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12 setembro 2019

Maus hábitos acadêmicos e estudos comtianos no Brasil

No início de 2011 eu fiz uma postagem neste blogue intitulada "A impossibilidade de estudos comtianos no Brasil" (disponível aqui). Nela eu observava que, no Brasil, nas universidades brasileiras (e, naquele caso em particular, na UFSC), é possível estudar-se virtualmente qualquer coisa - mas o Positivismo, as idéias de Augusto Comte, a ação dos positivistas no Brasil e no mundo, isso é vedado. Ou melhor dizendo: é vedado o estudo que se apresente de maneira favorável ao Positivismo; se for para falar mal, para ser "crítico", para acusar o Positivismo de ser a fonte de todos os males possíveis e imagináveis - bem, então, não há problema nenhum e pode-se dizer o que se quiser, por mais sem pé nem cabeça for o que se diga. Deveria ser claro para qualquer pessoa que isso é tanto censura explícita quanto censura implícita, além de hipocrisia.

De 2011 para cá a situação não mudou. Na verdade, ela piorou: em 2011 as pesquisas "críticas", ou seja, as pós-modernas, as feministas, as marxistas etc. eram hegemônicas; os liberais e os católicos (de esquerda) também participavam desse ambiente, embora de maneira acessória: em todo caso, todos esses grupos vedavam o que eu chamei de "estudos comtianos".

Hoje, em meados de 2019, além dos grupos que atuavam com grande destaque tanto na política prática quanto na vida acadêmica, há também os grupos autonomeados conservadores, que reúnem não somente os conservadores à la Edmund Burke, mas também os conservadores ultraliberais, os católicos reacionários, toda a plêiade de conservadores evangélicos e, como se não fosse pouco, também os fascistas e os filofascistas. Além da presença dessa nova "direita" - que, aliás, é raivosa -, o que mudou desde 2011 é que a hegemonia política da esquerda está temporariamente rompida e sua atuação acadêmica tem sido (violentamente) contestada.

Dito isso, o desprezo pelo Positivismo que eu indicava existir no ambiente acadêmico em 2011 mantém-se em 2019. Se antes esse desprezo manifestava-se na forma da vedação à afirmação política, filosófica, religiosa do Positivismo (e na UFSC), agora esse desprezo revela-se por um... bem, "desprezo" é a expressão correta, em que duas pesquisadoras (da USP) tratam com a mais completa sem-cerimônia, o mais completo desdém o convite para resenhar um livro sobre o Positivismo, escrito por um positivista (isto é, Laicidade na I República, de minha autoria - disponível aqui).

Fiz uma pequena descrição dos acontecimentos, postada em minha conta pessoal no Facebook, reproduzida abaixo. O estilo do texto, além de indicar a informalidade dessa rede social, também evidencia o meu sentimento de ultraje.

Antes de passar à postagem no Facebook, um último comentário. A presente situação, bem como a de 2011, evidenciam - mais uma vez! - que estar em universidades e/ou fazer discursos pomposos sobre "democracia", "respeito mútuo", "respeito à diversidade", "diálogo" etc. por si só não quer dizer nada: o que importa em última análise é sempre o comportamento concreto, a conduta mantida no dia-a-dia. As duas sociólogas de que trato abaixo demonstraram o pior comportamento possível, o mais desprezível, o mais repreensível... mas é claro que, a despeito disso tudo, seus títulos continuarão valendo. É para isso que se mantém universidades públicas?

*   *   *

Aí eu peço a uma importante socióloga, que escreve para jornais de grande circulação nacional, que faça uma resenha de um dos meus livros. Ela não pode, mas indica uma orientanda: ok, sem problema.

A orientanda põe-se à disposição, embora com uma certa cerimônia; ainda assim lhe envio, às minhas custas, um exemplar do livro. Na verdade, de dois livros, para ela ter parâmetros adicionais para poder avaliar o livro que eu quero que seja comentado.

UM MÊS DEPOIS a orientanda "lembra-se" de indicar que recebeu os livros; mais importante ainda, somente depois de ganhar dois livros, no valor total de R$ 100,00, ela "lembra-se" de avisar-me de que ACABOU DE DAR À LUZ e que, portanto, não terá condições de fazer a resenha.

Nem a socióloga famosa nem a orientanda tiveram a capacidade de considerar que um filho recém-nascido dificulta muito (ou melhor, impede) trabalhos intelectuais mais exigentes. Também não tiveram a capacidade, ou a decência, de avisar-me desse pequeno fato da vida. Mas a orientanda ganhou, com grande alegria, dois livros.

A cereja do bolo foi a afirmação final da orientanda: se ela tiver um "tempinho" ela dará uma lida no meu livro.

Infelizmente, pela minha experiência, esse tipo de comportamento é recorrente nas universidades - pelo menos, no âmbito das Ciências Humanas.

E depois ainda é necessário defender as universidades contra ataques como o projeto "Future-se". Haja republicanismo para desconsiderar esse tipo de boçalidade em benefício do futuro do país.

08 fevereiro 2016

Participação no livro "Unila - consulta internacional"

Desde há alguns anos existe a Universidade da Integração Latino-Americana, a Unila, com sede em Foz do Iguaçu e com corpos discente e docente dos países do Cone Sul.

Pois bem: em 2008 o então Reitor Pro-Tempore da Unila, Prof. Hélgio Trindade, remeteu a vários pesquisadores de diversas partes do mundo uma consulta sobre qual deveria, ou poderia, ser o perfil da futura universidade.

Tive a felicidade de integrar o rol de pesquisadores consultados; minhas respostas, juntamente com as demais, foram compendiadas em um volume único, intitulado justamente "Unila – Consulta Internacional – Contribuições à concepção, organização e proposta político-pedagógica da Unila".

Esse volume está disponível aqui. Entre as páginas 148 e 157 encontram-se as minhas considerações (páginas 75 a 79 do arquivo PDF).

27 outubro 2013

Universidades canadenses: generalistas ou especializantes?

A matéria abaixo apresenta uma perspectiva especialmente cara ao Positivismo e presente desde o início nos escritos de Augusto Comte: a afirmação da perspectiva generalista, contrapondo-se à especialização científica.

A visão de conjunto é importante devido a vários motivos. 

Em primeiro lugar, porque ela permite que as pessoas tenham uma compreensão geral da realidade, isto é, permite que a realidade seja compreensível para o comum das pessoas a partir de uma perspectiva científica. Nesse sentido, ela desempenha uma função pedagógica e psicológica central para o ser humano. (Em particular, cabe notar que as teologias mantêm sua relevância atual porque elas oferecem aos seus crentes uma visão geral da realidade, ao contrário da ciência - bem entendido, da ciência como tem sido praticada até agora, isto é, fragmentária e fragmentada, oferecendo aos seres humanos apenas perspectivas parciais e irracionais da realidade.)

Em segundo lugar, porque essa visão de conjunto - como o texto abaixo indica com grande clareza - permite que se estabeleçam relações entre áreas do conhecimento que de outra maneira não se relacionariam e que não seria possível relacionar com facilidade: não apenas áreas científicas, mas também considerações morais e filosóficas e mesmo artísticas são passíveis de integração por meio da visão generalista.

Em terceiro lugar, as aplicações práticas (técnicas) são ampliadas. É importante ressaltar que as aplicações práticas devem ser indicadas por último, para não se considerar que a perspectiva generalista é válida apenas ou principalmente devido ao seu valor "pragmático": ao contrário, ela importa antes de mais nada porque tem valor pedagógico e filosófico.

A visão generalista na matéria abaixo é apresentada como uma opção viável para os currículos universitários. Entretanto, essa opção é atualmente mais adequada para os Estados Unidos e para o Canadá que para o Brasil, devido à flexibilidade curricular desses países e ao sistema de "major" e "minor degrees" - isto é, devido à possibilidade de duplas graduações, com dois anos de formação geral à escolha dos estudantes seguidos de dois anos de especialização técnico-acadêmica.

A matéria abaixo, todavia, apresenta dois problemas. O primeiro é considerar a concepção generalista estritamente em termos de aplicação prática, isto é, para "resolver problemas", em vez de considerar também (e acima de tudo) suas implicações filosóficas e morais. O segundo problema liga-se ao caráter jornalístico do texto: a exposição da matéria é recheada de exemplos pessoais, que, a título de apresentar o "interesse humano" da questão, aumentam de maneira desnecessária e cansativa o texto.

Ainda assim, vale a pena a leitura e a reflexão.

O original da matéria pode ser obtido aqui.

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CANADIAN UNIVERSITY REPORT 2014: INNOVATION
The university debate: specialize or be a generalist?
ERIN MILLAR
Special to The Globe and Mail
Published Tuesday, Oct. 22 2013, 7:11 AM EDT
Last updated Tuesday, Oct. 22 2013, 9:30 AM EDT

It was one of those beautiful moments of intellectual revelation that undergraduate education is all about. Evan Pivnick was reading Climate Wars by Gwynne Dyer when he realized that climate change wasn’t just a problem of science but also of politics. “I used to think about it in an analog way,” recalls the University of Victoria political science graduate of his formerly single-channel thinking. All of a sudden, communication theory, psychology, economics and law seemed hugely relevant. “I didn’t want to take a narrow look at climate change. I wanted to study the whole spectrum.”
So Pivnick signed up for Victoria’s new minor in human dimensions of climate change. “I wouldn’t have encountered the hard science of climate change chemistry otherwise,” he says. “It also opened me up to economics. I realized I had certain biases so I took classes to understand and be conversational with economists.” After graduating this spring, he scored a job working for Andrew Weaver, a Victoria climate scientist who was recently elected the first Green Party MLA in British Columbia.
Pivnick says the interdisciplinary nature of his education strengthened his ability to consider problems from different perspectives and communicate with experts from disparate fields − a type of thinking universities are increasingly attempting to foster in their students. While interdisciplinary education is not necessarily new, unique approaches are popping up across the country that recognize that modern problems such as climate change − messy, complex beasts that won’t be solved by a single field − require thinkers with a broad wisdom not limited to a single field.
At McMaster University in Hamilton, for instance, the honours integrated science, arts and science, and bachelor of health sciences programs are inherently interdisciplinary. Since Dalhousie University in Halifax created the College of Sustainability in 2009, more than 1,000 students from almost every faculty have enrolled in a double major that involves working on sustainability challenges in the community with professors in the arts, business, science, engineering, health and design faculties.
Most of the 60 universities researched for the Canadian University Report offer relatively new interdisciplinary undergraduate programs in subjects as varied as cognitive science (Carleton University in Ottawa), peace and justice (University of Toronto), food systems (Trent University in Peterborough, Ont.) and community engagement (Emily Carr University of Art and Design in Vancouver). These programs go by many names − applied or integrated, multi- or trans-disciplinary, inquiry or problem-based − but they all have a fundamental assumption in common: Innovation, whether an idea for a new product or an approach to treating illness, often occurs at the intersection of disciplines.
“One of the dangers of disciplinary thinking is that you can get narrowed into a certain jargon that is familiar to your group of experts but virtually meaningless to other people,” says David Leach, director of the technology and society program at the University of Victoria. “Because we’re not within any faculty, our students have to find a way of communicating and collaborating with one another.”
Communication and collaboration, along with analysis, critical thinking, technological literacy and problem solving, make up a suite of intangibles sometimes called “21st-century skills,” that educators such as Leach argue students gain from a broad education.
This view of what skills are needed to thrive in the 21st century is but one side of a debate that has dominated discussion about the goals of postsecondary education in the past year. In reaction to the tough job market many new university graduates face, a growing chorus of politicians and pundits call for universities to narrow their focus and produce “job ready” graduates with the latest technical expertise; in this view, studying humanities or social sciences is seen as a waste of taxpayers’ money and students’ time because asking unanswerable questions does nothing to prepare one’s mind for the real world.
Writing in Maclean’s magazine, columnist Colby Cosh eloquently argued that broadly educating students amounts to delaying them from entering the work force merely because of a romantic (read: foolish) attachment to the broad education at the heart of the liberal Enlightenment ideal: “What you get when you turn this ideal into a system, however, is a lot like what you get when you transform articles of Christian faith into the Catholic Church: a powerful, unaccountable apparatus that abuses large numbers of young people.”
Prime Minister Stephen Harper has also called for postsecondary institutions to focus on specific skills, particularly in trades, science and engineering. In a meeting with a U.S.-Canada business group in Ottawa last November, he said, “For whatever reason, we know that peoples’ choices, in terms of the education system, tend to lead us to what appears to be a chronic shortage of certain skills.” The contention that Canada’s skills shortage is a barrier to economic recovery is the justification for the Canada Job Grant, a centrepiece of the government’s 2013 economic plan, which pledged to provide 130,000 workers a year with skills training.
But, according to many educators, the set of skills students need to thrive in the modern economy is about much more than technical expertise. In a speech to the Empire Club of Canada last March, David Naylor, outgoing president of the University of Toronto, called the argument for more job-specific education a so-called zombie idea, “one of those persistent and infectious pieces of misinformation, a meme that shouldn’t be alive but just won’t die.” He argued that, instead of focusing on specific technical skills, all people, regardless of their field, need to be able to think quantitatively, communicate effectively, analyze critically and reason through ethical and social challenges. Even in applied disciplines such as health sciences, teachers are replacing narrow skills with what one might call “renewable competencies,” Naylor said. “After all, our students will confront challenges – everything from climate change to cyber-security – that are more intertwined, complex, and social than ever before.”
So what should we make of this debate? Is this shift toward interdisciplinary teaching that prioritizes renewable competencies over narrow expertise preparing students to adapt to fast-changing careers and economies? Or are universities producing unemployable masters of none?
The tiny, private Quest University in Squamish B.C., which exemplifies the trend, may provide the answers to these questions.
Mid-day on a Wednesday in early May, snowshoe-clad students sit on a snowy shore of frozen Garibaldi Lake, a glacial lake in the mountains midway between Vancouver and Whistler, B.C., eating hummus wraps and trail mix. These undergraduates are camping here for five days. They’ve brought gear such as ice augers and instruments to measure water flow. The goal? To quantify the amount of water in the watershed.
In the next three weeks, they’ll spend time on a river and the ocean, studying different aspects of water cycles with professors with expertise in fields from geology to physics to epidemiology. But right now, on this lunch break, they’re thinking about the assignment at hand. Student Julia Simmerling is frustrated because her group spent all morning measuring snow density but the instrument kept maxing out and seemed to be calibrated incorrectly. All her numbers are meaningless, she complains to physics professor Court Ashbaugh. “There’s a way around this,” he tells her. After some discussion with Ashbaugh, Simmerling and her group take a new approach to the problem of quantifying the amount of snow in the water shed: by measuring water from snow off a roof. They later realize they were using the snow density instrument incorrectly, but they learned that there are a lot of different ways to tackle a problem in the field.
The lesson may seem inconsequential − Simmerling may never again need to reason out how to measure the amount of water in snow − but this kind of problem-solving is what this class, and Quest itself, is all about. With no majors or departments, the unusual university in Squamish is arguably Canada’s most extreme example of broad, interdisciplinary undergrad education. “If you have a conventional education, you are trained in how we view the world in 2013,” explains mathematics professor Glen Van Brummelen. “You might be able to exist in the current system for a few years, but what will get you far is flexibility in thinking.” In other words, technology and economies are changing at such a pace that industry-specific skills learned through higher education are often obsolete soon after graduation, therefore students are better served by developing the ability to adapt and continue learning outside formal settings.
Quest buys into an idea that is gaining momentum at universities around the world: that instead of being steeped in disciplinary content, students ought to develop adaptable habits of mind. Traditionally, being educated is most often a process of narrowing; one would study increasingly specific knowledge to the point of knowing enough to be considered an expert. But in this new view, what matters isn’t specific content but the broad strokes of how the world works. Quest is throwing out the conventions of disciplines in order to get at intangibles. For example, during the field class at Garibaldi Lake, students argued with each other about precision and uncertainty while taking measurements – concepts central to doing science that are difficult to get at in the predictable confines of a classroom.
But striking the right balance between teaching habits of mind and disciplinary content is tricky. While Ashbaugh is a great supporter of learning science by doing, he worries his students may end up not knowing much about anything. “Experts think the way they do because they know a lot about something. That keeps me up at night,” he says, but acknowledges that a liberal arts education like that offered at Quest isn’t intended to produce experts. Van Brummelen is less troubled: “The big question in this discussion that never gets addressed is: How much technical knowledge do conventionally trained students actually have?”
Yet, that question is being asked. Mere moments after the Harper government announced a cabinet shuffle last July, MP Jason Kenney, who had just been named Minister of Employment and Social Development, tweeted, “I will work hard to end the paradox of too many people without jobs in an economy that has too many jobs without people.” His comment hints at the view held by the Office of the Prime Minister, that a lack of jobs isn’t the sole reason for persistently above-average unemployment. Harper also sees this as an education issue, which cuts to the heart of the debate about the purpose of universities. Jobs go unfilled because employers can’t find employees with the right skills, this line of reasoning goes; if only universities were better at equipping students with relevant skills demanded by employers, graduates would find jobs. (It’s worth noting that Don Drummond, former chief economist at Toronto-Dominion Bank, now at Queen’s University, told the Toronto Star that he was unable to verify the unfilled jobs stats used in the 2013 budget.)
Everyone interviewed for this article agrees that employers are frustrated with university graduates’ mix of skills, but most say employers aren’t seeking technical knowledge but instead abstract 21st-century skills or “renewable competencies.” Ginny Dybenko, former chief executive officer of Bell Advanced Communications, says, “Whether I asked Procter & Gamble or the banks on Bay Street or the big consulting firms, without exception, all the s nior people told me they needed the soft skills. It’s an ability to communicate with humans. That requires an understanding of how humans think and how they want to understand the world. It sounds so straightforward that I am almost reluctant to say it, but it is something that is hard to deliver on.”
After 40 years at Bell, a stint at a startup, and five years as dean of business at Wilfrid Laurier University, Dybenko joined the University of Waterloo in Ontario in 2011 as executive director of the Stratford Campus, a new digital media campus. The idea was to create an interdisciplinary graduate program in which students work with companies to tackle digital media problems. The course work would touch on business and technology, but its heart was in the arts – history, fine arts, psychology.
“What a remarkable thing – to bring together the geeks and the artists in one site,” recalls Dybenko,“give them interesting tasks to work on together, provide them with a creative frame, lots of opportunity to play in that sandbox, and see what happens.”
Dybenko’s colleagues hoped 50 students would sign up in the first year, and were delighted when 100 started the program. The next year 150 qualified students enrolled. An undergraduate program launched last fall was similarly popular. The response from business was also enthusiastic. Google and Canadian Imperial Bank of Commerce were among companies that submitted projects to the program for students to work on, and all graduates who entered the job market (some became entrepreneurs) are employed.
What is unusual about the Stratford Campus is its firm foundation in the arts. (Its academic director Christine McWebb has a doctorate in French literature.) “In the old days,what students would be told if they were really passionate about the arts or the humanities was to become an accountant, and then they could play with that other stuff in their spare time,” Dybenko says. “If they’re passionate about the arts, and that can be music or sociology or political science or geography or history, then we encourage them and give them enough technology so that they can apply that in the digital age and enough business skills so that they are actually useful in the workplace.”
Stratford Campus was established as arts programs were being cut back at many universities. (In August, the University of Alberta in Edmonton suspended enrolment in 20 arts programs, from music to languages.) The value of an arts education is at the heart of the debate about what skills students should gain from a university education, and it’s an extremely old argument – whether education ought to be about fostering critical, independent thought has been up for debate at least since Plato laid out the bones of a Socratic education in his Republic. But new interdisciplinary programs at universities across the country are lending the arts new relevance, rooted in a recognition that in our race to invent widgets, cure diseases and program apps, we may have neglected the human element.
Robert Gifford, head of the University of Victoria’s human dimensions of climate change program, says the program grew out of an understanding that there is a sociological and psychological side to climate change. He argues that graduates will be valuable to governments and industry dealing with environmental problems. “Stephen Harper’s people are thinking industrial, productive, resource-extraction type of jobs – plumbers, electricians, which we need, but we’re producing people who are job-ready, not for resource extraction, but to be managers of a very complex problem.”
For Dana Petersen, one of the first Stratford Campus graduates, the utility of her broad education is obvious. With her ability to speak the language of designers and engineers alike, she scored a job as a user experience researcher at Samsung, exploring how people interact with technology. “For a long time at universities, there were the sociology and psychology departments, and they were about people.
Way across campus, there were the engineers who built things. We’re just starting to build bridges.”

08 abril 2012

Aforismas sociológicos V - Mitos difundidos pela igreja católica

Aforismas sociológicos V

Mitos difundidos pela Igreja Católica, no Brasil e no mundo

§ 1º – Defesa da laicidade do Estado

Ao contrário do que muitas vezes afirma, a igreja católica simplesmente não defende a laicidade do Estado, seja em termos teóricos, seja em termos práticos. Em termos teóricos, a laicidade do Estado consiste em um indiferentismo do Estado face à religião, o que, por um lado, põe a igreja em uma situação social e politicamente secundária; por outro lado, esse indiferentismo permite que se constitua um pluralismo social e religioso que é visto como (e de fato é) daninho para a igreja, pois permite o crescimento de outras religiões, outras crenças e, de qualquer maneira, permite o exercício da dúvida e da crítica.

Em termos práticos a igreja nunca aceitou a laicidade; seu universalismo exige que ela veja-se como uma força total e que se imponha a todos. Como o Estado brasileiro constituiu-se tendo a igreja ao seu lado, ela estava junto ao poder; durante o Império, as reclamações da igreja dirigiam-se não em favor da laicidade, mas em benefício da maior autonomia da igreja. Quando a República foi proclamada, os privilégios eclesiásticos oficiais foram revogados, o que, evidentemente, foi visto como o fim do mundo para a igreja: ela insistia na idéia de junção com o Estado, mas desde que subsidiada por ele e politicamente superior ao poder civil.

Era a idéia da “autonomia sem independência”: a igreja manteria o monopólio religioso e privilégios oficiais; teria o controle dos registros de nascimentos, casamentos, óbitos, enterros e o controle dos cemitérios, além de ser a responsável pelas escolas públicas e privadas; seria a fiscal oficial ou para-oficial dos atos do governo, além a responsável pela moral da sociedade. Tudo isso devidamente pago pelo Estado. Nada disso é invenção ou exagero: é possível conferir todas essas informações (e interpretações) no livro do padre José Scampini (1978)[1].

Como durante a I República (1889-1930) a laicidade vigeu – mesmo que com grandes problemas –, desde 1916 a igreja organizou-se para retomar o poder, conseguindo-o em 1930 e 1931, quando, com a mudança de regime político, o segundo cardeal do Brasil (e da América Latina), Sebastião Leme, simplesmente chantageou Getúlio Vargas, como se vê neste trecho simplesmente brutal: “ou o Estado [...] reconhece o deus do povo ou o povo não reconhecerá o Estado” (cf. DELLA CAVA, 1975, p. 15).

A retomada do Estado, via “recatolicização”, evidentemente surtiu efeito; a idéia de que são “tradicionais” as presenças de crucifixos e/ou Bíblias em órgãos públicos e que, dessa forma, a ostentação desses símbolos não ofende a laicidade do Estado é um claro sinal disso.

Mais recentemente, face à exigência de respeito à laicidade do Estado e ao pluralismo religioso e filosófico, quando confrontada com casos extremos de desrespeito a esse pluralismo no ambiente escolar (Reação de aluno ateu, 2012), o máximo que a igreja faz é afirmar que “as escolas não podem impor o Pai-Nosso” (CNBB afirma que escolas, 2012). Isso, claro está, é muito diferente de comprometer-se com a laicidade do Estado.

Todo esse comportamento torna-se chocante quando representantes da CNBB dizem o contrário em eventos oficiais – em particular na audiência pública realizada em 2010, pelo STF, para tratar, justamente, da laicidade do Estado. Na ocasião, o representante da igreja afirmou que ela (a igreja) sempre respeitou a laicidade, tendo fundamentos teóricos e históricos para tanto. (A longa existência da igreja e a multiplicidade de textos da Bíblia, tão freqüentemente contraditórios entre si, permitem que citações sejam expostas de maneira adequada conforme a ocasião. A formulação básica, sem dúvida, é a de que “a César o que é César, a deus o que é de deus”, citada nos evangelhos; em seguida, há os textos de João Crisóstomo, o primeiro doutor da igreja que sistematizou a separação entre os dois poderes, entre os séculos V e VI.) Ora, é difícil sustentar qualquer respeito teórico e prático à laicidade e ao pluralismo religioso e filosófico quando se estuda com um mínimo de cuidado a história do Ocidente e do Brasil.

Fica a pergunta: a CNBB, ao afirmar perante o STF o respeito à laicidade, está sendo ingênua, ignorante ou hipócrita?

§ 2º – Origem cristã da civilização ocidental

Recentemente, o bispo de Criciúma, Jacinto Inácio Flach, afirmou que “o Ocidente surgiu baseado no cristianismo” (cf. Tirar crucifixo dos tribunais é ato ‘de quem não é do bem’, 2012)[2]. Essa afirmação curiosamente faz um apelo à história para uma religião que rejeita a história, especialmente a sua própria. O Ocidente, sem dúvida alguma, deve muito de si ao catolicismo: foi a religião que criou os laços entre os povos de outra maneira separados durante a Idade Média. Entretanto, atribuir ao catolicismo esse imenso poder sociogênico é um exagero de proporções monumentais.

Antes de mais nada, o Ocidente surgiu a partir das civilizações mediterrâneas, na região da Ásia Menor. A principal delas, para o Ocidente, foi sem dúvida a civilização helênica, que habitava na região da Grécia, das ilhas circunvizinhas e das costas ao redor (incluindo a Ásia Menor – onde nasceu Aristóteles – e a Itália – onde trabalharam e escreveram suas obras Pitágoras e mesmo Platão). Os gregos, como se sabe – ou melhor, como se deveria saber – foram os iniciadores da filosofia, isto é, da reflexão sistemática sobre a realidade, tendo também fundado a ciência abstrata.

Como os gregos eram profundamente xenófobos e não conseguiam pensar em termos políticos superiores à cidade-Estado, esgotaram suas energias em guerras intestinas, de que a mais famosa foi a Guerra do Peloponeso. Alexandre Magno, em seguida, difundiu a cultura grega pela Ásia, mas o seu império não sobreviveu à sua morte.

Felizmente para a Humanidade, os romanos não eram xenófobos como os gregos e souberam criar um império que durou. Mais do que isso: mais preocupados com questões práticas que com debates acadêmicos, os romanos aceitaram todas as inovações que julgaram úteis, incorporando as culturas de outros povos: em particular, a partir do século II da era corrente, já na fase propriamente imperial, com o expansionismo encerrado, os romanos preocuparam-se mais em estimular e difundir a cultura grega[3].

Pois bem: o que o bispo Flech chama de “cristianismo” é uma construção religiosa feita por um judeu que tinha cidadania romana e educação grega – no caso, Paulo de Tarso. A cidadania romana permitia a Paulo circular pelo império com tranqüilidade, saindo do gueto auto-imposto pelos judeus na Palestina; a cultura grega permitiu que as crenças bairristas dos judeus fossem convertidas em mitos universais, ou melhor, universalmente assimiláveis. Não se pode diminuir a importância da ação daquele que, merecidamente e não por acaso, foi chamado de “apóstolo dos gentios”: se a crença dos cristãos ficasse nas mãos dos apóstolos e discípulos diretos, seria uma seita de fanáticos e irridentistas como muitas outras que havia na época (e que só acabaram com a destruição do segundo Templo de Salomão, na década de 70 da era corrente).

Mas é necessário entender que o passo fundamental para o “Ocidente ter-se baseado no cristianismo” não teve relação alguma com os méritos intrínsecos, intelectuais ou morais, do cristianismo, mas vincula-se a algo que deve ser chamado mais propriamente de golpe político dado pelos imperadores romanos – em particular, Constantino e Teodósio, que respectivamente descriminalizou a antiga religião de escravos e que a tornou a religião oficial do Império[4]. Assim, foi graças à estrutura política de Roma – em outras palavras, porque se aproveitou do Estado – que o cristianismo pôde realmente se difundir, não apenas na Europa, no final da Antigüidade e no início da Idade Média, mas pelo mundo inteiro, já na Idade Moderna, com as grandes navegações.

Isso está bem longe de ser tudo. O “Ocidente” são as populações européias e suas ramificações, especialmente nas Américas e na Oceania. Além disso, e especialmente, o Ocidente é a cultura ocidental. Não apenas o catolicismo desde o seu início foi fortemente marcado por elementos gregos e politeístas[5] – na verdade, todos os doutores da patrística eram profundos conhecedores da filosofia grega e incorporaram ou adaptaram o pensamento grego para a religião cristã –, como, após o surgimento do Islamismo e da tomada da Península Ibérica, a difusão do pensamento árabe permitiu que vários antigos pensadores gregos fossem recuperados. Esses pensadores recuperados tinham sido perdidos devido a vários motivos: guerras, invasões bárbaras, declínio político; mas um forte elemento para essa perda foi o desprezo cristão pelos seus pais espirituais.

Os árabes, assim, permitiram a reintrodução no Ocidente dos gregos, especialmente de Aristóteles: como o racionalismo aristotélico é muito mais poderoso que a fé cristã, a igreja viu-se obrigada a lidar com isso, assumindo essa responsabilidade Tomás de Aquino.

Indo mais adiante, importa lembrar com muita clareza que o Ocidente não se constituiu e não se constitui somente na Idade Média: na verdade, foi a partir do término dela, com os movimentos que conduziram à Idade Moderna que se iniciou o que se chama atualmente de “Ocidente”. Pois bem: os movimentos intelectuais e morais que se desenvolveram e desenvolvem-se desde essa época são, cada vez mais, realizados fora e contra a igreja, ou melhor, fora e contra a religião. Basta pensar-se na ciência; nas artes; no Estado; na consolidação das liberdades civis: todos esses movimentos são feitos a despeito da igreja e a despeito da religião, quando não contra uma e outra.

O bispo Flach, portanto, está totalmente incorreto ao afirmar que o Ocidente tem uma “origem” cristã. A sua observação “histórica” na verdade ignora e distorce a história; a única história que lhe interessa é da sua própria igreja – e, bem vistas as coisas, para ele a sua igreja consiste no início e no fim de toda a história humana[6].

Mas, mesmo que o sr. Flach estivesse correto em termos históricos, ainda assim seu raciocínio seria errado, ou melhor, falacioso. Ele argumenta que, por supostamente o Ocidente ter uma origem cristã, ele deveria permanecer sendo cristão. Isso equivale a dizer que devemos sempre, por puro hábito, por puro tradicionalismo – por pura – manter hábitos que tivemos muito tempo atrás, mesmo que esses hábitos não se mantenham mais ou não se justifiquem mais. Esse tradicionalismo é o mesmo que justificaria, por exemplo, a permanência da escravidão: afinal de contas, de 1530 a 1888, o Brasil foi construído em cima do trabalho servil (justificado, aliás, pela igreja). Ou que não devemos usar automóveis (ou bicicletas) porque durante milhares de anos os seres humanos andaram a pé, de carroça ou a cavalo. Em outras palavras, é o apego mais completamente irracional ao passado – apenas porque é “passado” e “tradicional”.

§ 3º – Obrigatoriedade de professar o catolicismo em uma universidade católica

As universidades católicas são instituições particulares de ensino e, nesse sentido, são livres para professar as doutrinas que quiserem. Embora a igreja católica não respeite a laicidade do Estado, certamente se beneficia dos dispositivos legais que lhe concedem essa liberdade – e, na verdade, faz questão de tais dispositivos (embora procure cercear essas liberdades para os demais – no que é imitada por inúmeras outras igrejas).

Nesse sentido, a recente afirmação de Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo emérito de Guarulhos e sacerdote arquiconservador – segundo a qual quem não concorda com os valores professados pela igreja católica não deve reclamar deles no interior de uma universidade católica – faz todo o sentido (Professor da PUC deve respeitar, 2012). Da mesma forma, é difícil sustentar a contra-argumentação da presidente da Associação de Professores da PUC-SP, Maria B. Costa Abramides, segundo a qual é possível expor opiniões contrárias à igreja católica na PUC-SP porque essa universidade deveria ser laica (Professor da PUC-SP deve seguir, 2012) – por definição, a PUC não é e não precisa ser laica.

Dito isso, convém refletirmos com um pouco mais de cuidado sobre esse pequeno debate, pois ele apresenta elementos mais profundos e mais problemáticos que a mera afirmação do caráter confessional da PUC: ele diz respeito, por um lado, à história do Brasil e ao projeto de poder que explicitamente a igreja católica busca implementar desde 1916 e, por outro lado, à chamada “concepção de universidade”, que se refere, por sua vez, aos conceitos de ciência e de religião (ou melhor, de teologia).

Iniciemos pela história das PUCs. Essas universidades, a começar pela do Rio de Janeiro, foram fundadas no Brasil a partir da década de 1940 com o objetivo explícito de formarem quadros técnicos, mas acima de tudo culturais e políticos, para que a igreja católica mantivesse o controle do Estado, especialmente a partir da posse do capital simbólico obtido com o diploma universitário. Nesse sentido, importava muito menos o seu aspecto científico, isto é, de preocupação com a pesquisa científica que o seu aspecto doutrinário, ou melhor, proselitista. Essa forma de pensar, própria do projeto da neocristandade proposta por Sebastião Leme e levado a cabo exemplarmente pelos leigos Jackson Figueiredo e Alceu Amoroso Lima, constituiu-se em um padrão, verificado em todo o país[7].

Dessa forma, as PUCs sem dúvida eram em sua origem “católicas” e “pontifícias”, mas a palavra “universidade” é mais problemática de aceitar, haja vista sua preocupação precípua com a propaganda e o proselitismo – elementos claramente presentes até hoje, embora bastante minorados.

Por outro lado, cumpre notar que o que são, hoje, as universidades. Afirma-se correntemente que são instituições baseadas no ensino, na pesquisa e na extensão, ou seja, na transmissão do conhecimento técnico, científico e cultural; na produção e no avanço de novos conhecimentos; na aplicação mais imediata desses conhecimentos junto à sociedade. Um centro de divulgação e doutrinação pode, perfeitamente, realizar as atividades de ensino e de extensão: já a pesquisa requer um pouco mais. Ou melhor: um centro de divulgação pode ensinar e fazer extensão, mas somente em princípio.

O que ocorre é que a “pesquisa” refere-se à pesquisa científica. A ciência atua com base na formulação de hipóteses, na verificação, na correção, na contestação e na crítica públicas; ela é relativa, ao passo que a teologia é absoluta, ou seja, indiscutível, impassível de crítica. Os pós-modernos e muitos dos sociólogos da ciência podem contra-argumentar e negar essas definições, afirmando que a ciência é um conhecimento como “outro qualquer”, mas o fato é que, por um lado, esses mesmos pós-modernos e sociólogos da ciência desejam (ou pretendem) fazer “ciência”; por outro lado, eles beneficiam-se enormemente dos frutos da ciência e não das “outras” formas de conhecimento. Os frutos da ciência não são apenas tecnológicos (como o computador em que escrevo este texto, ou a internet em que o texto aparece ); são também frutos intelectuais – a concepção de que a realidade é submetida a leis naturais e que, mesmo que entidades sobrenaturais existam, os seres humanos vivem e agem sem a menor necessidade delas – e também frutos políticos: foi a ciência, com seu mecanismo de crítica política e dúvida sistemática, que permitiu o pluralismo político e as liberdades de que gozamos atualmente[8].

O resultado é, embora a PUC-SP e todas as demais PUCs e universidades (e faculdades) católicas (e confessionais) do Brasil, embora possam ter sido criadas com o fito prioritário de fazerem proselitismo e de afirmarem política e culturalmente a hegemonia do catolicismo no país, são instituições que devem ensinar com base nos parâmetros da ciência[9]. E são precisamente esses parâmetros que se opõem aos valores básicos de suas instituições.

Pode-se pensar que esses conflitos entre a fé proselitista e a ciência baseada na crítica pública e sistemática surgem com maior freqüência nos cursos das Ciências Humanas; talvez seja assim, de fato. Mas nas Ciências Naturais isso não é menos verdade. Os conflitos ocorrem tanto no ensino quanto na pesquisa: o que fazer caso um biólogo ou um médico ou um veterinário queira investigar as células-tronco embrionárias em uma PUC? Será ele proibido, devido aos valores morais da igreja? Ou em um curso de Geologia ou de Física: segundo alguns teólogos, a Terra (bem como o Universo) não teria muito mais que seis mil anos, o que é evidentemente errado para qualquer pesquisador que já tenha estudado as formações geológicas do planeta ou as radiações cosmológicas de fundo. E quando for para ministrar a famosa disciplina de “Método Científico”? Uma das afirmações fundamentais nessa disciplina é constatar, ou lembrar, que a ciência é aberta e que por isso avança, ao passo que a religião é fechada e que se baseia em última análise na pura crença (por mais irracional e absurda que seja).

E quando os estudantes das PUCs tiverem que fazer extensão universitária, como será? Os estudantes dos cursos da área de Saúde que tiverem que tratar das doenças sexualmente transmissíveis, como deverão conversar? Deverão dizer que sexo é pecado e que não se deve usar, nunca, preservativos? Que o homossexualismo é pecado e manifestação do diabo? Que um alcoólatra não é uma pessoa frágil, fragilizada e dependente psicoquímica mas, na verdade, é um ser possuído pelo demônio?

Em suma, o problema a respeito da crítica do arquiconservador Luiz Gonzaga Bergonzini à liberdade de pensamento na PUC-SP não é que deve haver “liberdade de pensamento” ou “laicidade” na PUC: o problema é que a religião e a igreja católica, bem como as teologias de modo geral, são contrárias à liberdade de pensamento e à laicidade. O problema, então, é que a idéia de uma “universidade católica” é um oximoro, ou seja, uma profunda contradição em termos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEGA, M. T. S. 2006. Gênese das Ciências Sociais no Paraná. In: Oliveira, M. (org.). As Ciências Sociais no Paraná. Curitiba: Protexto.

DELLA CAVA, R. 1975. Igreja e Estado no Brasil no Brasil do século XX: sete monografias recentes sobre o catolicismo brasileiro, 1916-1964. Novos Estudos, São Paulo, n. , p. 5-52. Disponível em: http://www.cebrap.org.br/v2/files/upload/biblioteca_virtual/igreja_e_estado_no_brasil.pdf. Acesso em: 8.abr.2012.

LACERDA, G. B. 2007. Comemoração de Trajano. Disponível em: http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com.br/2007/01/comemorao-de-trajano.html. Acesso em: 8.abr.2012.

Scampini, J. 1978. A liberdade religiosa nas constituições brasileiras. Petrópolis: Vozes.

Outras fontes

CNBB afirma que escolas não podem impor o pai-nosso aos alunos. 2012. 4.abr. Disponível em: http://www.paulopes.com.br/2012/04/cnbb-afirma-que-escolas-nao-podem-impor.html. Acesso em: 8.abr.2012.

Jesus é uma aglutinação de mitos que simboliza Deus e Satanás. 2011. 28.maio. Disponível em: http://www.paulopes.com.br/2011/05/jesus-e-uma-aglutinacao-de-mitos-que.html. Acesso em: 8.abr.2012.

Professor da PUC deve respeitar doutrinas da Igreja, afirma bispo. 2012. O Estado de S. Paulo, 13.mar. Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=81530. Acesso em: 8.abr.2012.

Professor da PUC-SP deve seguir dogmas da Igreja, defende bispo. 2012. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/507429-professordapucdeveseguirdogmasdaigrejadefendebispo. Acesso em: 8.abr.2012.

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola. 2012. 3.abr. Disponível em: http://www.paulopes.com.br/2012/04/reacao-de-aluno-ateu-bullying-acaba-com.html. Acesso em: 8.abr.2012.

Tirar crucifixo dos tribunais é ato ‘de quem não é do bem’, diz bispo. 2012. 4.abr. Disponível em: http://www.paulopes.com.br/2012/04/tirar-crucifixo-dos-tribunais-e-ato-de.html. Acesso em: 8.abr.2012.



[1] Convém notar que esse livro é um tratado de Direito Canônico, favorável à igreja católica; assim, ele adota uma postura de defesa da igreja e de seus interesses.

[2] Esse preconceito que atribui a quem defende a laicidade a falta caráter ou de moralidade foi feita como justificativa para a manutenção de crucifixos em espaços públicos brasileiros, ou seja, para o desrespeito à laicidade do Estado. Curiosamente, o sr. Flach esquece-se de que a laicidade também é um fruto e um elemento fundante do Ocidente.

[3] Ainda assim, pelo menos desde o século I antes da era corrente os políticos romanos já iam à Grécia para educarem-se: um claro exemplo disso é o de Cícero, que estudou filosofia em Atenas.

[4] Convém lembrar que as crenças dos cristãos – centrados no desprezo à vida e à realidade presente – eram vistas com horror e desprezo pelos romanos mais instruídos (cf. LACERDA, 2007). Apenas devido ao avanço do misticismo oriental na elite e do crescente peso político do cristianismo na base demográfica do Império – não por acaso, na fase de decadência do Império – que Teodósio e Constantino agiram como agiram.

[5] Há outros elementos do cristianismo que derivaram do politeísmo. Um exemplo simples: o natal é comemorado em 25 de dezembro devido à comemoração politeísta do solstício de inverno, em particular da festa da Saturnália. Uma exposição rápida da idéia de Cristo – e, daí, do cristianismo – como amálgama dos politeísmos anteriores pode ser vista em Jesus é uma aglutinação de mitos (2011).

[6] Não é isso, afinal de contas, que afirma a Bíblia (bem como a Torá e o Alcorão)?

[7] No caso do Paraná, por exemplo, a preocupação com o proselitismo era tão evidente que o curso de Ciências Sociais, fundado em 1938 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná por irmãos maristas, teve até 1950, ano da federalização, apenas cerca de 20 alunos e três ou quatro professores permanentes (sendo que tais professores, evidentemente, foram selecionados não por suas competências técnico-científicas, mas por seus comprometimentos com o projeto político católico). Após a incorporação da Faculdade à Universidade do Paraná e subseqüente federalização, com a perda do monopólio – e do controle – sobre o currículo, os leigos católicos criaram na PUC-PR um outro curso de Ciências Sociais (cf. BEGA, 2006).

[8] Como argumentava Augusto Comte, não é por acaso que filosofias absolutas tendem a ligar-se a regimes políticos autoritários.

[9] Essa afirmação não é válida somente em termos sociológicos gerais, ou seja, tais instituições não devem ensinar com base na ciência apenas porque a ciência é a forma de conhecimento socialmente mais difundida atualmente: há também fortíssimos constrangimentos jurídicos que as obrigam a isso – em particular, a fiscalização do Ministério da Educação e das agências de fomento à pesquisa.

07 março 2011

A impossibilidade de "estudos comtianos" no Brasil

Na Europa, ou melhor, na França há o que se poderia chamar de “Estudos comtianos” ou até mesmo “Estudos positivistas”. Tais estudos consistem em investigações especializadas sobre diversos aspectos das idéias de Augusto Comte, bem como de seus vários discípulos teóricos e práticos em diversas partes do mundo (embora, evidentemente, concentrando-se na Europa e na França).

É interessante notar que tais estudos são qualquer coisa menos apologéticos, repetitivos ou “acríticos”. Basta passar-se os olhos por livros como Le kaléidoscope épistémologique d'Auguste Comte. Sentiments Images Signes, de Angèle Kremer-Marietti, ou Auguste Comte : Trajectoires Positivistes – 1798-1998, organizado por Annie Petit: são investigações especializadas relacionando o pensamento comtiano com questões tão diversas e interessantes como os projetos de unidade da ciência de Comte e de Otto Neurath (do Círculo de Viena); as relações entre o empirismo de Francis Bacon e de Augusto Comte; os estudos semióticos de Comte em relação às investigações do século XX; a influência que o Positivismo teve sobre o movimento operário britânico no século XIX; a influência do Positivismo na África – e por aí vai.

Evidentemente, tais pesquisas nutrem pelo menos uma simpatia pelo Positivismo. Para qualquer outra área de pesquisa, em particular as áreas inspiradas pelo pensamento de filósofos específicos (como, por exemplo, Marx, ou Husserl, ou Descartes, ou Rorty, ou Habermas, ou Hannah Arendt, ou qualquer outro, incluindo os nazistas Carl Schmitt e Martin Heidegger), essa observação seria desnecessária; todavia, no caso de Comte ela impõe-se. Não deixa de ser extremamente curioso, para não dizer esquisito, que a abordagem-padrão a respeito de Comte seja a “crítica”, entendendo-se por tal palavra o sentido negativo. Em outras palavras, enquanto uma atitude minimamente favorável para todos os demais pensadores é considerado recomendável, ou pelo menos aceitável, no caso do Positivismo isso já não é aceitável.

Evidentemente, essa exceção não é acidental. Ela consiste em uma gritante duplicidade de valores, que transforma Comte – e, de maneira mais ampla, um espantalho chamado “positivismo” – no “outro” de todos os pensadores e correntes estudados e defendidos. Ou melhor: elegendo-se o “positivismo” como o inimigo teórico preferencial a combater-se, por metonímia Comte é alçado à condição de arquiinimigo público número um, a quem se nega por definição e de maneira sub-reptícia os direitos de cidade, incluindo o mais mínimo respeito.

Dessa forma, os estudos sobre Comte, de modo geral, são bastante superficiais. É bastante fácil confirmá-lo vendo-se monografias de graduação, mas mesmo autores mais respeitados são exemplares a respeito: exemplo disso é Anthony Giddens, que no livro Política, Sociologia e Teoria Social força o argumento no sentido de reduzir Comte a um lunático que, na melhor das hipóteses, foi um prenunciador do Círculo de Viena, com um século de antecedência. Giddens adota a lei do mínimo esforço, preferindo repetir os preconceitos adquiridos em sua carreira de investigador e lançando mão de literatura de segunda mão[1] para “embasar” seus juízos.

O resultado, portanto, é a impossibilidade de estudar-se Comte; o seu estudo é visto como uma concessão – por definição, inaceitável – para o “outro” teórico[2]. Mas, afinal de contas, quais seriam os elementos específicos da obra comtiana que a tornam inaceitável? Temos algumas sugestões.

Em primeiro lugar, a rejeição comtiana da teologia e da metafísica. Essa rejeição, de fato, é inaceitável para a maior parte dos pensadores, mesmo que não o admitam: a crença no(s) deus(es) é muito forte, mesmo que inconfessável em uma época em que a intervenção divina na realidade já se mostrou implausível e imoral. Ao mesmo tempo, a irritação com a exigência metodológica de confirmar empiricamente as afirmações quaisquer não é aceitável para os cultores da metafísica, que desejam manter as práticas de reificação sistemática das abstrações e de especulação sem freios.

A crítica à teologia e à metafísica, sem dúvida, é um dos elementos que mais fortemente aproximam Comte do Círculo de Viena (é por essa trilha que anda Anthony Giddens, no artigo citado acima). Mas, ao mesmo tempo em que isso os aproxima, há outros elementos que os distinguem: como corretamente lembrou Kremer-Marietti, Comte é explícito nas idéias 1) de que o ser humano deve cultivar a especulação (ou seja, que ele não interdita, de maneira alguma e muito pelo contrário, a atividade filosófica) e 2) de que toda investigação empírica requer, previamente, uma teoria que guie a atenção.

Como se percebe com clareza, rejeitar a teologia e a metafísica é uma ação negativa, pois nega algo. Entretanto, é errado atribuir a Comte um projeto ou uma atividade negadora: sua obra não é destruidora (como, antes dele, a de Rousseau, ou depois dele, a de Nietzsche). Comte escreve considerando que a demolição intelectual e social já ocorreu, isto é, que os sistemas filosóficos teológicos e metafísicos já foram destruídos, bem como os sistemas sociais que se baseavam neles: a Revolução Francesa é o coroamento desses processos. Tais destruições, para Comte, não foram casuais nem errados; a passagem para o pensamento positivo é um avanço e cumpre delinear as características gerais do pensamento positivo – que não se confunde, de modo algum, com o pensamento científico – para daí determinar como é que a sociedade pode e deve organizar-se.

É nesse trabalho de afirmação primeiro intelectual e depois social que consiste a totalidade da obra de Comte. Convém notar que suas duas grandes obras consistem nisso: na avaliação das características intelectuais do pensamento positivo (Sistema de filosofia positiva) e, depois, nas conseqüências sociais e afetivas desse pensamento (Sistema de política positiva); o próximo passo seria a discussão da subjetividade positiva (Síntese subjetiva), mas a morte impediu-o de levar adiante esse projeto.

As características específicas do pensamento positivo constituem o segundo motivo por que Augusto Comte é visto como “inaceitável”. Ao mesmo tempo que defendendo o imperioso conhecimento da realidade, estabelecido por meio de parâmetros claros, Comte afirmava que esse conhecimento é relativo, isto é, que é limitado e variável, além de não-absoluto. Ora, afirmar a relatividade do conhecimento é dar um golpe de morte metodológico e epistemológico na teologia e na metafísica. A isso se junta a preocupação constante de estabelecer uma filosofia sintética e altruísta, que concebe cada forma de conhecimento em seus justos limites. Isso não é o mesmo que impor limites ao(s) conhecimento(s), mas é perceber que as várias formas de conhecimento são diferentes entre si devido a determinados motivos e que há, sim, hierarquias entre elas. Mas no que poderia ser uma afirmação de elitismo e eurocentrismo é, na verdade, uma afirmação de profundo respeito para com a Humanidade: por um lado, o conhecimento positivo é a sistematização do senso comum e, por outro lado, cada civilização tem uma sabedoria empírica e/ou sistemática que deve ser incorporada de maneira ativa ao conhecimento positivo. Os “justos limites” e a hierarquia do conhecimento, então, consistem em reconhecer que a ciência é analítica e racional, mas que o ser humano necessita antes de mais nada de sínteses afetivas que permitam a ação: nesse quadro, a ciência é uma parte essencial, mas que ocupa um papel por assim dizer instrumental na existência humana; o verdadeiro objetivo de todo conhecimento é sempre o ser humano, em particular o seu aperfeiçoamento moral, intelectual e físico, em termos sociais e individuais.

Assim, não apenas Comte deixa para trás teologia e metafísica esgotadas e incapazes de auxiliar realmente o ser humano, como desenvolve uma filosofia que realiza todos os atributos que são costumeiramente atribuídos à teologia e à metafísica. Trata-se, então, de ciúme dos decaídos, a que se soma a raiva das especialidades acadêmicas, que exigem a todo instante mais e mais especialização, mais e mais análise, mais e mais vistas parciais. As especialidades acadêmicas – denunciadas desde 1830 por Augusto Comte como anárquicas e mesquinhas – rejeitam em nome do conhecimento objetivo toda preocupação social e moral.

Um problema de conceito histórico é o terceiro motivo por que Augusto Comte é inaceitável. Vimos que o Positivismo é mais pela síntese que pela análise; a crítica às especializações é facilmente traduzível como crítica à ciência. Enquanto Augusto Comte foi um filósofo da ciência, examinando cada ramo científico, recebeu os elogios; quando afirmou que esses vários ramos da ciência têm que se subordinar a uma visão de conjunto e a preocupações sociais e morais (isto é, altruístas, universais e pacifistas)[3], foi criticado como “demente”. Que a afirmação das vistas gerais fosse, desde o início, o grande objetivo de Comte, é secundário e, para o senso comum acadêmico, desprezível. Assim, trata-se de um problema político e epistemológico, em que o Positivismo é dividido, a partir dos interesses acadêmicos, em duas partes: a primeira, “científica” e “válida”; a segunda, “religiosa”, “mística” e “inválida”.

Ora, esse procedimento ocorreu em meados do século XIX, resultando em um mito vigente até atualmente (mais uma vez: Giddens repete textualmente Stuart Mill, a esse respeito). Repitamos: segundo o raciocínio desenvolvido no século XIX, o Comte que presta é o científico e a parte “moralizante” não presta. Mas o século XIX foi, como se diz, “cientificista”, isto é, pelas análises, pelas especializações, pela subordinação da realidade humana às concepções oriundas das Ciências Naturais.

De acordo com o mito criado no século XIX, o Positivismo que presta é o científico; ao outro não se deve dar atenção. Mas no século XX a perspectiva “cientificista” perdeu força e, na verdade, tem sido fortemente criticada, resultando em uma certa inversão de perspectivas[4]: são as Ciências Humanas que devem orientar as C. Naturais e não o contrário[5]. Em meio a essa inversão valorativa, o mito do Positivismo cientificista permaneceu; o Comte que prestaria seria o científico – mesmo que atualmente essa cientificidade (supostamente, por definição “cientificista” e “naturalista”) não valha nada –, ao passo que a parte religiosa não teria o menor valor (pois resultado da “loucura”[6]). O humanismo seria exclusividade das perspectivas “interpretativas”, “compreensivas”, “qualitativas”, “críticas”, “pós-istas” e por aí vai.

Um quarto motivo para Comte ser inaceitável é uma forma de derivação do anterior: a ação dos modismos intelectuais e políticos. Era comum nos anos 1950 a 1970 os bem-pensantes dizerem ser preferível estarem errados com Jean-Paul Sartre a certos com Raymond Aron; mais ou menos na mesma época, os estruturalismos ganharam grande força. No Brasil dos anos 1970 e 1980, em virtude do combate ao regime militar, o marxismo foi uma corrente verdadeiramente hegemônica. Sartre foi substituído por Foucault e o estruturalismo, pelo pós-modernismo (ou pós-estruturalismo, como preferem alguns). Marx e o marxismo foram substituídos pela filosofia analítica, por Habermas, pela Escola dos Anais, pela teoria da escolha racional, pelo interpretativismo, pela fenomenologia e por aí vai. Nessa sucessão de modas, o princípio que vale é o mais cru evolucionismo darwinista: o que vem depois é sempre melhor, o que é deixado para trás é cadáver que deve apodrecer o mais brevemente possível. Ora, a vez do Positivismo e de Comte foi a segunda metade do século XIX, estendendo-se até as primeiras décadas do século XX; estudá-lo depois disso é exumar um cadáver que – como todos os outros – é insepulto e, portanto, fede. Poucos seriam os “intelectuais” que assumiriam isso, mas a realidade é simples e brutal: modas e modismos.

Um quinto motivo por que Augusto Comte é visto como inaceitável é de caráter antropológico. Comte levava a sério sua idéia de concepção totalizante do ser humano; em vez de perceber – como se faz no Ocidente – a sociedade como constituída em quantidades variáveis pela justaposição de indivíduos, cada qual entendido como uma mônada, ele a concebia como uma realidade histórica engloba cada ser humano. Esse englobamento não impede a ação individual nem nega a agência humana – que são “fatos” empiricamente observáveis e comprováveis cotidianamente –; o que o Positivismo faz é rejeitar as concepções, teológicas e metafísicas, que afirmam que o indivíduo é um fim em si mesmo, que é um absoluto, que a vida de relação é secundária e pode ser desprezada. A noção de totalidade, para ser coerente consigo própria no caso do ser humano, deve estender-se da concepção presentista para a concepção historicizante. O melhor modelo para compreender-se essa idéia foi formulado em meados dos anos 1970 por Louis Dumont: trata-se do englobamento de contrários, em que os vários grupos sociais, em que as diversas concepções são subsumidos em um princípio superior, que os ordena e torna-os possíveis; no caso de Comte, esse princípio superior é a própria Humanidade, definida pelo francês como o conjunto de seres convergentes, passados, futuros e presentes. Em outras palavras, todos os seres (humanos, animais e vegetais, além do próprio planeta Terra) que atuam de maneira a melhorar a vida de todos e de cada um criam uma realidade que transcende cada um mas que, ao mesmo tempo, está aberta à incorporação subjetiva post-mortem.

Esse esquema não é aceito pelo Ocidente, cujo individualismo – herança direta do cristianismo – assume as mais diferentes formas: anarquismo (de Bakunin ou de Marx), afirmação dos direitos (isto é, de privilégios individuais e unilaterais), apologia das revoluções etc.

Esses cinco motivos são bastante amplos e compreendem a maior parte dos motivos por que Augusto Comte é rejeitado in limine na academia brasileira. Nenhum deles é motivo de orgulho para quem o pratica e, no conjunto, são motivos de vergonha para quem faz da vida do espírito sua vocação.

Retornemos ao início deste artigo. Os motivos acima impedem, isoladamente ou em conjunto, que se estude de maneira aprofundada e sistemática Augusto Comte no Brasil. Na verdade, não apenas no Brasil, mas de modo geral nos outros países, exceção feita à França. O que torna chocante a comparação com a França, no fundo, é que os “estudos comtianos” franceses somente ocorrem porque há uma relativa aceitação, lá, da validade no estudo da obra comtiana, o que equivale a dizer que há uma relativa liberdade institucional. Assim, inversamente, no Brasil não há essa liberdade: podemos comprovar essa afirmação com dois exemplos.

Em primeiro lugar, são pouquíssimos os estudiosos realmente sérios da obra de Comte. Por “estudiosos realmente sérios” entendo aqueles pesquisadores que se detêm sobre o corpus comtiano e, com um mínimo de simpatia, lêem-no a fim de entender a sua lógica interna e, a partir daí, tirarem as diversas conseqüências, contrapondo-as à realidade ou ao pensamento de outros autores. Não considero aí os historiadores do Positivismo no Brasil, que tratam de Comte de maneira marginal e, por mais curioso que seja, instrumental; embora nesse grupo haja pesquisadores que entendam a obra de Comte, o mais das vezes a ignorância a seu respeito é a regra e, portanto, as interpretações dadas sobre a atuação dos positivistas locais é parcial e enviesada[7]. Evidentemente, também não considero aí os que não estudam Comte com o requisito de “mínimo de simpatia”: não se trata de desejo apologético, mas sim de exigência epistemológica. A animadversão preliminar no estudo de um tema impede a compreensão de sua lógica profunda, criando um obstáculo subjetivo que antolha o estudo: isso é o que diz atualmente Donald Davidson, é o que aliás dizia Augusto Comte.

Em segundo lugar, uma experiência pessoal. Em concurso público para o cargo de professor adjunto de Ciência Política em uma universidade federal, fui inquirido na fase (final) de entrevista sobre minha referência teórica comtiana: perguntaram-se de que maneira usava as idéias de Comte. Respondi que elas constituem o meu estofo moral e mental, mas que do ponto de vista teórico não o utilizo como parâmetro único e, do ponto de vista metodológico, advogo um pluralismo. Exemplo disso é meu interesse sobre a teoria republicana e a laicidade: evidentemente que Comte e o Positivismo são referências obrigatórias – para qualquer um deveriam ser, mas para mim com certeza –, mas há diversos outros autores que tratam dessas questões, com abordagens metodológicas particulares e conseqüências práticas específicas: tudo isso tem que ser devidamente considerado, o que não pode ocorrer por meio do decreto magister dixit. Além desses temas de Teoria Política, também me interessam questões epistemológicas – e, aí, as relações de Comte com o Círculo de Viena e destes com outras perspectivas são temas obrigatórios. Convém notar que são poucos os pesquisadores brasileiros que tratam desses temas, importantes em si e por suas conseqüências políticas; são ainda em menor quantidade aqueles que se preocupam em compreender a perspectiva de Comte (isto é, que não assumem as perspectivas contrárias a ele).

Os meus interesses intelectuais são legítimos e correspondem a várias áreas de pesquisa que mantêm estreitas relações entre si; tais interesses de pesquisa são corroborados pela participação em grupos de pesquisa, pela publicação de artigos em periódicos de alto nível, pela apresentação de artigos em congressos nacionais e internacionais, pela edição de periódicos especializados e, the last but not the least, pela docência. A eles a banca opôs uma viva e crescente resistência.

Na verdade, a “banca” resumiu-se a um membro, que foi apoiado pelo obsequioso silêncio dos demais. Tal membro gradativamente argumentou que a filiação teórica e moral a uma corrente tornava-me suspeito e que a preocupação com o relacionar essa corrente com as diversas outras era um perigo pedagógico; com isso, ele sugeria que a condição para minha aprovação consistia no abjurar meus valores e preocupações. Se esse membro da banca tinha suas próprias preocupações e filiações teóricas e morais, isso por certo que não estava em questão: entretanto, evidenciou-se que a mim era interdito adotar com liberdade a perspectiva que quisesse, ao mesmo tempo que dispondo-me com clareza ao debate científico. Essa argüição, que teve um nítido aspecto inquisitório, caracterizou-se pelo calor das observações: com ingenuidade acreditei que a defesa clara e franca seria percebida como uma qualidade intelectual de abertura ao diálogo e a argumentos contrários. Ledo engano; com indignação mas sem surpresa soube que não fora aprovado no concurso[8].

O episódio que narrei em traços altos constituiu-se em um ato de perseguição e discriminação política, filosófica e religiosa. Ele serve a um só tempo para ilustrar como a universidade não é o templo do diálogo ou, pelo menos, que está muito, muito distante de ser o espaço do convívio tolerante das diferenças; também serve para ilustrar como os interesses intelectuais podem perfeitamente dar origem a comportamentos facciosos. Por fim, para o que nos interessa, ele ilustra como é simplesmente vedada no Brasil qualquer investigação séria e sistemática, isto é, contínua sobre o pensamento comtiano. Estudos temáticos, sim: desde que sejam contrários a Augusto Comte. Comte é o “outro”, é o rejeitado preferencial: ele não pode, não deve ser estudado. Quem insistir nisso que sofra as brutais conseqüências.



[1] Giddens usa alguém tão respeitável quando John Stuart Mill; ainda assim, é literatura secundária e, portanto, repetição dos preconceitos alheios. Como qualquer estudante de graduação sabe (ou deveria saber), a boa regra é: sempre ler o original, especialmente quando se tratar de manuais didáticos.

[2] É necessário notar algumas exceções, que no final das contas servem apenas para confirmar o que argumentamos. Pierre Bourdieu, por exemplo, distinguia Comte do “positivismo” (se bem que um tanto raivosamente, pois insistia em colar em Comte o discutível epíteto de “positivista”, como se vê em O ofício de sociólogo). Cria-se aí um sério problema terminológico, em que não se pode chamar o sistema comtiano pelo nome que ele mesmo deu-lhe; a sombra do “outro” teórico impede o exame aprofundado da obra comtiana.

[3] Nesse exato sentido, Comte afirmava que as Ciências Humanas – notadamente a Sociologia e, depois, também o que ele chamava de Moral (ou Psicologia) – deveriam orientar todas as pesquisas científicas, chegando mesmo a reformular várias das teorias das ciências inferiores, isto é, das Ciências Naturais. Nada próximo, portanto, da imposição de critérios “naturalísticos” às Ciências Sociais, como se apregoa urbi et orbi a respeito de Comte.

[4] A crítica à ciência, ainda que tenha um certo elemento de verdade – como indicamos, não é possível subordinar as Ciências Sociais aos modelos e aos procedimentos estritos das Ciências Naturais, além de exigirem perspectivas de conjunto – tem também um fortíssimo elemento reacionário, em que os misticismos teológicos e metafísicos procuram, de alguma forma, dar o troco pelas derrotas teóricas e práticas anteriores. As filosofias da Nova Era, as várias teologias, as várias metafísicas e até filosofias ditas “críticas” e pós-modernas entram nesse movimento. Contra esse movimento reacionário, só se pode afirmar e reafirmar a validade teórica e política da ciência.

[5] A orientação das Ciências Naturais pelas C. Humanas corresponde a procedimentos metodológicos, a concepções epistemológicas e a preocupações políticas e morais: isso é muito diferente dos misticismos à la Nova Era, aos totalitarismos e aos devaneios pós-modernos.

[6] O argumento da loucura, por outro lado, revela mais uma das hipocrisias acadêmicas. Comte é “louco” e por isso sua obra não merece ser lida; mas, ao mesmo tempo, a loucura de (por exemplo) Nietzsche torna-o totalmente merecedor de leitura, comentário, imitação e continuação. Dois pesos, duas medidas.

[7] E, ainda assim, os estudos sobre o Positivismo no Brasil são fragmentários. Depois das pesquisas de João Cruz Costa e Ivan Lins, houve boas produções somente no Rio Grande do Sul (de modo geral sobre o castilhismo, embora também sobre Carlos Torres Gonçalves) e mais as de José Murilo de Carvalho e Ângela Alonso. Há algumas pesquisas de qualidade sobre Paulo Carneiro, Edgard de Roquette-Pinto e Augusto Trajano de Azevedo Antunes, mas todas pequenas. Fora essas, o comum dos estudos é enviesado de acordo com os parâmetros do liberalismo, do marxismo e/ou do catolicismo nacionais. Na área de História da Ciência a situação não é muito melhor, como o comprovam as investigações sobre a História da Matemática no Brasil.

[8] Os estranhos procedimentos dessa banca não pararam aí, pois havia duas vagas disponíveis e 12 candidatos: o “rigor” da banca não considerou nenhum deles “adequado” às vagas.