14 maio 2024

Manter a memória é preservar a Humanidade


Em meio às terríveis tragédias por que o estado do Rio Grande do Sul e, em particular, a cidade de Porto Alegre estão passando, temos visto algumas cenas belíssimas de auxílio às vítimas humanas e não humanas disso tudo.

A imagem acima, de autoria de Benett e publicada em 14.5.2024 na Folha de S. Paulo, baseia-se em um trecho de uma crônica de Ruy Castro, publicada na véspera também na Folha de S. Paulo ("Vidas e memórias na correnteza"). O trecho do cronista é este: "As cenas do cavalo Caramelo sendo retirado do telhado e muitas outras estão correndo o mundo. Mas uma que me tocou particularmente foi a que vi, de relance, num jornal de televisão: uma senhora anônima, estendendo suas fotos num barranco para que secassem. Fotos de um passado feliz, anterior ao dilúvio, mostrando pessoas queridas, que talvez se tenham ido nas águas e que ela nunca mais verá. Minto: verá, sim, nas fotos que tenta salvar".

Pois bem: a imagem de Benett, parece-me, lembra-nos de que a Humanidade existe concretamente e que tem que ser salva, mas também que a Humanidade é feita da memória: salvar fotos, salvar lembranças é tão importante, é tão humano quanto salvar os seres vivos que atualmente lutam tão desesperadamente para sobreviver.

Em suma, manter a memória é preservar a Humanidade, é realizar a imortalidade subjetiva, é dar sentido às nossas vidas. Mesmo sem saber, a moça da imagem de Bennet realizou da melhor maneira possível o ideal positivista, da Religião da Humanidade.

Sobre a liberdade absoluta de consciência

No dia 23 de César de 170 (14.5.2024) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua undécima conferência (dedicada ao regime público).

No sermão abordamos a crítica de Augusto Comte ao dogma da consciência ilimitada de consciência.

Além disso, fizemos nossas exortações habituais e lembramos algumas datas importantes:

1) Sejam altruístas: o altruísmo não tem limites e tudo pode e deve ser objeto do altruísmo. O desastre ambiental que está tendo curso no Rio Grande do Sul exige, em particular, que todos sejam altruístas neste momento. No dia 8 de maio fizemos um apelo altruísta em favor do Rio Grande do Sulhttps://acesse.dev/Uhtbm.

2) Façam orações: as orações positivistas, que são formas ativas de meditação, devem ser feitas três vezes por dia (ao acordarmos, antes de dormirmos e no meio dia); além disso, as orações positivistas não são interessadas nem interesseiras, mas são formas de reconhecimento de dívidas de gratidão: dessa forma, elas são exercícios de altruísmo.

3) Façam o Pix da Positividade, contribuindo para a Igreja Positivista Virtual. A nossa chave pix é esta: ApostoladoPositivista@gmail.com.

4) No dia 11 de maio celebrou-se o aniversário da fundação da Igreja Positivista do Brasil, ocorrido em 1881.

5) No dia 12 de maio celebrou-se o Dia das Mães: embora seja uma data comercialista, bem ou mal ela celebra uma importante função social, uma fonte e um símbolo eterno de amor, carinho e dedicação. Embora a anarquia moderna, na forma da metafísica feminista, despreze o ideal da maternidade, a moral positiva estabelece como símbolo da Humanidade uma mulher que é também mãe.

6) No dia 13 de maio celebrou-se a abolição da escravidão no Brasil, ocorrida em 1888. Essa data celebra o fim do desprezível cativeiro dos brasileiros originários da África e, com isso, também celebra a união dos três principais grupos que constituem o Brasil (os portugueses, os índios e os africanos). A Igreja Positivista do Brasil também estabeleceu essa data para celebrar a memória do líder republicano, proclamador da independência do Haiti, o ex-escravo Toussaint Louverture.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/X3Pnb) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/5YrQa). O sermão começou aos 45 min 40 s.

As anotações que serviram de base para a exposição oral do sermão encontram-se reproduzidas abaixo.

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Sobre a liberdade absoluta de consciência 

-        Há um tema importante ao Positivismo que, por vezes, como infelizmente acontece também com outros temas, há incompreensões e interpretações equivocadas: a “liberdade ilimitada de consciência” é um deles

o   Augusto Comte tratou desse tema desde o início de sua carreira – por exemplo, no “Sumária apreciação do conjunto do passado moderno” (de 1820) e no “Considerações sobre o poder espiritual” (de 1826) há referências diretas e explícitas a ele

o    Augusto Comte usava a expressão “liberdade ilimitada de consciência”; mas como essa expressão pode gerar confusão, eu prefiro usar às vezes “liberdade absoluta de consciência” – pois, além de evitar confusões desnecessárias, essa fórmula descreve mais acuradamente o problema

§  Em todo caso, a leitura direta das observações de Augusto Comte basta para esclarecer a expressão e evitar qualquer confusão a respeito

-        O tema da “liberdade absoluta de consciência” envolve aspectos morais, intelectuais, políticos e históricos de maneira muito direta; ele tem conseqüências (ou reflexões) muito importantes no Positivismo

o   Neste sermão, adotaremos inicialmente uma exposição histórica para, a partir dela, tratarmos filosoficamente do tema

-        A primeira observação que temos que fazer é a seguinte: todo ser humano tem capacidade de reflexão autônoma e procura entender o mundo ao seu redor; isso é um esforço que se faz para cada um localizar-se no mundo, entender como é que as coisas funcionam e, a partir disso, agir

o   Assim, cada um de nós e todos temos liberdade de pensamento, que também podemos chamar de “autonomia” (alguns sociólogos contemporâneos chamam-na de “agência”)

o   É claro que ao longo do tempo e conforme as sociedades varia essa autonomia individual: algumas sociedades são mais restritivas, outras menos

o   Mas a autonomia individual não é uma questão puramente individual, no sentido de que não se trata apenas da “liberdade de consciência”, que é algo que com freqüência é reduzido à oposição simples e binária entre “indivíduo” e “sociedade”

§  A concepção individualista entende que cada ser humano existe por si só no universo, que se torna adulto sozinho, que suas idéias e seus valores são os mesmos em qualquer parte do mundo – e, coroando essas tolices, o individualismo entende que o indivíduo está sempre ameaçado por agrupamentos de outros indivíduos (sejam eles meras coalizões passageiras, sejam eles a temível “sociedade”)

o   Na verdade, em outras palavras, é necessário adotarmos uma perspectiva sociológica – que, aliás, é a que o Positivismo adota

§  Adotar uma perspectiva individual (e individualista) para entender essa questão produz apenas concepções irracionais e imorais, ou seja, não se entende a questão, surgem problemas insolúveis e suas conseqüências sociais e políticas são desastrosas (e injustas)

-        Adotando-se a correta perspectiva sociológica, temos que ter muito em mente que ninguém nasce sabendo nada e acreditando em nada; só conhecemos e acreditamos em coisas porque aprendemos ao longo do tempo, ou seja, com a sociedade

o   Além disso, no processo de aprender está sempre implícita – às vezes, implícita demais – a confiança nos demais e, em particular, naqueles que nos ensinam e transmitem conhecimentos e valores

o   Da mesma forma, seja porque nossas concepções quaisquer seguem aquelas que aprendemos de outrem (e, novamente, entra aí a confiança), seja porque precisamos de estabilidade nas concepções, o fato é que é necessário que haja interpretações e concepções socialmente estabelecidas, compartilhadas e estáveis

§  Essa necessidade vale para toda e qualquer sociedade; isso não tem nada a ver com “autoritarismo”, “intolerância” e/ou “falta de progresso”

o   De qualquer maneira, uma das conseqüências dessa necessidade de concepções compartilhadas é a constituição do poder Espiritual

§  O poder Espiritual tem funções ao mesmo tempo sociais e políticas, filosóficas e didáticas, além de funções morais: em outras palavras, ele é o responsável por elaborar, sistematizar e transmitir idéias e valores

§  A importância da separação entre os dois poderes (o Temporal e o Espiritual) fica bastante evidente aí: se há união entre os dois poderes, as idéias e os valores serão impostos ao público com o peso da lei

o   De um modo geral, podemos dizer que quanto maior a confiança do público no poder Espiritual, maior a liberdade de que goza esse público; ou, dito de outra maneira, quanto mais frágil o poder Espiritual absoluto, mais ele tenderá a buscar o apoio do poder Temporal para ser imposto

§  Como observava Augusto Comte, as crenças absolutas tendem a procurar governos autoritários

-        As crenças teológicas (em particular as monoteístas) são ao mesmo tempo absolutas e fictícias, de tal sorte que elas não são passíveis de comprovação e lidam muito mal com a discussão – embora, por outro lado, de maneira contraditória, na medida em que não são passíveis de comprovação, elas estimulam muito as discussões, que não têm fim

o   Essas características intelectuais da teologia (monoteísta) por si só exigem a constituição de um poder Espiritual organizado, para regular e disciplinar as crenças

-        Durante a Idade Média, as crenças teológicas foram reguladas pela igreja católica, que, por sua vez, gozava de ampla confiança

o   A igreja regulava as concepções, estabelecendo as linhas gerais do que era ou não aceitável

o   Devido às características de ficção e de absolutismo da crença teológica, nos séculos iniciais da igreja houve muitas disputas filosóficas; embora muitas concepções afirmadas baseassem-se no bom senso, na medida em que atrapalhavam a racionalidade do dogma (e o dogma cristão é profunda e necessariamente irracional e confuso), elas foram proscritas – eram as heresias

o   Também há que se notar que os próprios doutores da igreja com freqüência percebiam as dificuldades intelectuais e morais do próprio dogma; por isso, essas dificuldades tinham que ser atenuadas ou simplesmente postas de lado, em particular quando se tratava das aplicações práticas

§  Assim, tinha lugar a “sabedoria prática” de muitos sacerdotes, muitas vezes dos próprios papas

o   Mas, estabelecidas as diretrizes gerais do dogma, ou seja, identificadas e suprimidas as heresias, estabeleceu-se um amplo terreno para discussão e especulação

§  É nesse sentido que Santo Agostinho (354-430) propôs esta bela frase: “No essencial, a unidade; na dúvida, a liberdade; em tudo, a caridade”

o   O governo espiritual da igreja dava-se, então, por meio da educação; as interpretações individuais subordinavam-se à interpretação da igreja

§  Nesse sentido também devia ser entendido a fórmula “Extra ecclesiam nulla salus” (“fora da igreja não há salvação”)

o   Por fim, vale notar que o governo espiritual da igreja dava-se também pelo princípio – mais ou menos implícito, mais ou menos explícito – da infalibilidade papal

-        A decadência da ordem católico-feudal conduziu à desmoralização progressiva das concepções teológicas

o   Essa desmoralização foi estimulada por diversos motivos: relativismo intelectual, moral e prático derivado das cruzadas; reintrodução no Ocidente, por intermédio dos árabes, da cultura grego-romana; desenvolvimento das ciências

o   Tudo isso conduziu a uma emancipação mental cada vez mais acentuada

§  A emancipação mental significa deixar de acreditar na divindade e/ou de raciocinar em termos sobrenaturais e extra-humanos

o   A liberdade mental evidentemente aumentou muito nesse sentido

§  Vale notar que apenas a partir daí – da sua decadência – a igreja católica constituiu de verdade o tribunal do santo ofício, isto é, a inquisição

-        O processo de destruição do governo espiritual da igreja foi espontâneo nos primeiros dois séculos da idade moderna, ou seja, nos séculos XIV e XV; a partir do século XVI, ele tornou-se sistemático

o   O processo espontâneo correspondeu diretamente à emancipação mental, ou seja, o ser humano tendeu cada vez mais à “secularização”, à “laicização” mental

o   O processo sistemático assumiu um caráter propriamente destruidor, em que a emancipação tornou-se secundária em relação à destruição

§  Isso fica evidente no protestantismo, cuja preocupação é ser anticatólico em vez de emancipar mentalmente os seres humanos; a liberdade por ele promovido é claramente anárquica

-        Nos dois trechos abaixo Augusto Comte resume esse processo:

o   Citação de “Sumária apreciação do conjunto do passado moderno”[1]:

“Preparada, ou, para melhor dizer, reclamada como indispensável, por esse estado de coisas, a revolução francesa explodiu, e tomou, desde a sua origem, uma falsa direção, havendo destruído a realeza. Não tardou, entretanto, esta última a reconstituir-se, porque, sendo, em França, a cabeça e o coração do antigo sistema, só com ele pode extinguir-se, assim como um sistema não pode ser extinto senão quando outro já existe completamente formado e pronto para substituí-lo.

O resultado final de todo esse grande abalo foi a abolição dos privilégios, a proclamação do princípio da liberdade ilimitada de consciência e, por fim, o estabelecimento da constituição inglesa outorgada pelo próprio poder real.

A abolição dos privilégios não fez senão completar a ruína do feudalismo e reduzir inteiramente o poder temporal apenas ao do rei.

A proclamação do princípio da liberdade ilimitada de consciência aniquilou completa e irrevogavelmente o poder espiritual[2]”.

o   Citação de “Considerações sobre o poder espiritual”[3]:

“Em todo o curso desse período [séculos XVI a XVIII], que se pode, com todo direito, qualificar de revolucionário, todas as idéias anti-sociais foram agitadas e transformadas em dogmas, a fim de serem empregadas, de maneira contínua, na demolição do sistema católico e feudal, e reunir, contra ele, todas as paixões anárquicas que fermentam no coração humano, e são, nos tempos normais, comprimidas pela preponderância de um regime social completo.

Assim, o dogma da liberdade ilimitada de consciência foi criado, a princípio, para destruir o poder teológico; em seguida, o [dogma] da soberania do povo para derrubar o poder temporal; e, por fim, o [dogma] da igualdade, para dissolver a antiga classificação social, sem falar das idéias secundárias, menos importantes, que constituem a doutrina crítica, dentre as quais cada um procurava demolir uma peça correspondente do antigo sistema político.

[...]

Por uma fatalidade irresistível, os diversos dogmas de que se compõe a doutrina crítica não puderam adquirir toda a energia que lhes era necessária para preencherem completamente seu destino natural, a não ser tomando um caráter absoluto, que os tornou necessariamente hostis, não apenas ao sistema que tinham de destruir, mas relativamente a qualquer sistema social [...]”.

-        A destruição direta da autoridade moral foi necessária: o instrumento intelectual disso foi, justamente, o dogma da liberdade ilimitada de consciência

o   Ao destruir o governo espiritual anteriormente vigente e proclamar a autossuficiência individual, o dogma da liberdade absoluta de consciência estabelece propriamente a anarquia mental, ou seja, a ausência de parâmetros compartilhados e respeitados

§  Na verdade, é pior do que pode parecer à primeira vista, pois esse dogma não apenas estabelece a anarquia mental como postula que a anarquia é o estado normal do ser humano

o   Esse dogma proclama que cada indivíduo é sempre e suficientemente capaz de avaliar qualquer coisa por si só, independentemente de qualquer preparação específica e prévia para isso

o   Em outras palavras, o dogma da consciência ilimitada (ou absoluta) de consciência erige sistematicamente a arrogância em padrão de conduta mental

o   Além de violentamente arrogante e individualista, esse dogma conduz naturalmente à rejeição da confiança mútua: afinal, não há porque os indivíduos confiarem nos demais para afirmarem suas próprias idéias

-        O agente concreto da destruição do antigo poder Espiritual e da afirmação do dogma da liberdade absoluta de consciência foram os protestantismos

o   As supostas inovações de Lutero foram basicamente destruições da autoridade intelectual da igreja; as críticas que ele fez à igreja já tinham sido feitas antes, por outros pensadores seculares ou teológicos, sem compartilharem o caráter destruidor do monge alemão

o   A par do seu caráter destruidor, o protestantismo não afirmou a liberdade de consciência nem a emancipação mental – nem mesmo a liberdade política, como os exemplos de Lutero, Calvino e outros ilustram com clareza

§  Em relação à liberdade política, basta lembrar que Lutero, Calvino e outros foram autoritários, despóticos, tirânicos

o   Ao rejeitar a autoridade da igreja, o protestantismo afirmou o individualismo, a arrogância e a anarquia mental

o   Outra conseqüência da rejeição da autoridade da igreja foi acabar com as interpretações adaptadas à realidade humana, sugeridas pela “sabedoria prática” do clero

§  Em outras palavras, isso consistiu em rejeitar o relativismo prático em favor de um absolutismo teórico (a partir de um literalismo interpetativo da Bíblia)

o   Além disso, ao erigir cada crente em juiz único e autossuficiente para julgar qualquer coisa, o protestantismo substituiu a infalibilidade do papa pela infalibilidade do próprio crente

§  Uma das conseqüências práticas dessas disposições mentais e morais é a multiplicação incessante de seitas protestantes, a olhos vistos mesmo hoje em dia

o   Devemos notar, entretanto, que em termos de apoio a governos despóticos, todavia, alguns protestantes adotaram um comportamento diferente, ao defenderem e constituírem a liberdade espiritual:

§  De modo geral, foram ingleses ou originários da Inglaterra: os niveladores (levellers) de Oliver Cromwell, os quacres, alguns batistas (como Roger Williams, fundador de Rhode Island)

-        Pode parecer que tratar hoje da liberdade absoluta de consciência seja somente uma curiosidade histórica, mas não é

o   Por um lado, a liberdade ilimitada de consciência infelizmente é uma realidade nos dias atuais, seja na permanência fática da anarquia moderna, seja na afirmação da anarquia moderna como um ideal moral e mental (!)

o   Além dos problemas intelectuais, morais e práticos, há ainda concepções que pretendem – erradamente – aproximá-la da ciência

-        Há algumas propostas que afirmam que a ciência moderna baseia-se na liberdade absoluta de consciência

o   Essas propostas, com freqüência e não por acaso, também defendem que a ciência ter-se-ia originado do protestantismo

§  Essas propostas com freqüência são de origem anglossaxônica e/ou protestante; quando não são diretamente anglossaxônicas, são influenciadas fortemente por elas e, de qualquer maneira, são também (ou principalmente) influenciadas pelo protestantismo

o   A ciência exige a confiança mútua, bem como a humildade intelectual; o preceito moral geral do Positivismo, segundo o qual a “submissão é a base do aperfeiçoamento”, é seguida à risca na ciência

§  Na ciência – seja em sua prática cotidiana, seja em suas instituições – também se exige o respeito ao seu caráter coletivo: a sua cumulatividade histórica, a sua cumulatividade teórica, o longo processo de iniciação prática (iniciação científica, graduação, mestrado, doutorado), a opinião compartilhada (bancas de examinação, avaliação por pares)

§  Da mesma forma, e como conseqüência das características acima, não tem lugar na ciência a criticidade corrosiva e sistemática

o   Concepções da ciência que exaltam o individualismo, a criticidade corrosiva, o caráter não cumulativo – concepções, mais uma vez não por acaso, profundamente influenciadas pelo protestantismo – não entendem o que é, como funciona e para que serve a ciência, como nos casos de Karl Popper e Alfred N. Whitehead

o   Um exemplo bastante simples, claro, atual e desastroso de o quanto a ciência repele a liberdade absoluta de consciência são os negacionismos contemporâneos

§  Os antivacinistas atuais, os terraplanistas, os negacionistas do clima e muitos outros: todos eles são pessoas que não conhecem nem entendem a ciência, que no fundo desprezam-na e que, armados apenas de preconceitos (políticos e também teológicos) julgam-se capazes de avaliar todas as questões científicas, mesmo que isso resulte na morte de milhões de concidadãos e de servidores da Humanidade

-        Em suma:

o   A liberdade ilimitada (ou absoluta) de consciência é a pretensão de que cada indivíduo possui condições totais de avaliar tudo e qualquer coisa, independentemente de preparação específica prévia

§  A necessária crítica à liberdade absoluta de consciência não tem nada a ver com a autonomia moral e intelectual de cada um

§  A liberdade absoluta de consciência baseia-se e resulta em graves defeitos morais, a começar pela arrogância e pelo egoísmo, passando pelo absolutismo

§  Em termos sociológicos, a liberdade ilimitada de consciência resulta no que Augusto Comte chamava de “anarquia moderna” (a ausência de parâmetros morais e intelectuais compartilhados e socialmente regulados); essa anarquia vige seja como realidade fática, seja como ideal social e moral

o   O protestantismo de modo geral é o grande promotor dessa atitude

§  O protestantismo reforça a mentalidade absoluta, anti-humana e estritamente individualista; estimula o espírito destruidor; promove a crença da infalibilidade dos crentes: em suma, ele é um dos agentes da anarquia moderna

o   A ciência não se baseia na liberdade absoluta de consciência; bem ao contrário, a ciência exige a humildade intelectual e a confiança mútua

§  Embora, a par da permanência revolucionária e anárquica dos hábitos críticos, o dogma da liberdade ilimitada de consciência infelizmente ainda apresente grande relevância, nos últimos anos ela tem-se reafirmado de maneira desastrosa, como se vê no caso dos chamados “negacionistas”, isto é, de todos aqueles que se julgam capacitados a negar a ciência sem nunca terem estudado nem conhecido de verdade a ciência

·         São os antivacinistas contemporâneos, os negacionistas do clima, os terraplanistas etc. etc.



[1] Augusto Comte, “Segundo opúsculo: abril de 1820 – Sumária apreciação do conjunto do passado moderno”, In: _____. Opúsculos de filosofia social, São Paulo, USP, 1972, p. 26-27.

[2] “Esta proclamação tornou impossível o estabelecimento de qualquer autoridade teológica, quer política, quer simplesmente moral; porque, sendo deixadas as crenças ao arbítrio de cada indivíduo, não poderá haver, talvez, duas profissões de fé completamente uniformes, e a de cada indivíduo poderá mudar da manhã para a tarde, seguindo todas as variações inspiradas pelo estado perpetuamente móvel de suas afeições morais e físicas, bem como pelas circunstâncias sociais, igualmente variáveis, nas quais o mesmo indivíduo se encontrará sucessivamente colocado.

Numa palavra, é claro que a liberdade ilimitada de consciência e a indiferença teológica absoluta significam exatamente o mesmo quanto às conseqüências políticas. Em ambos os casos, as crenças sobrenaturais não podem mais servir de base à moral. É um fato que, longe de dever ocultar-se, não se poderia salientar em demasia por provar a necessidade de constituir-se sobre outros princípios positivos (isto é, deduzidos da observação), a moral, que é a base, ou antes, o laço geral da organização social” (nota de Augusto Comte).

[3] Augusto Comte, “Quinto opúsculo: março de 1826 – Considerações sobre o poder espiritual”, In: _____. Opúsculos de filosofia social, São Paulo, USP, 1972, p. 182.

08 maio 2024

Apelo altruísta pelo Rio Grande do Sul

Apelo altruísta pelas irmãs e pelos irmãos do Rio Grande do Sul, atingidos duramente por chuvas inclementes no início de maio de 2024.

Em nome da Humanidade, apelamos para que todos sejam altruístas, com doações de gêneros alimentícios e de primeira necessidade (arroz, feijão, leite, açúcar, farinha, sabonete, xampu, vassoura, rodo etc.) e/ou doações financeiras, para a Igreja Positivista do Rio Grande do Sul (chave pix 30.520.007/0001-03) ou para o governo do estado do Rio Grande do Sul (chave pix 92.958.800/0001-38).

Gravamos uma breve mensagem para este apelo: https://www.youtube.com/watch?v=h0yUAqF-ti4&t=3s