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18 novembro 2021

Sobre a peça "Medéia" e sua "atualização" brasileira

Recentemente li a peça Medéia, de Eurípedes (480 aec-408 aec), em uma desafiadora tradução de Trajano Vieira, publicada pela ed. 34. Vale notar que Eurípedes integra o calendário positivista concreto (o "calendário histórico"), no mês de Homero (o segundo mês do ano, dedicado à poesia antiga), na semana de Ésquilo.



A história é terrível e impressionante. Medéia era uma princesa-bruxa que vivia no extremo oriental do Mar Negro. Traindo sua família, ela ajudou Jasão a obter o velo de ouro. Depois de muitas aventuras e de terem um par de filhos, ao chegarem a Corinto Jasão renega a esposa, para casar-se com a princesa local. Medéia fica profundamente encolerizada e, para vingar-se do ex-marido, após matar o rei local e a nova esposa de Jasão, mata os próprios filhos. E, ao contrário do que ocorre em outros ciclos terríveis (como o ciclo de Édipo ou a Oréstia), em que é o destino que impõe aos indivíduos os sofrimentos, na Medéia é a vontade autônoma que decide e realiza os atos.

Ao mesmo tempo, lembro-me da peça A gota d'água, de Chico Buarque. Essa peça, escrita em 1974 em coautoria com Paulo Pontes, "atualiza" e "contextualiza" "criticamente" a peça de Eurípedes. Embora tenha ganhado prêmios, seja sucesso de vendas etc., a versão de Chico Buarque parece-me uma porcaria. A "atualização contextualizada" significa mudar alguns nomes (em particular o de Medéia, que vira "Joana") e inserir a tragédia de Medéia em um ambiente de favela com vistas a criticar a luta de classes.

Não tenho nada contra peças e obras que abordem a luta de classes, nem que tratem da situação social brasileira. Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, está à disposição de todos e é muito eficiente no que se propõe. Mas Gota d'água joga fora o elemento trágico de Medéia e da "solução" assassina que ela trama para vingar-se do ex-marido (o assassinato dos filhos). Não que na versão brasileira não haja esse assassinato, mas não há o sacrifício inicial de Medéia (que renega as próprias família e pátria por amor a Jasão); por outro lado, a versão brasileira insere a loucura de Medéia em um conflito de classes e, em particular, caracteriza a nova esposa e o novo sogro de Jasão como desprezíveis e exploradores burgueses.

Em suma, enquanto na peça de Eurípedes tem-se clareza do drama que se desenrola, na peça de Chico Buarque não se sabe o que importa, se a vingança assassina de Medéia-Joana ou se o conflito de classes (em que a traição de classes é recompensada pela infanticídio dos favelados). O resultado é que nem o drama de Medéia é efetivamente valorizado nem a luta de classes é "denunciada". Como eu disse antes, o resultado é uma porcaria. Mas, mesmo assim, os autores ganharam prêmios e recebem direitos autorais por isso.