O documento inteiro deve ser lido, mas talvez a parte que melhor resume o argumento é o terceiro parágrafo:
"De modo geral, a FSP e seus articulistas adotam uma postura “crítica” aliando a condenação a condutas imorais ou ilegais aos padrões morais que sustentam organicamente as mesmas condutas imorais e ilegais condenadas. Em outras palavras, a FSP não admite crimes ao mesmo tempo em que recusam sistemas morais que condenam os crimes."
A crítica de Biscaia é contra a parcialidade pueril e criminosa desse jornal "crítico", "progressista" e "plural" contra o Positivismo, mesmo a despeito de esse jornal ceder colunas semanais ou mensais para conservadores, humoristas, autoritários, adolescentes engajados e muitos outros tipos discutíveis, além de para pessoas um pouco mais sensatas.
* * *
Curitiba, 21 de julho de 2020.
Sou
leitor e assinante da Folha de S. Paulo há praticamente 30 anos, desde que
estudava para o vestibular, e tenho-a lido durante o meu mestrado em Saúde
Pública e o meu doutorado em Sociologia. Por isso, tenho tranquilidade para
fazer os comentários abaixo.
Há
muito tempo ficou claro que a FSP tem uma linha editorial típica mas não
exclusivamente de esquerda, embora, de vez em quando, dê espaço para autores
alinhados à direita (como era o caso da coluna de Roberto Campos).
De
modo geral, a FSP e seus articulistas adotam uma postura “crítica” aliando a
condenação a condutas imorais ou ilegais aos padrões morais que sustentam
organicamente as mesmas condutas imorais e ilegais condenadas. Em outras
palavras, a FSP não admite crimes ao mesmo tempo em que recusam sistemas morais
que condenam os crimes.
Falando
claramente, quando se trata do Positivismo, filosofia criada pelo francês
Augusto Comte (1798-1857), o quadro descrito acima é exercido com a máxima
intensidade. Além disso, a FSP usa a figura do filósofo como trampolim para
suas posições, quaisquer que sejam, alegando que Augusto Comte e o Positivismo
seriam “reacionários”, “moralistas”, “conservadores”, “autoritários” e por aí
vai. Está claro que tais epítetos não se aplicam ao catolicismo, ao budismo ou
a qualquer outra filosofia ou religião. Artigos redigidos por “juristas”
católicos, francamente conservadores e muitas vezes reacionários, são
publicados várias vezes por ano pela FSP. Monjas budistas têm espaço garantido
para tratar dos mais variados assuntos. Sociólogos marxistas opinam sobre o
momento político atual.
Na
maioria dos casos, a FSP e seus articulistas usam uma versão altamente deturpada
e caricata da extensa obra comtiana. Assim, “positivismo” é tudo o que o autor
do texto quer criticar, a despeito da coerência com o pensamento de Augusto
Comte (caso muito bem exemplificado por um artigo escrito por um matemático há
algumas semanas). A tolerância, o pacifismo, a defesa e promoção dos direitos
das mulheres, a defesa dos animais, a defesa do meio ambiente, o combate ao
racismo e à discriminação, tudo isso é negligenciado em prol de uma atitude
“crítica”.
Por
outro lado, a FSP veda o acesso de representantes do Positivismo às suas
páginas, mesmo que sejam acadêmicos sérios. Ao invés disso, prefere “dar voz” a
pessoas que defendem o racismo reverso, sustentam suas posições morais em deus
ou apenas são pessoas que estão em evidência, por serem humoristas, terem sido
demitidos de redes de televisão ou serem filósofos que usam tênis e falam “a
língua dos jovens”.
Já
é hora de a FSP abrir-se realmente para o debate sério de ideias, sem medo de
incluir autores injustamente condenados e considerados malditos.
Por fim, o Positivismo é o alvo preferencial dos fascistas que tomaram o poder; assim, a FSP deveria, no mínimo, permitir que positivistas manifestem-se a respeito.
Atenciosamente,
Leonardo Biscaia
Médico
Doutor em Sociologia – UFPR
Mestre em Saúde Pública – Fiocruz