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02 outubro 2024

O Positivismo é eurocêntrico?

No dia 23 de Shakespeare de 170 (1.10.2024) realizamos nossa prédica positiva, continuando a leitura comentada do Catecismo positivista, em sua décima terceira conferência, dedicada à evolução histórica da religião, em particular à tríplice transição ocidental.

No sermão abordamos a seguinte questão: o Positivismo é eurocêntrico?

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/D8kIT) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/Fcspw).

Os tempos da prédica foram os seguintes:

00:00 - início e invocação inicial
02:17 - exortações iniciais
07:40 - efemérides
09:46 - leitura comentada do Catecismo Positivista
48:09 - o Positivismo é eurocêntrico?
02:15:15 - exortações finais
02:18:59 - invocação final e término

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Prédica positiva

(23.Shakespeare.170/1.10.2024) 

1.       Invocação inicial

2.       Exortações iniciais

2.1.1. Sejamos altruístas!

2.1.2. Façamos orações!

2.1.3. Façamos o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides

3.1.1. Live AOP com Felipe Zorzi: 3 de outubro: “Educação e política: uma reflexão sobre socialização de jovens no Brasil”

3.1.2. Lembrança: eleições para prefeitos e vereadores no dia 6 de outubro

4.       Leitura comentada do Catecismo positivista

4.1.    Leitura da 13ª conferência: tríplice transição ocidental

4.2.    Antes de mais nada, vale notar que as análises histórico-sociológicas presentes nas duas últimas conferências do Catecismo (a 12ª e a 13ª), além de explicarem e justificarem o movimento moderno e, daí, a possibilidade e a necessidade do Positivismo, também permitem compreender como o Positivismo não é um eurocentrismo

5.       Sermão: o Positivismo é eurocêntrico?

5.1.    A pergunta “o Positivismo é eurocêntrico?” procura responder a uma questão, na verdade uma acusação, feita com freqüência contra nós

5.1.1. Essa acusação é tão mais comum quanto ela parece fácil e evidente

5.1.1.1.             Entretanto, a facilidade com que se acusa de “eurocêntrico” o Positivismo esconde na verdade a sua superficialidade, a sua banalidade e a confusão moral e política implícita

5.1.2. Exatamente a superficial facilidade dessa acusação, juntamente com a relevância política da preocupação subjacente, torna o tema do eurocentrismo algo urgente de ser tratado

5.2.    Comecemos então perguntando e definindo: o que é o eurocentrismo?

5.2.1. Podemos assumir como definição mínima de eurocentrismo o seguinte: é a visão de mundo, e/ou a perspectiva, que considera que a Europa é o centro do mundo, ou que é o parâmetro supremo de avaliação e de condução da política e da moral humanas

5.2.1.1.             Com freqüência o eurocentrismo é confundido com um “ocidentocentrismo” (centralidade atribuída ao Ocidente), embora, é claro, sejam coisas diferentes

5.2.2. Na verdade, convém entender o eurocentrismo como uma forma específica de etnocentrismo, ou seja, como uma forma específica de considerar que uma determinada sociedade (ou cultura, ou até civilização) é o centro do mundo

5.2.2.1.             Nesse sentido, assim como há o eurocentrismo, há também o “americanocentrismo”, o “latinoamericanocentrismo”, o “afrocentrismo”, o sinocentrismo, o russocentrismo, o arabocentrismo etc.

5.2.2.2.              Em um sentido muito geral e muito suave, podemos dizer que toda sociedade é autocentrada e que se percebe como a referência fundamental: com toda a evidência, a China é sinocêntrica, a Rússia é russocêntrica, os Estados Unidos são “americanocêntricos” etc.

5.3.    A crítica ao eurocentrismo conjuga na verdade muitas concepções intelectuais e juízos morais e políticos:

5.3.1. Essa conjugação nem sempre é evidente e os elementos que indicaremos nem sempre estão todos eles presentes; mas, ainda assim, com enorme freqüência eles estão presentes mas não são explicitados

5.3.2. As concepções e os juízos são os seguintes:

5.3.2.1.             Crítica à saudade colonial européia

5.3.2.2.             Crítica à saudade colonial e/ou ao imperialismo ocidental

5.3.2.3.             Exigência de respeito e de dignidade para com outros países, povos e civilizações não ocidentais

5.3.2.4.             Exigência de valorização das histórias e das concepções não européias

5.3.2.5.             Afirmação de que as concepções e os valores europeus/ocidentais são sempre e necessariamente particularistas

5.3.2.6.             Afirmação de que as concepções e os valores europeus/ocidentais são sempre e necessariamente opressores, expoliadores, alienadores etc.

5.3.2.7.             Afirmação de que as práticas e as instituições criadas, mantidas e apoiadas pela Europa e/ou pelo Ocidente são sempre e necessariamente opressoras, expoliadoras, alienadoras etc.

5.3.2.8.             Afirmação de que a mera valorização de concepções, práticas e valores não ocidentais bastará para criar uma ordem internacional justa

5.3.2.9.             Afirmação de que uma ordem internacional justa requer necessariamente o combate a concepções, valores e práticas europeus/ocidentais

5.3.2.10.          Afirmação de que valores, práticas e concepções não ocidentais não são opressivas, expoliadoras, alienadoras, particularistas etc.

5.3.3. A respeito dos elementos acima, o que podemos dizer é o seguinte:

5.3.3.1.             Os quatro primeiros itens são indiscutíveis, na medida em que eles afirmam e exigem a dignidade básica de todos os seres humanos; portanto, são itens de grande positividade

5.3.3.2.             Os outros seis itens têm um caráter destruidor e raivosamente particularista; embora de uma perspectiva histórica e moral ampla eles até sejam compreensíveis, eles não são justificáveis; eles apresentam um forte caráter metafísico

5.4.    Qual a origem histórica do eurocentrismo?

5.4.1. Podemos considerar que a origem histórica do eurocentrismo liga-se à expansão européia a partir do século XV (inaugurada pela tomada de Ceuta, pelos portugueses, em 1415)

5.4.1.1.             Até então, o mundo seria “multipolar”, isto é, com vários pólos de poder: China, Islã (com os califados no Egito e na Turquia), talvez Japão, Índia etc.

5.4.1.2.             A partir do século XV a Europa começou a sua expansão marítimo-comercial-militar, impondo-se progressivamente ao mundo e unificando-o: o eurocentrismo no mundo foi uma decorrência natural disso

5.4.2. Em termos gerais, podemos dizer que houve pelo menos dois ciclos de colonização:

5.4.2.1.             Um primeiro, nos séculos XV a XVIII, que se concentrou nas Américas e que terminou com a independência desses países

5.4.2.2.             Um segundo na segunda metade do século XIX, embora iniciado nos anos 1830 (invasão francesa da Argélia), que se estendeu até a II Guerra dos 30 Anos (1914-1945) e que visou à África e à Ásia

5.4.3. Tal situação vigeu até a II Guerra dos 30 Anos (1914-1945): após ela a Europa estava destroçada, os Estados Unidos surgiram como a grande e única superpotência mundial (até 1949) e ocorreu a Guerra Fria (1947-1989)

5.4.3.1.             Após a II Guerra dos 30 Anos, a Europa não teve mais condições financeiras, humanas nem morais para manter os grandes impérios coloniais; assim, aos poucos, de diferentes maneiras, ocorreu o processo de independência das antigas colônias européias na África e na Ásia

5.4.3.1.1.                   Houve processos mais ou menos indolores, embora iniciados décadas antes, como a independência da Índia em relação à Inglaterra, em 1947

5.4.3.1.2.                   Houve processos traumáticos, como a independência da Indochina (depois Vietnã) (1955) e da Argélia (1962) em relação à França e de Angola (1975) e Moçambique (1975) em relação a Portugal

5.4.4. Embora fosse possível falar-se em eurocentrismo e criticá-lo antes do processo de descolonização, o fato é que foi a descolonização que a crítica ao eurocentrismo assumiu maior densidade filosófica e política

5.5.    A descolonização assumiu grande intensidade nos anos 1960 e, a partir daí, desenvolveu-se o chamado movimento do “Terceiro Mundo”

5.5.1. O terceiromundismo era ao mesmo tempo uma crítica à divisão bipolar do mundo, própria à Guerra Fria, e a afirmação da particularidade das vistas e das necessidades das antigas colônias européias

5.5.1.1.             Um aspecto específico do terceiromundismo era a defesa dos países subdesenvolvidos, não desenvolvidos e em desenvolvimento, em contraposição aos países desenvolvidos (no caso, os blocos capitalista e comunista)

5.5.1.2.             O terceiromundismo era ambíguo, pois, embora criticasse a divisão bipolar do mundo, incluía em suas fileiras países comunistas, como Cuba, China e Iugoslávia

5.6.    Nas últimas décadas, o terceiromundismo como tal perdeu relevância: o seu discurso desgastou-se e cansou; a referência ao “terceiro” mundo perdeu sentido (com o fim da Guerra Fria); a referência maior aos países não desenvolvidos também perdeu relevância (a China e a Rússia não são subdesenvolvidas; algo parecido pode ser dito do Brasil e da Índia)

5.6.1. No lugar do terceiromundismo, o que há desde os anos 1990 é a afirmação do “Sul Global”

5.6.1.1.             O “Sul Global” contrapõe-se aos países ricos do “Norte Global” (Estados Unidos e Canadá, Europa Ocidental, Japão, Austrália)

5.6.1.2.             Além da crítica econômica e política ao Norte Global, há a cobrança de um mundo multipolar – portanto, não mais eurocêntrico/“americanocêntrico”/“ocidentocêntrico”

5.6.1.2.1.                   O movimento do Sul Global tem algumas ambigüidades semelhantes às do terceiromundismo: não se pode com seriedade considerar que a China é um país secundário, que não é uma superpotência, que não tem uma ação colonialista; de maneira semelhante, embora a Rússia já não seja a potência econômica e militar que foi nos anos 1960, certamente ela não é um país secundário e não é um país pacifista; coisas semelhantes podem ser ditas de outros países

5.7.    Associado ao movimento político e econômico, o “Sul Global” cobra e esforça-se por desenvolver intelectualmente perspectivas e epistemologias “locais”

5.7.1. Esses esforços intelectuais realizam críticas filosóficas e políticas ao eurocentrismo/ocidentocentrismo e, de modo mais amplo, ao imperialismo/colonialismo ocidental

5.7.2. Motivadas basicamente por sentimentos e perspectivas gerais corretas, essas concepções gozam de ampla popularidade intelectual mas com freqüência e com facilidade descambam para exageros e erros

5.7.2.1.             Esses erros e exageros infelizmente não são excepcionais

5.7.2.2.             Esses erros e exageros derivam dos sentidos implícitos da crítica ao eurocentrismo, que indicamos acima, nos itens 5.3.2.5 a 5.3.2.10

5.7.3. Dois exemplos desses erros e exageros são as teses do “orientalismo”, desenvolvida pelo palestino Edward Said (1979), e a da “Atenas negra”, do estadunidense Martin Bernal (1987-2006)

5.7.4. Em todo caso, é bastante claro que os Estados Unidos e a Europa Ocidental mantêm um forte imperialismo cultural, quando não uma forte saudade colonial

5.7.4.1.             Isso pode ser visto com clareza no âmbito das Ciências Sociais, como as críticas feitas pelos nossos Guerreiro Ramos (1915-1982) e Darcy Ribeiro (1922-1997) bem exemplificam

5.8.    A partir das críticas “descoloniais”, do “Sul Global”, terceiromundistas etc. desenvolvem-se exigências de um “verdadeiro” universalismo, que abranja o mundo todo

5.8.1. A crítica ao eurocentrismo perfila-se a essa exigência

5.8.2. Os vários sentidos da crítica ao eurocentrismo começam, nesse ponto, a apresentar suas dificuldades e suas ambigüidades

5.8.2.1.             Como uma forma de realizar esse “verdadeiro universalismo”, propõe-se o multiculturalismo (associado à multipolaridade), que é entende que a ordem social atual (criada, mantida e promovida pelo Ocidente) é opressora, que portanto o bem comum e o universalismo não existem e que eles devem ser substituídos pela justaposição de perspectivas particulares, que, dessa forma, poderão ser respeitadas e valorizadas

5.9.    Feita essa breve revisão sobre a crítica ao eurocentrismo, podemos tratar do Positivismo e do seu suposto eurocentrismo

5.10.                     Comecemos com a particularidade do Ocidente para o Positivismo

5.10.1.   Augusto Comte reconhece uma natureza humana geral, (1) comum a todos os seres humanos e (2) que se realiza ao longo do tempo

5.10.1.1.          Essa natureza humana é o fundamento de toda e qualquer concepção universalista

5.10.1.2.          No fundo existe apenas um único ser humano

5.10.1.3.          A única forma de criar concepções e instituições universais é baseando-se nessa concepção

5.10.1.3.1.                Sem essa concepção fundamental há apenas a justaposição de particularismos e/ou a imposição tirânica de alguns povos sobre outros

5.10.1.4.          A partir da unidade da natureza humana, as diferenças que se verificam concretamente são devidas a ritmos, a situações e a preocupações específicas de cada povo, de cada sociedade, de cada civilização

5.10.1.5.          Se existe apenas um único ser humano, os diferentes ritmos e resultados têm que ser respeitados em suas particularidades

5.10.1.6.          Ao mesmo tempo, na medida em que há apenas um único ser humano, as particularidades de tempo e espaço não devem ser vistas como devendo fechar-se em si mesmas nem devendo ser estáticas: o ser humano foi feito para relacionar-se e foi feito para desenvolver-se

5.10.1.7.          Em face do aspecto sensível da presente discussão, importa reafirmar com muita clareza: as relações e os desenvolvimentos devem ser feitos respeitando-se a dignidade humana e as particularidades específicas

5.10.2.   A partir da comum natureza humana, todas as civilizações começaram no fetichismo e depois foram para as teocracias

5.10.3.   O Ocidente tem sua particularidade: sua história corresponde à transição das teocracias antigas à modernidade, passando pela tríplice transição (Grécia, Roma, Idade Média) e pelo duplo movimento moderno (destruidor/construtor)

5.10.4.   O desenvolvimento do Ocidente foi ao mesmo tempo específico e geral: a transição das teocracias à modernidade ocorreu no Ocidente, mas, se não tivesse ocorrido ali, teria ocorrido em algum outro lugar, em outro momento: é isso que se depreende (1) da natureza humana comum que se realiza ao longo do tempo e também (2) da noção de “lei sociológica”

5.10.4.1.          A marcha própria ao Ocidente é e não é generalizável: os resultados gerais da transição são plenamente generalizáveis, mas os grandes traços da transição e os seus aspectos específicos são cada vez menos generalizáveis (e, portanto, cada vez menos transportáveis para outras sociedades)

5.10.4.2.          O que é plenamente generalizável, então? Os grandes resultados gerais: a passagem do absoluto para o relativo; das guerras para a indústria pacífica; do localismo familista para a fraternidade universal; do presentismo para a continuidade histórica subjetiva; do egoísmo para o altruísmo; da síntese objetiva externa para a síntese subjetiva humana

5.10.4.2.1.                Esses resultados gerais são, de fato, os únicos elementos realmente generalizáveis e são os únicos fundamentos para qualquer ordem social geral que englobe todos os seres humanos do planeta Terra

5.10.4.3.          Inversamente, o Ocidente pode e deve incorporar – bem entendido, a partir dos critérios positivos – as grandes contribuições de outras civilizações e sociedades: o neofetichismo é o grande exemplo disso

5.10.5.   O reconhecimento do desenvolvimento histórico do Ocidente e sua importância política e filosófica universal não conduziu nunca Augusto Comte a uma complacência para com os erros e os crimes ocidentais

5.10.5.1.          Basta pensarmos, aí, nas críticas que Augusto Comte fazia à teologia, em particular à teologia católica

5.10.5.2.          Mais importante ainda, devemos lembrar as duríssimas críticas de Augusto Comte à escravidão moderna, a condenação feita a Napoleão Bonaparte e ao então renascente colonialismo europeu sobre a África e a Ásia

5.11.                     Quando se acusa o Positivismo de eurocentrismo, apontam-se os dedos em particular para duas instituições positivistas, a Biblioteca Positivista e o Calendário Concreto

5.11.1.   A acusação de eurocentrismo é irracional e injusta, pois essas duas instituições foram elaboradas explicitamente para a educação (moral, intelectual e prática) do proletariado ocidental do século XIX, ou seja, não têm, nem nunca tiveram, a pretensão de serem universais no tempo nem no espaço

5.11.1.1.          É importante dizermos com todas as letras: as críticas de eurocentrismo dirigidas contra essas instituições, além de injustas e irracionais, são inconseqüentes, pois limitam-se a criticar, sem fazer sugestões efetivas e, além de tudo, sem conhecerem os critérios positivos empregados para a elaboração da Biblioteca Positivista e do Calendário Concreto

5.11.2.   É necessário insistir: a Biblioteca Positivista e o Calendário Concreto têm objetivos pedagógicos para disseminar conhecimentos e sensibilidade positiva (relativismo, historicismo etc.) entre o proletariado; trata-se, portanto, de incluir, de incorporar social, moral, política e intelectualmente o proletariado

5.11.3.   Os nomes do Calendário Concreto, além disso, não somente desenvolvem a sensibilidade histórica e a noção de continuidade humana como também homenageiam os grandes tipos que foram concretamente responsáveis pela evolução humana

5.11.3.1.          Isso estimula o relativismo histórico e desenvolve a noção de responsabilidade pessoal e coletiva

5.12.                     Elaborados na primeira metade do século XIX, afirma-se que, a par do seu suposto eurocentrismo, o Calendário Concreto e a Biblioteca Positivista têm que ser atualizados

5.12.1.   Devemos notar, antes de mais nada, que, bem vistas as coisas, as cobranças de “atualização” e até de “representatividade” com freqüência seguem e/ou inspiram-se em valores positivistas

5.12.2.   Nesse sentido, as alterações na Biblioteca e no Calendário podem e devem ser feitas considerando pelo menos os seguintes aspectos:

5.12.2.1.          No caso da Biblioteca, muitos volumes devem ser substituídos por livros mais atuais (em particular na seção de ciência); entretanto, muitos volumes permanecerão (no caso da seção de síntese)

5.12.2.2.          No caso do Calendário Concreto, ele deve ser ampliado, não substituído: ou seja, deve-se acrescentar tipos representativos das fases da evolução humana a partir de outras civilizações além do Ocidente

5.13.                     Em face da crítica, necessária, ao eurocentrismo, apresenta-se de qualquer maneira e com força a seguinte questão: como se pode criar uma ordem humana verdadeiramente universal (ou universalizável)?

5.13.1.   A resposta é tão simples em si mesma quanto direta: o único caminho é por meio da universalização do Positivismo

5.13.2.   Cabe aqui uma observação preliminar: reconhecer, valorizar, incorporar todas as civilizações não implica, nem pode implicar, a tabula rasa uniformizadora multiculturalista

5.13.2.1.          O multiculturalismo entende o mundo como uma colcha de retalhos, em que cada povo, cada civilização, cada sociedade vive em seu espaço específico, cioso de sua particularidade (de sua “identidade”) e procurando manter-se isolado e/ou incólume em relação aos demais

5.13.2.2.          Assim, a colcha de retalhos multiculturalista não resolve nenhum problema; ao contrário, ela estimula as dificuldades

5.13.3.   A constituição de uma verdadeira humanidade exige que os vários povos (e civilizações) modifiquem-se no sentido de constituírem de fato uma única humanidade

5.13.3.1.          Assim, são inviáveis e irracionais as concepções estáticas e/ou que consideram que povos e civilizações não podem e não devem modificar-se

5.13.4.   A abertura para outros povos, além de ser, por si só, uma alteração, também exige que os vários etnocentrismos sejam postos de lado e que haja uma convergência geral de valores, concepções e práticas

5.13.4.1.          A convergência de valores tem que ser, necessariamente, para o humanismo, para o relativismo, para o caráter histórico do ser humano, para a tolerância, para o pacifismo, para a fraternidade universal, para a responsabilidade de indivíduos e povos para com todos e em particular para com os mais fracos à além de muitos outros valores e concepções, todos os quais são afirmados pelo Positivismo e apenas por ele

5.13.5.   É necessário reafirmar com clareza: o ser humano é verdadeiramente universal, no sentido de que tem uma natureza humana universal, que se desenvolve ao longo do tempo conforme as condições sociais específicas

5.13.5.1.          Essa é a concepção fundamental e necessária que permite que a fraternidade universal seja estabelecida e que a Humanidade seja de fato constituída

5.13.5.2.          Sem essa concepção, é impossível a fraternidade universal; sem essa concepção, o que há é opressão ou, no máximo, a colcha de retalhos multiculturalista

5.14.                     Devemos agora seguir adiante para outra questão: se apenas o Positivismo afirma e estabelece as concepções, os valores e as práticas passíveis de universalização, como se dará a ampliação do Positivismo para outras civilizações?

5.14.1.   Augusto Comte comentava, o bom senso indica e as cobranças políticas atuais reforçam: não há porque as demais civilizações reproduzirem a marcha própria ao Ocidente: isso seria mera imitação (servil), desperdiçaria recursos e tempo e produziria imenso sofrimento

5.14.2.   Augusto Comte previa um escalonamento conforme a proximidade intelectual e social com o Ocidente: (1) povos monoteístas (Rússia, Turquia, Pérsia); (2) povos politeístas; (3) povos fetichistas

5.14.3.   Como já indicamos, Augusto Comte afirmava que todos devemos adotar os bons hábitos, usos, costumes e concepções de outras civilizações

5.14.3.1.          Entre os hábitos que devem ser adotados por todas as civilizações (e, claro, em particular pelo Ocidente), ele indicava pelo menos o seguinte:

5.14.3.1.1.                Incorporação do fetichismo ao Positivismo

5.14.3.1.2.                Incorporação de hábitos muçulmanos: restrição ao consumo de álcool; esmolas; orientação das igrejas para Paris

5.14.4.   Augusto Comte previa uma verdadeira unificação moral e intelectual da Humanidade, que apresentaria, como sinais e como condições, o seguinte:

5.14.4.1.          Constantinopla como capital da Terra

5.14.4.2.          Superação da oposição/divisão entre Ocidente e Oriente em face da Humanidade

5.14.4.3.          Adoção de uma língua comum a toda a Humanidade

5.15.                     Para concluir: em suma, o que há, então, de “eurocentrismo” no Positivismo?

5.15.1.   Há o reconhecimento da evidência de que o Ocidente teve a feliz particularidade de adiantar-se na realização da natureza humana – realização que não é igual ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia

5.15.1.1.          Se não tivesse sido o Ocidente no período em que o realizou, teria sido alguma outra civilização, em outro momento

5.15.2.   Augusto Comte também tinha uma enorme preocupação com a educação moral, filosófica, prática do proletariado, para conduzi-lo à sua incorporação social e à sua emancipação

5.15.2.1.          Essa preocupação incluía, evidentemente, o desenvolvimento da afetividade altruísta, das vistas gerais, do sentido histórico e da continuidade, do relativismo, do pacifismo, da fraternidade universal

5.15.2.2.          Essa preocupação foi corporificada, entre outras instituições, na criação da Biblioteca Positivista e no Calendário Concreto

5.15.3.   Reconhecer um certo adiantamento do Ocidente é muito diferente de conceder ao Ocidente (e/ou à Europa) a exclusividade na realização da natureza humana, na produção de idéias, práticas, usos e costumes; também é muito diferente de justificar toda e qualquer de suas ações

5.15.3.1.          O respeito a todas as sociedades e civilizações, bem como a abertura às elaborações de todas elas, são dois imperativos intransponíveis

5.15.4.   Se, quando Augusto Comte escrevia, o Ocidente tinha uma certa primazia, no futuro – aliás, futuro que já se realiza – é necessário afirmar efetivamente a universidade do ser humano: no fundo, o que há é apenas a Humanidade

5.15.4.1.          A universalização implica o respeito e a valorização ativos de todas as sociedades e civilizações

5.15.4.2.          Dessa forma, o eixo moral, intelectual e prático da Humanidade passará do Ocidente, como era até o século XIX, para a própria Humanidade, no futuro

5.15.5.   Essa universalidade foi elaborada inicialmente no Ocidente, mas ela resultará em que o Ocidente deve reconhecer seus limites e colaborar ativa e dignamente com outras sociedades, civilizações e povos

5.15.5.1.          Sem desprezar ou negar as próprias elaborações e contribuições, o Ocidente tem mudar comportamentos, corrigir erros, adotar procedimentos, perspectivas e valores positivos elaborados por outras civilizações

5.15.6.   A crítica ao Positivismo como sendo eurocêntrico afirma, de maneira implícita ou explícita, o seguinte:

5.15.6.1.          Que, apenas devido aos erros do Ocidente, seria aceitável e desejável que o caminho já percorrido pela Humanidade pode ser desprezado e que seria aceitável e desejável refazê-lo todo, para chegar-se ao mesmo ponto em que estamos atualmente

5.15.6.2.          Que seria aceitável e desejável instituir internacionalmente uma colcha de retalhos multiculturalista, como se a justaposição de etnocentrismos fosse uma verdadeira solução para problemas da ordem internacional

6.       Exortações finais

7.       Invocação final