, a noção e a realidade da Humanidade satisfazem mais e melhor os seres humanos:

§  Os vários níveis concretos da Humanidade apóiam-nos e amparam-nos de verdade

§  A noção abstrata de Humanidade estabelece a lei do dever, que permite o apoio e o amparo e que dá sentido à vida de cada um de nós

§  Essas diversas concepções podem parecer muito abstratas à primeira vista, mas elas são radicalmente concretas: nossas mães são nossos amparos; cada família, cada mátria, cada indivíduo, cada animal, cada fetiche atua para melhorar nossas vidas: é assim, e é só assim, que age a Humanidade e que é possível termos apoio e amparo

·         Inversamente, cada ser humano que atua de maneira egoística e/ou destrutiva age contra a lei do dever e contra a Humanidade


13 junho 2023

Concepção positiva da fé

No dia 24 de São Paulo de 169 (13.6.2023) realizamos nossa prédica positiva. Demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua sétima conferência, dedicada ao que podemos chamar de filosofia das ciências naturais. Na seqüência, expusemos algumas considerações sobre a noção positiva de fé, considerando, além disso, como se apresentam as dúvidas da fé na teologia, na metafísica e na positividade.

A prédica foi transmitida ao vivo nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/Zr9Z6) e Apostolado Positivista do Brasil (aqui: https://acesse.one/w1vK5). O sermão sobre a fé pode ser visto a partir de 45' 05".

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Sobre a fé

 -        A fé integra plenamente a religião; como ela descreve o mundo, o ser humano e também o Grande Ser, muitas seitas consideram que a fé equivale à própria religião em seu conjunto

o   Embora muitas vezes seja até possível essa metonímia (a parte pelo todo), o fato é que a fé é apenas uma parte da religião – e nem ao menos é a principal

§  Assim, tomar a fé pela religião pode ser (1) metonímia (aceitável) ou (2) uma redução (inaceitável)

o   Essa postura de equivaler a religião à fé, todavia, é própria dos protestantismos e, mais do que isso, dos protestantismos evangélicos do século XIX para cá

o   O que interessa neste sermão é apresentar as características gerais da fé (em particular, claro, da fé positiva) e, como uma pequena aplicação prática, diferenciar a fé positiva do conceito cada vez mais absoluto e restrito que o monoteísmo faz da “fé”

-        A chamada “fé” na verdade é o dogma, isto é, a parte da religião que trata das idéias e dos valores; em outras palavras, é a parte que trata da inteligência

o   Como o dogma é a parte que trata da inteligência, ele sistematiza e organiza o entendimento da realidade (seja a cosmológica, seja a humana), para podermos relacionarmo-nos com ela

§  Da mesma forma, portanto, o dogma é a parte que sistematiza e explica o Grande Ser

o   Nos monoteísmos, a explicação da divindade assume o lugar central e, na prática, transforma o dogma em sinônimo da religião

§  Isso curiosamente torna extremamente intelectualistas essas religiões

§  Além disso, como sabemos, essas religiões cada vez mais recuam e limitam-se a defesas da pura “fé”, da pura crença, em que a crença torna-se importante por si só, contra tudo e a despeito de tudo

-        Antes de mais nada, devemos entender a fé do ponto de vista estático:

o   A concepção sintética e simpática da unidade humana estabelece que o culto precede o dogma

§  O culto eleva-nos à perspectiva adequada da Humanidade e, assim, prepara-nos para o dogma

o   A fé – ou melhor, o dogma – integra a religião de maneira complementar (e subordinada) com o amor

§  O amor compreende os sentimentos propriamente ditos e também as atividades práticas

§  A fé compreende a inteligência

§  Assim, ser religioso é antes de mais nada sentir e agir em benefício da Humanidade; as crenças, ou a “fé”, atuam apenas como intermediárias (ao esclarecer-nos sobre o mundo e sobre os meios de modificá-lo)

o   Nas teologias a fé (o dogma) vem antes do amor (e do culto), pois, sendo imaginários os seus respectivos grandes seres, a sua definição, ou a sua busca, deve concentrar as maiores atenções

§  Na positividade o Grande Ser é real e, tomando-o como pressuposto, a atenção pode concentrar-se no que realmente importa, ou seja, no amor (e no culto)

o   A religião busca estabelecer a mais completa unidade humana

§  “Religião” vem de religare: ligar internamente pelo amor e externamente pela fé

o   A fé faz-nos reconhecer uma potência superior e exterior a nós a fim de regular nossos instintos individuais

o   A fé positiva apresenta várias características:

§  “O dogma fundamental da religião universal consiste, portanto, na existência constatada de uma ordem imutável a que estão sujeitos os acontecimentos de todo gênero. Esta ordem é ao mesmo tempo objetiva e subjetiva: por outras palavras, diz igualmente respeito ao objeto contemplado e ao sujeito contemplador” (Catecismo, 1ª Conf.)

§  A fé positiva exige a harmonia entre o sujeito que conhece (subjetivamente) e o objeto conhecido (objetivamente)

§  O conjunto da ordem universal em si mesmo é constatado e não explicado; ele fornece a base para as explicações variadas

o   Enquanto a fé teológica explica tudo por meio das vontades, a fé positiva explica os fenômenos particulares por meio das leis e reconhece para as vontades o seu âmbito específico, que é o da atividade intencional dos seres humanos

§  A submissão humana à regularidade das leis, permitindo a previsão e a intervenção, resulta em que a fé positiva pode efetivamente estender-se ao âmbito da atividade prática

§  Em contraposição, como a teologia pressupõe sempre as vontades arbitrárias, ela não indica regularidades nem permite, portanto, a atuação humana regular e racional

§  O máximo de previsibilidade que a teologia aceita são as “maldições” e/ou o destino cego, que representam respectivamente, por um lado, a vontade arbitrária e inflexível de uma pessoa concreta e, por outro lado, a vontade arbitrária e inflexível de um ser superior anônimo

-        Do ponto de vista dinâmico, a fé deve ser entendida da seguinte maneira:

o   O princípio fundamental que explica dinamicamente a fé é a lei intelectual dos três estados

§  As concepções teológicas são absolutas e necessariamente surgiram antes das concepções relativas

§  As explicações absolutas começaram fetíchicas, passaram para o politeísmo e então para o monoteísmo, degradando-se afinal na metafísica

o   Os seres superiores fictícios inspiravam sentimentos mais ou menos fortes, apesar de sua irracionalidade e de suas vontades caprichosas

o   Enquanto o dogma positivo limitou-se à cosmologia e até à biologia, ele foi incapaz de desenvolver qualquer concepção que estimulasse realmente os nossos sentimentos e regulasse nossas condutas, ao mesmo tempo em que se limitou à crítica (negativa e destruidora) dos seres supremos fictícios

o   Mas com a criação da Sociologia e da Moral, estudando de maneira positiva a ordem humana, foi afinal possível constituir-se e sistematizar-se a noção positiva do ser supremo, a Humanidade

-        As crenças absolutas – teológicas e metafísicas – são sempre incompatíveis entre si, especialmente no caso das teologias monoteístas

o   Uma das consequências dessa incompatibilidade mútua é que essas crenças promovem a intolerância sistemática umas em relação às demais

-        As crises de dúvidas que assomam todos os seres humanos, em vários momentos de suas vidas, são entendidas de diferentes maneiras para as religiões absolutistas – ou melhor, para os monoteísmos – e para a religião relativa e positiva

o   No caso dos politeísmos e até dos fetichismos, as dúvidas na fé podem ser solucionadas por meio da mudança de panteão ou de sistema filosófico (um fetichista reafirma o fetichismo; um politeísta muda de panteão ou volta para o fetichismo ou até sobe para o monoteísmo)

o   Para os monoteísmos, as dúvidas não apresentam alternativa: elas só podem ser solucionadas por meio da reafirmação das crenças (ocorrida mais ou menos em breve)

§  Às vezes, no monoteísmo considera-se que a dúvida faz parte da fé; entretanto, essa dúvida-que-integra-a-fé só pode integrar a fé quando a dúvida é solucionada, necessariamente, por meio da reafirmação da fé e pela rejeição das dúvidas

§  Na passagem do politeísmo para o monoteísmo, o dogma teológico torna-se cada vez mais concentrado, em princípios cada vez mais fechados e cada vez mais absolutos, do que resulta que a saída do monoteísmo é sempre entendida como heresia

§  Não apenas a simples dúvida como também a crítica é entendida como heresia, ou seja, como crime intelectual e social

o   Na metafísica a dúvida é congênita e transformada sistematicamente em crítica

§  A “heresia” na metafísica consiste na crença e não na dúvida

o   Na positividade, a dúvida é entendida como algo normal, isto é, como parte do processo de aprendizado

§  O relativismo próprio à positividade resulta em que a dúvida e o “erro” integram o processo de aprendizado

§  O entendimento positivo da realidade conduz a que as dúvidas sejam esclarecidas, explicadas e demonstradas; dessa forma, a fé é constituída pelo convencimento e não pela negação de toda racionalidade

-        Os protestantismos, especialmente os evangélicos e cada vez mais a partir do século XIX, afirmam a centralidade da fé

o   A centralidade da fé no protestantismo realça o seu caráter individualista, em que o crente individualmente se liga à divindade

§  A centralidade da fé – portanto, do dogma – ocorre às custas do amor

o   O avanço da positividade (e mesmo da metafísica) acua cada vez mais a teologia, tornando cada vez mais irracional, imoral e por assim dizer inócua a crença na divindade

o   Assim, cada vez mais a pura crença em algo torna-se um valor em si mesmo

§  Essa pura crença é cada vez mais um ato irracional, em que o conteúdo da crença acaba tornando-se secundário: “crer” é mais importante que “saber”, “conhecer” e até “amar”

o   É importante insistir: essa pura crença é:

§  Irracional: pois rejeita a reflexão e o relativismo

§  Imoral: pois afirma o egoísmo individualista, afirma uma espécie de intelectualismo, afasta o ser humano do altruísmo, nega a Humanidade e estimula as vontades caprichosas

§  “Inócua”: pois rejeita o conhecimento efetivo da realidade, preferindo os caprichos voluntariosos

§  Resultando na intolerância e no fanatismo

-        Para concluir, importa lembrarmos que: a verdadeira concepção da fé é aquela que (1) explica a realidade para o ser humano, (2) reconhece a submissão geral do dogma ao culto e ao regime, (3) permite a sábia e digna intervenção humana no mundo e (4) possibilita o desenvolvimento humano, principalmente moral, tendo por parâmetro a Humanidade

18 janeiro 2023

Teoria positiva das férias

No dia 17 de Moisés de 169 (17.1.2023) realizamos a prédica positiva, iniciando a leitura comentada da teoria do culto público (quinta conferência do Catecismo positivista). Na sequência, na reflexão semanal, fizemos algumas considerações sobre o que podemos chamar de teoria positiva das férias.

Antes da leitura comentada, lembramos alguns aniversários e centenários que ocorreram no início do ano: Teixeira Mendes (nascimento: 5.1.1855), Pierre Laffitte (morte: 4.1.1903), Luís Pereira Barreto (nasc.-morte: 11.1.1840-11.1.1923), Frederic Harrison (morte: 14.1.1923) - e, no início deste ano, a transformação do positivista chileno Miguel Vicuña (1948-1.1.2023).

A prédica está disponível nos canais Apostolado Positivista (https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/1781211292278737/) e Positivismo (https://www.youtube.com/watch?v=r76pRHDU6FU); a exposição sobre a teoria das férias está disponível no Apostolado Positivista a partir de 51' 30".

Abaixo reproduzimos as anotações que nortearam nossa exposição sobre a teoria da férias.

* * *

-        À primeira vista, pode parecer tolo falar sobre as férias; mas elas são necessárias

-        As férias correspondem a um período anual em que todo servidor da Humanidade cessa temporariamente suas atividades a fim de descansar

o   Os períodos de descanso não são apenas anuais, mas são também semanais: não por acaso, temos o descanso semanal de dois dias (embora algumas categorias profissionais tenham esse descanso limitado a um dia ou a um dia e meio)

o   Aliás, a necessidade de descanso impõe-se mesmo em períodos mais longos e a respeito de questões que nos imponham um esforço contínuo, como no caso das preocupações políticas (ou, em outro âmbito, no caso das preocupações financeiras)

-        As férias correspondem a uma necessidade física e mental, mas também social

o   A base física das férias está na lei da alternância da atividade e do repouso, em que todos os órgãos precisam repousar ou diminuir sua atividade

o   A necessidade social corresponde à possibilidade de cada servidor visitar parentes e amigos, com isso reforçando e aprofundando os laços sociais e afetivos

§  É importante enfatizar a importância social – coletiva e afetiva – das férias, pois elas são atualmente entendidas apenas como momentos individuais de prazer hedonista

-        Torna-se claro que as férias anuais e o descanso semanal não são um “direito”, mas uma necessidade e, portanto, uma obrigação devida a todos os servidores da Humanidade; assim, elas impõem-se como elementos da Estática Social, ou seja, da ordem

o   Quem é contra as férias mas fala em “ordem social” para tal oposição na verdade revela preconceito, ignorância e desprezo pelo ser humano

o   Da mesma forma, afirmar a rejeição às férias em nome da “ordem” evidencia antes de mais nada uma concepção puramente capitalista (ou industrialista) da ordem social, em que o ser humano é apenas um instrumento mecânico para geração do lucro

o   Inversamente, afirmar as férias como um elemento do progresso revela a pobreza mental e intelectual de quem supostamente defende o “progresso”

-        Pode parecer tolo afirmar politicamente a importância das férias, mas o fato é que, sob a influência do ultraliberalismo protestante (principalmente estadunidense, mas não somente dos EUA), nos últimos anos vários grandes capitalistas e várias grandes empresas têm-se manifestado resolutamente contra os aspectos da Estática Social que beneficiam os trabalhadores

o   Outro aspecto que tais capitalistas e empresas têm combatido resolutamente são os contratos coletivos, a sindicalização dos trabalhadores e as greves

o   É claro que, por outro lado, tais capitalistas e tais empresas cinicamente não recusam os aspectos da Estática que os beneficiam mais diretamente (como suas próprias possibilidades de acumulação de capital, suas taxas de lucro e seus bônus anuais)

o   Entre tais empresas e capitalistas que desenvolvem ativamente políticas antitrabalhadores podemos citar Ellon Musk (Tesla, Twitter) e a Amazon

-        No Brasil a rejeição das férias anuais e dos descansos semanais verifica-se nas práticas de precarização e de manutenção do trabalho precário, estimuladas pelos liberais, pelos neoliberais e pelos ultraliberais e também por empresários que são limitada e hipocritamente defensores da “ordem social”

o   Essa precarização do trabalho pode ser verificada não somente no subemprego e nos “bicos”, mas também, nos últimos anos, na uberização do trabalho

o   O subemprego, os bicos, a “uberização” do trabalho dificultam ou impedem a sindicalização, os contratos coletivos, as greves e, de maneira central para o que nos interessa, também as férias anuais e os descansos semanais