No dia 25 de Descartes de 168 (1º de novembro de 2022) fizemos mais uma prédica positiva. Demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua terceira conferência (teoria geral do culto) e, em seguida, fizemos comentários sobre o que podemos chamar de teoria positiva da felicidade.
Como de hábito, a prédica foi gravada ao vivo; ela está disponível no canal Positivismo (aqui) e no canal Apostolado Positivista (aqui). A partir de 52' 50" a exposição da teoria positiva da felicidade começa.
Para quem tiver interesse, reproduzo abaixo as minhas anotações pessoais que guiaram a exposição oral da teoria da felicidade.
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O que é ser feliz?
- É uma sensação bastante pessoal, difícil de expressar e definir
o Talvez seja possível definir da seguinte maneira: ser feliz é sentir-se realizado, é sentir-se pleno
§ Por sua vez, sentir-se realizado é sentir que os objetivos que se traça na vida foram, de alguma forma, atingidos
- A felicidade pode durar mais ou menos e, talvez de maneira surpreendente, ela também pode ser maior ou menor
o A ausência de felicidade não é a tristeza, nem a dor; é possível estar estável, sem alegria nem tristeza
§ A alegria não é o mesmo que a felicidade; a alegria é mais transitória e localizada; a felicidade é mais profunda e ampla – assim, é possível estar alegre sem estar feliz
o Por outro lado, é importante notar que, embora ninguém deseje ficar triste, a tristeza faz parte da vida tanto quanto a alegria (ou a felicidade) – seja porque realmente todos temos momentos de tristeza, seja porque em certo sentido a tristeza dá sentido à alegria e à felicidade
- Como em grande medida a felicidade é um sentimento pessoal, à primeira vista isso gera um problema para a harmonia social: afinal, sendo pessoal, não deixa de ser egoísta e a soma dos egoísmos não tem como produzir a felicidade coletiva
o A solução para esse problema é fazer convergir a felicidade pessoal e o bem-estar coletivo - ou melhor, consiste em transformar o bem-estar coletivo em objetivo da felicidade pessoal
o Essa é outra forma de apresentar o problema fundamental do ser humano, que consiste em, da melhora maneira possível, conjugar o egoísmo individual com o bem-estar coletivo
o A solução apresentada acima – transformar o bem-estar coletivo no objetivo da felicidade pessoal – é uma outra forma de apresentar a solução indicada por Augusto Comte, que é subordinar o egoísmo ao altruísmo, dando uma orientação altruísta para o egoísmo
§ A metafísica, a partir de suas origens teológicas, opõe a felicidade individual ao bem-estar coletivo
· Por um lado, o liberalismo afirma que a felicidade individual é sempre oposta ao bem-estar coletivo; a partir daí, muitas metafísicas políticas atuais (que com freqüência apoiam teologias morais) afirmam que só é possível ser feliz rejeitando a sociedade
· Por outro lado, o comunismo afirma só o bem-estar coletivo e nega a individualidade (rejeitando, portanto, a noção de felicidade individual)
· Isso deixa claro que nem o liberalismo nem o comunismo propõe soluções reais e verdadeiras para o problema da felicidade
o Essa solução é possível porque, embora a sensação da felicidade seja em si mesma uma única, as fontes de sua obtenção variam de acordo com a época, com a sociedade, com a classe social etc., além de com o indivíduo: em outras palavras, os objetos e os objetivos da felicidade não são únicos e não são estáticos
§ Assim, pode-se orientar as concepções de felicidade rumo a projetos exeqüíveis, reais, relativos e simpáticos
o Na orientação altruística do egoísmo e da felicidade individual, a mesquinhez própria ao egoísmo é depurada e a felicidade pessoal é enobrecida
- Outros dois elementos integrantes da felicidade, que conduzem a ela, são os sentimentos de pertencimento e de objetivo na vida
o Quando sentimos que pertencemos a algum grupo e que realizamos atividades que têm sentido, isto é, que resultarão em alguma coisa boa, também ficamos felizes
o O sentimento de pertencimento e o sentimento de objetivo são diferentes entre si, embora com freqüência estejam profundamente vinculados
o Assim como a felicidade em si mesma, o pertencimento e o sentido de missão podem ser profundamente egoístas – e aí os surgem os problemas com o bem-estar público
o A solução para esses eventuais problemas é o mesmo já indicado:
§ Devemos todos sempre pertencer a grupos (famílias, pátrias, Humanidade; classes sociais, clubes, escolas, partidos, associações etc.), mas esse pertencimento deve sempre ser subordinado aos supremos interesses da Humanidade; se não se afirmar essa subordinação à Humanidade (e no sentido da continuidade histórica), os pertencimentos parciais podem sempre correr o risco de degradarem-se em termos egoísticos
· É igualmente importante lembrar que reconhecer a Humanidade, isto é, reconhecer a realidade e também imagem idealizada da Humanidade consiste, por si só, em assumir um pertencimento
§ No que se refere aos objetivos, o que indicamos antes já basta para entendermos a solução positiva: os objetivos devem ser sempre altruístas e devem sempre se subordinar à noção superior de Humanidade
- A felicidade é um sentimento mundano, ou imanente; ou seja, em última análise, ela só faz sentido para quem vê nesta vida o objetivo de suas ações
o Os teológicos, em particular os monoteístas, mantêm uma relação complicada com a felicidade, na medida em que seus objetivos dirigem-se para uma suposta “outra” vida, basicamente negando esta vida; inversamente, os monoteístas que se realizam nesta vida mantêm relações complicadas com a própria fé
- Os vários aspectos indicados até agora da felicidade positiva deixam claro que ela exige esforços ativos, nunca o quietismo, ou o afastamento ou a rejeição desta vida
o Embora cada um, pessoalmente, deva procurar evitar a dor e o sofrimento e buscar a felicidade, sabemos que nem sempre isso é possível; a solução para isso não é afastar-se do mundo e adotar uma postura basicamente passiva: a solução é aprender a lidar com a dor e a aproveitar a felicidade
o O afastamento do mundo e o quietismo são particularmente problemáticos também (1) porque são radicalmente egoístas e negam o caráter coletivo do ser humano, ao afirmar que a vida em sociedade é necessariamente, sempre e apenas fonte de sofrimento, e (2) porque não reconhecem que a vida ativa é a condição da felicidade e da regulação dos sentimentos e das idéias
o Afirmar a vida ativa não é o mesmo que rejeitar o descanso ou que rejeitar a vida intelectual; também não é afirmar que devemos ficar o tempo todo ativos, mexendo-nos incessantemente: é apenas afirmar que vivemos, que essa vida implica a atividade e que essa atividade é o que permite a regulação humana que conduz à felicidade