No dia 18 de Gutenberg de 170 (29.8.2024) realizamos mais uma Live AOP, novamente contando com a bela participação de Hernani Gomes da Costa, que apresentou a palestra "Vinte mitos sobre o Positivismo".
A Live AOP foi transmitida no canal Positivismo, disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=g17TNaHxneI&t=5397s.
A versão escrita da exposição oral - devidamente revisada e complementada - está reproduzida abaixo.
* * *
Vinte mitos sobre o Positivismo
Hernani Gomes da Costa
Caras irmãs e
irmãos na Humanidade:
O ensaio que
apresentaremos aqui corresponde a uma proposta bem direta de minha esposa
Sandra.
Consultando-me
sobre se havia dentre as publicações do Positivismo, algo semelhante a um texto
resumido, no qual constasse uma lista dos principais equívocos já registrados
sobre a doutrina, seguidos de breves pinceladas de respostas, e acompanhadas
estas por trechos decisivos de Augusto Comte que comprovassem cada comentário;
tive de responder- The que eu ignorava qualquer coisa do gênero.
A propaganda
positivista – tanto quanto sei e bem mais por uma questão pessoal de seus
propositores, que por qualquer peculiaridade limitante da doutrina – não só
evitou sempre a polêmica, como buscou espontaneamente o que de fato parecia ser
o caminho mais curto entre si e seu público: apresentar o Positivismo pelo que
o Positivismo é, e não pelo que ele não é.
Mas os nossos
conturbados tempos talvez hajam mudado também mais esse estilo, exigindo agora
como Sandra tão bem me fez ver a necessidade de algum trabalho que precisasse
ir buscar inspiração no chamado método apofático de exposição. Tal é, em
teologia, o método segundo o qual a natureza de Deus jamais é apresentada – nem
mesmo indicada – mas apenas sugerida de modo oblíquo, e mesmo assim, pelo que
tal ser não é.
“Julgais
conhecê-Lo? Pois então não é Ele!” dizia Santo Agostinho, talvez um precursor
desse gênero de produção teológica.
Ora, com uma igual
incitação podemos nós também provocar nossos diversos estudiosos acadêmicos e
curiosos internautas do Positivismo: “Julgais conhecer a doutrina apenas por
seus comentadores externos e por seus críticos e adversários? Pois então... não
é ela...”
Nossos esforços não
foram, contudo, realizados plenamente.
Ficamos devendo a
vocês que nos assistem, nada menos do que toda a parte bibliográfica dos
trechos comtianos, precisando tal indispensável complemento acrescentar-se
noutra ocasião.
Se alguma coisa
porém, devemos encontrar em tal lacuna que pudéssemos chamar de compensação;
diríamos que a ausência dos trechos do fundador permitiu-nos incluir um número
bem maior daqueles equívocos, alguns dos quais só muito recentemente achados no
Youtube; e na verdade novos até para nós, veteranos dessa longa batalha de
idéias e de ideais.
Há ainda uma outra
razão para considerar que nossos esforços não tenham sido concluídos. Sem
descambarmos na idéia esdrúxula de que entramos na “era da pós verdade”, existe
muito, muito mais ainda a encontrar
em matéria de desinformação sobre o Positivismo, como sobre qualquer outra
coisa. As facilidades tecnológicas de difusão de conteúdo intelectual trouxeram
consigo uma avalanche delas; de modo que saber como pesquisar assunto, com
critérios nítidos para realizar uma vasta triagem, tornou-se tão ou mais
importante quanto saber assimilar aquilo que de fato se tenha encontrado.
É assim, que sem de
modo algum pretender esgotar o assunto, e sem alcançar nenhuma precisão quanto
a havermos formado aqui uma genuína classificação para os nossos diversos
mitos; julgamos ao menos ter podido reuni-los de modo mais ou menos vago nos
seguintes 20 grupos gerais:
1)
Mitos de natureza conspiratória
2)
Mitos sobre a Religião da Humanidade
considerada como um todo
3)
Mitos sobre as origens históricas do Positivismo
4)
Mitos sobre os conceitos fundamentais
de “positivo”, “Positivismo” e “positividade”
5)
Mitos sobre as práticas cultuais da
Religião da Humanidade
6)
Mitos sobre a relação do Positivismo
com a ciência em geral
7)
Mitos sobre a construção sociológica de
Augusto Comte
8)
Mitos sobre a pluralidade do
movimento positivista
9)
Mitos sobre a obsolescência do Positivismo
10) Mitos sobre a relação entre o Positivismo e as belas artes
11) Mitos sobre as propostas políticas do Positivismo
12) Mitos sobre a vida pessoal de Augusto Comte
13) Mitos sobre a vida pessoal de Clotilde de Vaux
14) Mitos sobre a vida pessoal de Carolina Massin
15) Mitos sobre a relação do Positivismo com as artes médicas
16) Mitos sobre o Positivismo e a antropologia
17) Mitos sobre como o Positivismo trata a questão da existência de Deus
18) Mitos sobre o Positivismo e a política internacional
19) Mitos sobre a atuação dos positivistas no Brasil
20) Mitos sobre a sucessão de Augusto Comte
Antes porém, de
começarmos; uma última palavra: optamos por denominar “mito” a lista dos
equívocos aqui apresentados, não só a fim de evitar o sempre desnecessário
servilismo cultural a expressões inglesas tais como fakenews; como para resgatar a acepção de mentira que precisa
continuar comportando a palavra mito; sentido esse, diga-se, que foi quase perdido
desde seu recente emprego como apelido para certo personagem passageiro, que
soube tão bem encarnar esse termo, sob tal significação negativa.
1) Mitos
de natureza conspiratória sobre o Positivismo
A exemplo de certas correntes do budismo que se
fingem teológicas nos primeiros círculos da iniciação de seus discípulos, para
só depois revelarem-se ao adepto adiantado como doutrinas agnósticas; teria
feito o Positivismo algo semelhante, fingindo-se uma religião, para que só bem
depois o iniciado compreendesse não passar tudo aquilo apenas de um hábil
disfarce para encobrir um projeto de pura “dominação política”? Não seria mais
correto e até mesmo mais honesto caracterizar o Positivismo como apenas mais
uma dentre as diversas correntes de filosofia, haja vista como rejeita as
concepções sobrenaturais e pretende reorganizar a sociedade terrena, ao invés
de nos preparar para uma outra existência extra mundana? Não é, de alguma
forma, enganosa essa forma de “atrair o público”?
Não. É natural – e
talvez mesmo inevitável – aos visitantes que pela primeira vez cheguem a um
Templo da Humanidade sem nenhum conhecimento prévio da doutrina – que tomem
aquele cenário como o de uma igreja teológica ou mesmo de um centro esotérico.
Afinal que outros exemplos se tem senão o de ambientes desse tipo? É inclusive
também natural supor que talvez essas mesmas pessoas – a maioria até – se
desinteressassem e desistissem dessa primeira visita, se fossem antes disso
informadas acerca do caráter antiteológico de nossas idéias. Mas daí a supor
que a aparência de nossos templos tenha sido maquiavelicamente concebida como
uma espécie de arapuca, vai uma distância enorme.
Aliás, se é verdade
que a aparência de nossos templos pode oferecer algum engano dessa natureza,
não é menos certo, inversamente, que muitos espaços em aparência laicos estejam
fortemente impregnados de teologismo. Da mesma forma, não é menos certo que não
haja uma só ocasião em nossas prédicas, aonde não tenhamos a oportunidade de
expor com franqueza as nossas convicções, e assim desfazer qualquer
possibilidade de erro não só a esse como a muitos outros respeitos.
Não se pode, pois,
em boa-fé, falar de logro aonde desde o início e desde sempre tudo tenha sido
tão transparente. Essa pérola de delírio conspiratório é assim, inteiramente
falsa. Parece mesmo a certas pessoas que quanto mais às claras procuramos
viver, maiores se tornam os motivos pelos quais elas suspeitam de lhes estarmos
ocultando algo escabroso.
O Positivismo,
apesar de sua plena emancipação do sobrenatural veio a tornar-se, sim, uma
genuína e completa doutrina religiosa e apenas como tal pode ser agora
devidamente sentida, compreendida e aplicada tanto individual quanto
coletivamente.
Tendo por Ser
Supremo a própria Humanidade, sustentada pela Terra e envolvida pelo Espaço, o Positivismo
possui como qualquer outra religião, seus templos, seu culto, sua liturgia,
seus sacramentos, e seu corpo sacerdotal próprio; assim como compreende uma
filosofia peculiar e regras e sugestões práticas específicas.
As semelhanças do Positivismo com o Catolicismo
representaram, por parte de Augusto Comte, uma tentativa de cópia ou de plágio
deste? O culto positivista é inteiramente baseado no culto católico?
Não. Embora o Positivismo
considere-se expressamente o herdeiro do legado espiritual de todas as
religiões e muito em particular do Catolicismo – suas semelhanças com ele não
tiveram como propósito copiá-lo ou plagiá-lo, mas aproveitá-lo no quanto isto
fosse possível, obedecendo nisso à própria consciência histórica de assim
cumprir esse papel de sucessão. O culto positivista, aliás, não é de todo
baseado no catolicismo.
Ele ainda está em
construção devendo incorporar ainda muitos outros elementos hauridos do
cerimonial de várias religiões, funcionando, por assim dizer, como uma espécie
de esperanto religioso. Por outro lado, certos elementos do culto católico
precisaram ser rejeitados como impróprios a incorporarem-se à liturgia
positiva, em virtude de seu caráter egoístico ou estritamente sobrenatural.
Tais são por exemplo as orações interesseiras, o sacramento da confissão, a
extrema-unção etc. etc.
2) Mitos
sobre a Religião da Humanidade considerada como um todo
Ao apresentar-se como uma religião que rejeita as
crenças sobrenaturais, o Positivismo teria elaborado um conceito particular de
religião a ser utilizado exclusivamente para si? Teria dado à palavra religião
algum significado próprio adaptando-o a essa sua tão peculiar rejeição ao
sobrenatural?
Não. Diríamos mesmo
que se tal houvesse sido o caso, essa necessidade demonstraria a própria
inaptidão e consequente falência da doutrina para constituir-se como uma
autêntica religião. Ela revelar-se-ia incapaz de reivindicar em igualdade de
condições o mesmo destino afetivo, intelectual e prático das demais doutrinas.
De modo algum
Augusto Comte “reinventou” para si o termo religião, utilizando-o de modo
particular e, dessa forma, equívoco. Tudo quanto ele precisou e limitou-se a
fazer aí – como, aliás, em diversos outros casos semelhantes da elaboração de
suas definições básicas – foi observar que, por sua origem, a palavra religião
não havia se referido nunca – nem mesmo indiretamente – a qualquer crença
sobrenatural. Tratou-se pois, apenas dele vislumbrar no âmago de tal conceito,
uma espécie de espaço vazio reservado a uma doutrina que ainda não existia;
espaço este que nenhuma das demais religiões poderia nem suspeitar que houvesse
e nem reivindicar jamais a si mesmas como a elas apropriado. Tudo que o Positivismo
fez, portanto, foi alojar-se dignamente aí, nesse espaço vago não só
desconhecido como não disputável – existente no conceito de religião.
O culto positivista é uma espécie de personalismo
ególatra, ou de idolatria aos gênios e aos heróis?
Não. É verdade que
Augusto Comte concebeu um calendário preparatório onde são homenageados vultos
históricos que desempenharam papéis da mais extrema importância tanto para o
desenvolvimento dos nossos sentimentos, quanto de nossas idéias e de nossas
ações.
Mas estas
celebridades são lembradas aí apenas na qualidade de personificações da
Humanidade, e mesmo assim, referidas a um determinado aspecto preciso de sua
ação. Além disso, o calendário de modo algum exclui o culto a quem quer que nos
tenha sido benéfico, e nem impede de serem convenientemente lembradas todas
aquelas individualidades cujos nomes tenham sido esquecidos pela história.
O culto central,
aliás é sempre o culto à Humanidade, cuja imensa maioria de seus elementos
constituintes continuará sempre anônima, sem que isto de modo algum a
desmereça.
3) Mitos
sobre a história do Positivismo
A idéia da Religião da Humanidade já estava de
algum modo embutida desde o início nas especulações de Augusto Comte? Teria ele
herdado a idéia da Religião da Humanidade, diretamente de Saint-Simon, de quem,
por um curto período chegou a declarar-se discípulo?
Não. Um dos motivos
de Augusto Comte haver logo se afastado de Saint-Simon foi justamente o caráter
cada vez mais teológico que suas idéias vinham tomando. Ora, mesmo quando
Augusto Comte havia concluído os seis volumes da Filosofia Positiva, ele ainda
identificava tal como Saint-Simon religião com teologismo.
A reforma social
tal como concebida por Augusto Comte não poderia ser, portanto, nessa primeira
fase de seu pensamento, jamais promovida por qualquer coisa imaginada como uma
nova religião, o que então equivaleria a dizer que a solução da questão social
se limitaria ao trabalho de criar uma nova forma de teologismo. Tal foi aliás,
a solução charlatanesca que Saint-Simon acabou por adotar, com o seu “Novo
Cristianismo” e que Augusto Comte, tão justamente rejeitou.
O poder espiritual
ao qual Augusto Comte se referia em seu Curso
de Filosofia Positiva poder esse encarregado de substituir o catolicismo
exausto no ocidente – apenas caberia a uma nova filosofia, incumbida de
desempenhar tal papel e de preencher como pudesse as lacunas das filosofias de
cunho sobrenatural e metafísico.
Convém lembrar que
muito embora já a essa época Augusto Comte entrevisse a importância crucial que
representa para isso o conjunto dos nossos sentimentos, tal compreensão haveria
enfim de ser percebida por ele próprio como ainda bastante precária. E a
fundação da Religião da Humanidade que correspondeu à segunda etapa de seu
pensamento – corresponderia também ao que foi a solução final para o problema
da constatação daquela insuficiência original.
A Religião da Humanidade teria sido o resultado
passional do deslumbramento de Augusto Comte por Clotilde de Vaux?
Não. A Religião da
Humanidade foi uma consequência lógica uma genuína decorrência da filosofia positiva
no que esta possui de mais característico. Tratou-se em última análise apenas
de aplicar a lei dos três estados à própria idéia de religião, de modo a
fazê-la alcançar a positividade.
No entanto, para
que a filosofia positiva viesse obter, como uma de suas consequências naturais,
a extensão e a profundidade requeridas a uma nova doutrina religiosa, não teria
bastado a Augusto Comte apenas meras meditações novas. Foi necessária uma
transformação no conjunto de seu próprio psiquismo, foi preciso operar sobre si
uma mudança íntima ainda mais radical de perspectiva do que a que poderia ser
fornecida por quaisquer simples correções teóricas fundadas em novas evidências
objetivas.
Exigia-se na
prática, que uma inteiramente nova situação moral fosse-lhe proporcionada para
que sua obra pudesse avançar em qualquer passo decisivo original. Enfim, era a
genialidade, chegada à culminância de sua expressão, que precisava agora
completar-se pelo desabrochamento de um amor puro e terno; na verdade, um amor
tal como Augusto Comte sempre ansiou e pressentiu como indispensável à
consecução de seus trabalhos, mas que pelos descaminhos de sua vida e apesar de
sua espontânea afetuosidade-ele nunca pudera experimentar; e por cuja falta o
conjunto inteiro de sua obra ainda se ressentia.
Mas tal foi de fato
o que acabou trazendo-lhe a boa sorte, mediante o encontro com sua inspiradora
e cofundadora da Religião da Humanidade – Clotilde de Vaux.
O papel desempenhado por Clotilde de Vaux na
fundação da Religião da Humanidade teria sido apenas o papel afetivo de “musa
inspiradora”?
Não. Augusto Comte
caracterizou a Religião da Humanidade como tendo sido fundada igualmente por
ele e por Clotilde. Mas embora já não fosse pouco afirmar o que seria aí uma
participação puramente afetiva; concepções-chave como as da conciliação do
dever com a felicidade, e as da incorporação do fetichismo ao Positivismo
apenas para citar dois exemplos bem característicos foram diretamente sugeridas
e mesmo hauridas por Comte nos escritos de Clotilde de Vaux.
Buscando ela no
mundo da ficção literária, através de suas poesias e novelas, apresentar a
urgência moral de uma enorme reforma social; e estando ela – tanto quanto o
próprio filósofo – emancipada de crenças sobrenaturais, Clotilde de Vaux, após
um único ano de convívio objetivo com Augusto Comte traria, de modo sutil, para
a então filosofia positiva, uma tal transformação afetiva, intelectual e
prática; que aquilo que Augusto Comte havia a princípio considerado como a
totalidade de sua obra, revelou-se-lhe apenas uma de suas três futuras partes.
Somente Clotilde
foi capaz de sugerir que a filosofia positiva era sim, uma condição necessária,
mas de modo algum suficiente para dar por concluído o trabalho da regeneração
social sonhado por ambos.
De fato, ainda
faltava ao Positivismo assinalar diretamente tanto o princípio quanto o alvo
final dessa regeneração ou, por outra, faltava à filosofia positiva inserir-se
apenas como um simples elemento de uma construção ainda mais vasta – uma
religião – na qual passasse tal filosofia a representar apenas seu aspecto
diretamente intelectual, sua base teórica, ou – o que vale dizer o novo dogma
para uma nova doutrina.
4) Mitos
sobre os conceitos de “positivo”, “Positivismo” e “positividade”
O Positivismo tem alguma relação ou equivale ao
assim chamado “pensamento positivo”?
Não. O Positivismo
não considera haver nenhuma evidência de que seja possível modificar
diretamente o rumo dos acontecimentos exteriores, por meio apenas de algo como
o que seria a suposta “força do nosso pensamento” sem que para isso intervenha
algum meio material ou sem que essa interferência no exterior possa ser sempre
compreendida como o resultado de uma mudança operada em nossa subjetividade, a
qual indiretamente alcança o mundo externo mediante as novas disposições morais
do próprio sujeito pensante, frente aos problemas que ele precisa enfrentar. Em
outras palavras, a pura e simples expectativa que possamos alimentar de que um
fato ocorra por mais nítida e viva que possa ser-não guarda por si só nenhuma
relação no sentido de interferir – quer no aumento, quer na diminuição – das
possibilidades de que ocorra, exceção feita apenas, como dissemos, aos casos em
que essa mudança exterior dependa exclusivamente de novas disposições morais
nossas, colhidas daquelas expectativas assim exaltadas. Embora o conhecimento
que o homem tenha do mundo exterior seja modelado pelas condições que sua mente
lhe oferece e impõe; nossos sentimentos, nossos pensamentos e mesmo os maiores
e mais concentrados ímpetos de nossa vontade quando não seguidos por
correspondentes ações práticas são considerados até aqui, pelo Positivismo – e
segundo todas as evidências já acumuladas como incapazes de alterar
materialmente o mundo exterior.
O Positivismo é uma forma de “otimismo” no sentido
de corresponder à crença de que todos os males que acontecem no mundo ou
conosco guardam algum “propósito bom” ou contribuem sempre, no final, para “o
bem”?
Não. O termo Positivismo
foi utilizado por Augusto Comte segundo uma significação mais antiga, e hoje
pouco utilizada. Nesta significação, o termo referiu-se inicialmente e
sobretudo ao que é ou ao que está posto, colocado, apresentado, postulado,
evidente, positivo, sendo-lhe depois adjuntos alguns outros significados.
O Positivismo não compartilha
nem do otimismo providencial dogmatizado pela teologia e nem do otimismo vago
sustentado pela metafísica espiritualista ou do fatalismo sustentado pela
metafísica materialista.
Ao rejeitar o sobrenatural o Positivismo não
estaria roubando à Humanidade uma preciosa fonte de suas mais altas esperanças
e aspirações? O Positivismo opõe-se ao “encantamento do mundo”?
Não. O otimismo
teológico já adota por princípio tácito que cada acontecimento encerra em si um
desígnio secreto. Tal propósito universal é concebido como incomunicável e
incompreensível por nós; e evidente apenas à própria divindade que assim o
teria ordenado.
Ora, ao se
estabelecer tal pressuposto, tudo quanto se dá o que quer que nos aconteça e
por pior que seja – não poderá nunca deixar de ser logicamente tomado como
“bom”; e isso, já não mais por conta de qualquer reconhecimento efetivo de
havermos sido agraciados por nada, mas apenas tautologicamente, em virtude
daquela própria definição apriorística adotada, a qual acabou no fundo fazendo
a idéia de “bem” não mais depender da idéia de qualquer benefício real. Tal
otimismo teológico torna-se assim uma concepção blindada frente aos mais vastos
e variados contraexemplos de mal que pudéssemos aduzir-lhe em contrário; e é
exatamente essa circunstância que torna sofístico tal otimismo, na qualidade de
petição de princípio ou de círculo vicioso.
A submissão de todos os acontecimentos a leis
naturais tal como suposta pela Religião da Humanidade, torna-a uma espécie de
fatalismo? O Positivismo considera que o que é “natural” não pode nem deve ser
mudado?
Não. O Positivismo
também não compartilha do fatalismo vago dos materialistas e dos tabus de um
naturalismo absoluto. Estes identificam a todo momento a necessidade
processual-pela qual algo tenha chegado a existir com a necessidade
constitutiva pela qual algo precisasse em vista disso, continuar existindo
sempre como parte irremovível de um todo que deve ser integralmente suportado,
respeitado e mesmo admirado exatamente tal como é, e sem que nada nunca possa
mudá-lo.
Pelo contrário o Positivismo
não só considera a existência de imperfeições no mundo, como toma as leis
naturais na conta de algo que é sempre percebido como o de uma a constância
ocorrida em meio à variedade. Assim, nossa ação deve poder incluir e harmonizar
tanto a atividade transformadora propriamente dita, como a sábia resignação.
O Positivismo considera que habitemos em um mundo
essencialmente “bom”?
Não. O Positivismo
não compartilha a idéia de um “cosmos bom”, ou de “mãe natureza” toda
protetora. Só na Humanidade constata-se inequivocamente e do modo mais completo
a capacidade de compreender aquilo de que precisamos, e com isso nos prover.
A idéia de um mundo
essencialmente bom, porém toma a si essas boas expectativas que apenas poderiam
ser legitimamente depositáveis nessa ação lúcida da Humanidade, estendendo-as
daí – de modo indistinto e irrestrito – a um universo que carece por sua maior
simplicidade, de igual lucidez e ao qual seria injusto, ingênuo e frustrante
dele exigi-la. Enxertando de modo artificioso tais expectativas aos menores
acontecimentos cósmicos, essa metafísica espiritualista oferece uma espécie de
otimismo que exagera nossa fé na vida, e mesmo tende a nos tornar hipócritas,
uma vez que tentarmos mudar urgentemente o que nos aflige, ao mesmo tempo em
que concebemos em geral apenas para os outros que essas mesmas aflições sejam
partes de um grandioso plano.
Completando tal
desserviço, tudo quanto tal metafísica pode nos oferecer a guisa de consolo são
falsos remédios que não consistem senão em explicações arbitrárias, obscuras,
tortuosas e tendenciosas; que bem pouco se assemelham ao tipo de benignidade
que a Religião da Humanidade de fato consegue reconhecer e conceber no mundo
material, apesar de sua inconsciência.
Se o Positivismo não possui nenhuma fé
sobrenatural, não seria então impossível a ele, como religião, dar ao homem
nada que equivalesse e se equiparasse a um verdadeiro consolo, tal como as
diversas religiões teológicas supõem oferecer, com concepções tais como as de
Deus, da alma imortal, do paraíso etc.?
Não. Embora
rejeitando essas concepções, a Religião da Humanidade encontra à sua própria
maneira, diversas formas de cultivar e de estimular de modo direto e permanente
em nós, as melhores expectativas gerais sobre o conjunto da ordem universal;
ordem essa que se revela assim favorável tanto ao desenvolvimento do mundo
material, quanto do desenvolvimento conexo da própria Humanidade nele.
Embora não possamos
jamais esperar da simples materialidade, reações caracteristicamente humanas
isto é, devotadas conscientemente ao nosso favor, podemos, ainda assim e tal
como indica o uso universal que proclama como bom a tudo quanto simplesmente
nos faça bem – supor que o conjunto das leis naturais que nos cercam e ao qual
precisamos nos submeter – forma, junto a nós uma fatalidade que nos é sempre
benigna, e mesmo benéfica embora não exatamente bondosa e benévola.
Se por um lado
devemos imaginar que a ordem universal ignore tanto a nossa existência moral
quanto os nossos propósitos, ela ainda assim nunca nos trai malévola e
maleficamente, esquivando-se de nossos esforços em compreendê-la, ou
enganando-nos de modo ativo e deliberado para nos causar prejuízo.
Assim, tal
inconsciência radical da ordem universal não precisa servir e nem nos autoriza
a que não continuemos sempre mantendo em relação a um futuro que nos seja
desconhecido, uma expectativa geral que não seja favorável. Pelo contrário, só
assim estaremos livres dos viciosos antolhos com os quais nós, por um lado, não
saberíamos nem aproveitar a casualidade das circunstâncias oportunas que a vida
nos oferecesse, e nem por outro, manteríamos o necessário ânimo para reagir às
adversidades acumuladas por nossas inevitáveis decepções, evitando que estas
nos conduzissem à inação.
A construção da Religião da Humanidade e a
autoproclamação de Augusto Comte como primeiro sumo pontífice da Humanidade
representou um extravagante retrocesso ao misticismo, tal como pretendeu
sustentar Emílio Littré e seus seguidores, que viam em tal elaboração um caso
patológico de delírio megalomaníaco e excesso de imaginação contrário à
ciência?
Não. Devemos
insistir: na Religião da Humanidade não existe o sobrenatural, portanto não
existe misticismo algum propriamente dito. Quanto à imputação de concepções
delirantes, só podemos afirmar uma coisa quem dera que a nossa espécie
estivesse inteiramente mergulhada no dilema de construir, com bases
científicas, uma sociedade melhor sem privilégios e sem preconceitos, inspirada
no amor universal e esclarecida pelo conhecimento das leis naturais que regulam
o mundo e o homem!
5) Mitos
sobre as práticas cultuais da Religião da Humanidade
A imagem central da mulher com uma criança nos
braços e que domina os altares dos templos da Humanidade é a imagem de Clotilde
de Vaux? A Religião da Humanidade é uma “clotildolatria”?
Não Embora nós
tributemos à cofundadora do Positivismo religioso as mais altas honrarias, o
fato é que a imagem da mulher de trinta anos com uma criança nos braços que
consta na iconografia da nossa doutrina como seu símbolo central não representa
Clotilde de Vaux. Tal imagem figura a própria Humanidade como um todo, e tal
como idealizada pelo Positivismo.
Apenas acontece
que, segundo os votos de Augusto Comte, os traços fisionômicos do rosto dessa
mulher são pintados de modo a fazer lembrar as feições de Clotilde de Vaux,
podendo, aliás, comportar inúmeras variações aceitáveis. Não podemos nos
esquecer que foi só o feliz encontro entre ela e Augusto Comte, que fez brotar
em ambos a certeza de que o amor é a matéria fundamental da religião. E como
não existe amor mais reconhecidamente puro e verdadeiro como o que as mães em
geral devotam aos seus filhos, a imagem da mulher com a criança nos braços
torna-se de modo muito natural, o mais expressivo símbolo para figurar o
conjunto da Religião da Humanidade.
O Positivismo considera as mulheres como inferiores
aos homens?
Não. A sociologia
positiva realiza uma tripla comparação entre as sexos, de acordo com os três
grandes grupos de nossas funções cerebrais, a afetividade, o intelecto e a
atividade; tomando sempre o cuidado de considerar os casos concretos que se
afastem de tal tipologia.
Do ponto de vista
afetivo as mulheres são consideradas em geral como superiores aos homens, tanto
por seu menor egoísmo, quanto por seu maior altruísmo. Quanto à inteligência,
embora os intelectos feminino e masculino sejam concebidos como complementares,
as mulheres levam ai uma considerável vantagem sobre os homens, em virtude de
seu maior poder de síntese.
Sendo a
inteligência masculina mais inclinada a desnecessárias minuciosidades de
análise, estas não raro obscurecem a percepção de uma questão como um todo;
sobretudo em seus mais sutis aspectos morais, que tendem a passar despercebidos
à grosseria masculina derivada esta de uma prevalência maior, nos homens, da
instinto destruidor. Quanto à atividade, o Positivismo considera que as
mulheres sejam mais frágeis que os homens apenas em tudo quanto a coragem, a
prudência e a perseverança dependerem, para seu exercício, da força física,
sobretudo muscular.
Existe alguma contradição entre a Filosofia
Positiva e a Religião da Humanidade?
Não. As diferentes
fases necessárias pelas quais a obra de Augusto Comte passou, e que
conduziram-no à formulação final da Religião da Humanidade não se contradizem
umas com as outras.
Correspondem, ao
contrário e como ele próprio o comprovou às etapas de um simples
desenvolvimento continuo, operado mediante um único esforço e com um mesmo
objetivo, o qual consistiu sempre em proporcionar à Humanidade uma nova e mais
elevada forma de sentir, de pensar e de agir. Mas isso por sua vez também não
deve ser compreendido como se no Positivismo não existissem idéias que
houvessem sido defendidas num primeiro momento e rejeitadas depois.
O Positivismo desvaloriza o pensamento religioso
como “primitivo”, “ilógico” ou “pré-lógico”?
Não. Ele considera
que o pensamento religioso tenha representado sempre a vanguarda dos esforços
afetivos, intelectuais e práticos da Humanidade, de acordo com os limites que
cada tempo e lugar impuseram à sua elaboração. Considera-se ainda que a melhor
forma de compreender a história humana seja através da história comparada das
religiões.
6) Mitos
sobre a relação do Positivismo com a ciência
O Positivismo valoriza exclusivamente a ciência? É
um “cientificismo”? É um “intelectualismo”? Pretende substituir a filosofia
pela ciência? Decretou a “morte da filosofia”?
Não. A cultura
científica, isto é, a apreciação e o conhecimento das leis da natureza – deve,
em boa lógica, formar apenas um intermediário capaz de unir a cultura estética
isto é a apreciação e o conhecimento das belas artes – à cultura prática – isto
é, a apreciação e o conhecimento dos diversos meios técnicos que permitem nossa
ação sistemática sobre a natureza. Nessa qualidade de intermediária a cultura
científica está portanto inteiramente subordinada a esses dois extremos cuja
ligação ela faz.
7) Mitos
sobre a construção sociológica de Augusto Comte
A sociologia criada por Augusto Comte deveria ser hoje
tomada como uma espécie de pseudociência? Augusto Comte teria sido apenas o
mero criador da palavra sociologia, cabendo a outros autores, tais como
Durkheim, Spencer, Weber e Marx a efetiva elaboração dessa ciência?
Não. A Política
Positiva, sua segunda obra de vulto leva o seguinte sub-titulo: Tratado de
Sociologia instituindo a Religião da Humanidade. Tendo ele feito em sua
primeira obra – o Curso de Filosofia
Positiva – um balanço geral de todas as ciências de seu tempo, ele ai
chegou de fato a apresentar as bases fundamentais de uma nova ciência que
primeiramente denominou “Fisica Social”, ou Filosofia da História. Foi essa
mesma ciência que com desenvolvimentos capitais, seria reapresentada com o hoje
consagrado neologismo por ele criado, de Sociologia, em sua Política Positiva.
Augusto Comte,
portanto, acrescentou efetivamente ao conjunto das ciências então existentes
mais uma; pela fundação de um autêntico tratado de Sociologia. Foi nessa obra
onde pela primeira vez chegaram a ser apresentados tanto o objeto e o método
próprios a essa ciência, como suas concepções e conceitos indispensáveis, suas
partes constitutivas, e suas relações necessárias com as demais ciências que
formam a escala enciclopédica.
A Sociologia é a última, a mais importante, e a
mais complexa ciência, segundo Augusto Comte?
Não. Até mais ou
menos a metade do segundo volume de sua Política Positiva, Augusto Comte
continuou supondo que a sociologia representasse a última e a mais importante
ciência, aquela que apenas faltava ainda construir para que os mais eminentes
fatos da história humana pudessem enfim ser de todo compreendidos e utilizados
em nome do bem comum, da mesma forma como já o podiam ser os mais singelos
fenômenos da ordem material e vital.
Porém a partir daí,
ele notaria pouco a pouco a necessidade de mais uma nova ciência a qual
denominou “Moral” – aquilo que hoje chamamos de “Psicologia” – destinada a
fornecer-nos o conhecimento do homem enquanto realidade individual, assim como
a sociologia fornecera o conhecimento do homem enquanto realidade coletiva.
Tamanha é a
importância que esta ciência passou a adquirir, que Augusto Comte a considerou
dentre todas as demais, a mais eminente e aquela que dá sentido último a todas
as outras. Cada ciência passou assim a figurar apenas como um degrau que
permite chegar até ela, numa escala ascendente. Em sua última obra, a Síntese
Subjetiva, ele chega mesmo a considerar como abortada toda iniciação científica
que não finaliza na Moral.
8) Mitos
sobre a pluralidade do movimento positivista
As doutrinas que também se denominam “Positivismo”
consideram Augusto Comte como seu principal e melhor representante? Podemos
concluir que tudo quanto o mundo acadêmico põe na conta de “Positivismo” seja
atribuível a Augusto Comte? Quando a academia fala de “Positivismo” isso deve
ser sempre entendido como uma referência a Augusto Comte?
Não. Como em todas
as doutrinas religiosas, filosóficas e políticas que tenham obtido larga
projeção e penetração social, a interpretação feita do Positivismo não pôde ser
uniforme, e nem seus princípios foram todos integralmente aceitos,
compreendidos e aplicados por aqueles que pretenderam-se positivistas.
As dissidências, dissensões
e rompimentos que constituem sempre uma conseqüência esperável e mesmo previsível
de tal repercussão social- ocorreram também no Positivismo, mesmo ainda em vida
de Augusto Comte.
Comentadores acadêmicos e dicionários de filosofia
oferecem informações confiáveis ou suficientes sobre o Positivismo?
Não. A fim de
evitar falsas aproximações, é indispensável que todos quanto desejem conhecer o
pensamento de Augusto Comte, tomem certas precauções, extensiveis, alias, ao
estudo de qualquer outra doutrina. Embora simples, tais cautelas infelizmente
tendem a ser um tanto negligenciadas na formação teórica de nossas atuais
academias.
A primeira mais
obvia e importante de todas consiste em considerar sempre antes de tudo aquilo
que o próprio fundador apresentou como correspondendo às suas idéias ao invés
de darmo-nos por satisfeitos apenas com o que tenhamos ouvido falar a respeito
destas, por meio de comentários. Só assim será possível constatar as muitas,
variadas, generalizadas e enraizadas distorções de que padece a exposição
apócrifa do Positivismo.
Ao nos depararmos
então com quaisquer discrepâncias no cotejo do que o próprio filósofo escreveu
e a interpretação dos comentadores; não pode haver dúvida que é àquele que
devemos eleger como verdadeiro representante da doutrina, como aliás é também o
caso, em se tratando de qualquer filosofia ou religião.
É possível considerar que se tenha travado
conhecimento do Positivismo tal como formulado por Augusto Comte através do
exame de sua suposta derivação chamada “Positivismo lógico” ou “Circulo de
Viena”?
Não. Os propósitos
filosóficos do Circulo de Viena não corresponderam aos do Positivismo tal como
formulado por Augusto Comte. Embora os filósofos do Círculo de Viena
pretendessem constituir o corpo de uma “ciência unificada”, e livre de
interpretações metafísicas, jamais esteve suficientemente claro qual seria o
principio ou o conceito fundamental pelo qual far-se-ia possível realizar tal
unificação. Ora, no Positivismo, esse principio é determinado do modo mais
explicito: é a própria idéia e ideal da Humanidade.
O chamado “Positivismo jurídico” corresponde a uma
aplicação ao direito, das idéias de Augusto Comte?
Não. O Positivismo
jurídico toma como conceito de “lei” apenas aquilo que “houver de constar
objetivamente nos códigos da lei”. Para o Positivismo no entanto, as leis
humanas, artificialmente instituídas devem poder refletir diretamente – e traduzir
o mais de perto possível – as leis naturais, prolongando-as por assim dizer.
Desse modo, nem
tudo quanto possa ser codificável como lei merece, segundo o Positivismo, tal
qualificativo; podendo mesmo uma lei artificial opor-se diretamente ao que
prescreveria uma lei natural, se fosse formulada de modo imperativo.
9) Mitos
sobre a obsolescência do Positivismo
Não parece óbvio que uma doutrina formulada há
quase dois séculos encontre-se hoje de todo inadaptada às mínimas necessidades
do homem contemporâneo, requerendo tamanhos esforços para sua atualização, que
melhor seria abandoná-la logo de vez?
Não. Se por
“atualização” devemos compreender o que há de indispensável incorporar ao
desenvolvimento continuo da doutrina; e se por “modernidade” devemos
compreender as mais recentes conquistas estéticas, científicas e tecnológicas
que a Humanidade sem cessar obteve até aqui; nós desafiamos a que nos seja
apresentado um único positivista sério que já não houvesse defendido tal
necessidade inalienável. Como elemento prático de sua fórmula fundamental
consta, ao lado do Amor por principio de da Ordem por base, a Progresso por
fim.
Mas, por outro
lado, se o que se toma por essa pretendida “atualização” consiste na afirmação
de que, por algum meio estranho o pensamento metafísico ou teológico teria
conseguido encontrar nesse interregno, alguma extraordinária e insuspeita
novidade a oferecer, novidade que de fato fizesse merecer a rejeição mesmo das
simples linhas gerais do Positivismo como caducas; então, nós só podemos exigir
igualmente que nos sejam oferecidos quais sejam esses grandes triunfos.
10) Mitos
sobre as relações entre o Positivismo e as belas artes
O Positivismo estabelece um antagonismo entre
ciência e arte? Entre realidade e imaginação?
Não. Ocorre porém
que na atual situação onde a cultura cientifica acadêmica encontra-se ainda tão
desgarrada da cultura estética e das verdadeiras urgências da Humanidade, o Positivismo
torna-se pela valorização superior que confere à cultura estética-naturalmente
avesso aos excessos ociosos da ciência, a suas aplicações belicosas e
antiecológicas, e ao caráter dispersivo e presunçoso de muitas de suas
pesquisas e especulações. Ainda mesmo quando mais bem aplicadas, as ciências
obrigam-se e limitam-se a apenas oferecer um indispensável conhecimento real
das leis naturais. Por outro lado, se as belas artes devem tomar para si essas
mesmas leis, elas o conseguem fazer com um grau muito maior de liberdade.
As belas artes não
estão circunscritas à ciência e apenas consideram suas leis como matéria prima
para a idealização plausível de inúmeras outras situações virtualmente
possíveis e moralmente desejáveis à ordem e ao progresso da Humanidade; e isso,
mesmo quando é o caso de tais circunstâncias ainda não se verificarem
objetivamente pela observação empirica.
O Positivismo inspirou o movimento estético e
literário conhecido como “realismo”?
Não. O Positivismo
não restringe o campo das ficções estéticas diretamente próprio às belas artes
ao que seria a representação pura e simples da realidade objetiva tal como esta
se verifica, e nem considera como genuína expressão artística aquilo que
pretenda meramente retratá-la.
As belas artes
relacionam-se de preferência aos sentimentos que nos impulsionam e formam as
nossas motivações básicas, assim, elas tornam-se mais notáveis, nesse
particular do que a ciência propriamente dita.
Enquanto a ciência
ocupa-se diretamente com a descrição abstrata da realidade, fazendo isso de tal
modo a que possamos guiar nossa vida atual, prevendo os acontecimentos com base
na experiência passada; as belas artes encarregam-se muito especialmente de
antecipar e de idealizar aquela mesma realidade, completando-a e projetando-a
com vistas a um futuro aperfeiçoado, mesmo que indefinido.
E assim que as
belas artes nos habilitam a representar o mundo e o homem não só tal como estes
se afiguram aos nossos sentidos, mas, sobretudo como ambos poderiam – ou mesmo
deveriam ser – segundo as mais altas expectativas do nosso altruísmo.
O Positivismo subaltemiza as belas artes,
conferindo-lhes uma importância menor do que à ciência e a tecnologia?
Não. Ocorre
exatamente o contrário. As belas artes encerram no Positivismo um
extraordinário papel e missão. Elas constituem a única forma de cultura capaz
de disciplinar, depurar e mesmo completar a ciência, tal como convém à sua
plena eficácia.
São as belas artes
que erguem a ciência a um grau de dignidade que mesmo hoje ainda não possui,
apesar de todo o seu tão propalado desenvolvimento. Longe, portanto, de
valorizar exclusivamente a ciência e de estabelecer entre esta e as belas artes
qualquer antagonismo, a Religião da Humanidade as integra, e isso de um modo
como até agora nunca foi possível.
Se for dado à arte
rejeitar tanto o papel de soberana quanto o de subalterna das ciências, ela
alcançará a única situação de supremacia que lhe cabe, obtendo assim ao mesmo
tempo o duplo privilégio de tanto poder caminhar além dos limites inerentes à
ciência, quanto dela jamais desgarrar-se, acompanhando-a sempre a uma distância
igualmente segura tanto para sua digna independência quanto para sua necessária
colaboração.
As correntes de pensamento pedagógico que procuram
fazer chegar – de modo artificial e o mais cedo possível – a cultura científica
às crianças, constituem correntes pedagógicas ligadas ao Positivismo ou nele
inspiradas?
Não. Como conseqüência
da maior valorização que o Positivismo faz da cultura estética, as belas artes
estão na raiz de todo o projeto pedagógico do Positivismo.
No Positivismo a
educação não começa pela ciência, mas pelas belas artes. A poesia, a música, a
pintura, a escultura e a arquitetura formam essa cultura estética que é
oferecida espontaneamente no lar à criança e ao adolescente. E tal cultura é considerada
mesmo como indispensável.
Ela deve, pois,
preceder e preparar tanto a cultura científica quanto a cultura técnica, que
serão sistematicamente oferecidas primeiro pela escola e em seguida na vida
profissional de cada indivíduo. Tal é, segundo o Positivismo, a única forma de
prevenir que a ciência sucumba ao seu duplo e sempre eminente perigo moral e
social, o qual consiste num cultivo exclusivo da razão, que ameaça secar a
sensibilidade e inflar o orgulho e a vaidade teóricas.
O Positivismo é um “racionalismo”?
Não. Embora seja
verdade que no início de sua carreira teórica Augusto Comte tenha se ocupado de
um modo mais direto com a reforma do entendimento propriamente dito, isso
representou só uma primeira etapa de seus trabalhos de regeneração social.
Tratava-se então,
nesse momento, de garantir antes de tudo, que as novas concepções que
fundamentassem essa vanguarda teórica encerrassem uma racionalidade e uma
evidência empírica superiores ao que fora em parte tentado e obtido por outras
formas de interpretação do mundo e do homem.
Mais exatamente, o
objetivo de Augusto Comte havia sido então o de oferecer ao mundo uma nova
filosofia – a filosofia positiva que substituísse os dogmas indemonstráveis e
indiscutíveis do teologismo exausto – assim como as questões insolúveis,
obscuras e ociosas da metafísica tanto espiritualista quanto materialista de
modo a oferecer novas bases racionais sobre as quais contemplar e meditar. Ora,
tal propósito só poderia ser alcançado por intermédio de um método que num primeiro
momento fizesse prevalecer tanto quanto possivel a objetividade sobre a
subjetividade.
Foi assim que essa
nova filosofia necessitou àquela época limitar-se a reunir a si as concepções o
mais diretamente possível emanadas do conjunto das ciências. Porém isso
correspondeu, como dissemos, apenas a uma fase necessária de seus trabalhos,
que viriam a ser em seguida completados pela adoção direta e sistemática do
método inverso, isto é, do método subjetivo, método este que consiste em fazer
referir o estudo do mundo ao estudo do homem.
O Positivismo defende a idéia da soberania e da
independência da razão em relação aos sentimentos? Defende a chamada
“neutralidade científica”?
Não. Embora a
ênfase maior da primeira fase da obra de Augusto Comte precisasse de fato
incidir sobre o entendimento, isso jamais significou que ele houvesse
negligenciado o papel fundamental que cabe à subjetividade em geral – e muito
em particular aos sentimentos – no conjunto da existência humana, sem excluir
dai o papel destes na própria formulação das hipóteses teóricas, mesmo as mais
abstratas e aparentemente livres da intervenção do chamado fator humano. Aliás,
é dito explicitamente por Augusto Comte que só existem ciências humanas. Porém
algumas importantes conseqüências dessa primeira percepção apenas seriam de
todo alcançadas pelo fundador no fim de sua carreira. Em sua grande obra
inaugural o Sistema de Filosofia Positiva publicada em seis volumes, não
puderam constar ainda todas as importantes deduções cabíveis de serem extraídas
da preponderância natural dos sentimentos no conjunto da existência humana.
É assim que até
aonde ele conseguira chegar, parecia-lhe suficiente que apenas essa nova
filosofia resumisse e resolvesse toda a questão da regeneração social e moral,
por via de novas fontes de convicção.
Supôs-se
primeiramente que haveria de ser apenas mediante uma radical reforma geral do
entendimento, que as sociedades e os indivíduos haveriam de obter uma
orientação mais segura e comum para a vida, superior à oferecida pelos
preceitos e tabus das religiões teológicas, e seria então essa nova orientação
teórica que, reagindo sobre os nossos sentimentos, acabaria por conduzi-los a
um patamar mais alto de sociabilidade. Alcançada, porém a fase religiosa do Positivismo,
essa ordem de importância inverte-se, de modo a que a própria convicção passa a
ser vista como dependendo de certas predisposições afetivas fora das quais não
ocorre.
O Positivismo considera acima de tudo os “fatos
objetivos”? Caracteriza-se pelo “objetivismo”?
Não. Os fatos
objetivos por si sós não chegam sequer a formar aquilo que o Positivismo
denomina ciência. Uma simples coleção de fatos não é por si só capaz de nos
proporcionar o poder máximo que define a ciência positiva, ou seja, a
capacidade de prever os acontecimentos com base no conhecimento das leis que os
regulam. A ciência positiva baseia-se nos fatos, mas não está por eles e a eles
limitada.
Ao designar por “abstrato” o estado metafísico do
entendimento, e ao considerá-lo um estado transitório, estaria com isso o Positivismo
condenando a abstração como recurso lógico, elegendo apenas a concretude,
assumindo-se assim como uma filosofia “concreta”?
Não. Pelo
contrário, no Positivismo não existe aquilo a que se poderia chamar de “ciência
concreta”. A rejeição que o Positivismo realiza do processo metafísico de
raciocinar não tem por objeto as abstrações propriamente ditas, mas o processo
de reificá-las, de hipostasiá-las, de “ontologizá-las”, de coisificá-las de
modo absoluto e objetivo e em seguida considerar essas coisificações como
supostas explicações para os fatos que elas mesmas já haviam descrito em geral.
É de se notar também que o Positivismo rejeita igualmente e pelas mesmas razões
o que corresponde ao processo inverso, ou seja, ele também rejeita o
abstracionismo tornado absoluto e objetivo que dissolve a concretude dos corpos
em seus diversos fenômenos, considerando que só eles “existam de verdade”. O
que o Positivismo chama de metafísica é definido precisamente pela forma
absoluta e objetiva com que é conduzido esse duplo processo subjetivo de
abstração e de concreção.
11) Mitos
sobre a política positiva
O Positivismo é militarista?
Não. Ele não é nem
militarista e nem insurrecional. O Positivismo considera que o desenvolvimento
da civilização determinará a gradual extinção dos exércitos, e em geral, de
todo recurso à força bruta em questões internacionais, culminando assim na
superação final da guerra. É, pois, uma doutrina inerentemente pacifista.
Essa previsão de
nosso planeta comportar uma Humanidade que alcançou enfim a paz e a concórdia é
peculiar à religiosidade positiva e contrasta com todas as profecias
apocalípticas e carmas expiatórios das religiões teológicas. Tal futuro aliás,
não decorre do que seria a adoção “racional” de qualquer cálculo egoístico
restrito às supostas dificuldades crescentes da tecnologia bélica, ou dos
impasses logísticos e econômicos inerentes à política de guerra. A inteira
confiança que a Religião da Humanidade deposita nesse futuro feliz dá-se como
expressão direta da fé que cultivamos no amadurecimento moral, intelectual e
prático dos seres humanos, e assim, no prevalecimento progressivo da
fraternidade entre os povos.
No Brasil foi
notória a tentativa do Apostolado Positivista de desmilitarizar a sociedade, quer
no sentido de esclarecer as autoridades e o público, da necessidade de tornar
opcional o alistamento militar, quer pela devolução de troféus de guerra,
restituição de territórios tomados à força etc.
O Positivismo é “nacionalista”? Apóia o modo pelo
qual são realizadas hoje as ditas festividades cívicas?
Não. A Humanidade
estando acima de todas as pátrias faz do Positivismo uma doutrina
internacionalista. O que o Positivismo denomina culto cívico só faz sentido
como referência ao culto à Humanidade.
Não existe no Positivismo
culto cívico exclusivo à uma pátria isolada; devendo pelo contrário
constituir-se no fundo apenas como um laço capaz de melhor robustecer no
público nacional as relações deste com a Humanidade. O culto cívico é assim,
apenas uma ênfase ocasional, ou um momento especial dirigido à pátria; em meio
a uma cerimônia sempre e necessariamente destinada em última análise a
glorificar a Humanidade, na Terra e no Espaço.
Ao prever um “regime político liderado por
banqueiros” o Positivismo passa a ser caracterizado como uma plutocracia?
Não. O que o Positivismo
designa como banqueiro constitui al apenas à corporação dos elementos
responsáveis por dispensar, por fazer chegar aos diversos elementos da ordem
social, as provisões e os instrumentos de que a Humanidade necessita. Sua
função social consistindo precisamente nisso, torna-se assim também este o seu
correspondente dever, fora do qual revelam-se tais funcionários incapazes para
o exercício desta atividade prática.
O Positivismo é totalitário?
Não. O
totalitarismo por sua própria definição consiste na supressão artificial,
violenta e arbitrária de tendências minoritárias, em nome do que se tenha como
uma suposta maioria. Toda a esperança que o Positivismo acalenta é a de que
essas tendências minoritárias possam sempre expressar-se livremente de modo a
demonstrarem na prática o seu suposto valor.
O Positivismo é “ocidentalista”? É “eurocêntrico”?
É “elitista”?
Não. As distinções
que hoje definem tanto aquilo que se entende por ocidente quanto por oriente
acabarão por se apagar diante do conceito geral de Planeta Terra. A “elite” a
qual o Positivismo se refere não corresponde a nenhuma elite financeira ou
política. Ele está se referindo a uma vanguarda que pôde perceber com maior
nitidez, completude e rapidez aquilo que corresponde à solução da crise pela
qual o mundo em geral, e em particular o ocidente atravessa.
O Positivismo é uma forma de capitalismo?
Não. O Positivismo
considera que o capital, sendo social em sua origem deve ter um destino social.
Assim, a única justificativa que convém à posse do capital consiste na
competência em dar a ele esse seu único destino legítimo.
O Positivismo é tecnocrata?
Não. Como o nosso
sacerdote Gustavo Biscaia de Lacerda esclarecerá detalhadamente no próximo sermão
no canal Positivismo (Youtube.com/ThePositivism) e no Igreja Positivista Virtual (Facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual)
em data vindoura, o conhecimento técnico está subordinado ao conhecimento
teórico e o conhecimento teórico está subordinado à formação afetiva dada pela
cultura estética.
O Positivismo é fisiocrata?
Não. Se por
fisiocracia devemos entender o prevalecimento absoluto das leis mais grosseiras
da materialidade como devendo decidir sempre e sem apelação os destinos humanos
em todas as ocasiões, então o Positivismo não corresponde a um fisiocratismo.
O Positivismo é um “reformismo”?
Não. Para
esclarecer tal questão tomemos o seguinte exemplo: quatro irmãos vem a se
tornar vizinhos ao receberem por herança, cada um, uma casa na ampla área de um
sitio. Essas casas são iguais, igualmente mobiliadas e por seu tempo de
existência fazem inequivocamente parte da história.
Um desses quatro
irmãos decide pôr abaixo a casa inteira e aproveitar o terreno para construir
do zero e com tudo novo algo que possa estar de todo ao seu gosto pessoal. O
segundo irmão, pelo contrário, reconhecendo tratar-se tal casa de um pedaço do
passado, decide preservar intacto o Imóvel como um monumento, de modo a que
nada possa nele ser modificado sob nenhuma justificativa, por maiores que sejam
os riscos inerentes à sua inevitável deterioração. O terceiro irmão,
reconhecendo o passado histórico de seu imóvel, mas também reconhecendo do
mesmo modo a necessidade de substituir eventualmente os materiais a medida em
que o tempo os torna imprestáveis, admite tais substituições, mas com uma
condição: a de que estas sejam sempre feitas por outros objetos que sejam o
mais exatamente semelhantes aos originais em cada mínimo detalhe, ainda que
para isso seja preciso encomendá-los; de modo a que a continuidade seja assim
de todo mantida e a substituição não seja sequer perceptível por ninguém. O
quarto e último irmão enfim, é aquele que sente-se livre tanto para preservar a
casa em certos aspectos ou elementos originais, quanto para mudar-lhes outros,
ou mesmo destrui-los, dependendo cada uma dessas escolhas, de com isso poder
legar aos que vierem habitá-la após sua morte, uma residência mais confortável,
bonita e segura.
Ao primeiro irmão,
corresponde a situação que o Positivismo chama de revolucionária. Ao segundo,
por oposição está a situação que o Positivismo descreve como reacionária. A
terceira, é aquela designada como conservadora; e a última, é aquela que deve
poder ser sempre aplicada pelos positivistas e que unicamente consegue
conciliar as condições de ordem com as condições de progresso.
12) Mitos
sobre a vida pessoal de Augusto Comte
Augusto Comte passou por “várias crises psiquiátricas”?
Não. Ele sofreu uma
única crise ou colapso nervoso, seguido de um surto psicótico, o qual de fato
obrigou-o a uma internação por um ano, num hospital psiquiátrico. Após esse
evento, porém, ele recuperou-se por completo, e retomou o seu Curso de Filosofia Positiva.
13) Mitos
sobre a relação do Positivismo com as artes médicas
O Positivismo é contra a terapêutica vacinista?
Não. O Positivismo
apenas considera como uma infração à separação dos dois poderes a
obrigatoriedade legal da vacinação, ou seja, ele apenas toma na conta de erro político
a criminalização da resistência à vacina.
O Positivismo é uma forma de “experimentalismo” à la
Claude Bernard? Não.
O alcance efetivo
dos experimentos decai necessariamente à medida em que as ciências se complicam,
partindo da matemática e chegando até a moral. Além disso, existen limites
éticos que condenariam certos experimentos no âmbito da biologia, da sociologia
e da moral ainda mesmo que pudéssemos imaginá-los como realizáveis e
conclusivos.
O Positivismo adota a chamada frenologia? Teria
inspirado práticas médicas eugenistas tais como as realizadas em campos de
concentração ou teria contribuído para sustentar teoricamente “terapêuticas”
mutiladoras da psiquiatria tais como a célebre lobotomia da área pré-frontal do
cérebro?
Não. As radicais
modificações realizadas por Augusto Comte na frenologia tal como originalmente
concebida por Franz Josef Gall, excluem dentre várias de suas práticas a
chamada cranioscopia, por meio da qual supunha-se factível obter uma
caracterização imediata das faculdades afetivas, intelectuais e práticas mais
proeminentes de um indivíduo desconhecido, por simples inspeção visual de
certas áreas mais ou menos desenvolvidas de sua cabeça e face.
Além disso a
unidade funcional que a teoria positiva do cérebro concebe para o exercício de
suas atividades, bem como as relações do próprio organismo com ele, proscreve
como irracional e imoral procedimentos tais como a lobotomia. O Positivismo
condena também e veementemente qualquer forma de política eugenista.
14) Mitos
sobre o Positivismo e a antropologia
O Positivismo afirma a inferioridade de uma raça em
comparação com outra? A doutrina positivista depende do conceito de raça?
Não. O Positivismo
afirma que mesmo na eventual catástrofe do desaparecimento biológico de
qualquer grupo humano referível ao que já se tenha entendido por raça; os
progressos humanos de qualquer natureza acabariam por revelar-se plenamente
intercambiáveis de modo a que isso não comprometeria a longo prazo o conjunto total
da evolução humana a nenhuma perda irreparável. É assim que a conjunto dos
progressos afetivos, intelectuais e práticos é concebido como podendo ser
executado indistintamente por qualquer grupo humano.
15) Mitos
sobre a vida pessoal de Clotilde de Vaux
Clotilde de Vaux foi amante de Augusto Comte?
Não. A união
conjugal dos dois fundadores da Religião da Humanidade não incluiu as relações
sexuais como um de seus elementos constitutivos.
16) Mitos
sobre como o Positivismo trata a questão da existência de Deus
O Positivismo é agnóstico?
Não. A resposta que
os agnósticos dão à questão “Deus existe?” é “Não sei.” Tal não é a resposta
que o Positivismo tem a oferecer a essa questão. O Positivismo caracteriza-se
como filosofia, por rejeitar o sobrenatural. Assim, ao rejeitar o sobrenatural,
a única resposta que lhe convém e que de fato pode oferecer à questão “Deus
existe?” é um categórico e inequívoco: “não”.
O Positivismo é uma forma de “materialismo”?
Não. O materialismo
caracteriza-se filosoficamente pela pretensão metafísica de haver descoberto – no
que designam como “matéria” a constituição intima dos corpos quaisquer. O Positivismo
rejeita todo esse gênero inteiro de especulação como radicalmente inacessível e
ocioso. Ao considerar a idéia de matéria, ele o faz apenas na qualidade de uma
das muitas construções lógicas de que a ciência deve se servir, mas cujo mérito
resume-se apenas em caracterizar, em resumir e em fixar para alguns propósitos
bem definidos e circunscritos, certos aspectos da empiria, de preferência a
outros; modo algum tomando, assim, tais elaborações abstratas como se se
tratassem de uma realidade objetiva com a qual fizesse sentido determinar
qualquer conteúdo essencial a respeito daquilo pelo que o mundo e o homem
seriam constituídos, numa suposta última analise.
O Positivismo é ateu?
Não. Os ateus
rejeitam do modo mais completo não apenas a idéia da existência objetiva de um
Deus sobrenatural como o próprio conceito de divindade. Assim eles rejeitam
também qualquer sentido que pudesse haver em se considerar a Humanidade na
qualidade de uma divindade natural. Além disso, as justificativas pelas quais
os diversos ateus supõem-se emancipados das crenças sobrenaturais diferem
radicalmente daquelas pelas quais o Positivismo pretende haver alcançado o
mesmo resultado teórico que eles.
O Positivismo é uma
doutrina “naturalista” no sentido de que considera as injustiças sociais algo
inerente à natureza, de modo que na qualidade de algo “natural” tornar-se-iam
também inevitáveis? Considera subversiva a própria idéia de “justiça social”?
Não. Embora o Positivismo
não realize uma oposição absoluta entre natureza e cultura, ele distingue
dentre tudo aquilo que inclui no seu conceito de natureza, aquilo que cabe
precisamente ou à biologia, ou à sociologia ou à moral, como fenômenos próprios
a cada uma dessas ciências. Em outras palavras, a verdadeira oposição que o Positivismo
estabelece não é entre o conceito de natural e o de cultural, mas entre o
conceito de natural e o de sobrenatural. Além disso, já o próprio conceito que
a doutrina faz de natureza não inclui a idéia de uma fixidez total.
O Positivismo é determinista (ou fatalista)?
Não. O Positivismo
considera e valoriza a seu modo o conceito de liberdade e de autonomia. Um
corpo qualquer é denominado livre na exata medida em que ele é capaz de
expressar suas tendências espontâneas sem nenhum impedimento, restrição ou
dificuldade externa. Assim o conceito de liberdade torna-se sempre um limite
máximo de expressividade, para o qual tende a ação de um corpo qualquer.
17) Mitos
sobre o Positivismo e a política internacional
O Positivismo é favorável ao colonialismo?
Não. O Positivismo
condena como retrograda toda politica imperialista e colonialista,
considerando-a um vestígio desnecessário e ignóbil da antiga fase militar
conquistadora pela qual a Humanidade precisou a seu tempo passar em épocas mais
primitivas.
O Positivismo é “antidemocrático”?
Não. Em sua
crítica, o Positivismo limita-se a assinalar o caráter vago do conceito de
democracia, que é ora identificado como o de um perfil de regime político, ora
como o de um simples método de escolha dos seus correspondentes funcionários
oficiais.
Tal idéia
encontra-se assim, aquém daquilo que pretende designar, já a partir de sua
própria imprecisão conceitual. É na idéia da separação entre o poder temporal e
o poder espiritual, que o Positivismo considera estarem contidos cada
fundamento e todas as garantias do que melhor se poderia definir como um regime
caracterizado pelo respeito às liberdades civis, e ao pleno exercício da
cidadania a todos indistintamente. Se a um tal regime deve-se chamar
democracia, então o regime apresentado pelo Positivismo compatibiliza-se com
ela e a representa por seus objetivos fundamentais.
18) Mitos
sobre o Positivismo no Brasil
O Positivismo chegou ao Brasil por meio dos
militares?
Não. Seria bem mais
exato afirmar que o Positivismo chegou ao Brasil através da Matemática, ciência
de que Augusto Comte era professor. Tendo ele escrito um livro de Geometria
Analítica adotado no Brasil nos colégios militares e em cursos de engenharia,
foi por meio de tal obra que ele tornou-se primeiramente conhecido entre nós.
Embora este livro
não apresentasse de modo direto a filosofia positivista, tal como ele o fez
depois no seu Curso de Astronomia Popular, o brilhantismo de sua escrita, suas
vistas originais e a quase total ausência das fórmulas e dos desenhos, comuns
nos demais livros de geometria, despertaram no público uma curiosidade e um
interesse mais amplo acerca de seus outros trabalhos; muito em particular
acerca de seu Curso de Filosofia Positiva,
em seis volumes.
O Positivismo inspirou o golpe militar de 1964?
Não. A Igreja e o
clube positivista precisaram ter suas atividades suspensas durante parte do
tempo em que vigorou o golpe militar de 1964. Consta inclusive que este último
foi denunciado às autoridades, invadido e depredado.
O amor teria sido de alguma forma excluído – ou
como diríamos hoje, “deletado” da bandeira nacional?
Não. A atual
bandeira do Brasil foi concebida desde sua origem para ser uma bandeira
transitória, na qual apenas deveria figurar num primeiro momento a divisa
política do Positivismo onde o amor aparece implicitamente no conectivo que une
a ordem com o progresso.
Com o triunfo final
da Religião da Humanidade, esse lema acabará por revelar-se como insuficiente
devendo assim ser substituído pela formula completa que resume o Positivismo a
qual inclui seus três elementos essenciais, o amor, a ordem e o progresso.
Muitos políticos brasileiros foram “positivistas”?
Existem “políticos positivistas”?
Não. Em rigor não
existem políticos positivistas, uma vez que o Positivismo prescreve aos seus
aderentes absterem-se de participar diretamente da vida politica
candidatando-se a cargos eletivos ou assumindo cargos ministeriais durante toda
a primeira fase da transição que deve conduzir natural, pacifica e
espontaneamente a sociedade à livre adoção da Religião da Humanidade.
A primeira república foi uma aplicação do Positivismo
à política brasileira?
Não. Não sendo o Positivismo
uma proposta de reforma política mas sim religiosa, a consecução do regimen
sociocrático só é possível e mesmo concebível após a efetiva adoção da Religião
da Humanidade e como expressão direta desta.
19) Mitos
sobre a vida pessoal de Carolina Massin
Augusto Comte separou-se de sua esposa Carolina
Massin?
Não. Tal iniciativa
partiu dela.
21) Mitos sobre a sucessão de
Augusto Comte
Emile Littré foi o sucessor de Augusto Comte?
Não. Foi um
dissidente e um traidor que rejeitou a unidade da obra de Augusto Comte e
intentou, junto a Carolina Massin, anular seu testamento. Neste documento
Augusto Comte legou a guarda de seu espólio e de seu imóvel a um conjunto de
discípulos nomeados por ele como executores testamenteiros, os quais deveriam
manter o local e os seus bens até que fosse possivel identificar alguém apto a
desempenhar o papel de sucessor no sumo sacerdócio da Humanidade. Na
presidência desses executores esteve Pierre Laffitte.
Pierre Laffitte foi o sucessor de Augusto Comte?
Não. Assim como em
Littré, Augusto Comte depositou em Laffitte algumas esperanças nesse sentido,
que foram por fim abandonadas. Após a morte de Augusto Comte, Laffitte jamais
reivindicou o titulo de sucessor de Augusto Comte, criando inclusive para si um
novo cargo, que faria contemporizar a situação de sua preeminência junto ao
grupo de positivistas franceses e junto à presidência do testamento com a sua
condição pessoal de desejoso ainda não preparado para ocupar aquela função
sacerdotal. Para isso ele denominou-se e se fez conhecer na Revista Ocidental e em suas circulares
anuais, assinando-se como “Diretor do Positivismo”.
Pierre Laffitte
obteve por boa parte do tempo em que esteve à frente da execução do testamento
e da publicação da Revista Ocidental
– um prestigio teórico notável, e até certo ponto merecido tendo ainda sabido
conduzir brilhantemente ao fracasso a tentativa criminosa de Littré e Carolina
Massin.
Porém, nos últimos
anos de sua vida, ele tomou inspirado por conselhos inconseqüentes a decisão de
declarar encerrada a execução do testamento, o que equivaleu na prática a que
com isso ele se autoproclamasse o segundo sumo pontífice da Humanidade. Tendo
já a essa altura perdido boa parte de seu anterior prestigio e tendo grande
facção do movimento positivista tanto inglês, quanto brasileiro e chileno já se
separado de sua direção; Laffitte foi quase de todo rejeitado como sucessor de Augusto
Comte.
Enfim, já bem perto de sua morte, ele haveria de declarar-se arrependido de extinguir a delegação dos executores testamenteiros.