Prédica positiva
(23.Shakespeare.170/1.10.2024)
1. Invocação inicial
2. Exortações iniciais
2.1.1. Sejamos altruístas!
2.1.2. Façamos orações!
2.1.3. Façamos o Pix da Positividade!
(Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
3. Efemérides
3.1.1. Live AOP com Felipe Zorzi: 3 de
outubro: “Educação e política: uma reflexão sobre socialização de jovens no
Brasil”
3.1.2. Lembrança: eleições para prefeitos
e vereadores no dia 6 de outubro
4. Leitura comentada do Catecismo positivista
4.1. Leitura da 13ª conferência:
tríplice transição ocidental
4.2. Antes de mais nada, vale notar que as
análises histórico-sociológicas presentes nas duas últimas conferências do
Catecismo (a 12ª e a 13ª), além de explicarem e justificarem o movimento
moderno e, daí, a possibilidade e a necessidade do Positivismo, também permitem
compreender como o Positivismo não é
um eurocentrismo
5. Sermão: o Positivismo é
eurocêntrico?
5.1. A pergunta “o Positivismo é
eurocêntrico?” procura responder a uma questão, na verdade uma acusação, feita
com freqüência contra nós
5.1.1. Essa acusação é tão mais comum
quanto ela parece fácil e evidente
5.1.1.1.
Entretanto,
a facilidade com que se acusa de “eurocêntrico” o Positivismo esconde na
verdade a sua superficialidade, a sua
banalidade e a confusão moral e política implícita
5.1.2. Exatamente a superficial facilidade
dessa acusação, juntamente com a relevância política da preocupação subjacente,
torna o tema do eurocentrismo algo urgente de ser tratado
5.2. Comecemos então perguntando e
definindo: o que é o eurocentrismo?
5.2.1. Podemos assumir como definição
mínima de eurocentrismo o
seguinte: é a visão de mundo, e/ou a perspectiva, que considera que a Europa é
o centro do mundo, ou que é o parâmetro supremo de avaliação e de condução da
política e da moral humanas
5.2.1.1.
Com
freqüência o eurocentrismo é confundido com um “ocidentocentrismo”
(centralidade atribuída ao Ocidente), embora, é claro, sejam coisas diferentes
5.2.2. Na verdade, convém entender o
eurocentrismo como uma forma específica de etnocentrismo, ou seja, como uma
forma específica de considerar que uma determinada sociedade (ou cultura, ou
até civilização) é o centro do mundo
5.2.2.1.
Nesse
sentido, assim como há o eurocentrismo, há também o “americanocentrismo”, o
“latinoamericanocentrismo”, o “afrocentrismo”, o sinocentrismo, o
russocentrismo, o arabocentrismo etc.
5.2.2.2.
Em um sentido muito geral e muito suave,
podemos dizer que toda sociedade é autocentrada e que se percebe como a
referência fundamental: com toda a evidência, a China é sinocêntrica, a Rússia
é russocêntrica, os Estados Unidos são “americanocêntricos” etc.
5.3. A crítica ao eurocentrismo conjuga
na verdade muitas concepções intelectuais e juízos morais e políticos:
5.3.1. Essa conjugação nem sempre é
evidente e os elementos que indicaremos nem sempre estão todos eles presentes;
mas, ainda assim, com enorme freqüência eles estão presentes mas não são
explicitados
5.3.2. As concepções e os juízos são os
seguintes:
5.3.2.1.
Crítica
à saudade colonial européia
5.3.2.2.
Crítica
à saudade colonial e/ou ao imperialismo ocidental
5.3.2.3.
Exigência
de respeito e de dignidade para com outros países, povos e civilizações não
ocidentais
5.3.2.4.
Exigência
de valorização das histórias e das concepções não européias
5.3.2.5.
Afirmação
de que as concepções e os valores europeus/ocidentais são sempre e
necessariamente particularistas
5.3.2.6.
Afirmação
de que as concepções e os valores europeus/ocidentais são sempre e
necessariamente opressores, expoliadores, alienadores etc.
5.3.2.7.
Afirmação
de que as práticas e as instituições criadas, mantidas e apoiadas pela Europa
e/ou pelo Ocidente são sempre e necessariamente opressoras, expoliadoras,
alienadoras etc.
5.3.2.8.
Afirmação
de que a mera valorização de concepções, práticas e valores não ocidentais
bastará para criar uma ordem internacional justa
5.3.2.9.
Afirmação
de que uma ordem internacional justa requer necessariamente o combate a
concepções, valores e práticas europeus/ocidentais
5.3.2.10.
Afirmação
de que valores, práticas e concepções não ocidentais não são opressivas,
expoliadoras, alienadoras, particularistas etc.
5.3.3. A respeito dos elementos acima, o
que podemos dizer é o seguinte:
5.3.3.1.
Os
quatro primeiros itens são indiscutíveis, na medida em que eles afirmam e
exigem a dignidade básica de todos os seres humanos; portanto, são itens de
grande positividade
5.3.3.2.
Os
outros seis itens têm um caráter destruidor e raivosamente particularista;
embora de uma perspectiva histórica e moral ampla eles até sejam
compreensíveis, eles não são justificáveis; eles apresentam um forte caráter
metafísico
5.4. Qual a origem histórica do eurocentrismo?
5.4.1. Podemos considerar que a origem
histórica do eurocentrismo liga-se à expansão européia a partir do século XV
(inaugurada pela tomada de Ceuta, pelos portugueses, em 1415)
5.4.1.1.
Até
então, o mundo seria “multipolar”, isto é, com vários pólos de poder: China,
Islã (com os califados no Egito e na Turquia), talvez Japão, Índia etc.
5.4.1.2.
A
partir do século XV a Europa começou a sua expansão marítimo-comercial-militar,
impondo-se progressivamente ao mundo e unificando-o: o eurocentrismo no mundo
foi uma decorrência natural disso
5.4.2. Em termos gerais, podemos dizer que
houve pelo menos dois ciclos de colonização:
5.4.2.1.
Um
primeiro, nos séculos XV a XVIII, que se concentrou nas Américas e que terminou
com a independência desses países
5.4.2.2.
Um
segundo na segunda metade do século XIX, embora iniciado nos anos 1830 (invasão
francesa da Argélia), que se estendeu até a II Guerra dos 30 Anos (1914-1945) e
que visou à África e à Ásia
5.4.3. Tal situação vigeu até a II Guerra
dos 30 Anos (1914-1945): após ela a Europa estava destroçada, os Estados Unidos
surgiram como a grande e única superpotência mundial (até 1949) e ocorreu a
Guerra Fria (1947-1989)
5.4.3.1.
Após
a II Guerra dos 30 Anos, a Europa não teve mais condições financeiras, humanas
nem morais para manter os grandes impérios coloniais; assim, aos poucos, de
diferentes maneiras, ocorreu o processo de independência das antigas colônias
européias na África e na Ásia
5.4.3.1.1.
Houve
processos mais ou menos indolores, embora iniciados décadas antes, como a
independência da Índia em relação à Inglaterra, em 1947
5.4.3.1.2.
Houve
processos traumáticos, como a independência da Indochina (depois Vietnã) (1955)
e da Argélia (1962) em relação à França e de Angola (1975) e Moçambique (1975)
em relação a Portugal
5.4.4. Embora fosse possível falar-se em
eurocentrismo e criticá-lo antes do processo de descolonização, o fato é que foi
a descolonização que a crítica ao eurocentrismo assumiu maior densidade
filosófica e política
5.5. A descolonização assumiu grande
intensidade nos anos 1960 e, a partir daí, desenvolveu-se o chamado movimento
do “Terceiro Mundo”
5.5.1. O terceiromundismo era ao mesmo
tempo uma crítica à divisão bipolar do mundo, própria à Guerra Fria, e a
afirmação da particularidade das vistas e das necessidades das antigas colônias
européias
5.5.1.1.
Um
aspecto específico do terceiromundismo era a defesa dos países
subdesenvolvidos, não desenvolvidos e em desenvolvimento, em contraposição aos países
desenvolvidos (no caso, os blocos capitalista e comunista)
5.5.1.2.
O
terceiromundismo era ambíguo, pois, embora criticasse a divisão bipolar do
mundo, incluía em suas fileiras países comunistas, como Cuba, China e
Iugoslávia
5.6. Nas últimas décadas, o terceiromundismo
como tal perdeu relevância: o seu discurso desgastou-se e cansou; a referência
ao “terceiro” mundo perdeu sentido (com o fim da Guerra Fria); a referência
maior aos países não desenvolvidos também perdeu relevância (a China e a Rússia
não são subdesenvolvidas; algo parecido pode ser dito do Brasil e da Índia)
5.6.1. No lugar do terceiromundismo, o que
há desde os anos 1990 é a afirmação do “Sul Global”
5.6.1.1.
O
“Sul Global” contrapõe-se aos países ricos do “Norte Global” (Estados Unidos e
Canadá, Europa Ocidental, Japão, Austrália)
5.6.1.2.
Além
da crítica econômica e política ao Norte Global, há a cobrança de um mundo
multipolar – portanto, não mais eurocêntrico/“americanocêntrico”/“ocidentocêntrico”
5.6.1.2.1.
O
movimento do Sul Global tem algumas ambigüidades semelhantes às do terceiromundismo:
não se pode com seriedade considerar que a China é um país secundário, que não
é uma superpotência, que não tem uma ação colonialista; de maneira semelhante,
embora a Rússia já não seja a potência econômica e militar que foi nos anos
1960, certamente ela não é um país secundário e não é um país pacifista; coisas
semelhantes podem ser ditas de outros países
5.7. Associado ao movimento político e
econômico, o “Sul Global” cobra e esforça-se por desenvolver intelectualmente perspectivas
e epistemologias “locais”
5.7.1. Esses esforços intelectuais
realizam críticas filosóficas e políticas ao eurocentrismo/ocidentocentrismo e,
de modo mais amplo, ao imperialismo/colonialismo ocidental
5.7.2. Motivadas basicamente por
sentimentos e perspectivas gerais corretas, essas concepções gozam de ampla
popularidade intelectual mas com freqüência e com facilidade descambam para
exageros e erros
5.7.2.1.
Esses
erros e exageros infelizmente não são
excepcionais
5.7.2.2.
Esses
erros e exageros derivam dos sentidos implícitos da crítica ao eurocentrismo,
que indicamos acima, nos itens 5.3.2.5 a 5.3.2.10
5.7.3. Dois exemplos desses erros e
exageros são as teses do “orientalismo”, desenvolvida pelo palestino Edward
Said (1979), e a da “Atenas negra”, do estadunidense Martin Bernal (1987-2006)
5.7.4. Em todo caso, é bastante claro que
os Estados Unidos e a Europa Ocidental mantêm um forte imperialismo cultural,
quando não uma forte saudade colonial
5.7.4.1.
Isso
pode ser visto com clareza no âmbito das Ciências Sociais, como as críticas
feitas pelos nossos Guerreiro Ramos (1915-1982) e Darcy Ribeiro (1922-1997) bem
exemplificam
5.8. A partir das críticas
“descoloniais”, do “Sul Global”, terceiromundistas etc. desenvolvem-se exigências
de um “verdadeiro” universalismo, que abranja o mundo todo
5.8.1. A crítica ao eurocentrismo
perfila-se a essa exigência
5.8.2. Os vários sentidos da crítica ao
eurocentrismo começam, nesse ponto, a apresentar suas dificuldades e suas
ambigüidades
5.8.2.1.
Como
uma forma de realizar esse “verdadeiro universalismo”, propõe-se o
multiculturalismo (associado à multipolaridade), que é entende que a ordem
social atual (criada, mantida e promovida pelo Ocidente) é opressora, que
portanto o bem comum e o universalismo não existem e que eles devem ser
substituídos pela justaposição de perspectivas particulares, que, dessa forma, poderão
ser respeitadas e valorizadas
5.9. Feita essa breve revisão sobre a
crítica ao eurocentrismo, podemos tratar do Positivismo e do seu suposto
eurocentrismo
5.10.
Comecemos
com a particularidade do Ocidente para o Positivismo
5.10.1. Augusto Comte reconhece uma natureza humana geral, (1) comum a todos
os seres humanos e (2) que se realiza ao longo do tempo
5.10.1.1.
Essa
natureza humana é o fundamento de toda e qualquer concepção universalista
5.10.1.2.
No
fundo existe apenas um único ser humano
5.10.1.3.
A
única forma de criar concepções e
instituições universais é baseando-se nessa concepção
5.10.1.3.1.
Sem
essa concepção fundamental há apenas a justaposição de particularismos e/ou a
imposição tirânica de alguns povos sobre outros
5.10.1.4.
A
partir da unidade da natureza humana, as diferenças que se verificam
concretamente são devidas a ritmos, a situações e a preocupações específicas de
cada povo, de cada sociedade, de cada civilização
5.10.1.5.
Se
existe apenas um único ser humano, os diferentes ritmos e resultados têm que
ser respeitados em suas particularidades
5.10.1.6.
Ao
mesmo tempo, na medida em que há apenas um único ser humano, as
particularidades de tempo e espaço não devem ser vistas como devendo fechar-se
em si mesmas nem devendo ser estáticas: o ser humano foi feito para
relacionar-se e foi feito para desenvolver-se
5.10.1.7.
Em
face do aspecto sensível da presente discussão, importa reafirmar com muita
clareza: as relações e os desenvolvimentos devem ser feitos respeitando-se a
dignidade humana e as particularidades específicas
5.10.2. A partir da comum natureza humana,
todas as civilizações começaram no fetichismo e depois foram para as teocracias
5.10.3. O Ocidente tem sua particularidade:
sua história corresponde à transição das teocracias antigas à modernidade,
passando pela tríplice transição (Grécia, Roma, Idade Média) e pelo duplo
movimento moderno (destruidor/construtor)
5.10.4. O desenvolvimento do Ocidente foi
ao mesmo tempo específico e geral: a transição das teocracias à modernidade
ocorreu no Ocidente, mas, se não tivesse ocorrido ali, teria ocorrido em algum
outro lugar, em outro momento: é isso que se depreende (1) da natureza humana
comum que se realiza ao longo do tempo e também (2) da noção de “lei
sociológica”
5.10.4.1.
A
marcha própria ao Ocidente é e não é generalizável: os resultados
gerais da transição são plenamente generalizáveis, mas os grandes traços da
transição e os seus aspectos específicos são cada vez menos generalizáveis (e,
portanto, cada vez menos transportáveis para outras sociedades)
5.10.4.2.
O
que é plenamente generalizável, então? Os
grandes resultados gerais: a passagem do absoluto para o relativo; das
guerras para a indústria pacífica; do localismo familista para a fraternidade
universal; do presentismo para a continuidade histórica subjetiva; do egoísmo
para o altruísmo; da síntese objetiva externa para a síntese subjetiva humana
5.10.4.2.1.
Esses
resultados gerais são, de fato, os únicos
elementos realmente generalizáveis e são os únicos fundamentos para qualquer
ordem social geral que englobe todos os seres humanos do planeta Terra
5.10.4.3.
Inversamente,
o Ocidente pode e deve incorporar – bem entendido, a
partir dos critérios positivos – as grandes contribuições de outras
civilizações e sociedades: o neofetichismo é o grande exemplo disso
5.10.5. O reconhecimento do desenvolvimento
histórico do Ocidente e sua importância política e filosófica universal não
conduziu nunca Augusto Comte a uma complacência para com os erros e os crimes
ocidentais
5.10.5.1.
Basta
pensarmos, aí, nas críticas que Augusto Comte fazia à teologia, em particular à
teologia católica
5.10.5.2.
Mais
importante ainda, devemos lembrar as duríssimas críticas de Augusto Comte à
escravidão moderna, a condenação feita a Napoleão Bonaparte e ao então
renascente colonialismo europeu sobre a África e a Ásia
5.11.
Quando
se acusa o Positivismo de eurocentrismo, apontam-se os dedos em particular para
duas instituições positivistas, a Biblioteca Positivista e o Calendário
Concreto
5.11.1. A acusação de eurocentrismo é
irracional e injusta, pois essas duas instituições foram elaboradas
explicitamente para a educação (moral, intelectual e prática) do proletariado
ocidental do século XIX, ou seja, não têm, nem nunca tiveram, a pretensão de
serem universais no tempo nem no espaço
5.11.1.1.
É
importante dizermos com todas as letras: as críticas de eurocentrismo dirigidas
contra essas instituições, além de injustas e irracionais, são inconseqüentes, pois limitam-se a
criticar, sem fazer sugestões efetivas e, além de tudo, sem conhecerem os
critérios positivos empregados para a elaboração da Biblioteca Positivista e do
Calendário Concreto
5.11.2. É necessário insistir: a Biblioteca
Positivista e o Calendário Concreto têm objetivos pedagógicos para disseminar
conhecimentos e sensibilidade positiva (relativismo, historicismo etc.) entre o
proletariado; trata-se, portanto, de incluir, de incorporar social, moral,
política e intelectualmente o proletariado
5.11.3. Os nomes do Calendário Concreto,
além disso, não somente desenvolvem a sensibilidade histórica e a noção de
continuidade humana como também homenageiam os grandes tipos que foram
concretamente responsáveis pela evolução humana
5.11.3.1.
Isso
estimula o relativismo histórico e desenvolve a noção de responsabilidade
pessoal e coletiva
5.12.
Elaborados
na primeira metade do século XIX, afirma-se que, a par do seu suposto
eurocentrismo, o Calendário Concreto e a Biblioteca Positivista têm que ser
atualizados
5.12.1. Devemos notar, antes de mais nada,
que, bem vistas as coisas, as cobranças de “atualização” e até de
“representatividade” com freqüência seguem e/ou inspiram-se em valores
positivistas
5.12.2. Nesse sentido, as alterações na
Biblioteca e no Calendário podem e devem ser feitas considerando pelo menos os seguintes aspectos:
5.12.2.1.
No
caso da Biblioteca, muitos volumes devem ser substituídos por livros mais atuais (em particular na seção de
ciência); entretanto, muitos volumes permanecerão
(no caso da seção de síntese)
5.12.2.2.
No
caso do Calendário Concreto, ele deve ser ampliado,
não substituído: ou seja, deve-se acrescentar
tipos representativos das fases da evolução humana a partir de outras
civilizações além do Ocidente
5.13.
Em
face da crítica, necessária, ao eurocentrismo, apresenta-se de qualquer maneira
e com força a seguinte questão: como se pode criar uma ordem humana
verdadeiramente universal (ou universalizável)?
5.13.1. A resposta é tão simples em si
mesma quanto direta: o único caminho é por meio da universalização do Positivismo
5.13.2. Cabe aqui uma observação
preliminar: reconhecer, valorizar, incorporar todas as civilizações não implica, nem pode implicar, a tabula
rasa uniformizadora multiculturalista
5.13.2.1.
O
multiculturalismo entende o mundo como uma colcha de retalhos, em que cada
povo, cada civilização, cada sociedade vive em seu espaço específico, cioso de
sua particularidade (de sua “identidade”) e procurando manter-se isolado e/ou
incólume em relação aos demais
5.13.2.2.
Assim,
a colcha de retalhos multiculturalista não resolve nenhum problema; ao
contrário, ela estimula as
dificuldades
5.13.3. A
constituição de uma verdadeira humanidade exige que os vários povos (e
civilizações) modifiquem-se no sentido de constituírem de fato uma única
humanidade
5.13.3.1.
Assim,
são inviáveis e irracionais as concepções estáticas e/ou que consideram que
povos e civilizações não podem e não devem modificar-se
5.13.4. A abertura para outros povos, além
de ser, por si só, uma alteração, também exige que os vários etnocentrismos
sejam postos de lado e que haja uma convergência geral de valores, concepções e
práticas
5.13.4.1.
A
convergência de valores tem que ser, necessariamente, para o humanismo, para o
relativismo, para o caráter histórico do ser humano, para a tolerância, para o
pacifismo, para a fraternidade universal, para a responsabilidade de indivíduos
e povos para com todos e em particular para com os mais fracos à além de muitos outros valores e concepções, todos
os quais são afirmados pelo Positivismo e apenas por ele
5.13.5. É necessário reafirmar com clareza:
o ser humano é verdadeiramente universal, no sentido de que tem uma natureza
humana universal, que se desenvolve ao longo do tempo conforme as condições
sociais específicas
5.13.5.1.
Essa
é a concepção fundamental e necessária que permite que a fraternidade universal
seja estabelecida e que a Humanidade seja de fato constituída
5.13.5.2.
Sem
essa concepção, é impossível a fraternidade universal; sem essa concepção, o
que há é opressão ou, no máximo, a colcha de retalhos multiculturalista
5.14.
Devemos
agora seguir adiante para outra questão: se apenas o Positivismo afirma e
estabelece as concepções, os valores e as práticas passíveis de
universalização, como se dará a ampliação do Positivismo para outras
civilizações?
5.14.1. Augusto Comte comentava, o bom
senso indica e as cobranças políticas atuais reforçam: não há porque as demais civilizações reproduzirem a marcha própria ao
Ocidente: isso seria mera imitação (servil), desperdiçaria recursos e tempo
e produziria imenso sofrimento
5.14.2. Augusto Comte previa um escalonamento
conforme a proximidade intelectual e social com o Ocidente: (1) povos
monoteístas (Rússia, Turquia, Pérsia); (2) povos politeístas; (3) povos
fetichistas
5.14.3. Como já indicamos, Augusto Comte
afirmava que todos devemos adotar os bons hábitos, usos, costumes e concepções
de outras civilizações
5.14.3.1.
Entre
os hábitos que devem ser adotados por todas as civilizações (e, claro, em
particular pelo Ocidente), ele indicava pelo menos o seguinte:
5.14.3.1.1.
Incorporação
do fetichismo ao Positivismo
5.14.3.1.2.
Incorporação
de hábitos muçulmanos: restrição ao consumo de álcool; esmolas; orientação das
igrejas para Paris
5.14.4. Augusto Comte previa uma verdadeira unificação moral e intelectual da
Humanidade, que apresentaria, como sinais e como condições, o seguinte:
5.14.4.1.
Constantinopla
como capital da Terra
5.14.4.2.
Superação
da oposição/divisão entre Ocidente e Oriente em face da Humanidade
5.14.4.3.
Adoção
de uma língua comum a toda a Humanidade
5.15.
Para concluir: em suma, o que há,
então, de “eurocentrismo” no Positivismo?
5.15.1.
Há o reconhecimento da evidência de
que o Ocidente teve a feliz particularidade de adiantar-se na realização da
natureza humana – realização que não é igual ao desenvolvimento da ciência e da
tecnologia
5.15.1.1.
Se não tivesse sido o Ocidente no
período em que o realizou, teria sido alguma outra civilização, em outro
momento
5.15.2.
Augusto Comte também tinha uma
enorme preocupação com a educação moral, filosófica, prática do proletariado,
para conduzi-lo à sua incorporação social e à sua emancipação
5.15.2.1.
Essa preocupação incluía,
evidentemente, o desenvolvimento da afetividade altruísta, das vistas gerais,
do sentido histórico e da continuidade, do relativismo, do pacifismo, da
fraternidade universal
5.15.2.2.
Essa preocupação foi corporificada,
entre outras instituições, na criação da Biblioteca Positivista e no Calendário
Concreto
5.15.3.
Reconhecer um certo adiantamento do
Ocidente é muito diferente de conceder ao Ocidente (e/ou à Europa) a exclusividade
na realização da natureza humana, na produção de idéias, práticas, usos e
costumes; também é muito diferente de justificar toda e qualquer de suas ações
5.15.3.1.
O respeito a todas as sociedades e
civilizações, bem como a abertura às elaborações de todas elas, são dois
imperativos intransponíveis
5.15.4.
Se, quando Augusto Comte escrevia, o
Ocidente tinha uma certa primazia, no futuro – aliás, futuro que já se realiza
– é necessário afirmar efetivamente a universidade do ser humano: no fundo, o
que há é apenas a Humanidade
5.15.4.1.
A universalização implica o
respeito e a valorização ativos de todas as sociedades e civilizações
5.15.4.2.
Dessa forma, o eixo moral,
intelectual e prático da Humanidade passará do Ocidente, como era até o século
XIX, para a própria Humanidade, no futuro
5.15.5.
Essa universalidade foi elaborada
inicialmente no Ocidente, mas ela resultará em que o Ocidente deve reconhecer
seus limites e colaborar ativa e dignamente com outras sociedades, civilizações
e povos
5.15.5.1.
Sem desprezar ou negar as próprias
elaborações e contribuições, o Ocidente tem mudar comportamentos, corrigir
erros, adotar procedimentos, perspectivas e valores positivos elaborados por
outras civilizações
5.15.6.
A crítica ao Positivismo como sendo
eurocêntrico afirma, de maneira implícita ou explícita, o seguinte:
5.15.6.1.
Que, apenas devido aos erros do
Ocidente, seria aceitável e desejável que o caminho já percorrido pela
Humanidade pode ser desprezado e que seria aceitável e desejável refazê-lo todo,
para chegar-se ao mesmo ponto em que estamos atualmente
5.15.6.2.
Que seria aceitável e desejável
instituir internacionalmente uma colcha de retalhos multiculturalista, como se
a justaposição de etnocentrismos fosse uma verdadeira solução para problemas da
ordem internacional
6. Exortações finais
7. Invocação final