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01 setembro 2025

Objetividade, subjetividade e entendimento humano

As citações abaixo são extraídas do v. 2 do Sistema de política positiva, de Augusto Comte, em seu cap. 1. 


Elas tratam de várias questões fundamentais para o ser humano: como entendemos a realidade, qual a parte do mundo e qual a parte do ser humano em nossas idéias, qual o papel dos sentimentos... isso pode parecer, à primeira vista, mera discussão acadêmica, mas são reflexões que têm aplicações diretas e imediatas na vida de todos nós.

É uma leitura densa, mas muito recompensadora.

O volume 2 da Política positiva foi publicado em 1852 e seu subtítulo é este: “Contendo a Estática Social ou o tratado abstrato da ordem humana”.

O capítulo 1 desse livro tem por título o seguinte: “Teoria geral da religião, ou teoria positiva da unidade humana”.


*   *   *


 

- Hipóteses, objetividade, subjetividade; separação inicial entre razão teórica e razão prática; pesquisa das leis preponderante sobre o objetivismo dos fatos e o subjetivismo das causas; relativismo e absolutismo das sínteses:

“Eu caracterizei suficientemente agora, sob todos os aspectos essenciais, o único modo sintético que convém plenamente à natureza humana. Seu desenvolvimento direto e especial pertence ao último volume deste tratado, quando seu advento decisivo encontrar-se-á convenientemente demonstrando a partir do conjunto do passado. Mas, para completar minha teoria geral da religião, resta-me aqui, como inicialmente anunciei, caracterizar sumariamente minha longa e difícil iniciação que exigia o estabelecimento da verdadeira unidade.

As diversas explicações precedentes devem ter feito implicitamente sentir que uma tal síntese não comportaria de maneira nenhuma um desenvolvimento imediato, malgrado a espontaneidade das tendências que nos conduzem a ela sempre. Será agora então fácil de motivar diretamente sua preparação necessária. Ela é igualmente exigida pela natureza intelectual e pela fonte moral da verdadeira religião.

Inicialmente, a fé devia ser essencialmente objetiva, desde que o dogma positivo consiste no conhecimento real da ordem universal. As inspirações subjetivas não podem concorrer para a elaboração dos seus diversos elementos senão por meio de uma influência secundária, suficientemente indicada acima, fornecendo as hipóteses destinadas a tornar-se leis, conforme sua verificação exterior. Quando a sistematização positiva é enfim possível, a subjetividade começa a prevalecer, como a única capaz de coordenar os materiais obtidos, seguindo as explicações de meu primeiro volume. Mas esse termo não chega senão após uma inteira extensão do espírito científico até os fenômenos menos gerais e mais complicados. Antes que essa condição seja suficientemente preenchida, a preponderância da subjetividade viciaria radicalmente todas as nossas teorias. Ora, uma tal realização não poderia ser incitada, desde que a descoberta da ordem natural não poderia fazer-se senão sucessivamente, procedendo sempre do mundo em direção ao homem, ou dos fenômenos mais gerais aos mais particulares.

Mas, por outro lado, em virtude mesmo dessa marcha característica, a objetividade não poderia nunca construir uma síntese qualquer. Se sua impotência para sistematizar é hoje reconhecida após vinte séculos de estéreis esforços, com mais forte razão ela seria inevitável antes da aquisição de materiais positivos. Toda síntese deve então ser subjetiva, ainda que ela não comporte realidade senão conforme uma base objetiva, cuja elabora demora muito tempo. Entretanto, o homem não pode nunca ficar sem uma síntese qualquer, para coordenar seus pensamentos, de maneira a dirigir sua conduta. Uma tal situação mental não admite outra saída senão a construção, inteiramente subjetiva, de uma síntese felizmente espontânea, mas necessariamente quimérica e então puramente provisória.

Ora, tal solução inicial, sem a qual nossa razão não poderia surgir, resulta naturalmente de nossas tendências primitivas em direção às concepções absolutas, que nos dispensariam de todas pesquisas especiais, ao permitir-nos deduzir sempre sem ter nunca induzido. As leis reais, vale dizer os fatos gerais, não puderam manifestar-se senão muito tarde, mesmo a respeito dos menores fenômenos celestes. Enquanto eles permanecem desconhecidos, o espírito humano persegue necessariamente a vã determinação das causas, vale dizer, das origens e das destinações absolutas. Essa pesquisa, então animada pela esperança de um império ilimitado sobre um mundo em que a ordem parece arbitrária, é a única que pode dissipar nosso torpor inicial. Um tal problema não comporta, mesmo hoje, outra solução que essa que surgiu inicialmente, a explicação do mundo conforme o homem, seguindo a assimilação espontânea da natureza morta à natureza viva. Assim se institui diretamente o método subjetivo, cujo livre desenvolvimento não sofre então nenhum entrave objetivo. Em uma palavra, nessa filosofia intuitiva, que pesquisa a essência de tudo, as vontades ocupam o lugar das leis. Uma semelhante síntese, que agora convém tão pouco à especulação quanto à ação, foi por muito tempo tão indispensável a esta quanto àquela. Recairemos sempre aí quando desejamos agir sistematicamente, sobre fenômenos de que ignoramos as leis especiais. Com efeito, na falta de noções exteriores, é necessário que nossa sabedoria siga com cuidado os impulsos interiores, mais morais que mentais, a menos que ela abstenha-se totalmente, o que se torna com freqüência impossível.

O primeiro estado de nossa inteligência não permite então nenhuma harmonia durável entre a razão prática e razão teórica. Enquanto uma, exclusivamente objetiva, não oferece senão fatos isolados, a outra, puramente subjetiva, não apresenta senão generalidades incapazes de ligar nossas noções particulares. Ainda que guiada por falsas aproximações, esta tende sempre à previsão sistemática, o mesmo ao que renunciamos em seguida. Mas aquela prepara também o estado normal, ao descobrir em toda parte algumas leis empíricas, que permitem previsões reais em inúmeros casos usuais. Nossa iniciação mental consiste sobretudo em combinar suficientemente essas duas tendências simultâneas em direção à realidade das noções e à generalidade das concepções. Essa combinação não se torna possível senão ao corrigir os excessos respectivos de objetividade e de subjetividade. Ora, o conjunto dos impulsos práticos dispõe a isso naturalmente, ao fazer cada vez mais sentir que esses dois vícios opostos impedem igualmente de prever para melhor agir. Afinal, um entrava toda indução geral e o outro, toda dedução real. Assim surgiu gradualmente a dupla preponderância do estudo das leis sobre o conhecimento dos fatos e sobre a pesquisa das causas.

Comparada à síntese definitiva, essa síntese provisória oferece semelhanças essenciais sob profundas diferenças. Sua espontaneidade característica torna-a inteiramente subjetiva; mas sua destinação exige que se a creia objetiva. Por aí se anuncia, e mesmo se prepara, a conciliação final das duas grandes condições especulativas. Cada síntese repousa sobre a preponderância do tipo humano: mas ele é pessoal em uma e social na outra. Sua principal diferença resulta da natureza absoluta da primeira, oposta à relatividade da segunda. Esse contraste científico é completado por seu contraste lógico, consistindo sobretudo em que as hipóteses primitivas não são nunca verificáveis, ao passo que as hipóteses definitivas são-no sempre. Conforme o conjunto dessas oposições, as duas sínteses tendem a tornar-se inconciliáveis, à medida que a última desenvolve seus verdadeiros caracteres.

Em segundo lugar, a apreciação social manifesta ainda melhor a impossibilidade inicial da verdadeira unidade e a necessidade de um regime preparatório. Além de que o Grande-Ser não poderia de maneira nenhuma ser apreciado então, ele não é mesmo suficientemente formado. Seu desenvolvimento decisivo supõe uma longa evolução, à qual devem presidir ficções espontâneas. O amor, com dificuldade suficiente hoje, mantém-se inicialmente de tal maneira restrito que o ódio domina em direção à quase totalidade da nossa espécie. Toda a atividade coletiva emana então dos instintos inferiores. Não podendo realizar a conquista de um mundo que parece tão invencível quanto inexplicável, cada associação parcial esforça-se sobretudo por submeter as outras. Mas essa tendência, no início cegamente destrutiva, regulariza-se desenvolvendo-se. Ela institui espontaneamente a sociabilidade preliminar, cimentando a união interior e conduzindo à incorporação exterior. A Pátria prepara a Humanidade e o egoísmo nacional dispõe ao amor universal.

Esse regime guerreiro, como o dogma fictício, permanece sempre incompleto, como conseqüência de sua comum oposição às exigências práticas. A atividade industrial surgiu sob um, da mesma forma que o espírito positivo sob o outro. Assim se desenvolvem os elementos definitivos durante a imperfeita dominação dos elementos primitivos, até que o aumento daqueles e a diminuição destes conduzem às lutas que aceleram o advento necessário da verdadeira unidade.

As duas potências provisórias tendem cada uma a dominar sem partilha. Entretanto, sua rivalidade natural pode ser suficientemente contida por uma afinidade espontânea, que lhes permite por muito tempo combinarem-se. O espírito absoluto do dogma fictício e o caráter egoísta do regime guerreiro são muito análogos para permanecerem sempre inconciliáveis. Ao combinarem-se, um estende sua preponderância e o outro aumenta sua consistência. Então as opiniões não demonstráveis e as autoridades não discutíveis apóiam-se mutuamente. De sua conexão resulta inicialmente a consolidação do regime inicial, mas em seguida sua tendência a dominar além de seu destino normal. De qualquer maneira, seu elemento temporal mantém-se mais compatível que seu elemento espiritual com o desenvolvimento da síntese final. Ele não é destinado, como este último, a uma inteira extinção; pois ele pode cessar de prevalecer sem perder toda eficácia. A atividade militar conservará sempre um ofício subalterno em relação às existências humanas e às organizações animais que violam ou rejeitam a harmonia universal sem poderem a ela serem trazidas de volta. Mas a fé sobrenatural já perdeu toda verdadeira utilidade entre as populações de elite; ela deve enfim apagar-se por toda parte, pois sua autoridade não pode nunca aceitar a subalternidade” (Política, v. II, p. 79-83).

Crítica à metafísica alemã, objetividade e subjetividade

As citações abaixo são extraídas do v. 2 do Sistema de política positiva, de Augusto Comte, em seu cap. 1. 

Elas tratam de várias questões fundamentais para o ser humano: como entendemos a realidade, qual a parte do mundo e qual a parte do ser humano em nossas idéias, qual o papel dos sentimentos... isso pode parecer, à primeira vista, mera discussão acadêmica, mas são reflexões que têm aplicações diretas e imediatas na vida de todos nós.

É uma leitura densa, mas muito recompensadora.

O volume 2 da Política positiva foi publicado em 1852 e seu subtítulo é este: “Contendo a Estática Social ou o tratado abstrato da ordem humana”.

O capítulo 1 desse livro tem por título o seguinte: “Teoria geral da religião, ou teoria positiva da unidade humana”.


*   *   *



- Crítica à metafísica neokantiana, caráter aproximativo e conveniente das leis naturais, margem para elaboração estética das leis, acordo objetivo-subjetivo:

“Essa subjetividade assessória, viciosamente exagerada pelos pretensos sucessores de Kant, conduz ainda ignorantes pensadores a um idealismo não menos imoral que absurdo, que consagra involuntariamente uma completa personalidade e rejeita doutoralmente toda vida coletiva. Faz-se assim degenerar em retrogradação na direção do absoluto a direção filosófica mais própria a constituir o espírito relativo, conforme as diversas condições cerebrais de cada noção real. Mas, por outro lado, os puros cientistas [savants], e sobretudo os geômetras, na falta de um regime enciclopédico, resultam com freqüência, de uma forma inversa, na mesma degradação, ao exagerarem, por seu turno, a independência da ordem natural.

A sã filosofia caminha firmemente entre essas duas armadilhas contínuas. Ela representa todas as leis naturais como construídas por nós com materiais exteriores. Apreciadas objetivamente, sua exatidão não pode ser nunca senão aproximativa. Mas, estando destinadas apenas às nossas necessidades, sobretudo ativas, essas aproximações tornam-se plenamente suficientes, quando elas são bem instituídas segundo as exigências práticas, que fixam habitualmente a precisão conveniente. Além dessa medida, permanece com freqüência um grau normal de liberdade teórica, que devemos sabiamente usar para melhor satisfazer nossas puras inclinações mentais, inicialmente científicas, em seguida mesmo estéticas. Em relação às mais simples e melhor elaboradas de todas as leis reais, os geômetras, a despeito de si mesmos, aplicam freqüentemente essa preciosa faculdade ao justo aperfeiçoamento de suas concepções fundamentais. Eles empregam-na sobretudo para fornecer às relações abstratas uma plena continuidade, indispensável ao desenvolvimento das especulações matemáticas, mas que a ordem exterior desmentiria sempre, se conduzíssemos demasiadamente longe seu estudo sistemático. Por exemplo, a lei newtoniana da gravitação não convém mais para toda distância que a lei de Mariotte para toda pressão. Elas fornecem entretanto bases legítimas, uma à nossa mecânica celeste, a outra à teoria matemática de nosso gás. Sem essa continuidade subjetiva, seu uso racional tornar-se-ia quase ilusório.

Nossa construção fundamental da ordem universal resulta então de um concurso necessário entre o exterior e o interior. As leis reais, vale dizer os fatos gerais, não são nunca senão hipóteses suficientemente confirmadas pela observação. Se a harmonia não existisse de maneira nenhuma fora de nós, nosso espírito seria inteiramente incapaz de concebê-la; mas, em nenhum caso, ela não se verifica tanto quanto supomo-la. Nessa cooperação contínua, o mundo fornece a matéria e o homem, a forma de cada noção positiva. Ora, a fusão desses dois elementos não se torna possível senão por sacrifícios mútuos. Um excesso de subjetividade impediria toda visão geral, sempre fundada sobre a abstração. Mas a decomposição que nos permite abstrair permaneceria impossível se não descartássemos um excesso natural de subjetividade. Cada homem, ao comparar-se com os outros, remove espontaneamente de suas próprias observações o que elas têm inicialmente de muito pessoal, a fim de permitir o acordo social que constitui a principal destinação da vida contemplativa. Mas o grau de subjetividade que é comum a toda a nossa espécie persiste ordinariamente, aliás sem nenhum grave inconveniente. Nós não poderíamos reduzi-lo senão pelo comércio intelectual com outros animais, que não se estabelece senão raramente e para noções subalternas. Aliás, algumas restrições sucessivas que experimentaram assim a influência subjetiva, conforme uma necessidade crescente de ouvir-se com inteligências as mais diversas, jamais as concepções alcançariam uma pura objetividade. É assim tão impossível quanto inútil determinar exatamente as participações respectivas do exterior e do interior em cada noção real” (Política, v. II, p. 32-35)

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“A dificuldade principal da elaboração positiva consiste então na sucessão necessária de diversas grandes fases teóricas, em que cada uma depende da precedente e que entretanto não se tornam religiosamente eficazes senão por sua combinação total. Cada um desses graus sucessivos exige induções que lhes são próprias; mas elas não podem nunca se tornar sistemáticas senão sob o impulso dedutivo resultante de todas as ordens menos complicadas. Sem essa subordinação normal, conforme à dependência dos fenômenos, as leis naturais perderiam tanto consistência quanto racionalidade. Em uma tal hierarquia, as ordens inferiores propagam para o alto a regularidade e a fixidez diretamente próprias à sua simplicidade, ao passo que elas adquirem em retorno a dignidade inerente ao domínio superior. A eficácia religiosa da filosofia real depende sobretudo dessa dupla comunicação entre seus diversos elementos essenciais. Tais são as condições indispensáveis para estabelecer suficientemente a invariabilidade fundamental da ordem universal, cujo melhor tipo concernirá sempre aos fenômenos celestes, como os únicos subtraídos a toda intervenção humana.

Mas, malgrado a constante preponderância dessa primeira apreciação, o dogma positivo deve também caracterizar cuidadosamente as modificações normais que comporta quase sempre a economia natural. Para bem as conceber, é necessário inicialmente reconhecer que elas não oferecem nada de fortuito. Pois elas resultam diretamente da hierarquia geral dos fenômenos, em que cada ordem modifica todas aquelas que a dominam. Com efeito, a harmonia universal exige tanto essa reação quanto esse império. Haveria, sem dúvida, anarquia total se os fenômenos mais particulares não estivessem subordinados aos mais gerais. Mas a ausência de modificações inversas estabeleceria uma confusa identidade. A verdadeira distinção entre as grandes categorias naturais repousa essencialmente sobre essas reações necessárias, a cuja falta apenas as mais simples leis subsistiriam. É necessário então conceber a ordem real como tão distante do caos quanto da anarquia, ou como supõem ao mesmo tempo o movimento e a fixidez. Tal é, pelo menos, sua noção necessária em todo o mundo compatível com a vida; isso é o que constitui o único caso digno de exame.

Com efeito, a concepção de ordem universal como mais ou menos modificável resulta diretamente do grande dualismo filosófico entre a natureza morta e a natureza viva. Inicialmente, todo ser vivo, seja ele reduzido à existência vegetativa, modifica sem cessar o meio que o domina, conforme os materiais de que ele dispõe daí e os produtos que ele elabora. Por outro lado, ele modifica-se a si mesmo, para melhor se adaptar à sua situação. Esse duplo atributo expande-se sempre à medida que o ser torna-se mais elevado e mais desenvolvido. Ora, importa reconhecer que o ser não cria nunca no meio a aptidão para as modificações correspondentes: ele limita-se a utilizá-la. Se já o meio não fosse de maneira nenhuma modificável por si só, uma reação tão fraca quanto o é necessariamente a influência vital não lhe poderia alterar a constituição. Da mesma forma as mudanças que sofre a ordem material, apenas sob o conflito das potências inorgânicas, são com freqüência superiores a todas as provenientes dos seres vivos. Estes seres não fazem então senão determinar ao exterior o exercício de uma propriedade sobre a qual repousa sua existência. Mas essa relação constitui entretanto a única destinação necessária de uma tal aptidão exterior. Ainda que não pudéssemos de maneira nenhuma conceber a vida em um meio imodificável, suporíamos facilmente um tal meio, desde que nada nele vivesse, como em alguns planetas inabitáveis. A variabilidade normal da ordem material refere-se então essencialmente à existência vital, mas sem dela provir” (Política, v. II, p. 36-38).

10 agosto 2025

Quadro sinóptico da transição orgânica

O quadro abaixo corresponde à sistematização feita pelo Apóstolo da Humanidade Raimundo Teixeira Mendes para as fases da transição orgânica que deve terminar a transição revolucionária ocidental (iniciada com o término da Idade Média) e a transição humana em geral. Esse esquema baseia-se nas indicações apresentadas por Augusto Comte em suas várias obras, especialmente no cap. 5 do Sistema de política positiva, v. IV, de 1854, e no Apelo aos Conservadores, de 1855.

Incluímos duas versões abaixo: a primeira corresponde a uma foto do original de Teixeira Mendes; a segunda é uma versão atualizada do esquema, um pouco mais simples, para caber em uma página A4 (com as margens estreitadas). A segunda versão está reproduzida em seguida.






Quadro sinóptico da TRANSIÇÃO ORGÂNICA, começada em 1855, segundo Augusto COMTE

(Sistema de Política Positiva, tomo IV, Cap. 5)

A Transição orgânica sucedeu à Transição revolucionária começada no décimo quarto século.

A Revolução francesa inaugura a Grande crise ocidental, que constitui mais a estréia da regeneração final do que a conclusão da vida preparatória (Apelo aos conservadores, p. 117)

 

Primeiro período, no qual a transição orgânica permanece espontânea, sob a ditadura monocrática e o ascendente gradual da Religião da HUMANIDADE

Caráter temporal: advento da ditadura republicana ainda alheia à Religião da HUMANIDADE, baseando-se na inteira separação dos dois poderes, espiritual e temporal, mediante o escrupuloso respeito da liberdade teórica e da liberdade industrial, eliminando a política legista e militarista. Isso exige a supressão atual de todo orçamento teórico, tanto teológico, como universitário e acadêmico, isto é, metafísico e científico, o governo limitando-se à livre manutenção da instrução primária, reduzida à leitura, a escritura, o cálculo elementar, o canto e o desenho. Cumpre portanto abolir todos os privilégios profissionais, ligados aos títulos quaisquer, literários e científicos, inclusive os dos médicos, dos farmacêuticos e dos enfermeiros ou enfermeiras, tanto religiosas como leigas.

Primeira fase, na qual a transição orgânica permanece espontânea. Aceitação da divisa política e científica Ordem E Progresso, inscrita nas bandeiras atuais das repúblicas ocidentais.

Caráter temporal: atitude indiferente ou mesmo, no começo, hostil, da ditadura republicana para com a Religião da HUMANIDADE.

Caráter espiritual: livre ascendente social cada vez mais decisivo do Culto da HUMANIDADE; quanto ao culto público, sobretudo concreto, segundo o Calendário histórico.

Anúncio do culto abstrato, segundo as três Festas:

da HUMANIDADE, no primeiro dia do ano;

da Mulher, segundo o tipo da Virgem-Mãe, a 15 de Agosto;

a Festa Universal dos Mortos, no último dia dos anos comuns.

No último dia dos anos bissextos, Festa geral das Santas Mulheres.

 

Segunda fase, na qual a transição orgânica começa a tornar-se científica. Aceitação da divisa moral e científica Viver para Outrem, inscrita na outra face das bandeiras atuais das repúblicas ocidentais, anunciando a adesão feminina à política republicana.

Caráter temporal: atitude regeneradora da ditadura republicana, tornada francamente simpática à Religião da HUMANIDADE, mediante a constatação da aptidão orgânica dessa Religião.

Sustentação das Escolas positivas.

Caráter espiritual: advento do sacerdócio definitivo, concentrado a princípio, mesmo subjetivamente, no seu

Fundador,

em virtude do acabamento da Religião da HUMANIDADE, inaugurando o ascendente teórico, tanto moral como intelectual, dessa Religião.

Caráter espiritual: desenvolvimento do culto público, mediante a Festa das Máquinas, celebrada no fim do outono;

livre advento do ascendente social do

dogma

da Religião da HUMANIDADE.

Segundo período, no qual a transição orgânica torna-se sistemática, sob o triunvirato positivista e a livre aceitação universal da Religião da HUMANIDADE

Caráter temporal: advento do triunvirato positivista, sucedendo à ditadura republicana, mediante a livre escolha do ditador, utilizando a instituição ministerial, esclarecida pelos conselhos do Grande Sacerdote da HUMANIDADE. Esse triunvirato presidirá à instalação das Pátrias normais ou Mátrias, resultantes da pacífica decomposição dos grandes Estados revolucionários atuais.

Terceira fase, na qual a transição orgânica tornada sistemática anunciará a terminação direta da revolução ocidental, arvorando, desde o início, a bandeira normal das Mátrias.

Essa bandeira deriva da bandeira da Humanidade, ajuntando ao fundo verde uma simples orla, com as cores atuais da população correspondente.

Aceitação da divisa política Viver às Claras, inscrita nas moedas.

Caráter temporal: triunvirato positivista, sucedendo pacificamente à ditadura republicana.

Caráter espiritual: ascendente social e político da Religião da HUMANIDADE, segundo o livre reconhecimento universal do regime positivista, isto é, pacífico-industrial.

Caráter espiritual: desenvolvimento do culto público, introduzindo, com um ano de intervalo, três Festas:

primeiro da Imprensa,

depois do Correio,

enfim da Polícia.

Extensão popular do Dogma;

livre ascendente social do Regime da

Religião da HUMANIDADE.

 

Conclusão. Festa própria para caracterizar a terminação geral da transição orgânica, completando o culto concreto da Humanidade pela solene instalação de seus melhores órgãos na Igreja de Notre-Dame de Paris, o templo central da deusa das cruzadas (Sistema de Política Positiva, tomo IV, cap. 5, p. 501).

Anexo ao tomo segundo, primeira parte, do Esboço sobre a vida e obra de CLOTILDE de Vaux e Augusto COMTE, p. 752, publicado por ocasião do primeiro Centenário de Nascimento de Clotilde,

4 de Bichat de 62/128 (5 de Dezembro de 1916).


04 dezembro 2024

Continuação da leitura comentada do "Apelo aos conservadores"

No dia 2 de Bichat de 170 (3.12.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=MBd7OTbZJaA) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/1311730350195534).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Leitura comentada do Apelo aos conservadores

(2 de Bichat de 170/3.12.2024) 

1.       Abertura

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides e calendário das próximas atividades:

3.1.    Dia 4 de Bichat (5 de dezembro): transformação de Sofia Bliaux (1861)

3.2.    Dia 11 de Bichat (12 de dezembro): Live AOP com Érlon Jacques de Oliveira, celebrando Pedro Cappeli

3.3.    Dia 23 de Bichat (24 de dezembro): não haverá prédica

3.4.    Faremos a celebração da Festa Geral das Santas Mulheres (31 de dezembro) em conjunto com a Festa Universal dos Mortos

3.5.    No dia 1º de Moisés (1º de janeiro) celebraremos a Festa da Humanidade

4.       Pedido de sugestões de temas para os sermões das prédicas positivas

4.1.    As sugestões são bem-vindas e necessárias, não somente para podermos fazer comentários interessantes, mas também para satisfazer anseios e preocupações do público

4.2.    Além disso, as sugestões públicas são uma forma de atualizarmos o Positivismo

4.3.    Cabe aqui uma cobrança pública:

4.3.1. Em face de cobranças e admoestações para “atualizar o Positivismo”, ainda que tenhamos pessoalmente muitas limitações, parece-me que estamos na direção certa e que a experiência prática de dois anos e meio de prédica positiva já comprovou fartamente que essa exigência de “atualização” não é tão evidente quanto se considera de maneira ingênua à primeira vista

4.3.2. Da mesma forma, até o momento ninguém que cobra, ou cobrava, “atualizações” manifestou apoio ou reconhecimento por nossos esforços ou, em sentido oposto, ninguém que cobra, ou cobrava, as atualizações ofereceu sugestões concretas, efetivas e com a própria colaboração para tais “atualizações”

5.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

5.1.    Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

5.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

5.1.1.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

5.1.1.2.             Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

5.1.2. Como nosso amigo Hernani G. Costa sempre realça, é necessário insistir em uma idéia que o materialismo e o ceticismo contemporâneos desprezam: não é possível entender a política proposta pelo Positivismo isoladamente da Religião da Humanidade

5.1.2.1.             Aliás, o desejo de separar a política dos valores e das concepções gerais de fundo é precisamente um dos problemas contemporâneos, é precisamente um dos sintomas da anarquia contemporânea

5.1.3. A religião estabelece parâmetros morais, intelectuais e práticos para a existência humana e, portanto, orienta a política, estabelece as suas metas, as suas possibilidades e os seus limites

5.1.3.1.             Outro lembrete: a religião, conforme o Positivismo estabelece, não é sinônima de “teologia”

5.2.    Últimas observações preliminares:

5.2.1. Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

5.2.2. O capítulo em que estamos é a “Introdução”, cujo subtítulo é “Advento dos verdadeiros conservadores”

5.2.2.1.             Os demais capítulos são dedicados a caracterizar o Positivismo (cap. 1), indicar como os conservadores regenerados e orientados pelo Positivismo devem portar-se em relação aos retrógrados (cap. 2) e em relação aos revolucionários (cap. 3), para finalmente indicar em que consiste a missão específica de tais conservadores (Conclusão)

5.3.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

6.       Exortações finais

6.1.    Sejamos altruístas!

6.2.    Façamos orações!

6.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

7.       Término da prédica

03 setembro 2024

O Positivismo é tecnocrático?

No dia 23 de Gutenberg de 170 (3.9.2024) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, agora em sua duodécima conferência (dedicada à exposição da evolução histórica do desenvolvimento humano, ou seja, da religião, em particular do fetichismo e do politeísmo).

Depois das exortações e da indicação das efemérides, lemos nosso documento "Programa republicano mínimo - orientações para o voto no dia 6 de outubro".

Na parte do sermão procuramos responder à seguinte pergunta: o Positivismo é tecnocrático?

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/9s5IO) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/mMKn5).

Os tempos da prédica foram os seguintes:

00 min 00 s - início

15 min 27 s - exortações 

24 min 58 s - efemérides

29 min 35 s - leitura do documento "Programa republicano mínimo"

45 min 21 s - leitura comentada do Catecismo positivista

1 h 00 min 51 s - sermão 

2 h 10 min 00 s - término

As anotações que serviram de base para a exposição oral estão reproduzidas abaixo.

*   *   *

O Positivismo é tecnocrático?

(23 de Gutenberg de 170/3.9.2024)

 1.       Abertura

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides:

3.1.    24 de Gutenberg (4.9): nascimento de Richard Congreve (1881)

3.2.    25 de Gutenberg (5.9): transformação de Augusto Comte (1857)

3.3.    26 de Gutenberg (6.9): nascimento do Alte. Henrique Batista de Oliveira (1908)

3.4.    27 de Gutenberg (7.9): independência do Brasil (1822)

4.       Leitura do documento “Programa republicano mínimo – orientações para o voto no dia 6 de outubro”

 

IGREJA POSITIVISTA VIRTUAL

Programa republicano mínimo

Orientações para o voto no dia 6 de outubro

1. Introdução: a necessidade de critérios para escolher candidatos

Neste ano, no dia 6 de outubro, teremos eleições municipais, em que a população brasileira elegerá seus novos prefeitos e vereadores; desde o dia 16 de agosto temos campanha eleitoral. Os partidos políticos, a Justiça Eleitoral, os meios de comunicação e vários grupos da sociedade civil afirmam que é importante “votar com consciência”, “votar de maneira esclarecida”, “buscar os melhores candidatos”, mas muito raramente, para não dizer nunca, são apresentados com clareza os critérios que definem a “consciência”, o “esclarecimento”, os “melhores”. No máximo há a afirmação de que os candidatos escolhidos devem “representar” os eleitores, com isso querendo dizer que os candidatos devem pensar e agir de maneira semelhante aos eleitores – o que, dizendo com clareza, está muito distante dos verdadeiros interesses sociais.

Com o objetivo de auxiliar a reflexão pública e, na medida do possível, orientar nossos concidadãos eleitores na escolha de candidatos a prefeito e a vereador, apresentaremos neste documento alguns critérios positivos e critérios negativos – ou seja, opiniões e comportamentos que os candidatos devem apresentar para serem escolhidos, bem como opiniões e comportamentos que são motivos para rejeitar candidatos.

Este manifesto é dirigido a todos e todas os brasileiros e brasileiras, nossos concidadãos eleitores e nossas concidadãs eleitoras. Como se verá, à primeira vista talvez o programa abaixo pareça muito exigente: mas, por um lado, isso não é motivo para desconsiderá-lo; por outro lado, isso indica o quanto estamos distantes do republicanismo no Brasil.

Antes, porém, é importante expor os fundamentos políticos, sociais e morais dos critérios que apresentaremos.

2. A política positiva e a república

Desde 15 de novembro de 1889 o Brasil é uma República. Embora à primeira vista o conceito de “república” pareça pouco, na verdade ele é um dos mais densos e importantes na vida de qualquer cidadão. A noção de república é um ideal: nem sempre esse ideal realiza-se na prática, mas isso não é motivo para desvalorizar o ideal, nem para rejeitá-lo. Vejamos, então, quais são os elementos desse ideal.

O sentido fundamental da república é o bem comum: efetivamente se dedicar ao bem-estar coletivo, superando o individualismo, o egoísmo, os particularismos, isso é ser republicano. Além disso, a república também se opõe à monarquia e, portanto, à sociedade de castas; em outras palavras, na república o valor de uma pessoa é dado pelo mérito individual, em vez de ser pelas condições em que nasceu (pelo “berço”).

Mais importante do que isso, a dedicação ao bem comum significa a subordinação da política à moral, ou seja, a subordinação da política aos princípios e valores maiores da Humanidade, em que a família subordina-se à pátria e a pátria subordina-se à Humanidade. Somente assim a atividade política pode ser entendida como a dedicação ao bem comum e, a partir disso, ser fiscalizada e responsabilizada.

Disso se seguem várias conseqüências. A primeira delas é que o conjunto da sociedade deve sempre ser levado em consideração. A fraternidade universal é um valor básico: como todos devem orientar suas condutas para a melhoria de vida de todos, o respeito mútuo e a afirmação da dignidade fundamental de todos são pilares da vida coletiva. Daí se segue também que as relações sociais têm que ser pacíficas: qualquer forma de violência degrada as relações humanas e o ambiente social. O pacifismo e a fraternidade universal impõem, por seu turno, o repúdio ao racismo e às discriminações de “gênero”; da mesma forma, eles exigem o respeito ao meio ambiente e, claro, aos animais.

Uma segunda conseqüência é que, embora toda sociedade moderna seja composta por patrícios e proletários, a maior parte da sociedade é composta pelo proletariado (ou seja, pelos trabalhadores) e os esforços sociais têm que se orientar para a melhoria das suas condições de vida: é esse o objetivo que deve orientar a ação dos patrícios.

A regra republicana básica é o “viver às claras”: cada um deve adotar valores em sua vida que sejam publicamente defensáveis e de fato viver conforme esses valores. No caso dos governantes e das figuras públicas, o viver às claras também significa que todos os seus atos são responsabilizáveis, ou seja, são passíveis de acompanhamento, avaliação e cobrança públicas. A publicidade dos atos e das motivações é a regra, nunca a exceção. Como conseqüência do viver às claras, todos devem sempre falar a verdade e cumprir o prometido – ou, em outras palavras, não se deve mentir nem se deve trair.

A instituição republicana básica é a separação entre igreja e Estado: o aconselhamento não pode nem precisa da violência do Estado para fazer-se valer, nem o Estado pode condicionar os seus serviços à aceitação de crenças oficiais. Isso é o que se chama vulgarmente de “laicidade”; uma de suas conseqüências é que sacerdotes devem manter-se afastados do Estado a fim de garantirem sua dignidade, assim como o Estado deve recusar sacerdotes para não ser usado como instrumento de opressão. O afastamento dos sacerdotes em relação à política não quer dizer alienação nem indiferença; quer dizer que, como sacerdotes, não podem trabalhar para o Estado.

A separação entre igreja e Estado é a base das liberdades fundamentais: são as liberdades de crença, de manifestação e de associação, assim como o direito de ir e vir, o habeas corpus e o devido processo legal. Adicionalmente, os órgãos do Estado – especialmente os que são responsáveis diretos pelo atendimento à população – e os servidores públicos devem ser valorizados, mantendo-se sempre também a dignidade da chamada iniciativa privada.

Finalmente, as instituições sociais fundamentais devem ser valorizadas, a começar pela família. Entre a família e a sociedade política (as pátrias) as relações são de complementaridade, não de oposição; o papel da família é o de desenvolvimento afetivo e de educação moral, preparando os cidadãos para a vida na sociedade mais ampla; o papel da sociedade política é o de realizar os trabalhos práticos necessários para manter e desenvolver a vida de todos. Como é mais ampla, a sociedade política regula e protege a família. As pátrias, por sua vez, devem todas unir-se em prol da Humanidade. Assim como os proletários devem ser valorizados e respeitados, as mulheres devem ser valorizadas e ter sua dignidade mantida e afirmada.

Esses valores e essas práticas constituem muito do que é a república, embora não a esgotem. Tudo isso almeja a realização dos um dos supremos ideais dos brasileiros e de todos os seres humanos, que é a união da ordem com o progresso. Como dissemos em outro manifesto[1], quando a ordem e o progresso ficam separados, eles tornam-se antagônicos um em relação ao outro, de tal maneira que a ordem transforma-se em ordem retrógrada e opressiva e o progresso torna-se caótico e também opressivo. Apenas a união das duas perspectivas, em que ambas sejam simultaneamente respeitadas e valorizadas, torna possível que cada uma delas seja cumprida. A ordem consiste na consolidação do progresso, ao passo que o progresso é o desenvolvimento da ordem; o vínculo entre ambos é o amor, que, em termos políticos, deve ser entendido em termos de fraternidade, respeito mútuo e tolerância. O respeito à ordem não equivale à submissão cega ou servil ao poder político; da mesma forma, a verdadeira relação entre o poder e os cidadãos não é a de um soldado que se submete ao seu comandante.

3. Recomendações positivas: procurar candidatos com este perfil

Considerando os valores e os princípios indicados acima, recomendamos que se vote em candidatos a prefeito ou a vereador que apresentem estas características:

-         respeitem e façam valer a separação entre igreja e Estado (a chamada “laicidade do Estado”)

-         respeitem a dignidade humana e a fraternidade universal

-         respeitem a dignidade do espaço público e das instituições republicanas

-         respeitem a dignidade e valorizem as condições de vida da população brasileira, em particular dos trabalhadores e dos mais pobres, além dos povos indígenas

-         respeitem a dignidade e valorizem a família, independentemente da orientação sexual de cada família

-         respeitem e valorizem a dignidade das mulheres

-         tenham histórico de combate ao racismo e a outras discriminações

-         tenham histórico de defesa da dignidade e das condições de vida dos animais

-         tenham histórico de defesa do meio ambiente

4. Recomendações negativas: recusar candidatos com este perfil

Considerando os valores e os princípios indicados acima, recomendamos que não se vote em candidatos a prefeito ou a vereador que tenham um histórico pessoal e intelectual contrário ao republicanismo. De modo específico, rejeitamos candidaturas que apresentem estas características:

-         sejam membros de cleros, ou seja, sacerdotes, padres, pastores ou equivalentes

-         promovam o clericalismo nas funções públicas (o uso do Estado para promover cultos e/ou doutrinas)

-         desvalorizem os problemas sociais e/ou criminalizem a pobreza

-         promovam a cultura da violência, em particular estimulando a difusão e o uso de armas de fogo pela população civil

-         promovam valores e práticas exclusivistas e excludentes, incluindo aí as chamadas pautas identitárias

-         neguem os problemas ambientais (os “negacionistas climáticos”)

-         promovam a “cultura do cancelamento”

-         promovam a “cultura da baixaria”

-         tenham histórico de ligação com o crime, na forma de apoio ou participação em milícias; de apoio ou participação no crime organizado; de irresponsabilidade pessoal

-         promovam o racismo, a misoginia e preconceitos diversos

Curitiba, 28 de agosto de 2024.

 

5.       Leitura comentada do Catecismo positivista

5.1.    Continuação da duodécima conferência, sobre a evolução histórica do desenvolvimento humano, isto é, da religião, abordando em particular o fetichismo e o politeísmo

6.       Sermão: sobre a tecnocracia

6.1.    O tema do sermão de hoje com freqüência ressurge nos debates políticos e sociais

6.1.1. Além de ressurgir com certa freqüência, o tema da tecnocracia muitas vezes é associado ao Positivismo, o que exige de nós uma resposta, seja a favor, seja contra

6.1.2. Como veremos, não somente o Positivismo tem algo a dizer a respeito da tecnocracia como o que diz é contrário a ela

6.1.2.1.             Aliás, mesmo um filósofo francês de orientação católica – Jean Lacroix – reconheceu com facilidade que o Positivismo é totalmente contrário à tecnocracia (cf. Jean Lacroix, A sociologia de Augusto Comte, Curitiba, Vila do Príncipe, 2003, p. 101, 115)

6.2.    Antes de mais nada, temos que saber o que é a “tecnocracia”

6.2.1. Trata-se de um problema mais geral sobre as relações que se estabelecem entre a ciência, a tecnologia (ou a “técnica) e a política

6.2.2. Segundo a Wikipédia – cuja página em português sobre a tecnocracia é no mínimo problemática –, a autoria formal da palavra é de William Henry Smith, engenheiro estadunidense, em 1919

6.2.3. Podemos perceber pelo menos dois sentidos básicos para a tecnocracia:

6.2.3.1.             governo dos técnicos (ou dos “sábios”)

6.2.3.2.             governo baseado em decisões técnicas, em que essas decisões impedem, ignoram ou rejeitam a discussão pública

6.2.3.2.1.                   O que se supõe nessas duas possibilidades é que, de um lado, há os técnicos sábios que atuam no governo e que elaboram as políticas públicas que terão como objeto, ou como alvo, a “população”; de outro lado, há uma população que recebe, ou sofre, as políticas públicas e que é ignorante e incapaz de avaliar, opinar e agir

6.2.3.2.2.                   Os técnicos, além disso, são vistos como distantes e acima das disputas políticas; seu conhecimento seria puramente objetivo e “neutro”

6.2.3.2.3.                   Haveria, assim, uma separação clara entre Estado e sociedade e a ação do Estado seria (quase) sempre unilateral, de cima para baixo

6.2.3.2.4.                   Em outras palavras, a imagem que surge da ou com a tecnocracia é a de um governo técnico ativo, todo-poderoso e todo sábio e de uma sociedade passiva e ignorante

6.2.4. Mesmo sendo contrários à tecnocracia, é importante notar que todo governo deve, necessariamente, basear suas decisões em avaliações técnicas: se não for assim, as decisões – e, de maneira mais ampla, as políticas públicas – serão mero palpitismo, meras tentativas e erros (e muitos erros!)

6.2.4.1.             O que a república – ou melhor, a sociocracia – exige é que, por um lado, as avaliações técnicas sejam feitas e levadas a sério e, por outro lado, ao mesmo tempo (e, às vezes, até antes), que a população seja ouvida em suas demandas, que a população possa avaliar, opinar, modificar e até participar da formulação e da aplicação das políticas públicas

6.2.4.2.             A “população” que recebe as políticas públicas não é u’a massa informe, passiva e irracional; não por acaso, Augusto Comte falava em “sociedade civil”, ou seja, em uma sociedade organizada, ativa, necessariamente capaz de avaliar por si só as diversas questões – contando, para isso, é claro, com seus próprios “técnicos”

6.2.4.3.             Todo esse processo de avaliação e de participação na elaboração e na implementação das políticas públicas – que são intrínsecos à sociocracia! – integra o que se chama atualmente de “participacionismo”, “deliberacionismo” etc., constituindo o que se é conhecido por “democracia participativa”

6.2.5. É necessário notar que a crítica à tecnocracia com freqüência inclui um elogio da atividade política

6.2.5.1.             Entretanto, esse elogio pode abarcar muitos sentidos diferentes da política:

6.2.5.1.1.                   A política como espaço da participação cívica social

6.2.5.1.2.                   A política como espaço da disputa de poder

6.2.5.1.3.                   A política como espaço da retórica e da disputa intriguista e fofoqueira, de caráter parlamentar

6.2.5.2.             Cada um dos diferentes sentidos acima implica uma postura diferente em relação à tecnocracia, ou melhor, críticas diferentes à tecnocracia

6.2.5.2.1.                   Sem concordarmos com a tecnocracia, evidentemente o Positivismo avalia de maneira diferente cada um dos sentidos dados à política: valorizamos muito a participação cívica social, aceitamos mais ou menos como um fato a disputa do poder, mas rejeitamos o intriguismo parlamentar

6.3.    Como é que o Positivismo encara a tecnocracia, o suposto governo dos técnicos e quais os fundamentos da avaliação positivista disso?

6.3.1. O conceito básico aqui é a instituição fundamental da política positiva, a separação entre os dois poderes, em que de um lado há o poder Temporal, que trata da ordem material das sociedades, e de outro há o poder Espiritual, que trata da ordem intelectual e moral das sociedades

6.3.1.1.             O poder Temporal é prático, o poder Espiritual é teórico: cada um deles requer habilidades e qualidades específicas para satisfazer necessidades e atividades diferentes, resultando até mesmo em problemas diferentes

6.3.1.1.1.                   A confusão entre os dois poderes degrada cada um deles e impede o adequado desenvolvimento das respectivas atividades

6.3.1.1.2.                   Além disso, de maneira específica, a confusão dos dois poderes impede que o poder Espiritual fiscalize e avalie o poder Temporal, ao mesmo tempo em que torna praticamente impassíveis de avaliação e discussão as ordens do poder Temporal

6.3.1.2.             Exigência fundamental da separação entre os dois poderes é a existência de uma sociedade civil organizada, que se representa por si só e que orienta a ação do Estado

6.3.1.2.1.                   Em outras palavras, existe antes uma sociedade e depois, e a partir da sociedade, existe um Estado

6.3.1.2.2.                   É essa sociedade civil que informa o Estado, que estabelece os valores e as principais idéias, que propõe os problemas a serem enfrentados, que acompanha e avalia as políticas públicas

6.3.1.3.             O poder Espiritual é o responsável pela mobilização e pela expressão das idéias da sociedade civil

6.3.1.4.             Dessa forma, a separação dos dois poderes estabelece, pelo Positivismo, ao mesmo tempo um quadro institucional e uma realidade social em que a sociedade não é nunca passiva, embora sem dúvida seja diferentemente ativa em relação ao Estado

6.3.2. Como indicamos antes, o Estado tem que ter um corpo técnico altamente qualificado, a fim de avaliar os problemas sociais, elaborar, implementar e avaliar (a posteriori) as políticas públicas projetadas para tratar dos problemas sociais

6.3.2.1.             A presença de técnicos no Estado é uma exigência ao mesmo tempo política e moral

6.3.2.1.1.                   As sociedades modernas desenvolveram as ciências e, a partir delas, as várias tecnologias: não há porque o Estado não se utilizar desses conhecimentos e das técnicas resultantes; seria, como de fato é, totalmente imoral o Estado desprezar esse conhecimento técnico

6.3.3. Assim como a sociedade civil é ativa e possui seus próprios técnicos, é claro que, inversamente, os técnicos a serviço do Estado não são alheios aos valores e às idéias difundidas na sociedade civil (e, claro, nem são alheios às disputas havidas no seio da sociedade)

6.3.3.1.             Assim, a correta imagem que se deve ter, no que se refere à tecnocracia, ou melhor, contra ela, é a de um Estado e de uma sociedade que se relacionam de diversas formas e que mantêm uma porosidade mútua (ainda que, evidentemente, a instituição chamada Estado tome as decisões coletivas e implemente-as com caráter impositivo)

6.3.4. É importante lembrar que Augusto Comte criticava asperamente as pretensões políticas dos “sábios” e dos cientistas

6.3.4.1.             Não por acaso, um dos muitos motivos por que Augusto Comte criticava Platão era devido à pretensão desse grego de instituir os “filósofos-reis”, ou seja, em que os filósofos deveriam necessária e exclusivamente ser os reis

6.3.4.2.             Da mesmíssima forma, um dos vários motivos por que Augusto Comte criticava Saint-Simon – e que também resultaram no rompimento de relações entre eles – foi a pretensão platônica modernizada, não mais com os “filósofos-reis” mas com os “cientistas-reis”

6.3.4.3.             Essas diversas críticas de Augusto Comte – como se vê, todas elas baseadas em última análise no princípio da separação entre os dois poderes – foram por vezes sumariadas por nosso mestre na expressão “pedantocracia”, ou seja, o “governo dos pedantes”

6.3.4.3.1.                   A expressão “pedantocracia” foi criada por Stuart Mill

6.4.    Vale a pena perguntarmos: como é que se chegou a atribuir ao Positivismo um caráter tecnocrático?

6.4.1. Isso se deu basicamente por três caminhos diferentes, mas que com freqüência são complementares

6.4.1.1.             Por um lado, uma série de escorregões filosóficos a partir de interpretações superficiais e muito apressadas da obra de Augusto Comte

6.4.1.1.1.                   O raciocínio aí é dedutivo, ou seja, baseia-se em conceitos gerais e genéricos para, apenas com base neles (e, portanto, sem a leitura direta de Augusto Comte nem um conhecimento minimamente adequado de nosso mestre), deduzir o seguinte: Comte teria afirmado a importância social e política dos cientistas (afinal, ele teria sido cientificista); ele teria afirmado também que a ciência é “neutra” e que é indiscutível (um objetivismo acrítico); para Comte, a nova sociedade (científica) deveria ser governada pelos cientistas: logo, Comte teria proposto a tecnocracia!

6.4.1.2.             Por outro lado, o desejo de críticos do marxismo e do sovietismo de encontrar fundamentos filosóficos mais amplos às suas críticas

6.4.1.2.1.                   É fato que parte da justificativa do sovietismo residia em concepções tecnocráticas

6.4.1.2.2.                   Quem faz essa crítica são pensadores de viés liberal que com freqüência consideram que a ciência deve ser apenas descritiva e nunca prescritiva – ou seja, que a ciência não deveria nunca fazer previsões!

6.4.1.2.3.                   Esses pensadores, em vez de mirarem na falta de liberdade constitutiva do marxismo e do sovietismo, procuram criticar todas as concepções que valorizam a ciência e as suas previsões

6.4.1.3.             De maneira menos evidente, ou seja, menos honesta, há também o desejo de criticar-se a afirmação social e intelectual da ciência nas sociedades modernas

6.4.1.3.1.                   O sentido da crítica, aí, é o de “demonstrar” os efeitos negativos da ciência por meio da tecnocracia

6.4.1.3.2.                   Nesse caso, estão pensadores francamente teológicos (católicos, por exemplo) mas também aqueles metafísicos que são teológicos envergonhados (místicos, idealistas etc.)

6.4.2. No Brasil, essas três origens convergiram contra o Positivismo pela direita liberal, durante e após o regime militar

6.4.2.1.             Escandalosamente, os herdeiros morais e políticos de Roberto de Oliveira Campos – os mesmos herdeiros e colegas que apoiaram o regime de 1964 durante o regime e que o apoiam hoje com saudade – têm a ousadia de chamar-nos de “tecnocráticos”!

6.5.    Em suma:

6.5.1. A tecnocracia consiste na presunção da neutralidade política da ciência, da onisciência dos sábios e da passividade ignorante da sociedade civil

6.5.2. O Positivismo rejeita a tecnocracia, a partir da separação entre os dois poderes:

6.5.2.1.             A ciência não é “neutra”, a sociedade civil não é passiva nem ignorante e o Estado não é e não pode ser visto como onisciente

6.5.3. O Estado precisa, necessariamente, de um amplo corpo técnico altamente qualificado; mas isso é muito diferente dos pressupostos que permitem a tecnocracia, ou seja, do Estado onisciente e ativo que pura e simplesmente impõe decisões a uma sociedade amorfa, passiva e irracional

7.       Encerramento



[1] Abaixo-assinado A bandeira nacional republicana não é fascista, de 26 de outubro de 2022, disponível em: https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR127657