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27 agosto 2025

O início do Positivismo: as três leis dos três estados

No dia 14 de Gutenberg de 171 (26.8.2025) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte - "doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores").

No sermão abordamos o início do Positivismo, ou seja, as três leis dos três estados.

Também fizemos referência à publicação, pela Revista Parajás, de uma longa entrevista que seus editores fizeram conosco, disponível aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/08/revista-parajas-entrevista-com-gustavo.html.

Da mesma forma, fizemos referência à defesa honesta, corajosa e simpática que o católico Deyvid Antônio fez do Positivismo, da Religião da Humanidade e também do Apelo aos conservadores, como se vê aqui: https://www.youtube.com/watch?v=mA0zUWgBcKM.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/siZ2uP8TyD0) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/2562584607432845/).

As anotações que serviram de base para a exposição encontram-se disponíveis abaixo.

*   *   *

As três leis dos três estados

(14.Gutenberg.171/26.8.2025) 

1.      Invocação inicial

2.      Datas e celebrações:

2.1.   Nesta semana não temos nenhuma celebração especial

3.      Notícia sobre a publicação da entrevista à Revista Parajás

3.1.   O artigo “Entre o Positivismo, a academia e o poder Espiritual: uma entrevista com Gustavo Biscaia de Lacerda” foi publicado no v. 7, n. 2, p. 1-65 (Montes Claros, 2024)

3.2.   É uma longa entrevista – com 65 páginas! –, que aborda os mais variados aspectos da minha atuação: como pesquisador, como positivista, como cidadão, como ser humano

3.3.   Agradeço imensamente à equipe da Revista Parajás, em particular a Ricardo Cortez Lopes e a Renat Nureyev Mendes, pela possibilidade de conceder essa entrevista

3.4.   O texto está disponível aqui: https://revistaparajas.com.br/index.php/rv1/article/view/133/99.

4.      Leitura comentada do Apelo aos conservadores

4.1.   Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

4.1.1.     O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

4.1.1.1.           O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

4.1.1.2.           Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

4.2.   Outras observações:

4.2.1.     Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

4.2.2.     O capítulo em que estamos é a “Primeira Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”

4.3.   Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!


Quadro da alma humana - Apelo aos conservadores, p. 63


5.      Exortações

5.1.   Sejamos altruístas!

5.2.   Façamos orações!

5.3.   Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

5.4.   Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

6.      Sermão: as três leis dos três estados

6.1.   Tendo sido muito conhecido no século XIX e nas décadas iniciais do século XX, desde o período entre-guerras – ou seja, desde a ascensão das metafísicas do nazifascismo, do comunismo, do existencialismo e do irracionalismo de modo geral – o Positivismo tornou-se um desconhecido do grande público

6.1.1.     Esse desconhecimento, como já cansamos de indicar, anda junto com a eleição do Positivismo como o inimigo preferencial de todos os que querem indicar inimigos a combater, seja em termos intelectuais, seja em termos políticos; em outras palavras, o Positivismo é o bode expiatório preferencial, eleito para essa duvidosa posição por autoritários (comunistas, nazifascistas), democráticos e teológicos

6.1.2.     De qualquer maneira, enquanto era melhor conhecido, o Positivismo produzia seus efeitos mais importantes: afirmação da fraternidade, preocupações sociais, visão de conjunto, combate à violência, promoção da tolerância e da concórdia etc.; em suma, união da ordem e do progresso

6.1.3.     Além disso, de maneira correlata, para aplicação do Positivismo conheciam-se melhor, e mais adequadamente, as suas diversas concepções, entre as quais as leis dos três estados

6.2.   As leis dos três estados são a base e o início filosófico e científico do Positivismo

6.2.1.     Esse início é tanto do ponto de vista teórico quanto cronológico: a sistematização desenvolvida por Augusto Comte começa com a reflexão das leis dos três estados, que, por sua vez, realizou-se logo no início da carreira adulta de nosso mestre (em 1822)

6.2.1.1.           Vale notar que Augusto Comte jamais considerou que as leis dos três estados são concepções puramente abstratas postuladas a priori; bem ao contrário, elas são elaborações com base empírica, a partir da observação histórica; o seu próprio conteúdo indica a longa série de observações e passos necessários para o ser humano compreender o mundo em que vive e a si mesmo

6.2.1.2.           Não por acaso, o conjunto das condições mentais, sociais e afetivas necessário para a apreensão e o entendimento da realidade está consignado na “Filosofia Primeira”, em um total de 15 leis

6.2.1.2.1.                As três leis dos três estados estão no “Segundo grupo – essencialmente subjetivo”, na sua “primeira série – leis dinâmicas do entendimento”, da Filosofia Primeira, correspondendo às leis de números VII a IX


Leis da Filosofia Primeira - Catecismo positivista, 4a. ed., 1936, p. 479

6.2.2.     Estamos falando em leis, no plural, porque é exatamente disso que se trata: são três leis, uma para cada aspecto da natureza humana (afetivo, intelectual e prático)

6.2.2.1.           As três leis são estas:

6.2.2.1.1.                Lei intelectual: toda concepção passa por três estados sucessivos, teológico, metafísico e positivo, com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes

6.2.2.1.2.                Lei prática: a atividade humana é sucessivamente militar conquistadora, depois militar defensiva e por fim pacífico-industrial

6.2.2.1.3.                Lei afetiva: a sociabilidade humana é sucessivamente doméstica, depois cívica e enfim universal, seguindo a natureza de cada um dos três instintos simpáticos [veneração, apego e bondade]

6.2.2.2.           A primeira lei a ser descoberta foi a lei intelectual; em seguida foi a prática; finalmente, foi a afetiva

6.2.2.3.           Associada à lei intelectual dos três estados há a lei da classificação das ciências

6.2.2.3.1.                A lei da classificação organiza as ciências fundamentais em número de sete, que vão da mais geral, mais simples, mais objetiva e mais abstrata à mais específica, mais subjetiva, mais complicada e mais concreta

6.2.2.3.2.                As ciências fundamentais são estas: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia, Sociologia e Moral

6.2.2.3.3.                A lei da classificação (1) explica e exemplifica a lei dos três estados; (2) apresenta um painel da compreensão da realidade; (3) apresenta e aplica a regra de classificação

6.2.2.3.4.                Augusto Comte desenvolveu uma série de reflexões sobre a lei das classificações e sobre as ciências fundamentais, estabelecendo diferentes arranjos que apresentam, cada qual, diferentes propriedades lógicas, morais e práticas; o arranjo final, presente na Síntese subjetiva, estabelece três grandes ciências: Lógica (Matemática), Física (Astronomia, Física, Química) e Moral (Biologia, Sociologia, Moral)

6.3.   Antes de tratarmos de cada uma das três leis dos três estados, é necessário fazermos alguns comentários sobre a concepção de leis sociológicas, especialmente de algumas objeções a elas, a fim de limparmos o terreno

6.3.1.     É moda nas Ciências Sociais e na Filosofia, a partir de variadas concepções metafísicas, decretar que não existem leis nas ciências humanas, pois o ser humano seria “livre”:

6.3.1.1.           Segundo esses metafísicos, a afirmação de leis naturais próprias aos seres humanos negaria sua “liberdade”, ou melhor, nos termos caracteristicamente usados, as leis naturais humanas seriam “deterministas” e negariam o “livre arbítrio”

6.3.1.2.           Evidentemente, o Positivismo afirma a liberdade humana, bem como a dignidade; entretanto, os termos e os raciocínios metafísicos são profundamente equivocados e daninhos

6.3.2.     As críticas metafísicas baseiam-se em uma série de equívocos e erros, ainda que por vezes se baseiem em uma preocupação (mística) com a dignidade humana

6.3.2.1.           O primeiro erro é o de conceber que estar submetido a constrangimentos e obedecer a regularidades impede a liberdade humana: ora, seja como ausência de obstáculos, seja como possibilidade efetiva de escolhas, as leis naturais não “impedem” nossa liberdade, embora com certeza condicionem e limitem-na

6.3.2.2.           Na verdade, bem vistas as coisas, as vidas de todos nós apresentam obstáculos e limitações, alguns contornáveis, outros irremovíveis: nem por isso se fala, com propriedade, a sério, em “ausência de liberdade”

6.3.2.3.           As leis naturais não criam os fenômenos; elas descrevem os fenômenos que ocorrem

6.3.2.3.1.                Assim, por exemplo, a lei da gravidade não criou a gravidade; na medida do possível, a lei descreve e indica suas condições e possibilidades

6.3.2.4.           Ao contrário do que as críticas metafísicas decretam, são justamente as leis naturais (seja por meio de seu conhecimento, seja por meio das técnicas surgidas a partir desse conhecimento) que permitem que o ser humano realize e amplie sua liberdade – mas sempre conforme a elaboração de Francis Bacon: “dominamos a natureza submetendo-nos a ela

6.3.2.5.           A concepção de liberdade dos metafísicos é precisamente metafísica, ficando a meio caminho entre a teologia e a positividade: mantém os raciocínios teológicos, de maneira degradada, e, embora tenda à positividade, simplesmente não é positiva e não entende a positividade

6.3.2.6.           A concepção metafísica de liberdade postula o “livre arbítrio”, que é uma concepção tipicamente teológica, em que as divindades concedem ao ser humano a possibilidade de escolher cultuar ou não a própria divindade

6.3.2.7.           De maneira mais ampla, essa concepção metafísica espelha a liberdade atribuída às divindades, em particular as monoteístas, que podem fazer tudo o que desejarem, de maneira caprichosa, voluntariosa e sem quaisquer parâmetros (ou seja, de maneira absoluta): é claro que considerando uma concepção de liberdade como essa – concepção infantil, ou melhor, adolescente, pois ciosa e intensamente imatura – qualquer constrangimento ou restrição será inaceitável e inadmissível

6.3.2.8.           Como dizia Augusto Comte, a partir de Montesquieu e de uma enorme tradição filosófica anterior, a liberdade consiste em seguir as leis próprias a cada corpo e/ou a cada fenômeno: uma pedra que cai é livre em seu movimento de queda; evidentemente, essa concepção está muito distante do conceito (teológico-metafísico) de liberdade como irresponsabilidade ou capricho

6.3.3.     Do ponto de vista da positividade, essa concepção caprichosa erra em dois aspectos: (1) em termos da diferença entre abstração e concretude (ou entre a teoria e a prática) e (2) em termos de modificabilidade crescente dos fenômenos mais complexos

6.3.4.     Há uma diferença fundamental, que os críticos metafísicos fazem questão de ignorarem, entre os enunciados abstratos e as aplicações concretas das leis naturais: os enunciados abstratos referem-se a partes específicas da realidade, enfocando os fenômenos, deixando de lado tudo aquilo que não diz respeito ao problema em questão; os esquemas abstratos existem apenas na mente dos pensadores, não na realidade; ora, a realidade funciona com corpos concretos interagindo, sofrendo múltiplas influências simultâneas; cada uma dessas influências é estudada abstratamente como fenômenos, mas concretamente eles influenciando-se e alterando-se

6.3.4.1.           O ser humano é capaz de determinar as leis abstratas e de examinar os comportamentos concretos; as interações mútuas são complicadíssimas e exigem pesquisas e atenção empírica

6.3.4.2.           O resultado disso é que as leis abstratas permitem-nos previsões, que devem ser aplicadas na prática conscientemente, isto é, com acompanhamento permanente: logo, há uma clara divisão entre a teoria e a prática

6.3.4.3.           As leis abstratas, por si sós, não impedem a liberdade humana; mas, de qualquer maneira, as possibilidades de ação são amplas na aplicação prática, a começar, evidentemente, pelas decisões de aplicar ou não na prática os conhecimentos teóricos, de quando e de como fazer essa aplicação; é por isso que Augusto Comte dizia que “para completar as leis são necessárias vontades

6.3.5.     Além da separação geral e estática entre teoria e prática, há um aspecto dinâmico próprio às diversas leis naturais, no sentido de que quanto mais complexa uma ciência, isto é, quanto mais restrita objetivamente e mais próxima subjetivamente do ser humano, maior o grau de modificabilidade dos fenômenos considerados

6.3.5.1.           Os maiores graus de modificabilidade significam que, quanto mais superiores forem as ciências – máxime a Sociologia e a Moral –, maiores as quantidades de influências prévias a que elas estão sujeitas e, portanto, maiores as possibilidades de modificações que elas sofrem; isso também significa que a quantidade material de empírico necessário para elaborar as leis é maior, que as generalizações são mais difíceis e que essas generalizações são menos precisas

6.3.5.2.           Ora, dizer que o grau de modificabilidade é maior equivale a dizer que as possibilidades de manipulação são maiores – o que significa que o grau de liberdade é maior

6.3.6.     A combinação das noções de divisão entre teoria e prática (entre leis abstratas e aplicações concretas) e de aumento progressivo da modificabilidade resulta no que Augusto Comte chamava de “fatalidades modificáveis”

6.3.7.     Também é importante notar que o conhecimento das leis naturais não é um capricho filosófico, moral, intelectual; além de ser uma questão de economia mental (isto é, de redução de esforços), as leis naturais necessariamente têm que nos conduzir à previsão da realidade, de modo a sabermos o que ocorrerá para melhorarmos a realidade e/ou evitarmos problemas; em outras palavras, trata-se de aplicar de maneira decisiva o critério da utilidade à mera realidade, conforme a máxima “saber para prever a fim de prover

6.3.8.     Os decretos metafísicos contra as leis naturais humanas, tachando-as de “deterministas” e/ou de inúteis, fazem questão de ignorar o que é a liberdade humana, o que são as leis naturais em termos estáticos, o que são as leis naturais em termos dinâmicos e quais as utilidades das leis naturais

6.3.9.     Uma última observação preliminar sobre as leis naturais humanas: enquanto as ciências inferiores, da Matemática à Biologia, produzem tecnologias como aplicações práticas, as ciências superiores (a Sociologia e a Moral) produzem artes de aconselhamento, resultando na política, na pedagogia e na prática terapêutica

6.3.9.1.           As artes de aconselhamento das ciências superiores baseiam-se na separação entre os dois poderes, na dignidade humana, no altruísmo, na fraternidade, no resoluto pacifismo, na noção de deveres; em outras palavras, são aconselhamentos baseados na liberdade, no respeito ao ser humano, na rejeição da violência e na rejeição da tecnocracia

6.4.   Passando enfim a cada uma das leis dos três estados: a lei intelectual dos três estados estabelece que a compreensão dos fenômenos atravessa três fases: teológica, metafísica e positiva, com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes

6.4.1.     Isso significa dizer que todas as concepções humanas começam teológicas e terminam positivas, passando por uma fase intermediária, que é meio teológica e meio positiva

6.4.2.     Uma outra forma de apresentar essa lei é afirmar que todas as concepções humanas começam absolutas e terminam relativas

6.4.3.     A velocidade da passagem da teologia para a positividade depende da generalidade da concepção estudada: concepções, ou fenômenos, mais gerais, mais amplos, tornam-se positivos mais rapidamente; fenômenos mais restritos, ou mais complicados, demoram mais

6.4.4.     Abordamos essa lei quando, em 23 de São Paulo de 170 (11.6.2024), fizermos a prédica sobre a generalidade filosófica como quarto estado; naquela ocasião, nosso amigo Hernani fez uma observação muito importante: Augusto Comte elaborou a lei intelectual dos três estados inicialmente como uma descrição histórica sumária; depois tratou de determinar seus mecanismos sociais e intelectuais internos, demonstrando e deduzindo suas diversas fases; finalmente, nosso mestre desenvolveu seus procedimentos subjetivos e seus resultados morais profundos

“Em sua primeira fase, mais objetiva, Augusto Comte havia formulado a lei dos três estados a partir das produções exteriores da Humanidade. Ela é então uma apresentação eminentemente histórica e empírica. A teologia, a metafísica e a ciência são aí oferecidas como sinais empíricos reveladores dessa passagem íntima.

Na segunda de suas fases, progressivamente subjetiva, a formulação de Augusto Comte enuncia a mesma lei considerando antes o caráter interno de cada estado, ou seja, o caráter lógico inerente de cada um deles. Então se tratou de revelar o caráter fictício das construções da teologia, o caráter abstrato das especulações metafísicas e o caráter positivo das leis da ciência.

A morte privou Augusto Comte de uma terceira formulação da lei da evolução intelectual, na qual o conjunto do Positivismo já pudesse ser apresentado como livre dos últimos vestígios do cientificismo, o que já havia ocorrido a partir do quarto volume da Política positiva, de 1854, com a teoria subjetiva dos números, com a incorporação do fetichismo etc.”

6.4.5.     Isso é importante de indicar porque Augusto Comte começou a elaborar a lei intelectual entendendo que a terceira fase seria “científica”, em vez de “positiva”; ora, a cientificidade é importante, mas por si só ela é insuficiente, é fragmentária, é parcial, é afetivamente pobre e tende com escandalosa facilidade para o absolutismo; além disso, a concepção cientificista rejeita a noção de “religião”, que se torna assim sinônima da teologia

6.4.6.     Foi em virtude desses inúmeros e graves problemas que, após concluir a redação da Filosofia positiva e já sob o santo influxo de Clotilde, Augusto Comte percebeu que seria necessário avançar a classificação das ciências, ampliar a lei dos três estados, mudar a concepção de religião e aprofundar o caráter filosófico e moral do Positivismo: todas esses avanços foram entrevistos a partir de 1846, embora tenham sido formalizados aos poucos desde então até a morte de nosso mestre (com promessas claras de desenvolvimentos posteriores ainda maiores)

6.4.7.     O resultado dessas mudanças todas foi a própria concepção de religião como sujeita à lei dos três estados, em que a teologia foi apenas uma forma, preliminar mas superada, de religião – e em que a religião é a disciplina geral da existência humana, com vistas à harmonia coletiva e individual

6.4.8.     É importante notar que a seqüência da lei intelectual dos três estados estabelece etapas sucessivas, isto é, fases que se sucedem e que não voltam: o relativismo sucede o absolutismo e deixa este para trás

6.4.9.     As fases superadas devem ser conhecidas, respeitadas e, na medida do possível, terem seus materiais positivados; mas não se deve empregá-los pura e simplesmente como eram empregados nas épocas de seus apogeus: essa aplicação acrítica é prejudicial, irracional e imoral

6.4.10. Também é importante indicar que a lei intelectual dos três estados é uma lei da subjetividade humana, considerando que se trata da evolução das formas de interpretação (subjetiva) da realidade

6.5.   A lei prática dos três estados estabelece que a atividade humana é primeiro militar conquistadora, depois militar defensiva e finalmente pacífica e industrial

6.5.1.     Essa fórmula considera a guerra conquistadora, não a guerra de extermínio

6.5.2.     A passagem das guerras de conquista para as de defesa ocorreu várias vezes ao longo da história; mas a transição final para a sociedade pacífica e industrial é mais difícil e exigiu a transição específica ao Ocidente

6.5.3.     A sociedade pacífica e industrial é aquela em que a violência é substituída pelas atividades pacíficas, seja como parâmetro de regulação geral, seja como procedimento para obtenção e geração de riquezas

6.5.4.     A sociedade pacífica e industrial baseia-se, então, na liberdade e na dignidade universal, especialmente dos trabalhadores, com pátrias – ou melhor, mátrias – pequenas, com responsabilidade individual e coletiva, confiança compartilhada e fraternidade universal

6.5.5.     Assim como no caso da lei intelectual, a lei prática dos três estados estabelece uma seqüência de fases sucessivas, ou seja, de fases que se sucedem e não voltam: a atividade militar defensiva sucede à fase militar conquistadora (ao ter sido preparada por esta); da mesma forma, a fase pacífica e industrial sucede à fase militar defensiva (tendo sido preparada por esta)

6.6.   A última lei dos três estados é a afetiva, referente aos âmbitos de sociabilidade: a sociabilidade é primeiro na família, depois nas pátrias e finalmente na Humanidade

6.6.1.     Essa lei também aceita uma interpretação puramente empírica e histórica e, em seguida, uma interpretação biológica e moral:

6.6.1.1.           Por um lado, de fato, as sociedades humanas cresceram ao longo dos milênios das associações familiares (e familistas) para as pátrias (cada vez maiores) e daí para a concepção e a prática da Humanidade

6.6.1.2.           Por outro lado, família, pátria e Humanidade são os três graus fundamentais da sociabilidade humana; eles baseiam-se nos três instintos altruístas (veneração, apego e bondade) e seus fundamentos referem-se às três partes da natureza humana (sentimentos, atividade prática e inteligência)

6.6.2.     Ao contrário das duas outras leis, a lei afetiva dos três estados apresenta um funcionamento interno diferente, pois ela permite e exige a acumulação de cada uma das três etapas: as mátrias não anulam as famílias, assim como a Humanidade não anula as mátrias; a Humanidade mantém e requer as mátrias, assim como estas mantêm e requerem as famílias

7.      Invocação final

 

Referências

- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva (Paris, Société Positiviste, 5e ed., 1893)

- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, L. Mathias, 1851-1854)

- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.

- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934)

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.): Prédica positiva “Síntese subjetiva e relativa como quarto estado” (Curitiba, Igreja Positivista Virtual, 11.6.2024): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2024/06/sintese-subjetiva-e-relativa-como.html.

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), As últimas concepções de Augusto Comte (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-i e https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-ii.

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.

06 março 2025

Revista de Teoria da História: "Augusto Comte - a positividade filosófica como quarto estágio intelectual"

A Revista de Teoria da História, da Universidade Federal de Goiás, em seu v. 27, n. 2, de 2024, publicou uma tradução anotada que fizemos de duas cartas de Augusto Comte enviadas a seu discípulo marselhês Jorge Audiffrent em 1856. 

Essas duas cartas têm o aspecto central de, entre outros temas, indicarem que a verdadeira positividade constitui-se em um quarto estágio do pensamento, superior à mera cientificidade. Assim, essas duas cartas apresentam a maior importância filosófica, sociológica e histórica, motivo pelo qual foram traduzidas.

Vale notar que a tradução da íntegra dessas cartas é inédita em português (trechos delas foram traduzidos por Teixeira Mendes em 1898).

O texto, que foi publicado com o título "Augusto Comte - a positividade filosófica como quarto estágio intelectual", pode ser lido aqui ou aqui.