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12 março 2024

O altruísmo é sempre apenas a satisfação do egoísmo?

No dia 16 de Aristóteles de 170 (12.5.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, agora em sua décima conferência, dedicada ao regime privado.

Na parte do sermão, devido à sua extrema importância, retomamos e respondemos pormenoridamente à questão: as nossas ações altruístas visam sempre a satisfazer o egoísmo dos outros?

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/2r8u0) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/Y4lxn). O sermão começou efetivamente em 1h 06 min 00 s.

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se transcritas abaixo.

*   *   *


O altruísmo é sempre apenas a satisfação do puro egoísmo? 

-        Durante a prédica do dia 9 de Aristóteles de 170 (5.3.2024) retomamos inicialmente as máximas morais apresentadas por Augusto Comte no início da décima conferência do Catecismo positivista, dedicada ao regime privado

o   Após retomarmos a máxima positivista – “Viver para outrem” –, surgiu uma interessante dúvida: as nossas ações altruístas visam sempre a satisfazer o egoísmo dos outros?

o   Essa dúvida não apenas é intelectualmente interessante; ela também é moral e praticamente importante, pois diz respeito a como realizamos o altruísmo e à orientação subjetiva que damos às nossas ações

o   Além disso, é importante notar que, também do ponto de vista intelectual, essa questão é central para o Positivismo, pois tem a ver com como descrevemos as relações entre o altruísmo e o egoísmo de diferentes pessoas

o   Assim, mesmo repetindo vários temas e várias observações que fizemos na semana passada e mesmo hoje, devido à importância central do tema julgamos importante dedicar todo um sermão a ele

-        Comecemos por lembrar as características da nossa máxima “Viver para outrem”:

o   Antes de mais nada: a palavra “outrem” significa “outro”, ou “outros”

o   A fórmula positivista é superior à máxima antiga (“Agir com os outros como gostaria de ser tratado”) e à medieval (“Amar o próximo como a si mesmo”)

§  Essas duas máximas apresentam uma certa evolução, na medida em que passam da conduta externa (na fórmula antiga) para a motivação subjetiva (fórmula medieval)

§  Entretanto, como é bastante claro, essas duas fórmulas concentram-se no egoísmo: não se trata de afirmar e realizar o altruísmo, mas apenas de satisfazer o egoísmo e de mais ou menos regular o egoísmo alheio

§  Ambas as fórmulas, e em particular a segunda, baseiam-se no amor divino, que é especialmente egoísta, antissocial e anti-humano

o   O “viver para outrem” orienta a vida de cada um diretamente para o altruísmo

§  Lembrando a máxima de Clotilde (“Que prazeres podem exceder os da dedicação?”), resulta que a lei do dever é também a fórmula da felicidade

-        Passemos ao que nos interessa hoje; comecemos lembrando que o “viver para outrem” tem duas partes:

o   O “viver para outrem”, que consiste na orientação altruísta do conjunto da vida humana e na definição de um critério claro para definirmos todas as pequenas, médias e grandes decisões que temos que tomar no dia a dia

§  É nessa parte que consiste a lei do dever

o   O “viver para outrem”, que consiste em que cada um de nós tem que estar vivo, e em boas condições de saúde física e mental, para podermos dedicar-nos aos outros

§  Assim, essa parte consiste em garantir que os agentes humanos existam e, portanto, ela garante a satisfação do egoísmo de cada um

·         A esse respeito, nota Augusto Comte que a orientação para o altruísmo não pode consistir na negação do egoísmo, com isso indicando que não devemos autoflagelar-nos (e, ainda menos, não devemos suicidar-nos)

§  A satisfação do egoísmo, nesse sentido, portanto, consiste na condição objetiva (e até subjetiva) para a realização do altruísmo

§  Entretanto, é fundamental termos clareza de que essa satisfação do egoísmo tem que se submeter à regra do dever, ou seja, ao estímulo do altruísmo e à compressão do egoísmo

·         Sem tal entendimento, a fórmula torna-se incoerente e imoral

·         A satisfação do egoísmo subordina-se à realização do altruísmo; assim, tal satisfação consiste em uma condição (para o altruísmo) e não de um objetivo em si mesmo

·         A felicidade que devemos buscar não consiste na satisfação egoísta de algo abstrato chamado “felicidade”: a felicidade que devemos, e que podemos, buscar consiste em nossa dedicação para os demais

·         Todas as formas de hedonismo enquadram-se na satisfação do egoísmo por si só, mesmo que sob o rótulo enganador de “felicidade pessoal”

o   Em outras palavras, o hedonismo é uma via egoísta e individualista – e, portanto, ilusória – de busca da felicidade

o   Lembramos aqui o caráter profundamente egoísta do hedonismo porque ele é uma característica das sociedades ocidentais contemporâneas

§  As sociedades ocidentais assim combinam o estímulo sistemático de inúmeras formas de egoísmo e individualismo com o estímulo ao desejo de consumo (na maior parte das vezes de produtos e serviços inúteis), em algo que, adotando a terminologia metafísica do marxismo, poderíamos chamar de “capitalismo hedonista”

-        Enfrentemos, agora, a pergunta inicial: as nossas ações altruístas visam sempre a satisfazer o egoísmo dos outros?

o   Em uma primeira aproximação, sim: nossas ações buscam satisfazer necessidades alheias

§  Mas esta primeira aproximação é bastante grosseira e, como veremos, é também bastante superficial

o   Entretanto, não devemos nem podemos considerar que a lei do dever consiste em atos altruístas satisfazendo puros egoísmos, pois isso pressupõe (ou deixa de pressupor) várias coisas e implica (ou deixa de implicar) outras tantas:

§  Antes de mais nada, essa concepção – de que a lei do dever no fundo é um altruísmo satisfazendo egoísmos puros – desconsidera o caráter relacional do ser humano, em particular no sentido de que as concepções morais têm que ser generalizadas

·         Nesse sentido, essa concepção desconsidera a noção de dever, isto é, de responsabilidades mútuas, válidas de todos para com todos

§  Em segundo lugar, essa concepção desconsidera o aspecto elementar de que a lei do dever e da felicidade vale tanto para mim (que sou, ou que devo ser, altruísta) como para os demais, que também devem ser altruístas

§  Em terceiro lugar, temos que lembrar que a satisfação do egoísmo (no “viver” do “viver para outrem”) tem que se limitar pelo e subordinar-se ao altruísmo

·         Nesse sentido, temos que lembrar que a satisfação do egoísmo alheio ocorre não para o estímulo desse egoísmo, mas como condição para que essas outras pessoas possam desenvolver o altruísmo

§  Em quarto lugar, devemos notar que as nossas ações altruístas não são sempre nem necessariamente dirigidas para indivíduos específicos, mas que muitas vezes elas têm um foco coletivo e menos específico (de tal sorte que, nesse sentido, elas não satisfazem nenhum egoísmo em particular)

·         As políticas públicas são exemplos fáceis desse caráter difuso de muitas das ações altruístas

·         Mas é claro que, tanto antes quanto depois das políticas públicas, muitas das nossas ações altruístas individuais também apresentam um caráter difuso

§  Em quinto lugar, considerando as características do regime público no Positivismo, devemos notar que a educação positiva tem que estimular o altruísmo; dessa forma, cria-se uma orientação geral na sociedade em favor do altruísmo, evitando que as ações altruístas individuais visem apenas, ou principalmente, a satisfazer o puro egoísmo dos outros

§  Em sexto lugar, também temos que lembrar que o altruísmo realiza-se na prática por meio de ações de aperfeiçoamento

·         Tais ações tornam concreto o altruísmo e evitam que ele degenere em vaguezas místicas

·         O aperfeiçoamento tem vários âmbitos: material, físico (biológico), intelectual e moral

·         Esses aperfeiçoamentos podem, e devem, tornar-se diretamente altruístas por si sós, mesmo que muitas vezes eles tenham que ocorrer em indivíduos específicos

-        Devemos reforçar três aspectos específicos ao apreciarmos a concepção de que “o altruísmo sempre satisfaz o puro egoísmo alheio”

o   Em primeiro lugar, afirmarmos a primazia do altruísmo sobre o egoísmo é algo tanto descritivo quanto prescritivo, ou seja, tanto corresponde à realidade dos fatos quanto, a partir desse caráter descritivo, é também uma recomendação moral e prática

§  Em outras palavras: a orientação moral e prática do “viver para outrem” não é uma fórmula puramente “filosófica”, puramente “teórica”: ela baseia-se na realidade dos fatos, ou melhor, na realidade da natureza humana, conforme ela desenvolveu-se transparece ao longo da história e com base em pesquisas sociológicas e da chamada neurociência

§  Como vimos nos itens acima, o altruísmo generalizado tem (1) uma base sociológica: ele baseia-se no desenvolvimento histórico, em pressões sociais, em valores compartilhados, em práticas coletivas

§  Além disso, esse altruísmo generalizado tem (2) uma base moral, neurocientífica: o altruísmo é generalizável em termos de natureza humana, ao contrário do egoísmo; o altruísmo consegue dominar e orientar o conjunto da existência humana (ou seja, realiza a unidade moral), ao contrário do egoísmo

o   Em segundo lugar, ainda em termos sociológicos e morais, a concepção do “altruísmo como apenas a satisfação do puro egoísmo alheio” deixa de lado o caráter relacional do ser humano, ou seja, deixa de lado o seu aspecto social e concentra-se na concepção “ego-cêntrica”, que entende que a sociedade é apenas a justaposição de indivíduos (que, portanto, reduzem-se aos seus egoísmos)

o   Em terceiro lugar, em termos de história das idéias, essa concepção individualista tem origem metafísica e, como sabemos, difundiu-se muito a partir do liberalismo, com todas as filosofias e “ideologias” de origem metafísica mais recente (como a doutrina dos “direitos humanos”, o marxismo, os próprios liberalismos econômico e político etc.)

§  Nesse sentido, a importância central de responder à questão baseia-se no fato de que ela surge naturalmente do ambiente metafísico que caracteriza o conjunto do Ocidente nas últimas décadas (ou seja, desde o final da II Guerra Mundial e que reforça tendências críticas e negativas que, por sua vez, têm alguns séculos de existência)

§  Podemos dizer, então, que a importância de responder à questão que motivou este sermão, mesmo repetindo temas e concepções que têm sido apresentados nas últimas semanas, deve-se a que é necessário afirmar as concepções positivistas contra a imaginação sociológica metafísica atualmente disseminada

02 novembro 2022

Teoria positiva da felicidade

No dia 25 de Descartes de 168 (1º de novembro de 2022) fizemos mais uma prédica positiva. Demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua terceira conferência (teoria geral do culto) e, em seguida, fizemos comentários sobre o que podemos chamar de teoria positiva da felicidade.

Como de hábito, a prédica foi gravada ao vivo; ela está disponível no canal Positivismo (aqui) e no canal Apostolado Positivista (aqui). A partir de 52' 50" a exposição da teoria positiva da felicidade começa.

Para quem tiver interesse, reproduzo abaixo as minhas anotações pessoais que guiaram a exposição oral da teoria da felicidade.

*   *   *

O que é ser feliz?

 

-        É uma sensação bastante pessoal, difícil de expressar e definir

o   Talvez seja possível definir da seguinte maneira: ser feliz é sentir-se realizado, é sentir-se pleno

§  Por sua vez, sentir-se realizado é sentir que os objetivos que se traça na vida foram, de alguma forma, atingidos

-        A felicidade pode durar mais ou menos e, talvez de maneira surpreendente, ela também pode ser maior ou menor

o   A ausência de felicidade não é a tristeza, nem a dor; é possível estar estável, sem alegria nem tristeza

§  A alegria não é o mesmo que a felicidade; a alegria é mais transitória e localizada; a felicidade é mais profunda e ampla – assim, é possível estar alegre sem estar feliz

o   Por outro lado, é importante notar que, embora ninguém deseje ficar triste, a tristeza faz parte da vida tanto quanto a alegria (ou a felicidade) – seja porque realmente todos temos momentos de tristeza, seja porque em certo sentido a tristeza dá sentido à alegria e à felicidade

-        Como em grande medida a felicidade é um sentimento pessoal, à primeira vista isso gera um problema para a harmonia social: afinal, sendo pessoal, não deixa de ser egoísta e a soma dos egoísmos não tem como produzir a felicidade coletiva

o   A solução para esse problema é fazer convergir a felicidade pessoal e o bem-estar coletivo - ou melhor, consiste em transformar o bem-estar coletivo em objetivo da felicidade pessoal

o   Essa é outra forma de apresentar o problema fundamental do ser humano, que consiste em, da melhora maneira possível, conjugar o egoísmo individual com o bem-estar coletivo

o   A solução apresentada acima – transformar o bem-estar coletivo no objetivo da felicidade pessoal – é uma outra forma de apresentar a solução indicada por Augusto Comte, que é subordinar o egoísmo ao altruísmo, dando uma orientação altruísta para o egoísmo

§  A metafísica, a partir de suas origens teológicas, opõe a felicidade individual ao bem-estar coletivo

·         Por um lado, o liberalismo afirma que a felicidade individual é sempre oposta ao bem-estar coletivo; a partir daí, muitas metafísicas políticas atuais (que com freqüência apoiam teologias morais) afirmam que só é possível ser feliz rejeitando a sociedade

·         Por outro lado, o comunismo afirma só o bem-estar coletivo e nega a individualidade (rejeitando, portanto, a noção de felicidade individual)

·         Isso deixa claro que nem o liberalismo nem o comunismo propõe soluções reais e verdadeiras para o problema da felicidade

o   Essa solução é possível porque, embora a sensação da felicidade seja em si mesma uma única, as fontes de sua obtenção variam de acordo com a época, com a sociedade, com a classe social etc., além de com o indivíduo: em outras palavras, os objetos e os objetivos da felicidade não são únicos e não são estáticos

§  Assim, pode-se orientar as concepções de felicidade rumo a projetos exeqüíveis, reais, relativos e simpáticos

o   Na orientação altruística do egoísmo e da felicidade individual, a mesquinhez própria ao egoísmo é depurada e a felicidade pessoal é enobrecida

-        Outros dois elementos integrantes da felicidade, que conduzem a ela, são os sentimentos de pertencimento e de objetivo na vida

o   Quando sentimos que pertencemos a algum grupo e que realizamos atividades que têm sentido, isto é, que resultarão em alguma coisa boa, também ficamos felizes

o   O sentimento de pertencimento e o sentimento de objetivo são diferentes entre si, embora com freqüência estejam profundamente vinculados

o   Assim como a felicidade em si mesma, o pertencimento e o sentido de missão podem ser profundamente egoístas – e aí os surgem os problemas com o bem-estar público

o   A solução para esses eventuais problemas é o mesmo já indicado:

§  Devemos todos sempre pertencer a grupos (famílias, pátrias, Humanidade; classes sociais, clubes, escolas, partidos, associações etc.), mas esse pertencimento deve sempre ser subordinado aos supremos interesses da Humanidade; se não se afirmar essa subordinação à Humanidade (e no sentido da continuidade histórica), os pertencimentos parciais podem sempre correr o risco de degradarem-se em termos egoísticos

·         É igualmente importante lembrar que reconhecer a Humanidade, isto é, reconhecer a realidade e também imagem idealizada da Humanidade consiste, por si só, em assumir um pertencimento

§  No que se refere aos objetivos, o que indicamos antes já basta para entendermos a solução positiva: os objetivos devem ser sempre altruístas e devem sempre se subordinar à noção superior de Humanidade

-        A felicidade é um sentimento mundano, ou imanente; ou seja, em última análise, ela só faz sentido para quem vê nesta vida o objetivo de suas ações

o   Os teológicos, em particular os monoteístas, mantêm uma relação complicada com a felicidade, na medida em que seus objetivos dirigem-se para uma suposta “outra” vida, basicamente negando esta vida; inversamente, os monoteístas que se realizam nesta vida mantêm relações complicadas com a própria fé

-        Os vários aspectos indicados até agora da felicidade positiva deixam claro que ela exige esforços ativos, nunca o quietismo, ou o afastamento ou a rejeição desta vida

o   Embora cada um, pessoalmente, deva procurar evitar a dor e o sofrimento e buscar a felicidade, sabemos que nem sempre isso é possível; a solução para isso não é afastar-se do mundo e adotar uma postura basicamente passiva: a solução é aprender a lidar com a dor e a aproveitar a felicidade

o   O afastamento do mundo e o quietismo são particularmente problemáticos também (1) porque são radicalmente egoístas e negam o caráter coletivo do ser humano, ao afirmar que a vida em sociedade é necessariamente, sempre e apenas fonte de sofrimento, e (2) porque não reconhecem que a vida ativa é a condição da felicidade e da regulação dos sentimentos e das idéias

o   Afirmar a vida ativa não é o mesmo que rejeitar o descanso ou que rejeitar a vida intelectual; também não é afirmar que devemos ficar o tempo todo ativos, mexendo-nos incessantemente: é apenas afirmar que vivemos, que essa vida implica a atividade e que essa atividade é o que permite a regulação humana que conduz à felicidade


15 agosto 2012

Seção final do artigo de Bernard Plé, “Auguste Comte on Positivism and Happiness”


Seção final do artigo de Bernard Plé, “Auguste Comte on Positivism and Happiness” 
(Journal of Happiness Studies, v. 1, p. 423-445, 2000. P. 442-443).

O artigo em questão é muito interessante. Nos últimos anos, diversos pesquisadores, originários de inúmeras áreas do conhecimento, têm proposto a inclusão da felicidade como parâmetro de desenvolvimento das sociedades; a criação de uma revista dedicada a esse tema ("Journal of Happiness Studies" - "Revista de Estudos sobre a Felicidade") ilustra bem essa tendência.

O trecho abaixo conclui um texto que se dedica a examinar a obra de Augusto Comte à luz dessa questão. Após tratar das características gerais do Positivismo - e, claro, após indicar que o Positivismo de Comte não é o "Positivismo" a que se refere meio-mundo, geralmente em tom negativo e acusatório -, o autor indica de que maneira a proposta política, científica e religiosa comtiana serve para o desenvolvimento da felicidade.

A fim de facilitar para aqueles que não têm fluência em inglês, ajuntei uma pequena tradução, logo após o trecho citado.

*   *   *

I have sought to show that in identifying the natural order of the sciences as the frame of a new conception of the ‘world’, Comte embarks on the task of leading the way to a state of happiness. I have argued that in his quest for happiness, Comte insists on connecting scientific certainty with religious affections like love, veneration and reverence. Furthermore, I have argued that in stressing the importance of this consensus, Comte regards the state of happiness as a right living in the true order, first, of the world of which it is a part, and second, of the civilization in which it goes on evolving. In developing both arguments, I have been led to focus on the new science of life as the final step towards the state of happiness. What Comte regards as its ‘sacred’ mission is to show the fashion in which man’s power is being exerted in accordance with the world of law, and, at the same time, to remind modern man of the twofold heredity he continuously receives through the accumulated modifications both of the natural world and of the civilization he lives in. By leading modern man to gain clear insight into his position as part of a natural and social history, Comte seeks to reveal to the citizens of a new Republic the sphere of their dignity as well as of their happiness.

There are some important aspects in which my argument fits the fourfold matrix that Ruut Veenhoven has recently developed in order to analyse four main ‘qualities of life’[1]. Happiness as understood by Comte’s positivism can be conceived of as unifying all of these qualities. In the first place, it appears to be a far-reaching attempt, both scientific and political, aiming at ensuring not only the ‘liveability’ of the natural environment as a fruit of human intervention but also man’s ‘life-ability’ as knowledge of the natural limits within which his civilization may progress and modify the natural milieu it lives in. In the second place, such state of happiness appears to be a subjective ‘appreciation of life’ inasmuch as it represents a state of mental health and the fulfilment of modern man’s quest for certainty as to the order in which he lives. Finally, happiness appears to be the awareness of what Veenhoven’s matrix classifies as ‘utility of life’, that is, our awareness of being related both to the social order and to the natural milieu we inherit from the past. It is precisely here that happiness is to become noble, public and religious or, as Comte puts it, “le salut intellectuel de la société”.


Tradução:


Eu procurei apresentar que identificando a ordem natural das ciências como o quadro de uma nova concepção do “mundo”, Comte iniciou a tarefa de indicar o caminho para um estado de felicidade. Argumentei que nessa busca de felicidade, Comte insiste em conectar a certeza científica com os afetos religiosos como o amor, a veneração e a reverência. Além disso, argumentei que ao enfatizar a importância desse consenso, Comte percebe o estado de felicidade como um direito vivendo na verdadeira ordem, em primeiro lugar, do mundo de que é parte e, em segundo lugar, da civilização que se desenvolve. Ao desenvolver ambos esses argumentos, levei-me a focalizar na nova ciência da vida como a etapa final em direção ao estado de felicidade. O que A. Comte percebe como sua missão “sagrada” é mostrar a forma como o poder do ser humano está sendo exercido de acordo com o mundo da lei [natural] e, ao mesmo tempo, lembrar ao homem moderno da dupla hereditariedade que ele continuamente recebe por meio das modificações acumuladas, tanto do mundo natural quanto da civilização em que ele vive. Ao indicar ao homem moderno como obter perspectivas mais claras a respeito de sua posição como parte de uma história natural e social, Comte procura revelar aos cidadãos de uma República a esfera de sua dignidade, assim como de sua felicidade.

Há alguns importantes aspectos em que o meu argumento enquadra-se na matriz quádrupla que Ruut Veenhoven elaborou recentemente a fim de analisar quatro principais “qualidades de vida”[2]. A felicidade como entendida pelo Positivismo de Comte pode ser concebido como unificando todas essas qualidades. Em primeiro lugar, ele aparece como sendo uma tentativa de amplo escopo, tanto científica quanto política, com o objetivo de garantir não apenas a “vidabilidade” do ambiente natural como fruto da intervenção humana, mas também a “vida-habilidade” humana como conhecimento dos limites naturais em que sua civilização pode progredir e modificar o meio ambiente natural em que vive. Em segundo lugar, esse estado de felicidade aparece como uma “apreciação da vida” subjetiva, tanto quanto ela representa um estado de saúde mental e a realização da busca do homem moderno por certeza na ordem em que ele vive. Finalmente, a felicidade aparece como sendo a consciência do que a matriz de Veenhoven classifica como “utilidade da vida”, ou seja, nossa consciência de estarmos relacionados tanto à ordem social quanto ao ambiente natural que herdamos do passado. É precisamente aqui que a felicidade torna-se nobre, pública e religiosa, ou, como Comte diz, “a saúde intelectual da sociedade”.



[1] For this conceptual analysis, see Ruut Veenhoven, The Four Qualities of Life. Ordering Concepts and Measures of Good Life, in Journal of Happiness Studies, Vol. 1, nr 1 2000; especially §1.3 and §2.
[2] Para essa análise conceitual, cf. Ruut Veenhoven, The Four Qualities of Life. Ordering Concepts and Measures of Good Life, in Journal of Happiness Studies, Vol. 1, nr 1 2000; especially §1.3 and §2.