No dia 14 de Gutenberg de 171 (26.8.2025) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte - "doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores").
No sermão abordamos o início do Positivismo, ou seja, as três leis dos três estados.
Também fizemos referência à publicação, pela Revista Parajás, de uma longa entrevista que seus editores fizeram conosco, disponível aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/08/revista-parajas-entrevista-com-gustavo.html.
Da mesma forma, fizemos referência à defesa honesta, corajosa e simpática que o católico Deyvid Antônio fez do Positivismo, da Religião da Humanidade e também do Apelo aos conservadores, como se vê aqui: https://www.youtube.com/watch?v=mA0zUWgBcKM.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/siZ2uP8TyD0) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/2562584607432845/).
As anotações que serviram de base para a exposição encontram-se disponíveis abaixo.
* * *
As três leis dos três estados
(14.Gutenberg.171/26.8.2025)
1. Invocação inicial
2. Datas e celebrações:
2.1. Nesta semana não temos nenhuma
celebração especial
3. Notícia sobre a publicação da
entrevista à Revista Parajás
3.1. O artigo “Entre o Positivismo, a academia e o poder Espiritual: uma entrevista com Gustavo Biscaia de Lacerda”
foi publicado no v. 7, n. 2, p. 1-65 (Montes Claros, 2024)
3.2. É uma longa entrevista – com 65
páginas! –, que aborda os mais variados aspectos da minha atuação: como
pesquisador, como positivista, como cidadão, como ser humano
3.3. Agradeço imensamente à equipe da Revista Parajás, em particular a Ricardo
Cortez Lopes e a Renat Nureyev Mendes, pela possibilidade de conceder essa
entrevista
3.4. O texto está disponível aqui: https://revistaparajas.com.br/index.php/rv1/article/view/133/99.
4. Leitura comentada do Apelo aos conservadores
4.1. Antes de mais nada, devemos
recordar algumas considerações sobre o Apelo:
4.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas
ou grupos, mas a um grupo específico:
são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que
tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes
políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do
progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que
Augusto Comte apela
4.1.1.1.
O
Apelo, portanto, adota uma linguagem
e um formato adequados ao público a que se dirige
4.1.1.2.
Empregamos
a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser
mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se
refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa,
oposta à guerra
4.2. Outras observações:
4.2.1. Uma versão digitalizada da
tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899,
está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores
4.2.2. O capítulo em que estamos é a “Primeira
Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”
4.3. Passemos, então, à leitura
comentada do Apelo aos conservadores!
![]() |
Quadro da alma humana - Apelo aos conservadores, p. 63 |
5. Exortações
5.1. Sejamos altruístas!
5.2. Façamos orações!
5.3. Como Igreja Positivista Virtual,
ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse
5.4. Para apoiar as atividades dos
nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
6. Sermão: as três leis dos três
estados
6.1. Tendo sido muito conhecido no
século XIX e nas décadas iniciais do século XX, desde o período entre-guerras –
ou seja, desde a ascensão das metafísicas do nazifascismo, do comunismo, do
existencialismo e do irracionalismo de modo geral – o Positivismo tornou-se um
desconhecido do grande público
6.1.1. Esse desconhecimento, como já
cansamos de indicar, anda junto com a eleição do Positivismo como o inimigo
preferencial de todos os que querem indicar inimigos a combater, seja em termos
intelectuais, seja em termos políticos; em outras palavras, o Positivismo é o
bode expiatório preferencial, eleito para essa duvidosa posição por autoritários
(comunistas, nazifascistas), democráticos e teológicos
6.1.2. De qualquer maneira, enquanto era
melhor conhecido, o Positivismo produzia seus efeitos mais importantes: afirmação
da fraternidade, preocupações sociais, visão de conjunto, combate à violência, promoção
da tolerância e da concórdia etc.; em suma, união da ordem e do progresso
6.1.3. Além disso, de maneira correlata,
para aplicação do Positivismo conheciam-se melhor, e mais adequadamente, as
suas diversas concepções, entre as quais as leis dos três estados
6.2. As leis dos três estados são a base
e o início filosófico e científico do Positivismo
6.2.1. Esse início é tanto do ponto de
vista teórico quanto cronológico: a sistematização
desenvolvida por Augusto Comte começa com a reflexão das leis dos três estados,
que, por sua vez, realizou-se logo no início da carreira adulta de nosso mestre
(em 1822)
6.2.1.1.
Vale
notar que Augusto Comte jamais considerou que as leis dos três estados são
concepções puramente abstratas postuladas a
priori; bem ao contrário, elas são elaborações com base empírica, a partir
da observação histórica; o seu próprio conteúdo indica a longa série de
observações e passos necessários para o ser humano compreender o mundo em que
vive e a si mesmo
6.2.1.2.
Não
por acaso, o conjunto das condições mentais, sociais e afetivas necessário para
a apreensão e o entendimento da realidade está consignado na “Filosofia
Primeira”, em um total de 15 leis
6.2.1.2.1.
As
três leis dos três estados estão no “Segundo grupo – essencialmente subjetivo”,
na sua “primeira série – leis dinâmicas do entendimento”, da Filosofia
Primeira, correspondendo às leis de números VII a IX
![]() |
Leis da Filosofia Primeira - Catecismo positivista, 4a. ed., 1936, p. 479 |
6.2.2. Estamos falando em leis, no plural, porque é exatamente
disso que se trata: são três leis,
uma para cada aspecto da natureza humana (afetivo, intelectual e prático)
6.2.2.1.
As
três leis são estas:
6.2.2.1.1.
Lei
intelectual: toda concepção passa por três estados sucessivos, teológico,
metafísico e positivo, com uma velocidade proporcional à generalidade dos
fenômenos correspondentes
6.2.2.1.2.
Lei
prática: a atividade humana é sucessivamente militar conquistadora, depois
militar defensiva e por fim pacífico-industrial
6.2.2.1.3.
Lei
afetiva: a sociabilidade humana é sucessivamente doméstica, depois cívica e
enfim universal, seguindo a natureza de cada um dos três instintos simpáticos
[veneração, apego e bondade]
6.2.2.2.
A
primeira lei a ser descoberta foi a lei intelectual; em seguida foi a prática;
finalmente, foi a afetiva
6.2.2.3.
Associada
à lei intelectual dos três estados há a lei
da classificação das ciências
6.2.2.3.1.
A
lei da classificação organiza as ciências fundamentais em número de sete, que vão
da mais geral, mais simples, mais objetiva e mais abstrata à mais específica, mais
subjetiva, mais complicada e mais concreta
6.2.2.3.2.
As
ciências fundamentais são estas: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia,
Sociologia e Moral
6.2.2.3.3.
A
lei da classificação (1) explica e exemplifica a lei dos três estados; (2) apresenta
um painel da compreensão da realidade; (3) apresenta e aplica a regra de
classificação
6.2.2.3.4.
Augusto
Comte desenvolveu uma série de reflexões sobre a lei das classificações e sobre
as ciências fundamentais, estabelecendo diferentes arranjos que apresentam, cada
qual, diferentes propriedades lógicas, morais e práticas; o arranjo final, presente
na Síntese subjetiva, estabelece três
grandes ciências: Lógica (Matemática), Física (Astronomia, Física, Química) e Moral
(Biologia, Sociologia, Moral)
6.3. Antes de tratarmos de cada uma das
três leis dos três estados, é necessário fazermos alguns comentários sobre a
concepção de leis sociológicas, especialmente de algumas objeções a elas, a fim
de limparmos o terreno
6.3.1. É moda nas Ciências Sociais e na
Filosofia, a partir de variadas concepções metafísicas, decretar que não
existem leis nas ciências humanas, pois o ser humano seria “livre”:
6.3.1.1.
Segundo
esses metafísicos, a afirmação de leis naturais próprias aos seres humanos
negaria sua “liberdade”, ou melhor, nos termos caracteristicamente usados, as
leis naturais humanas seriam “deterministas” e negariam o “livre arbítrio”
6.3.1.2.
Evidentemente, o Positivismo afirma a
liberdade humana, bem como a dignidade; entretanto, os termos e os raciocínios
metafísicos são profundamente equivocados e daninhos
6.3.2. As críticas metafísicas
baseiam-se em uma série de equívocos e erros, ainda que por vezes se baseiem em
uma preocupação (mística) com a dignidade humana
6.3.2.1.
O
primeiro erro é o de conceber que estar submetido a constrangimentos e obedecer
a regularidades impede a liberdade humana: ora, seja como ausência de
obstáculos, seja como possibilidade efetiva de escolhas, as leis naturais não
“impedem” nossa liberdade, embora com certeza condicionem e limitem-na
6.3.2.2.
Na
verdade, bem vistas as coisas, as vidas de todos nós apresentam obstáculos e
limitações, alguns contornáveis, outros irremovíveis: nem por isso se fala, com
propriedade, a sério, em “ausência de liberdade”
6.3.2.3.
As
leis naturais não criam os fenômenos; elas descrevem os fenômenos que ocorrem
6.3.2.3.1.
Assim,
por exemplo, a lei da gravidade não criou a gravidade; na medida do possível, a
lei descreve e indica suas condições e possibilidades
6.3.2.4.
Ao
contrário do que as críticas metafísicas decretam, são justamente as leis naturais (seja por meio de seu conhecimento,
seja por meio das técnicas surgidas a partir desse conhecimento) que permitem
que o ser humano realize e amplie sua liberdade – mas sempre conforme a
elaboração de Francis Bacon: “dominamos a
natureza submetendo-nos a ela”
6.3.2.5.
A
concepção de liberdade dos metafísicos é precisamente metafísica, ficando a meio caminho entre a teologia e a
positividade: mantém os raciocínios teológicos, de maneira degradada, e,
embora tenda à positividade, simplesmente não é positiva e não entende a
positividade
6.3.2.6.
A
concepção metafísica de liberdade postula o “livre arbítrio”, que é uma
concepção tipicamente teológica, em que as divindades concedem ao ser humano a
possibilidade de escolher cultuar ou não a própria divindade
6.3.2.7.
De
maneira mais ampla, essa concepção metafísica espelha a liberdade atribuída às
divindades, em particular as monoteístas, que podem fazer tudo o que desejarem,
de maneira caprichosa, voluntariosa e sem quaisquer parâmetros (ou seja, de
maneira absoluta): é claro que considerando uma concepção de liberdade como
essa – concepção infantil, ou melhor, adolescente, pois ciosa e intensamente
imatura – qualquer constrangimento ou restrição será inaceitável e inadmissível
6.3.2.8.
Como
dizia Augusto Comte, a partir de Montesquieu e de uma enorme tradição
filosófica anterior, a liberdade consiste em seguir as leis próprias a cada
corpo e/ou a cada fenômeno: uma pedra que cai é livre em seu movimento de
queda; evidentemente, essa concepção está muito distante do conceito
(teológico-metafísico) de liberdade como irresponsabilidade ou capricho
6.3.3.
Do
ponto de vista da positividade, essa concepção caprichosa erra em dois
aspectos: (1) em termos da diferença
entre abstração e concretude (ou entre a teoria e a prática) e (2) em
termos de modificabilidade crescente dos
fenômenos mais complexos
6.3.4. Há uma diferença fundamental, que
os críticos metafísicos fazem questão de ignorarem, entre os enunciados abstratos e as aplicações concretas das leis naturais:
os enunciados abstratos referem-se a partes específicas da realidade, enfocando
os fenômenos, deixando de lado tudo
aquilo que não diz respeito ao problema em questão; os esquemas abstratos
existem apenas na mente dos pensadores, não na realidade; ora, a realidade
funciona com corpos concretos interagindo, sofrendo múltiplas influências
simultâneas; cada uma dessas influências é estudada abstratamente como fenômenos,
mas concretamente eles influenciando-se e alterando-se
6.3.4.1.
O
ser humano é capaz de determinar as leis abstratas e de examinar os
comportamentos concretos; as interações mútuas são complicadíssimas e exigem
pesquisas e atenção empírica
6.3.4.2.
O
resultado disso é que as leis abstratas permitem-nos previsões, que devem ser
aplicadas na prática conscientemente, isto é, com acompanhamento permanente:
logo, há uma clara divisão entre a teoria e a prática
6.3.4.3.
As
leis abstratas, por si sós, não impedem a liberdade humana; mas, de qualquer
maneira, as possibilidades de ação são amplas na aplicação prática, a começar,
evidentemente, pelas decisões de aplicar ou não na prática os conhecimentos
teóricos, de quando e de como fazer essa aplicação; é por isso que Augusto
Comte dizia que “para completar as leis
são necessárias vontades”
6.3.5. Além da separação geral e estática entre teoria e prática, há um
aspecto dinâmico próprio às diversas
leis naturais, no sentido de que quanto mais complexa uma ciência, isto é,
quanto mais restrita objetivamente e mais próxima subjetivamente do ser humano,
maior o grau de modificabilidade dos fenômenos considerados
6.3.5.1.
Os
maiores graus de modificabilidade significam que, quanto mais superiores forem
as ciências – máxime a Sociologia e a Moral –, maiores as quantidades de
influências prévias a que elas estão sujeitas e, portanto, maiores as
possibilidades de modificações que elas sofrem; isso também significa que a
quantidade material de empírico necessário para elaborar as leis é maior, que
as generalizações são mais difíceis e que essas generalizações são menos
precisas
6.3.5.2.
Ora,
dizer que o grau de modificabilidade é maior equivale a dizer que as possibilidades de manipulação são
maiores – o que significa que o grau de liberdade é maior
6.3.6. A combinação das noções de divisão
entre teoria e prática (entre leis abstratas e aplicações concretas) e de
aumento progressivo da modificabilidade resulta no que Augusto Comte chamava de
“fatalidades modificáveis”
6.3.7. Também é importante notar que o
conhecimento das leis naturais não é um capricho filosófico, moral,
intelectual; além de ser uma questão de economia mental (isto é, de redução de
esforços), as leis naturais
necessariamente têm que nos conduzir à previsão da realidade, de modo a
sabermos o que ocorrerá para melhorarmos a realidade e/ou evitarmos problemas;
em outras palavras, trata-se de aplicar de maneira decisiva o critério da
utilidade à mera realidade, conforme a máxima “saber para prever a fim de prover”
6.3.8. Os decretos metafísicos contra as
leis naturais humanas, tachando-as de “deterministas” e/ou de inúteis, fazem
questão de ignorar o que é a liberdade humana, o que são as leis naturais em
termos estáticos, o que são as leis naturais em termos dinâmicos e quais as
utilidades das leis naturais
6.3.9. Uma última observação preliminar
sobre as leis naturais humanas: enquanto as ciências inferiores, da Matemática
à Biologia, produzem tecnologias como
aplicações práticas, as ciências superiores (a Sociologia e a Moral) produzem artes de aconselhamento, resultando na
política, na pedagogia e na prática terapêutica
6.3.9.1.
As
artes de aconselhamento das ciências superiores baseiam-se na separação entre
os dois poderes, na dignidade humana, no altruísmo, na fraternidade, no
resoluto pacifismo, na noção de deveres; em outras palavras, são
aconselhamentos baseados na liberdade, no respeito ao ser humano, na rejeição
da violência e na rejeição da tecnocracia
6.4. Passando enfim a cada uma das leis
dos três estados: a lei intelectual
dos três estados estabelece que a compreensão dos fenômenos atravessa três
fases: teológica, metafísica e positiva, com uma velocidade proporcional à generalidade
dos fenômenos correspondentes
6.4.1. Isso significa dizer que todas as
concepções humanas começam teológicas e terminam positivas, passando por uma
fase intermediária, que é meio teológica e meio positiva
6.4.2. Uma outra forma de apresentar
essa lei é afirmar que todas as concepções humanas começam absolutas e terminam
relativas
6.4.3. A velocidade da passagem da
teologia para a positividade depende da generalidade da concepção estudada:
concepções, ou fenômenos, mais gerais, mais amplos, tornam-se positivos mais rapidamente;
fenômenos mais restritos, ou mais complicados, demoram mais
6.4.4. Abordamos essa lei quando, em 23
de São Paulo de 170 (11.6.2024), fizermos a prédica sobre a generalidade filosófica como quarto estado; naquela ocasião, nosso
amigo Hernani fez uma observação muito importante: Augusto Comte elaborou a lei
intelectual dos três estados inicialmente como uma descrição histórica sumária; depois tratou de determinar seus mecanismos sociais e intelectuais internos,
demonstrando e deduzindo suas diversas fases; finalmente, nosso mestre desenvolveu seus procedimentos subjetivos e seus
resultados morais profundos
“Em sua primeira
fase, mais objetiva, Augusto Comte havia formulado a lei dos três estados a
partir das produções exteriores da Humanidade. Ela é então uma apresentação
eminentemente histórica e empírica. A teologia, a metafísica e a ciência são aí
oferecidas como sinais empíricos reveladores dessa passagem íntima.
Na segunda de suas
fases, progressivamente subjetiva, a formulação de Augusto Comte enuncia a
mesma lei considerando antes o caráter interno de cada estado, ou seja, o
caráter lógico inerente de cada um deles. Então se tratou de revelar o caráter
fictício das construções da teologia, o caráter abstrato das especulações
metafísicas e o caráter positivo das leis da ciência.
A morte privou
Augusto Comte de uma terceira formulação da lei da evolução intelectual, na
qual o conjunto do Positivismo já pudesse ser apresentado como livre dos
últimos vestígios do cientificismo, o que já havia ocorrido a partir do quarto
volume da Política positiva, de 1854, com a teoria subjetiva dos
números, com a incorporação do fetichismo etc.”
6.4.5. Isso é importante de indicar
porque Augusto Comte começou a elaborar a lei intelectual entendendo que a
terceira fase seria “científica”, em vez de “positiva”; ora, a cientificidade é
importante, mas por si só ela é insuficiente, é fragmentária, é parcial, é
afetivamente pobre e tende com escandalosa facilidade para o absolutismo; além
disso, a concepção cientificista rejeita a noção de “religião”, que se torna
assim sinônima da teologia
6.4.6. Foi em virtude desses inúmeros e
graves problemas que, após concluir a redação da Filosofia positiva e já sob o santo influxo de Clotilde, Augusto
Comte percebeu que seria necessário avançar a classificação das ciências,
ampliar a lei dos três estados, mudar a concepção de religião e aprofundar o
caráter filosófico e moral do Positivismo: todas esses avanços foram
entrevistos a partir de 1846, embora tenham sido formalizados aos poucos desde
então até a morte de nosso mestre (com promessas claras de desenvolvimentos posteriores
ainda maiores)
6.4.7. O resultado dessas mudanças todas
foi a própria concepção de religião como sujeita à lei dos três estados, em que
a teologia foi apenas uma forma, preliminar mas superada, de religião – e em
que a religião é a disciplina geral da existência humana, com vistas à harmonia
coletiva e individual
6.4.8. É importante notar que a
seqüência da lei intelectual dos três estados estabelece etapas sucessivas,
isto é, fases que se sucedem e que não voltam: o relativismo sucede o
absolutismo e deixa este para trás
6.4.9. As fases superadas devem ser
conhecidas, respeitadas e, na medida do possível, terem seus materiais
positivados; mas não se deve empregá-los pura e simplesmente como eram
empregados nas épocas de seus apogeus: essa aplicação acrítica é prejudicial,
irracional e imoral
6.4.10. Também é importante indicar que a
lei intelectual dos três estados é uma lei da subjetividade humana,
considerando que se trata da evolução das formas de interpretação (subjetiva)
da realidade
6.5. A lei prática dos três estados estabelece que a atividade humana é
primeiro militar conquistadora, depois militar defensiva e finalmente pacífica
e industrial
6.5.1. Essa fórmula considera a guerra
conquistadora, não a guerra de extermínio
6.5.2. A passagem das guerras de
conquista para as de defesa ocorreu várias vezes ao longo da história; mas a
transição final para a sociedade pacífica e industrial é mais difícil e exigiu
a transição específica ao Ocidente
6.5.3. A sociedade pacífica e industrial
é aquela em que a violência é substituída pelas atividades pacíficas, seja como
parâmetro de regulação geral, seja como procedimento para obtenção e geração de
riquezas
6.5.4. A sociedade pacífica e industrial
baseia-se, então, na liberdade e na dignidade universal, especialmente dos
trabalhadores, com pátrias – ou melhor, mátrias – pequenas, com
responsabilidade individual e coletiva, confiança compartilhada e fraternidade
universal
6.5.5. Assim como no caso da lei
intelectual, a lei prática dos três
estados estabelece uma seqüência de fases sucessivas, ou seja, de fases que se
sucedem e não voltam: a atividade militar defensiva sucede à fase militar
conquistadora (ao ter sido preparada por esta); da mesma forma, a fase pacífica
e industrial sucede à fase militar defensiva (tendo sido preparada por esta)
6.6. A última lei dos três estados é a
afetiva, referente aos âmbitos de
sociabilidade: a sociabilidade é primeiro na família, depois nas pátrias e
finalmente na Humanidade
6.6.1. Essa lei também aceita uma
interpretação puramente empírica e histórica e, em seguida, uma interpretação
biológica e moral:
6.6.1.1.
Por
um lado, de fato, as sociedades humanas cresceram ao longo dos milênios das
associações familiares (e familistas) para as pátrias (cada vez maiores) e daí
para a concepção e a prática da Humanidade
6.6.1.2.
Por
outro lado, família, pátria e Humanidade são os três graus fundamentais da
sociabilidade humana; eles baseiam-se nos três instintos altruístas (veneração,
apego e bondade) e seus fundamentos referem-se às três partes da natureza
humana (sentimentos, atividade prática e inteligência)
6.6.2. Ao contrário das duas outras
leis, a lei afetiva dos três estados apresenta um funcionamento interno diferente,
pois ela permite e exige a acumulação de cada uma das três etapas: as mátrias
não anulam as famílias, assim como a Humanidade não anula as mátrias; a
Humanidade mantém e requer as mátrias, assim como estas mantêm e requerem as
famílias
7. Invocação final
Referências
- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva (Paris,
Société Positiviste, 5e ed., 1893)
- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, L.
Mathias, 1851-1854)
- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro,
Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.
- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro,
Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934)
- Gustavo
Biscaia de Lacerda (port.): Prédica
positiva “Síntese subjetiva e relativa como quarto estado” (Curitiba,
Igreja Positivista Virtual, 11.6.2024): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2024/06/sintese-subjetiva-e-relativa-como.html.
- Raimundo Teixeira Mendes
(port.), As últimas concepções de Augusto
Comte (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-i
e https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-ii.
- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.