No dia 2 de Aristóteles de 169 (27.2.2023), em nossa prédica positiva, iniciamos a leitura comentada do Catecismo positivista em sua parte do dogma, com a sexta conferência ("Conjunto do dogma"). Em seguida, expusemos em linhas gerais a nossa "1ª Circular Anual", que é um relatório, ou melhor, uma prestação pública de contas de nossas atividades sacerdotais ao longo do ano de 168 (2022).
A prédica foi exibida nos canais Apostolado Positivista (disponível aqui: l1nk.dev/DNjVf) e Positivismo (disponível aqui: l1nq.com/V4tqB). A exposição da Circular Anual ocorre a partir de 57'.
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APOSTOLADO POSITIVISTA
1ª
Circular Anual (168-2022)
Viver às claras
Os vivos são sempre e
cada vez mais, necessariamente, governados pelos mortos
Concebei-a, minha
filha, segundo os diversos modos ou graus do sacerdócio positivo, classificados
na ordem de sua plenitude crescente. Este grande ministério exige um raro
concurso das qualidades morais, tanto ativas como afetivas, com os talentos
intelectuais, estéticos e científicos. Se, pois, estes forem os únicos
salientes, seus possuidores, após uma cultura conveniente, terão de permanecer,
talvez para sempre, simples pensionistas do poder espiritual, sem aspirarem
nunca a ser nele incorporados. Em tais casos, felizmente excepcionais, o maior
gênio poético ou filosófico não pode dispensar de ternura e de energia um
funcionário que deve estar habitualmente animado por simpatias íntimas e
destinado amiúde a lutas difíceis (Catecismo positivista, 5ª Conferência)
(Augusto
Comte)
1. Introdução justificativa. 3
2. O ambiente em que atua o
Apostolado Positivista. 5
3. As atividades do Apostolado
Positivista em 168 (2022) 10
3.1.
Estrutura do Apostolado. 10
3.2.
Início do Apostolado (19.1.2022) 12
3.3.
Curso Livre de Política Positiva. 12
3.4.
Prédicas positivas. 13
3.5.
Lives AOP.. 14
3.6.
Participação em eventos científicos e didáticos. 18
3.7.
Manifestações cívicas. 18
4. Atividades futuras do Apostolado
Positivista. 20
Apêndice 1: roteiro do curso de
política positiva. 21
Apêndice 2: temas dos sermões. 23
Apêndice 3: abaixo-assinado
antifascista. 24
O presente documento é a primeira circular anual do
Apostolado Positivista; ela abarca o ano de 168 no calendário normal, ou 2022
no calendário júlio-gregoriano.
O objetivo da circular anual é realizar uma prestação pública de contas das
atividades desenvolvidas no período considerado. Antes de seguirmos adiante,
convém explicarmos e justificarmos o que entendemos por “prestação de contas” e
“pública”.
O conjunto de atividades que modestamente realizamos
constitui propriamente um apostolado, ou seja, de difusão, aplicação e defesa
de uma religião – no caso, a Religião da Humanidade, fundada em 1854 por
Augusto Comte, “sob a angélica inspiração de Clotilde de Vaux” (na bela
expressão de Teixeira Mendes). Embora esse apostolado seja uma iniciativa
pessoal de nossa parte, tendo, assim, uma origem unilateral, os seus objetivos
só podem ser atingidos na medida em que tais esforços encontram eco em um
público mais ou menos interessado e, dessa forma, o apostolado constitui-se em
um poder Espiritual. Na medida em que nos constituímos como poder Espiritual,
passamos a ter a responsabilidade pelas ideias, pelos valores, pelos juízos
emitidos; sendo uma ação exercido sobre o público, a nossa responsabilidade é
justamente perante esse público.
De ordinário nossa responsabilidade pode ser
avaliada no cotidiano, justamente pela qualidade das nossas opiniões e das
nossas avaliações, bem como da oportunidade em que se propõe cada uma. Mas uma
avaliação periódica do conjunto das atividades também se impõe, seja das
atividades em si mesmas, seja das atividades em relação ao meio em que elas
ocorrem.
Sendo o poder Espiritual um poder aconselhador, o
seu fundamento sociológico é a confiança de que ele vê-se merecedor da parte do
público que ele constitui, organiza e orienta. A prestação de contas consiste,
portanto, na exposição e na avaliação das atividades desenvolvidas durante um
certo período de tempo, elaborada pelo órgão atuante do poder Espiritual e
dirigida ao público, a fim de este público avaliar, por sua vez, a correção e a
oportunidade das atividades desenvolvidas pelo poder Espiritual. O objetivo
normal dessa avaliação, por sua vez, é confirmar a confiança depositada pelo
público no poder Espiritual.
A redação da circular anual, como forma de prestação
de contas, não se constitui portanto em uma concessão liberalmente feita em
algum momento pelo órgão do poder Espiritual – concessão que, nesse sentido, tanto
pode ser feita como pode não ser feita. A circular anual é uma obrigação do poder Espiritual; é um
dever que se constitui na contrapartida da confiança depositada pelo público no
órgão do poder Espiritual. Por certo que todo poder Espiritual vê-se obrigado a
tais prestações de contas; mas as espiritualidades teológicas e metafísicas, a
partir de sua fundamental característica absoluta e, portanto, indiscutível,
eludem essa responsabilidade, de tal maneira que os comportamentos efetivos dos
órgãos espirituais e suas respectivas orientações tornam-se impassíveis de
qualquer avaliação e, por outro lado, o público vê-se reduzido à confiança
cega: em outras palavras, as espiritualidades absolutas são essencialmente
irresponsáveis. Bem ao contrário disso, a espiritualidade positiva, a par de
sua realidade e de sua relatividade, reconhece o seu dever perante o público;
como dizia Augusto Comte, a positividade não teme a avaliação pública dos
fundamentos da sociedade e é justamente a possibilidade de realizar tal exame
que embasa a confiança do público no poder Espiritual. Em última análise,
trata-se de realizarmos, naquilo que cabe ao poder Espiritual, a máxima pública
“Viver às claras”.
Devemos apresentar dois últimos aspectos nesta
introdução. A redação de circulares anuais não é uma novidade nossa; assim como
a respeito de inúmeros outros aspectos, apenas retomamos e damos continuidade a
tradições positivistas seculares, algumas delas recuando até o fundador da
Religião da Humanidade, nosso mestre Augusto Comte; evidentemente, as
circulares anuais incluem-se entre essas tradições. Assim, podemos ler nos
quatro volumes do Sistema de política
positiva (1851-1854) diversas circulares anuais de Augusto Comte, com
exposições e reflexões sistemáticas sobre a propaganda positivista, as
iniciativas adotadas, as dificuldades enfrentadas, os êxitos logrados; além
disso, além da prestação de contas em termos “político-morais”, Augusto Comte
realizava uma escrupulosa prestação de contas dos recursos que ele recebia na
forma do subsídio positivista. Aliás, nesse sentido, Augusto Comte
reiteradamente tinha que cobrar seus discípulos e seus simpatizantes no sentido
de que a contribuição para o subsídio positivista não era mera liberalidade da
parte destes, mas um dever religioso tão moralmente obrigatório quanto todos os
demais deveres estabelecidos pela Religião da Humanidade, como os relativos aos
nossos nove sacramentos.
Assim como o fundador da Religião da Humanidade, os
apóstolos da Humanidade Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes adotaram desde
o começo de seu apostolado sistemático no Brasil o hábito das circulares anuais
– e, claro, pelos mesmos motivos de Augusto Comte e à luz do exemplo de nosso
mestre.
O conjunto das observações acima evidencia,
portanto, que a “circular anual” não consiste, isto é, não pode consistir em
apenas um documento elaborado uma vez por ano, apresentando algumas
considerações genéricas ou mesmo apenas breves relatos sobre as atividades
desenvolvidas. A circular anual destina-se à prestação de contas de um órgão do
poder Espiritual positivo para o público, tendo um caráter sintético mas sem
que, com isso, deixem-se de lado descrições minimamente circunstanciadas das
atividades desenvolvidas.
A fim de podermos avaliar adequadamente a ação
desenvolvida pelo Apostolado Positivista, é necessário termos clareza do meio
social em que se dá tal ação. Parece-nos que dois ou três aspectos inicialmente
se apresentam.
Em primeiro lugar, as atividades do Apostolado
Positivista ocorrem no Brasil. Como sabemos, nosso país tem dimensões
continentais e uma grande população. O tamanho gigantesco do Brasil induz-nos a
termos um olhar centrado em nós mesmos e, com exceção do que ocorre nos Estados
Unidos, a ignorarmos as realidades externas. Por outro lado, o tamanho do
território também resulta em uma dispersão geográfica da população, por si só
impõe desafios e dificuldades, na medida em que as tradições, os usos e os
costumes das várias regiões são por vezes bastante diferentes uns dos outros;
além disso, os custos para reuniões físicas, presenciais, dos positivistas e
dos simpatizantes entre si, são bastante elevados.
Entretanto, as características da grande população
brasileira conduzem a dificuldades todas próprias. Não considero neste momento
a já indicada variedade de usos e costumes; o que importa notar aqui é a
combinação entre pobreza e analfabetismo generalizados. É claro que em si
mesmos esses fatores não impedem a difusão do Positivismo; entretanto, eles
impõem problemas seja para o Positivismo chegar a essa população, seja para
essa população ter acesso ao Positivismo. A pobreza, com frequência miséria,
restringe às vezes de maneira brutal as possibilidades da população de
ampliarem os ambientes em que vivem, de acederem concepções morais,
filosóficas, políticas e científicas diferentes daquelas já estabelecidas nos
ambientes em que vivem (e que na quase totalidade são teológicas, sejam do
catolicismo popular brasileiro, sejam, cada vez mais, dos agressivos,
intolerantes e ultraindividualistas protestantes evangélicos); o analfabetismo
mantém a população presa nesses circuitos e círculos viciosos.
Assim, em termos sociais amplos, o público mais
facilmente acessível ao Positivismo no Brasil é a população de classe média,
seja porque ela tem os meios de obter informações, seja porque com freqüência
ela valoriza bastante a instrução formal. Ao mesmo tempo em que tem mais acesso
a e mais interesse pelo ensino formal, a classe média também se desvencilha da
teologia – embora seja necessário notar que o avanço dos evangélicos mesmo
nesse grupo seja uma fonte de dificuldades e que, de qualquer maneira, o
desvencilhar da teologia pela classe média de modo geral conduza-a não
diretamente à positividade, mas oriente-a a diferentes modalidades de
metafísica. (Não deixa de ser motivo de tristeza que o aspecto especificamente social desse nosso diagnóstico seja
essencialmente o mesmo que o elaborado por Miguel Lemos na época da fundação da
Igreja Positivista do Brasil, datada de 19 de César de 27 (11 de maio de 1881).)
Um
outro aspecto fundamental consiste no caráter metafísico da política brasileira
atual – na verdade, da política ocidental de maneira geral. Um sinal evidente
dessa metafísica reinante é a importância atribuída à palavra “democracia” e à
ética individualista, anti-histórica e antissocial dos “direitos”, em negação
do conceito positivo, relativista e altruísta da sociocracia e da noção político-moral
correlata de “deveres”; um outro sinal da metafísica ocidental é a centralidade
da oposição “direita vs. esquerda”.
Mas a relevância da palavra “democracia”, dos direitos e de “direita-esquerda”
é apenas a parte visível dos valores e das concepções profundos que informam o Brasil
e o Ocidente: esses valores e concepções correspondem plenamente às
características morais da metafísica, isto é, o seu absolutismo, o espírito
destruidor, a sua ânsia pela “criticidade” que arrasa todas as instituições e
toda a historicidade humana. Não é nenhum acaso que a política ocidental seja
bastante influenciada pelos Estados Unidos: esse país foi fundado sob a égide
do protestantismo, isto é, da teologia já fortemente influenciada pelo espírito
destruidor, e a secularização desse protestantismo resultou largamente na
metafísica; os esforços empíricos ou sistemáticos em favor da positivização
desse país ou foram excluídos na forma de experiências sociais e morais
marginais, ou foram degradados pelo espírito ao mesmo tempo “empiricista”, metafísico,
autocentrado e com freqüência intolerante e punitivista do país. Cabe
reconhecer com clareza que o messianismo dos Estados Unidos desempenhou um
papel altamente positivo no mundo ao estabelecer as bases da reorganização internacional
após a devastação da II Guerra Mundial (com a criação da Organização das Nações
Unidas e do sistema de instituições correlatas) e durante a Guerra Fria (com o
enfrentamento do comunismo de origem soviética), quando a Europa foi arrasada,
marginalizada e tornada dependente dos Estados Unidos: a partir disso, são os
valores próprios a esse país que influenciam o resto do mundo e em particular o
conjunto do Ocidente (mesmo que os vários países ocidentais não reconheçam essa
influência).
Cabe
aqui uma pequena digressão, relativa à França, cuja situação evidentemente é,
ou seria, de particular importância para nós. Desde o final do século XIX a influência
internacional da França passou a declinar; a I Guerra Mundial e, de maneira
mais brutal e clara, a II Guerra Mundial e os acontecimentos posteriores conduziram
esse país à perda de influência
internacional.
Na
própria França a positividade já cedia lugar à metafísica nos anos 1910 e 1920,
por exemplo com o sucesso de Henri Bergson e com um irracionalismo
especialmente dirigido contra o Positivismo. Essas duas tendências
conjugaram-se no existencialismo, cujo sucesso começou já nos anos 1930, mas
que teve seu auge após 1945. Embora algumas correntes filosóficas e científicas
tenham procurado reafirmar a racionalidade e a realidade (como no caso do
estruturalismo), nenhuma grande filosofia moral de caráter positivo
desenvolveu-se e afirmou-se na França. O intenso ativismo de Sartre, ao mesmo
tempo um pouco histérico e bastante confuso, foi apenas um último e breve
esforço para reverter a decadência; ao existencialismo sucedeu-se o comunismo e
este, por sua vez, cedeu espaço para a metafísica altamente corrosiva e
niilista (inspirada por Nietzsche) de Foucault e dos pós-modernos. A partir da
Guerra Fria, a França contentou-se ao mesmo tempo em buscar (sem sucesso e a
custos políticos, sociais, morais e financeiros exorbitantes) manter um império
colonial (Indochina-Vietnã, Argélia), em manter um antiamericanismo militante
mas contraditório e um pouco infantil e, por fim, de maneira mais central para
o que nos interessa, em autocentrar-se e em afirmar uma identidade nacional
francesa. Esse autocentramento identitário, afirmando o “francesismo” como
parte de esforços nacionais de reerguimento após a devastação da II Guerra e
para fazer frente à hegemonia dos EUA, à perda do seu império e ao desafio da
constituição e da manutenção da União Européia, especialmente após o famoso
“maio de 1968”, resultou em que a França
na prática abriu mão de suas ambições universalistas.
O
que queremos notar com os comentários acima é que um conjunto de circunstâncias
sociais e políticas refletiu-se na filosofia francesa, que decidiu conformar-se
com o caráter politicamente secundário do país no mundo ao orientar suas
reflexões para um caráter autocentrado e particularista. Embora, como
indicamos, desde pelo menos o período entre-guerras já houvesse alguns traços
irracionalistas na filosofia francesa, o fato é que após 1945 o irracionalismo
e o niilismo irromperam com clareza cada vez maior (não por acaso, a partir de
uma aceitação também cada vez maior de influências filosóficas da metafísica
alemã): essa orientação refletiu, portanto, a perda mais ampla de objetivos
sociais dos franceses. Dessa forma, a influência positiva e positivadora que a
França poderia exercer no mundo, especialmente com base em sua filosofia, cedeu
espaço para a metafísica de origem estadunidense: tal substituição não ocorreu
apenas porque o messianismo estadunidense de origem protestante fundamentou com
intensidade a convicta difusão internacional da influência e da maneira de
conceber a realidade desse país; a substituição da França pelos Estados Unidos
ocorreu também, em parte importantíssima, porque desde a II Guerra Mundial a França desistiu de exercer uma influência
moral e filosófica verdadeira em âmbito internacional.
Retomando
a argumentação que desenvolvíamos antes da digressão sobre a França: o atual caráter
metafísico da política – ou melhor, da filosofia social disseminada – dificulta
bastante a disseminação do Positivismo e da Religião da Humanidade. O espírito
crítico, isto é, destruidor, corrosivo, pervade todos os ambientes sociais;
some-se a isso o caráter altamente maniqueísta próprio à oposição
direita-esquerda, em que a metafísica esquerdista é “progressista” e a teologia
(ou até mesmo a metafísica) direitista é “retrógrada”: quem se opõe à
metafísica da esquerda (por exemplo, cobrando o respeito à ordem, ou
diretamente criticando a metafísica) é visto como “retrógrado” ou “reacionário”
– mas, da parte da “direita”, quem afirma o progresso é visto como
“revolucionário”. Mais do que isso: a modernidade corrói cada vez mais a
teologia, que se vê, assim, cada vez mais acuada e, portanto, ela torna-se cada
vez mais radical, mais intolerante e mais fanática; ao mesmo tempo, a
influência dos Estados Unidos sobre o Brasil não se dá somente por meio da
importação da metafísica estadunidense, mas também da reação teológica própria
aos Estados Unidos, de tal sorte que os teológicos brasileiros, sob efeito dos
evangélicos, tornam-se progressivamente mais reacionários, mais agressivos,
mais fundamentalistas. É claro que, reagindo contra a metafísica, essa teologia
torna-se, ela mesma, imbuída de metafísica.
A
metafísica que pervade o ambiente social e político brasileiro (bem como
ocidental) manifesta-se na forma de u’a mentalidade generalizada de que o bom
comportamento social, político, filosófico e científico é “crítico”; essa
“criticidade”, por sua vez, é entendida como sendo um estado permanente de desconfiança
e o desejo, igualmente permanente, de destruir as idéias, as práticas, as
instituições vigentes. Essa criticidade nas últimas décadas alcançou um auge no
âmbito filosófico na forma do pós-modernismo, que é o niilismo e o
irracionalismo transformados em parâmetros intelectuais fundamentais. Já em
termos políticos, essa corrosão moral e social tem sido afirmada pela política
identitária, que rejeita o universalismo, o altruísmo, a harmonia, a concórdia,
e que em seu lugar propõe o particularismo, a institucionalização e a
instrumentalização do ódio e do ressentimento, o punitivismo (tão próprio ao
protestantismo e, a partir disso, à mentalidade dos EUA!) como parâmetros das
relações sociais “boas”.
Toda essa metafísica resulta em um ambiente caracterizado
por grande agressividade, tanto filosófica quanto política, em que um aspecto
reforça (e mesmo complementa) o outro. O Positivismo vê-se atingido por essa
disposição, na medida em que as críticas de que somos alvo passaram daquelas de
origem marxista-comunista, de que o Positivismo seria uma “ideologia burguesa”,
para críticas de origem identitária, como a de que seríamos “eurocêntricos”,
“patriarcais” ou mesmo “racistas”! A intensidade desse espírito metafísico é
tão intensa que mesmo pessoas próximas ao Positivismo muitas vezes insistem
nessas críticas, que, todavia, são erradas tanto do ponto de vista teórico (o
Positivismo pura e simplesmente não é nem “eurocêntrico”, nem “patriarcal”, nem
“racista”), quanto do ponto de vista moral e religioso (essas críticas
originam-se da metafísica, que, como se sabe e como vimos reafirmando, é uma
disposição destruidora, corrosiva e antirreligiosa).
Fizemos referência ao comunismo: ele próprio é uma
forma de metafísica, menos intensa, ou melhor, menos corrosiva que a modalidade
niilista-irracionalista identitária e pós-moderna. Em termos sociais e
políticos mais amplos, a derrota do comunismo em âmbito internacional, em
1989-1991, levou ao descrédito geral dessa filosofia e dessa política, embora,
como é notório, as más condições de vida em inúmeras partes do mundo sejam um
contínuo alimento para o radicalismo comunista.
O que importa notar, de qualquer maneira, é que o
descrédito do comunismo libertou os espíritos ocidentais desses grilhões
mentais e morais, permitindo que as novas gerações desejosas de melhoras
sociais e morais buscassem outras possibilidades: não me parece casual que o
Positivismo esteja sendo objeto de renovada atenção de jovens, isto é, de
pessoas nascidas a partir da década de 1990. No mesmo sentido, não é casual que
as antigas críticas comunistas contra o Positivismo, marcadas pelo seu
sectarismo característico, já não sejam mais empregadas e que as efetivas
contribuições positivistas para o progresso social sejam revalorizadas, seja em
termos empíricos, seja em termos teóricos – e, muitas vezes, essa revalorização
dá-se mesmo pelos comunistas ou por indivíduos próximos ao comunismo.
O último aspecto que exige necessita ser indicado na
presente caracterização do ambiente em que se desenvolve a atuação do
Apostolado Positivista é o próprio “local” em que ela ocorre: trata-se do
advento da internet e de sua
popularização, justamente a partir de meados da década de 1990. Aliás, é o
advento da internet e, em particular,
das chamadas “redes sociais”, com suas amplas e crescentes possibilidades de
produção de conteúdo e de interação entre os indivíduos o que importa aqui. Ao
suprimir as dificuldades de reunião física e, ao mesmo tempo, ao permitir
interações em “tempo real”, pessoas dos mais variados lugares podem reunir-se
e, assim, constituir um grupo ativo e interessado.
Além das possibilidades de interação à distância e
em “tempo real”, a internet e suas
“redes sociais” constituem-se também em um acervo disponível e acessível
virtualmente a todos; ou seja, ela é uma biblioteca de vídeos, de interações,
de manifestações e de textos. Por fim, mas não menos importante, ao contrário
das tecnologias anteriores de comunicação (livros, jornais, rádio e televisão),
a internet e as “redes sociais” têm um
custo baixíssimo, que facilitam e até estimulam a produção de conteúdo.
Na medida de suas possibilidades concretas, a propaganda positivista deve
lançar mão de todos os recursos disponíveis e possíveis; sem deixar de produzir
livros e artigos, nem deixar de realizar prédicas, cursos e palestras, o
Positivismo pode e deve desenvolver uma crescente atividade na internet.
A
partir das reflexões e justificativas anteriores, a exposição das atividades
desenvolvidas pelo Apostolado Positivista torna-se mais simples, podendo
limitar-se à descrição circunstanciada dos vários aspectos de nossa atuação e
de cada um dos tipos de eventos e dos resultados que temos obtido. Por esse
motivo, esta seção está dividida em diversas subseções; com uma exceção, cada
uma dessas subseções é de tamanho reduzido.
Antes de mais nada temos que esclarecer o nome: a
tarefa de divulgação de uma doutrina é, por definição, a de um apostolado;
sendo a doutrina o positivismo, é claro que se trata de um “apostolado
positivista”. Esse nome também é uma homenagem à bela e nobre atuação dos
apóstolos da Humanidade Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, fundadores da
Igreja Positivista do Brasil. Homenagem, porém não cópia: na medida em que já
existe o “Apostolado Positivista do Brasil”,
desejamos continuar essa bela tradição, atualizando-a, mas ao mesmo tempo
evitando problemas terminológicos; daí apenas o nome “Apostolado Positivista”,
sem o “do Brasil”. Mutatis mutandis,
considerações semelhantes fizeram-nos evitar a expressão “Igreja Positivista”.
O Apostolado Positivista desenvolve suas atividades
basicamente pela internet,
especialmente em dois canais, ambos em “redes sociais”: o canal Positivismo, canal disponível no Youtube
sob o nome “The Positivism”, e o canal Apostolado
Positivista, disponível no Facebook; os respectivos endereços são estes: Youtube.com/ThePositivism
e Facebook.com/ApostoladoPositivista.
Ambos são de acesso gratuito, embora o Facebook imponha a exigência de registro
em sua rede para o acesso (obtendo, portanto, dados pessoais).
Além desses canais, usamos também o blogue Filosofia
Social e Positivismo, sediado no Blogspot, com o seguinte endereço: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/.
Finalmente, é importante lembrar que nossas atividades desenvolvem-se também
por meio de textos impressos: livros, artigos em revistas científicas, artigos
em revistas de opinião, artigos em jornais noticiosos.
Na medida do possível, todas as atividades do
Apostolado Positivista são desenvolvidas simultaneamente nos dois canais acima
indicados e depois replicados em outros meios (por exemplo, no blogue e em
comunidades e com contatos no Whattsapp). Outras “redes sociais” podem ser
empregadas, mas, na medida em que a quase totalidade do trabalho de preparação,
produção, realização, finalização e divulgação cabem a mim mesmo, cada rede
social adicional impõe custos crescentes, tanto em termos de tempo quanto de
habilidades que devem ser mobilizadas. Vale também a pena indicar que os custos
financeiros envolvidos em tudo isso são cobertos única e exclusivamente por
mim, incluindo aí assinatura de internet
e aquisição de material (para eventos virtuais e também livros). Nas próximas
subseções desta Circular exporemos com um pouco mais de detalhes as atividades
que realizamos como Apostolado, mas vale citar que elas são de três tipos: (1)
as prédicas (sejam as regulares, de caráter semanal, sejam as extraordinárias,
como no caso da celebração da Festa da Humanidade e do nascimento de Augusto
Comte); (2) as Lives AOP; (3) palestras
variadas.
Afirmamos acima que a quase totalidade dos esforços
desenvolvidos cabem a nós mesmos; isso exige duas observações complementares. A
primeira é que isso se dá mesmo apesar de já termos solicitado, anteriormente,
o apoio de outros simpatizantes e/ou correligionários. Infelizmente, a
facilidade de criação de canais e de grupos nas redes sociais estimulam a
fragmentação dos esforços, em que cada novo aderente ou cada novo simpatizante,
com freqüência desejoso de “fazer alguma coisa”, entende que sua atuação deve
ser plenamente autônoma e “nova”; passado o afã inicial, essas iniciativas são
deixadas de lado, sem que tenham convergido nem que tenham realizado uma
divulgação mais sistemática do Positivismo.
A segunda observação
complementar é no sentido de matizar a afirmação de que realizamos sozinhos a
quase totalidade das atividades. Em primeiro lugar, na medida em que mantemos
um apostolado, nossos esforços são principalmente no sentido de divulgar a
doutrina positivista e, secundariamente, de aplicá-la: ora, a divulgação
pressupõe que o trabalho de elaboração já foi feito – e é evidente que esse
trabalho foi realizado por nosso mestre Augusto Comte, seja como autor
original, seja como intérprete maior da Humanidade. Em sentido semelhante,
baseamo-nos e inspiramo-nos em toda a tradição positivista ortodoxa, a começar
pela da Igreja Positivista do Brasil, estabelecida desde 1881 até 1927 pelos
grandiosos Apóstolos da Humanidade, Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes e
seguida nas décadas seguintes por inúmeros outros positivistas (Luiz
Hildebrando Horta Barbosa, Henrique Batista da Silva Oliveira, Alfredo de
Moraes Filho, Rubem Descartes de Garcia Paula, Stella da Cunha Santos, Beatriz
Torres Gonçalves, Wally Leal Freire de Souza, Sofia Torres Gonçalves e muitos
outros correligionários).
Além disso, auxiliando-me com freqüência, sugerindo temas, interpretações e
dando um apoio constante, além de ser um representante da tradição da Igreja
Positivista do Brasil, está o nosso amigo Hernani Gomes da Costa. Luiz Gustavo
Mota também auxiliou ao elaborar semanalmente cartões de divulgação,
especialmente para o Curso Livre de Política Positiva.
Por fim, se o trabalho que realizo é de divulgação,
esse trabalho também é de comunicação – e toda comunicação tem dois pólos, dos
quais ocupamos apenas um: o público que acorre ao Apostolado, que assiste aos
eventos e lê os textos, esse público também desempenha um papel importante,
ainda que mais passivamente; é esse público que, espero, honra-nos com sua
confiança.
O Apostolado Positivista iniciou suas atividades no
dia 19 de Moisés de 168 (19.1.2022), ao celebrar o 224º aniversário de
nascimento de nosso mestre, Augusto Comte. Foi uma transmissão ao vivo, no
canal Apostolado Positivista, criado
justamente naquele dia.
Antes dessa comemoração, já realizávamos um evento
mensal, com a explicação dos meses dos calendários positivistas (abstrato e
concreto), juntamente com celebrações de efemérides e aniversários importantes
para o Positivismo; tais eventos
ocorriam no canal Positivismo e não eram ao vivo, ou seja, eram gravados. Esses
vídeos começaram a ser postados no dia 12 de São Paulo de 166 (2 de junho de
2020), com a celebração-explicação dos sextos meses dos calendários
positivistas, e terminaram em 25 de César de 167 (17 de maio de 2021), com a
celebração-exposição dos quintos meses dos calendários positivistas. Todos os
roteiros e as respectivas anotações que elaboramos, bem como os endereços
eletrônicos para os vídeos, estão disponíveis no blogue Filosofia Social e Positivismo.
(Na ocasião em que iniciamos essas exposições,
decidimos começar pelo mês em que nos encontrávamos, em vez de iniciar, de
fato, pelos primeiros meses do ano. Se essa decisão foi bastante contraintuitiva
– e ela realmente o foi –, por outro lado ela evitou que tivéssemos que
preparar quatro ou cinco vídeos preliminares: com isso, procuramos evitar uma
demora que, àquela altura, parecia-nos incômoda e desnecessária.)
Após a celebração do nascimento de Augusto Comte,
consideramos quais as atividades que poderíamos realizar no Apostolado
Positivista. Por um lado, tínhamos a experiência das exposições-celebrações dos
calendários positivistas, realizadas nos dois anos anteriores; por outro lado,
ainda não estava claro se e como poderíamos realizar prédicas virtuais.
Ao mesmo tempo, consideramos a impressionante
atuação do positivista ortodoxo carioca Luiz Hildebrando Horta Barbosa, que,
durante várias décadas, ao mesmo tempo em que trabalhava como engenheiro da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizou dezenas de palestras públicas,
publicou dezenas de artigos e ainda realizou prédicas na Igreja Positivista do Brasil:
em especial suas palestras tinham o caráter de instrução popular e versavam
sobre os mais variados temas (Filosofia, História, Ciências, Moral).
Horta Barbosa deu seguimento a uma bela e honrosa tradição positivista de
realizar cursos públicos e gratuitos de instrução popular, conjugando
perspectivas filosóficas, morais, históricas e científicas – tradição não por
acaso iniciada diretamente por Augusto Comte, seguida por dezenas de
positivistas franceses, chilenos, mexicanos, ingleses e brasileiros, além dos
de outras nacionalidades.
Assim, inspirado por esses exemplos, decidimos
realizar um curso livre de política positiva, expondo a Sociologia Política de
inspiração positivista.
Em todo caso, após uma breve consulta a correligionários para obter sugestões e
comentários, propusemos um curso à distância de 15 sessões (e que acabou tendo
16 sessões). Realizado às terças-feiras a partir das 19h, iniciou-se em 11 de
Aristóteles de 168 (8 de março) e terminou em 4 de Carlos Magno (21 de junho),
com um público fiel composto tanto por positivistas quanto por interessados em
geral e que acorreu ao curso realmente buscando os conhecimentos que nos
propusemos expor. O ementário consolidado do curso está reproduzido no Apêndice
1. Vale lembrar que tanto o ementário quanto, principalmente, os vídeos das
sessões estão disponíveis nos canais indicados (Positivismo, Apostolado
Positivista e blogue Filosofia Social
e Positivismo).
O Curso Livre de Política Positiva foi uma
experiência exitosa; além da divulgação de conhecimentos políticos,
sociológicos, históricos e morais para o público interessado, pessoalmente
desenvolvemos habilidades mínimas na gestão de eventos virtuais ao vivo. A
partir disso, sentimo-nos seguros o suficiente para darmos início diretamente a
prédicas semanais.
Para as prédicas semanais, decidimos manter o dia da
semana e o horário em que se realizaram as sessões do curso livre:
terças-feiras a partir das 19h. A data de início das prédicas foi 24 de Dante
(8 de agosto), após um recesso de seis semanas desde o término do curso livre e
nossas próprias férias laborais. O nome escolhido foi “prédicas positivas”, com
o “positivo” no polissêmico sentido dado a essa palavra por Augusto Comte no Apelo aos conservadores: real, útil,
certo, preciso, relativo, orgânico e simpático. Esse nome também evita a
parcialidade própria e inevitável às expressões – de qualquer maneira, belas e
imponentes – que Augusto Comte criou para caracterizar o regime positivo:
“sociocracia” (regime), “sociolatria” (culto) e “sociologia” (dogma) (bem como
as suas variações).
As prédicas positivas inicialmente previam duas
partes, mas rapidamente elas passaram a contar com três partes, de diferentes
extensões:
1)
uma seção inicial, em que fazemos comentários variados, lembrando
efemérides, elogiando ou criticando situações cotidianas etc.;
2)
a leitura comentada do Catecismo
positivista, em que, em meio à leitura dessa bela obra, intercalamos
explicações e/ou aplicações dos trechos lidos;
3)
sermões, em que realizamos reflexões sobre temas variados a partir do
Positivismo.
Tanto nos comentários ao Catecismo positivista quanto nos sermões procuramos evidenciar o
que corresponde à letra e ao espírito específicos de Augusto Comte e o que é a
nossa interpretação, ou aplicação, pessoal. Devemos insistir na importância da
leitura direta da obra de Augusto Comte: com esse procedimento ao mesmo tempo
simples, respeitoso e eficiente, escapamos de boatos e opiniões que atribuem ao
fundador da Religião da Humanidade as idéias mais disparatadas, mais
contraditórias entre si e mais opostas ao que ele realmente disse e quis dizer.
Os sermões tratam de questões atuais ou de temas de
interesse público, dos mais variados âmbitos. O seu objetivo, então, é aplicar
o Positivismo e a Religião da Humanidade na prática; em alguns casos essas
aplicações são “clássicas” (como com o “Ordem e Progresso”), mas em outros
casos são menos evidentes e que, por isso, vale a pena apresentar (como nos
casos do “amor”, da “felicidade”, da “gratidão” e das “crenças no
sobrenatural”). A Religião da Humanidade é real, é útil, é relativa, é
altruísta, é simpática e é cívica; para ser uma religião viva, pulsante, ativa,
ela deve evidenciar a sua sempre renovada capacidade de ser aplicada às mais
variadas situações concretas: é para tais aplicações concretas que realizamos
os “sermões”, ou reflexões positivas. (No Apêndice 2 inserimos a relação dos
temas abordados nos sermões, bem como das Lives
AOP – de que trataremos na seqüência.)
Com algumas interrupções devidas a problemas de
saúde (resfriado, enxaqueca), realizamos as prédicas continuamente até o dia 18
de Bichat (20 de dezembro), quando entramos em recesso, para a retomada das
prédicas em 17 de Moisés de 169 (17 de janeiro de 2023). Prevíramos, de qualquer
maneira, duas prédicas excepcionais: a da Festa Geral dos Mortos (31 de
dezembro) e a da Festa da Humanidade (1º de Moisés – 1º de janeiro); todavia,
ficamos gripados desde alguns dias antes do final do ano até alguns dias depois
do ano novo, portanto incapazes de realizar qualquer atividade.
As prédicas positivas têm um aspecto cultual que
importa sempre respeitar e preservar; mesmo os sermões, que por vezes abordam
aspectos mais políticos e controversos – e, portanto, supostamente mais
distantes desse caráter cultual –, são elaborados à luz da mais cuidadosa
ortodoxia positivista. As prédicas, portanto, permitem conversas,
esclarecimentos, até mesmo a avaliação positiva de polêmicas; mas em si mesmas
elas não se prestam a “debates”, especialmente ao entrechoque ativo de
perspectivas “extrapositivistas” sobre e com o Positivismo.
Além disso, há temas e situações que exigem da parte
dos positivistas uma postura mais enérgica e dura, o que também se afasta um
pouco do aspecto mais cultual e afetivo das prédicas. Como vivemos em uma
sociedade de liberdades – característica que, aliás, é ativamente defendida
pela Religião da Humanidade –, todos têm liberdade de manifestar-se a respeito
do Positivismo; todavia, um aspecto chocante dos supostos “debates” públicos
que envolvem o Positivismo (em termos doutrinários e/ou em termos históricos) é
que se fala muito do Positivismo mas é-nos terminantemente proibida a nossa
própria manifestação. Dois casos são exemplares a respeito.
Em primeiro lugar, isso ficou flagrante e
escandalosamente claro na matéria publicada pelo portal BBC Brasil em 30 de agosto de 2020, da autoria de Vinícius Mendes e
intitulada “Ordem e Progresso: como as ideias de um filósofo francês do século
19 ajudam a entender a formação do Brasil”:
o jornalista consultou inúmeros “pesquisadores” – que falaram o que bem
entenderam sobre o Positivismo, com ou, mais freqüentemente, sem razão –, mas o
autor da matéria recusou-se terminantemente a consultar os próprios
positivistas! Em conversa pessoal imediatamente posterior à publicação, de
acordo com um dos pesquisadores entrevistados e com quem mantemos boas relações
(Christian Lynch), a redação do portal BBC
Brasil recusou-se (ou melhor, proibiu) explícita e intencionalmente a
entrevista com os próprios positivistas. Além de esse comportamento
supostamente ir contra os melhores parâmetros da ética jornalística, isso se
constituiu pura e simplesmente em censura.
O segundo caso evidenciou-se em 2021 e repetiu-se (ou
teve ecos) em 2022. Aproximando-se o dia 19 de novembro, que é o dia da
bandeira, como não poderia deixar de ser a referência ao Positivismo é mais ou
menos de praxe. Entretanto, desde pelo menos 2021 existe um grupo social que se
mobiliza ao redor do mote “Inclua o amor na bandeira”. Por si só, esse grupo
seria apenas mais das centenas, talvez milhares de grupos que se formam todos
os dias, propondo as mais variadas questões, algumas corretas, outras
disparatadas; mas, além de reunir cidadãos “comuns”, esse grupo congrega, ou pelo
menos tem o apoio, de personalidades com grande evidência (atrizes, músicos,
políticos), obtendo em virtude disso, por exemplo, o gigantesco privilégio de ser
objeto de matéria (simpática, enorme e detalhada) nas versões impressa e
eletrônica do jornal Folha de S. Paulo.
Com base nisso, a proposta desse grupo é bem simples: incluir a palavra “Amor”
antes do “Ordem e Progresso” na bandeira nacional. Não há dúvida de que essa é
uma proposta aparentemente simpática e convergente, facilmente compreensível pelo
grande público e que inspiraria bons sentimentos; em condições normais, ela
poderia ser debatida com tranquilidade. Todavia, um exame – mesmo superficial –
da proposta, das concepções de base e do comportamento do grupo “Inclua o amor
na bandeira” logo revela inúmeros, graves e profundos problemas:
1)
o grupo “Inclua o amor na bandeira” consciente
e propositalmente faz afirmações peremptórias sobre o Positivismo, sobre o
“Ordem e Progresso” e sobre a atuação de Raimundo Teixeira Mendes, como se
fossem conhecedores de qualquer uma dessas coisas;
2)
essas afirmações peremptórias são,
quase todas elas, erradas;
3)
o grupo “Inclua o amor na bandeira” nunca
fez nenhuma questão de conversar com os positivistas a respeito de sua
proposta e, em 2021, quando nos manifestamos
junto a ele, fomos simplesmente desdenhados, desprezados e tratados com
impaciência.
Erros (repetidos ou não) de boa-fé são apenas erros;
erros (principalmente os repetidos) de má-fé são demonstrações de defeitos
morais, intelectuais e práticos. Nos dias que correm a repetição intencional de
erros – a “desinformação” – ganhou o nome de “fake news”, cujos efeitos sociais e políticos sabidamente são
desastrosos e estão sendo objeto das mais detida preocupação pública. Ao
rejeitar ouvir o Positivismo, o grupo “Inclua o amor na bandeira”, embora
pareça simpático e afirme defender o amor, contra o ódio, na prática infeliz e contraditoriamente
desenvolve um ativismo que reproduz o que está na base de todas as campanhas de
ódio social.
Os dois relatos acima – sobre a matéria no portal
BBC Brasil e sobre o grupo “Inclua o amor na bandeira” – comprovam o que
afirmamos antes: fala-se sobre o Positivismo (e, em particular, fala-se mal)
mas recusa-se a palavra ao Positivismo.
Isso é ainda mais chocante e escandaloso em nossa época caracterizada pela
metafísica identitária, que afirma sem cessar a categoria prática do “lugar de
fala”: somente o próprio grupo pode falar sobre si mesmo; os outros grupos não
podem falar uns dos outros, exceto se for para concordar com o que o grupo
original fala. O “lugar de fala” tem um acentuado caráter excludente,
discriminatório e estimulante dos ressentimentos; esse caráter fica evidente ao
constatar-se que só se considera aceitável o “lugar de fala” para os grupos
autointitulados “excluídos”, “marginais”, “minoritários”; a todos os demais é
proibido o “lugar de fala” e, bem vistas as coisas, é proibida qualquer fala (o que se constitui em
censura).
Ora, se ao Positivismo e à Religião da Humanidade é
recusada a possibilidade de manifestar-se quando os outros tratam de nós, os
positivistas não podemos aceitar a imputação de erros, distorções e mentiras a
nosso respeito, nem a censura, quer seja ela relativa a esses erros, quer seja
a censura em geral. Em outras palavras, é necessário o Positivismo exigir e
fazer valer suas perspectivas, isto é, alguma coisa como uma concepção positiva
(relativa, altruísta, includente) do “lugar de fala”.
Em face dessas duas situações (debates sobre o
Positivismo, manifestação clara das perspectivas próprias ao Positivismo)
decidimos criar as “Lives AOP”. A
primeira ocorreu no dia 13 de Descartes (20 de outubro), com a exposição
intitulada “Ecopositivismo: a aproximação entre o Positivismo e a condição
ecológica da sociedade humana”, feita pelo doutor Felipe Zorzi. Tivemos ainda
outras três Lives AOP: em 27 de
Descartes (3 de novembro), a palestra “Positivismo, trabalho e pacto com os
subalternos” com o mestre Maxmiliano Pinheiro; em 13 de Frederico (17 de
novembro), proferimos a palestra “O Positivismo, a República e a bandeira
nacional”; por fim, em 19 de Bichat (21 de dezembro), a doutora Fernanda
Alcântara realizou a palestra “Harriet Martineau e Augusto Comte”. (No Apêndice
2 as Lives AOP estão relacionadas na
ordem em que ocorreram, juntamente com os temas dos sermões das prédicas.)
O nome “Live
AOP” exige duas explicações. O “Live”
é uma concessão de caráter propagandístico às gírias contemporâneas; é uma
forma simples, fácil e prática de atualizar o formato da nossa propaganda. Já o
“AOP” consiste nas iniciais de “amor, ordem e progresso”, com o que ao mesmo
tempo indicamos o caráter positivista da iniciativa, fazemos uma referência à
nossa fórmula sagrada (“O amor por princípio e a ordem por base; o progresso
por fim”) e também fazemos outra concessão propagandística às gírias
contemporâneas, tão simpáticas à proliferação de siglas.
Uma última observação sobre as Lives AOP. Ao longo do século XX, após a transformação de Teixeira
Mendes, em 1927, os positivistas brasileiros chegaram a conclusões semelhantes
às que nós mesmos chegamos: por um lado, a necessidade do respeito ao aspecto
cultual das prédicas semanais; por outro lado, a necessidade de os positivistas
manifestarem-se de maneira clara sobre os mais variados aspectos da política
contemporânea. Essa dupla constatação levou-os a constituir o Clube
Positivista, que durante décadas atuou como “braço político” da Igreja
Positivista do Brasil, participando de iniciativas fundamentais para o país,
como no caso da Campanha “O Petróleo é Nosso”, nos anos 1940 e 1950. Apesar do
triste fim do Clube,
sua existência logrou outros resultados além daqueles imediatos: ao criarmos as
Lives AOP, desde o início fomos
inspirados pelo belo exemplo dessa importante iniciativa cívica dos
positivistas brasileiros. (Aliás, de maneira mais profunda, podemos considerar
que as várias iniciativas de Augusto Comte e dos positivistas franceses também
servem de inspiração mais profunda para as Lives
AOP, como a Sociedade Positivista e a Sociedade Positivista de Ensino Popular).
Ao longo do ano tivemos a honra de sermos convidados
para algumas palestras, realizadas à distância. Na primeira ocasião fomos
convidados pela Profª Sheila T. Humphreys e expusemos a palestra intitulada
“Desmistificando o Positivismo” no dia 11 de Homero (8 de fevereiro).
Duas outras palestras ocorreram, coincidentemente, a
convite de membros do Partido Democrático Trabalhista (PDT) desejosos de
conhecer algumas fontes históricas e teóricas do trabalhismo brasileiro. Assim,
em 10 de Arquimedes (4 de abril), a convite de Luciano Zini, proferimos a
palestra “Propostas sociais e políticas do Positivismo”; em 7 de Frederico (10
de novembro) repetimos, atualizando, essa palestra, a convite de Samuelson Xavier.
Ambas essas palestras ocorreram apenas como áudio (ou seja, sem vídeo) por meio
do Twitter e tiveram ampla participação de militantes do PDT e foram seguidas
por longas conversas.
Na “Introdução justificativa” referimo-nos a
diversos aspectos que caracterizam as sociedades brasileira e ocidentais;
insistimos no caráter metafísico da política e fizemos referência à política
identitária. Deixamos de lado a grave polarização que se tem manifestado no
conjunto do Ocidente, desde meados da década de 2010; essa polarização é um
aspecto da metafísica (e, em particular, da metafísica identitária). No Brasil
essa polarização afirmou-se ao longo das linhas estabelecidas pela oposição
direita-esquerda, em que a esquerda resumiu-se no Partido dos Trabalhadores
(PT) (e em seu maior líder, Luiz Inácio Lula da Silva) e a direita, cada vez de
maneira mais agressiva, definiu-se como antipetista sob a liderança fascista de
um tenente cuja expulsão do Exército Brasileiro foi disfarçada devido à
delicada conjuntura política dos anos 1980, o sr. Jair M. Bolsonaro. Este
último senhor foi eleito Presidente da República em 2018; todo o seu governo
consistiu em uma depredação generalizada das instituições republicanas, do
serviço público e da sociedade civil brasileira; não à toa ele afirmou, logo no
início de seu mandato, que deveria destruir muito antes de fazer qualquer coisa
construtiva no país.
O caráter profundamente antipositivista desse político já poderia ser percebido
por essa frase, proferida em um jantar em honra de um filósofo que sempre
afirmou a correção moral do ódio sistemático e disseminado; mas o fato é que a
destruição sistemática das instituições sociais e políticas foi acompanhada
pela também sistemática conspurcação da bandeira nacional republicana,
associada por ele ao seu projeto destruidor e fascista.
Padecendo durante todo o mandato do sr. Bolsonaro,
nas eleições presidenciais de 2022 fomos convencidos por nosso amigo Hernani
Gomes da Costa, especialmente no segundo turno desse pleito, de que deveríamos
manifestar-nos, seja em defesa dos altos valores morais, cívicos e humanos
representados na bandeira nacional, seja contra o fascismo e seu projeto
antipositivista de ódio. Assim, redigimos um documento, a que demos o caráter de
abaixo-assinado, intitulado “A bandeira nacional republicana não é fascista”.
Esse documento, que se encontra reproduzido no Apêndice 3, foi tornado público
em 19 de Descartes (26 de outubro), na semana anterior ao segundo turno das
eleições presidenciais; ele mantém-se disponível neste endereço: https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR127657
(acesso em 26.2.2023).
O ano de 168 (2022) foi bastante ativo e
alvissareiro. A fundação do Apostolado Positivista, realizando prédicas
ortodoxas, de caráter formativo e informativo, ensejou também uma série de
outras ações correlatas a um apostolado e, em particular, na medida do
possível, conforme as exigências e as responsabilidades do sacerdócio da
Humanidade. Nos anos seguintes, nossa expectativa é de manter um ativismo no
mínimo com a mesma intensidade, aperfeiçoando a infraestrutura técnica (a fim
de melhorar a comunicação e a interação com o público) e melhorando, em termos
morais, intelectuais e práticos, o nosso desempenho. Também desejamos
“profissionalizar” a atuação, no sentido de criar desenhos e símbolos
identificadores do Apostolado Positivista (logomarcas, ex-libris etc.).
Acima de tudo, temos a plena convicção de que a
Religião da Humanidade é a religião do presente e, ainda mais, do futuro; que
ela oferece o entendimento e os meios para a harmonia social e individual; que
ela indica que e como podemos associar a felicidade individual e o bem-estar
público. A partir da elaboração de Augusto Comte, sob a angélica influência de
Clotilde de Vaux, repetimos a máxima fundamental da Religião da Humanidade: “o
amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”.
Gustavo Biscaia de Lacerda.
Curitiba, 3 de Aristóteles de 169 (28 de fevereiro de 2023).
Reproduzimos abaixo os tópicos abordados durante o
Curso Livre de Política Positiva. Essa relação não corresponde exatamente ao
que fora inicialmente planejado, mas, sim, aos temas abordados efetivamente em
cada uma das semanas; é por isso que ele apresenta 16 semanas, em vez das
planejadas 15. Além disso, reproduzimos apenas os tópicos abordados, sem
incluir também as anotações pessoais em que nos baseamos para as exposições
orais.
Sessão 1
Apresentação:
justificativa; foco geral do curso; estrutura do curso
Notas sobre a
biografia de Augusto Comte e sua época
Preliminares à
Política Positiva I: relativismo
|
Sessão 2
Preliminares à
Política Positiva II: historicismo; visão de conjunto e visão de detalhe;
objetividade e subjetividade; descrições e prescrições; escala enciclopédica
e graus de generalidade
|
Sessão 3
Preliminares à
Política Positiva III: Estática e Dinâmica; a síntese subjetiva; o estado
normal
Sociologia
Estática I: teoria da religião: concepções e regulações gerais da existência
humana
|
Sessão 4
Sociologia
Estática II: teoria da família; os indivíduos
|
Sessão 5
Sociologia
Estática III: teoria da linguagem
|
Sessão 6
Sociologia
Estática IV: teoria da propriedade: origem e destinação sociais, gestão
individual; luta de classes.
|
Sessão 7
Sociologia
Estática V: teoria do governo: o poder Temporal
|
Sessão 8
Sociologia
Estática VI: teoria do governo: o poder Temporal (concl.); o poder Espiritual
|
Sessão 9
Sociologia
Estática VII: teoria do governo: o poder Espiritual (concl.)
|
Sessão 10
Sociologia
Dinâmica I: os três estados da inteligência: teologia, metafísica, ciência e
positividade
|
Sessão 11
Sociologia
Dinâmica II: a lei dos três estados da atividade: guerra conquistadora,
guerra defensiva, paz industrial
|
Sessão 12
Sociologia
Dinâmica III: lei prática dos três estados (concl.); lei afetiva dos três
estados
|
Sessão 13
Sociologia
Dinâmica IV: relato histórico sociológico de Augusto Comte; fetichismo;
astrolatria; transição própria ao Ocidente
|
Sessão 14
Sociologia
Dinâmica V: teocracias antigas; tríplice transição ocidental (Grécia, Roma,
Idade Média); duplo movimento moderno; Revolução Francesa
|
Sessão 15
Sociologia
Dinâmica VI: Revolução Francesa como explosão resultante dos movimentos
sociais anteriores; surgimento de vários partidos sociopolíticos durante a
após a Revolução Francesa; fundação da Sociologia por A. Comte como síntese
entre as sociologias do progresso (Condorcet) e da ordem (De Maistre);
análises de conjuntura; fundação da Religião da Humanidade e papel de
Clotilde de Vaux
|
Sessão 16
A Religião da
Humanidade: a Trindade Positiva
A transição
final: ditadura republicana; triunvirato positivo
Conceitos políticos
importantes para o Positivismo: “Ordem e Progresso”; “conservadorismo”;
“moralismo”
|
Agosto
de 2023:
1.1. Estréia das prédicas positivas:
25.Dante.168 (9.8.2022)
1.2. Importância da leitura comentada das
obras originais de Augusto Comte (no caso, do Catecismo positivista)
1.3. Oração positiva como prática de
meditação
1.4. Sobre a gratidão
|
Setembro
de 2022:
2.1. Bicentenário do Brasil e celebração de
José Bonifácio
2.2. Sobre a tolerância
2.3. Sobre o “Ordem e Progresso”
2.4. Sobre a “sistematização da paz”
|
Outubro
de 2022:
3.1. Sobre a confiança
3.2. Live AOP: Felipe Zorzi e seu
“ecopositivismo”
3.3. Teoria positiva da esperança
|
Novembro
de 2022:
4.1. Teoria positiva da felicidade
4.2. Teoria positiva dos deveres
4.3. Live AOP: Maxmiliano Pinheiro:
“Positivismo, trabalho e pacto com os subalternos”
4.4. Sobre a visão de conjunto
4.5. Live AOP: Gustavo Biscaia de Lacerda:
“O Positivismo, a República e a bandeira nacional”
4.6. Sobre o amor
|
Dezembro
de 2022:
5.1. Sobre o “sobrenatural”
5.2. Sobre o progresso
5.3. Sobre as liberdades política e
filosófica
5.4. Live AOP: Fernanda Alcântara: “Harriet
Martineau e Augusto Comte”
|
A bandeira nacional
republicana não é fascista
Os abaixo-assinados – quer
sejam positivistas, quer não sejam positivistas; reconhecendo e respeitando os
valores e princípios subjacentes aos símbolos nacionais brasileiros, em
particular a bandeira nacional republicana; reconhecendo a dramática situação
política, social, intelectual e econômica vivida pelo Brasil no ano de 2022;
considerando a apropriação cada vez mais reiterada dos símbolos nacionais por
grupos sociais e políticos particularistas, violentos e intolerantes – têm a
dizer o seguinte.
1. Os valores da bandeira nacional
A bandeira republicana
brasileira foi instituída como símbolo nacional em 19 de novembro de 1889,
quatro dias após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. Ela foi
elaborada por Raimundo Teixeira Mendes a partir das indicações precisas do
fundador da Sociologia, do Positivismo e da Religião da Humanidade, Augusto
Comte.
Símbolo nacional maior por
excelência, ela une de maneira simples, elegante e harmônica o desenvolvimento
histórico e a continuidade social, ao manter o fundo verde e amarelo da
bandeira monárquica e ao inserir a esfera estrelada azul e a divisa política
“Ordem e Progresso”, próprias à evolução republicana do país. Assim, essa
bandeira segue a inspiração de “preservar melhorando”, de acordo com as leis da
sociologia dinâmica descobertas por Augusto Comte.
A frase “Ordem e Progresso”
representa o ideal de unir indissoluvelmente duas perspectivas políticas até
então opostas, o respeito à ordem e a necessidade de progresso. Separadas, cada
uma dessas perspectivas torna-se antagônica em relação à outra, de tal maneira
que a ordem transforma-se em ordem retrógrada e opressiva e o progresso
torna-se caótico e também opressivo. Apenas a união das duas perspectivas, em
que ambas sejam simultaneamente respeitadas e valorizadas, torna possível que
cada uma delas seja cumprida. A ordem consiste na consolidação do progresso, ao
passo que o progresso é o desenvolvimento da ordem; o vínculo entre ambos é o
amor, que, em termos políticos, deve ser entendido em termos de fraternidade,
respeito mútuo e tolerância.
Em particular, o respeito à
ordem não equivale à submissão cega ou servil ao poder político; da mesma
forma, a verdadeira relação entre o poder e os cidadãos não é a de um soldado
que se submete ao seu comandante. Nada disso é liberdade ou cidadania, mas
autoritarismo, militarismo e submissão abjeta.
2. A política positiva
A bandeira nacional
republicana, bem como a divisa “Ordem e Progresso”, inspiram-se e representam
os conceitos da política positiva; estes, por sua vez, podem ser sumariados
como seguem:
-
subordinação da política à moral:
subordinação da política aos princípios e valores maiores da Humanidade, em que
a família subordina-se à pátria e a pátria subordina-se à Humanidade;
subordinação das perspectivas específicas e particulares às concepções gerais e
mais amplas; primado da publicidade e da racionalidade na vida coletiva, em
particular nas ações com resultados públicos; afirmação dos deveres sociais, em
particular responsabilizando claramente os fortes, os poderosos e os ricos por
suas ações e omissões;
-
separação entre os poderes Temporal e Espiritual: rejeição de todo e qualquer clericalismo (teológico, metafísico e
científico); rejeição do uso do Estado para promoção ou repressão de crenças, exceto
no caso em que elas estimulem e/ou provoquem a violência; rejeição da eleição
ou da indicação de sacerdotes para cargos públicos; defesa das liberdades de
pensamento, de expressão e de associação;
-
pacifismo: rejeição de toda e
qualquer violência na política (seja do Estado contra os cidadãos, seja dos
cidadãos entre si), em particular na forma das agressões de policiais contra
cidadãos; rejeição da atuação de militares e policiais na política;
possibilidade de manifestar livremente as idéias e as concepções pessoais sem
correr nenhum risco (físico e/ou profissional) por isso;
-
relativismo: prática da
tolerância para com as diferentes crenças e religiões; respeito e proteção às
comunidades indígenas; condenação de toda prática violenta na vida social.
3. Os fascistas contra o Positivismo
Desde pelo menos 2019,
grupos fascistas e de extrema-direita têm manifestado a pretensão de tomar
exclusivamente para si, de maneira sectária, a bandeira nacional republicana,
incluindo aí o “Ordem e Progresso”. Diversas manifestações desses mesmos grupos
evidenciam, entretanto, não somente que eles afastam-se dos ideais expressos na
bandeira nacional republicana e no “Ordem e Progresso” como, ainda mais, são
opostos e desprezam esses valores.
Assim, por exemplo, o mote
do atual governo federal, que resume o programa fascista, é “Brasil acima de
tudo e deus acima de todos”. Essa única frase rejeita ao mesmo tempo os
princípios (1) da subordinação de todas as pátrias aos supremos interesses da
Humanidade e (2) da separação dos poderes Temporal e Espiritual; inversamente,
ela (1) estabelece como parâmetro de conduta o nacionalismo mais estreito e (2)
a imposição oficial de doutrina teológica. Se isso não bastasse, o verso
“Brasil acima de tudo” não por acaso retoma a frase empregada pelo regime
nazista, “Alemanha acima de tudo” (Deutschland über alles).
Da mesma forma, não podemos
esquecer as reiteradas manifestações de profundo ódio e preconceito político
desses grupos contra o Positivismo, com o que mais uma vez evidenciam que
desprezam os valores da bandeira nacional e o “Ordem e Progresso”:
-
“Os positivistas são lixo
que necessitam ser expurgados” (Carlos Bolsonaro, 8/3/2020)
-
“Os positivistas são o pior
câncer do Brasil” (Carla Zambelli, 5/7/2020)
-
“Enquanto a gente não resolver
o positivismo, a gente não consegue desmontar o comunismo, socialismo, a
esquerda no Brasil” (Abraham Weintraub, 27/6/2022).
4. Declaração final
Os valores, os ideais, as
concepções subjacentes à totalidade da bandeira nacional republicana, incluindo
aí a divisa “Ordem e Progresso”, condensam os melhores e mais altos princípios
da política moderna. Todos esses princípios são profundamente estranhos à
filosofia e à prática do fascismo. Mais do que isso: como se sabe, o fascismo
baseia-se no estímulo sistemático e no uso político da violência; na
militarização e na “policialização” da sociedade; na imposição de crenças pelo
Estado e na busca de supressão das crenças não oficiais; no nacionalismo
extremado, na xenofobia, na intolerância.
É em virtude de todos esses
motivos que afirmamos sem medo de errar:
A BANDEIRA NACIONAL REPUBLICANA NÃO É FASCISTA!