16 janeiro 2013

Limitação da ciência como espelho do mundo


A respeito da teoria corpuscular, deve-se notar que as teorias têm um caráter lógico (da mesma forma que a noção de inércia, na Mecânica); atribuir muita realidade a tais noções é exagerar a capacidade de representação das teorias, o que as desnatura.
Esse trecho, nesse sentido, tem um certo caráter histórico, isto é, de história das idéias científicas e físicas. Isso é interessante, mas estritamente limitado. Mais útil é observar que, para Comte, as idéias e as hipóteses não refletem perfeitamente a realidade externa, nem o poder fazer. Em outras palavras, Comte reconhece com todas as letras as limitações da imagem da ciência como um espelho do mundo exterior.

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“C’est aussi à cette science qu’appartient surtout la théorie corpusculaire ou atomistique, que achève de fonder sa propre constitution logique, où elle convient autant que l’inertie en mécanique. Notre tendance à douer d’une existence objective nos constructions subjectives dénature encore l’une et l’autre conception, en y supposant une exacte représentation de la réalité extérieure. Quoique la saine philosophie dissipe cette illusion primitive, elle conserve, en les rectifiant, de précieuses institutions logiques, qui en sont, au fond, indépendantes.
L’intime structure des substances réelles nous demeure nécessarairement inconnue. Mais, en étudiant leurs propriétés, nous sommes rationnellement autorisés à introduire envers elle toutes les hypothèses qui pourront faciliter nos pensées, pourvu que ces artifices soient toujours conformes à la nature des phénomènes correspondants. [...] Mais une telle appréciation philosophique, en expliquant la légitimité relative de l’hypothèse atomistique, interdit aussi son extension absolue, et indique même les limites de son usage normal” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 520).

Física e fundação do método experimental


O trecho abaixo afirma a “moderação” do grau de complicação da Física, quando comparada com a Astronomia (antes) e com a Química (depois).
Mais do que isso: afirma-se a característica metodológica da Física, consistindo na experimentação. Tal método, Comte sublinha, não deve ser aplicado em outras ciências se não for bem entendido como é aplicado na Física – o que, inversamente, significa que as demais ciências podem aplicar a experimentação mas com graus diferentes (inferiores) de sucesso.
Do ponto de vista lógico, a experimentação é possível devido à semelhança entre os fenômenos estudados; tal semelhança ocorre quase exclusivamente no mundo inorgânico. Ora, essa afirmação implica, inversamente, que nas Ciências Humanas a experimentação não apresenta grandes resultados, não lhe sendo o método mais adequado (sem ignorar as considerações éticas envolvidas nas experimentações sociológicas e morais). Em outras palavras, Comte já prenuncia neste trecho que as Ciências Humanas têm seus próprios métodos, que não são cópias, adaptações, emulações ou o que seja dos métodos das Ciências Naturais.

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“Outre cette efficacité générale, une tendance plus spéciale, qui s’y trouve directement liée, manifeste davantage la haute participation de la physique à la fondation de la logique positive. Le même degré modéré de complication objective qui place là le berceau naturel de l’esprit inductif, y fait aussi surgir la méthode expérimentale, qui forma son principal caractère jusqu’à l’essor de la philosophie biologique. Envers les phénomènes immodifiables, ce procédé est évidemment impossible, et leur extrême simplicité l’y rend d’ailleurs superflu : son équivalent mental n’y sert jamais qu’à vérifier sans découvrir. D’un autre côté, si les phénomènes se compliquent trop, leurs modifications, naturelles ou artificielles, deviennent tellement variées que l’on peut rarement y instituer une expérimentation vraiment décisive. Car, elle exige toujours la comparaison de deux cas qui n’offrent aucune autre différence, directe ou indirecte, que celle relative à l’influence ainsi étudiée. Or, cette suffisante conformité est presque toujours impossible hors de l’existence inorganique, et déjà même elle se réalise difficilement dans le cas chimiques. L’essor normal de l’expérimentation convient donc à la physique seule, dont il constitue la principale ressource. On ne doit l’appliquer ailleurs qu’après l’avoir assez étudiée dans cette origine naturelle. Ainsi, en développant beaucoup l’observation spontanée, première base de l’esprit inductif, la physique y joint déjà un puissant artifice général, qui le perfectionne essentiellement” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 519-520).

Física e combinação harmoniosa entre indução e dedução


O trecho abaixo apresenta pelo menos três observações de grande importância teórica.
O primeiro é a afirmação de que a Física apresenta um grau por assim dizer “mediano” – adiante Comte usará a palavra “moderado” – de dificuldade, o que lhe permite o desenvolvimento da indução.
Em segundo lugar, a crítica ao materialismo matemático (no caso, algébrico) sofrido pela Física e a afirmação subjacente de que a Física é uma ciência conceitual (como todas as demais, aliás e bem entendido), em que a Matemática é um meramente instrumento para conferir precisão aos raciocínios.
Em terceiro lugar, a observação – em parte descritiva, em parte normativa – de que, quando a “educação enciclopédica” – ou seja, pautada pelas vistas de conjunto, humanas, relativas, históricas – reorganizar o conhecimento, a Física pode combinar harmoniosamente a indução e a dedução.

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“Malgré les graves altérations dues à l’anarchie scientifique, la physique tend, par sa nature, à la manifestation décisive de ces diverses notions logiques, trop dissimulées, en astronomie, sous l’extrême simplicité des phénomènes. Cette tendance est déjà sensible chez les judicieux physiciens du dix-septième siècle, surtout envers les études de la pesanteur et du son, avant que l’invasion algébrique les eût viciées. Quoiqu’une aveugle impulsion mathématique y ait ensuit trop disposé à transformer les inductions en déductions, l’essor ultérieur d’une telle science n’a jamais cessé d’offrir de précieux modèles de la vraie logique inductive. C’est ainsi que se sont accomplis réellement tous les grands progrès de la physique, d’après les travaux des esprits les moins affectés par les diverses aberrations. Quand l’éducation encyclopédique aura systématisé sa culture, cette science développera pleinement son aptitude naturelle à constituer le premier type décisif de la saine harmonie entre l’induction et la déduction, suivant une sage prépondérance de son génie propre sur celui des sciences précédentes” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 518-519).

Indução e dedução na Física


Do ponto de vista da teoria da ciência e da teoria do conhecimento, o trecho abaixo é bastante importante. Sua intenção é avaliar a relação da Física com os métodos gerais da indução e da dedução; inversamente, ele indica o quanto a indução foi desenvolvida pela Física e quais os limites que a dedução – mas também a indução – apresentam. Evidentemente, o trecho abaixo deve ser lido em cotejo com trechos anteriores (sobre as ciências prévias: Matemática e Astronomia), bem como com trechos posteriores (sobre as ciências seguintes: Química, Biologia e, nos volumes seguintes do Sistema de política positiva, Sociologia e Moral).
Os resultados a chega A. Comte com seu exame histórico e teórico da Física são os seguintes. A Física é a ciência que mais e melhor desenvolve bastante a indução, seja porque ela é a ciência que primeiro realiza experiências, seja porque as ciências posteriores são muito complicadas e dificultam as generalizações.
O espírito positivo é mais indutivo que dedutivo, ou seja, é necessário submeter os raciocínios às observações; assim, quanto mais distante da metafísica, mais indutivo é o raciocínio. Todavia, convém notar que a pura indução conduz ao “empiricismo”, que é um erro lógico e teórico.

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“Son efficacité logique correspond à cette importance scientifique. On lui doit surtout l’essor décisif du véritable esprit d’induction, ensuite développé et completé par tout le reste de la philosophie positive. Quoiqu’il naisse d’abord en astronomie, et déjà même en mathématique, ces deux sciences sont trop simples pour en caractériser assez la nature et la destination. D’un autre côté, les sciences suivantes sont tellement compliquées, qu’il n’y pourrait être nettement apprécié, si la physique ne l’avait préalablement élaboré. Elle seule offre le juste degré de difficulté qui convient à la saine manifestation de la logique inductive. Quoique la déduction y conserve beaucoup d’efficacité, déjà elle cesse là de prévaloir, parce que l’institution des vrais principes commence alors à devenir plus embarrassante que le développement des justes conséquences.
Pour mieux sentir combien la physique concourt ainsi à l’élaboration fondamentale de la méthode positive, il faut reconnaître que le véritable esprit philosophique est beaucoup plus caractérisé par l’induction que par la déduction. Celle-ci, d’après son uniformité nécessaire, s’adapte indifféremment à tout régime intellectuel. Elle était déjà très-active sous le règne de la métaphysique. Si la science où elle prévaut le plus constitue pourtant le vrai berceau de la positivité, c’est uniquement parce que l’extrême simplicité des phénomènes mathématiques permet d’y établir sans effort des principes solides. Une induction facile, et souvent inaperçue, réduit alors presque tout le travail logique au seul enchaînement des consequénces. Quoique les autres sciences fassent nécessairement un grand usage de la déduction, la complication graduelle des phénomènes y détermine une prépondérance croissante de l’induction. Celle-ci manifeste mieux le principal caractère de l’esprit positif, la subordination normale du raisonnement à l’observation. On peut même dire que, à mesure que nos théories quelconques s’éloignent davantage de l’état métaphysique, l’induction y remplace de plus en plus la déduction, qui d’abord y régnait souverainement. La raison moderne est donc caractérisée surtout par la construction de la logique inductive, à peine entrevue dans l’antiquité. D’après sa nature plus objective, cette méthode exige une longue suite d’élaborations spéciales, où l’essor de chacun de ses modes essentiels ressort de l’étude des phénomèmes correspondants. Toutefois, sa prépondérance exagérée deviendrait bientôt pernicieuse, en consacrant le pur empirisme, tendance ordinaire des règles inductives que sont abstraitement conçues. Mais le vrai régime positif écarte naturellement ce danger, par cela même qu’il ne sépare jamais la logique de la science. Car, en n’étudiant chaque partie de la méthode inductive qu’avec les doctrines qui l’ont spécialement suscitée, on sent aussitôt que son usage doit toujours être conforme aux notions fondamentales que cette science reçoit de la précédente. À mesure que le phénomènes se compliquent, ces dogmes préalables acquièrent naturellement plus de poids logique, parce que les antécédents se multiplient. Quoiqu’ils ne suffisent jamais aux solutions effectives, ils y fournissent toujours des indications générales, qui servent à diriger convenablement les inductions spéciales. Ainsi, par sa constitution encyclopédique, la vraie culture positive évite également les deux écueils opposés, le mysticisme et l’empirisme, entre lesquels flotte nécessairement toute étude où la déduction et l’induction ne sont pas sagement combinées” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 516-518).

Ordem e Progresso - e o Amor?

Texto originalmente publicado na Gazeta do Povo, de 16.1.2013. O vínculo para o texto original é este aqui.

Deve-se notar que há alguns erros de português, causados pela "revisão" da equipe do jornal. Da mesma forma, foram feitas alterações no estilo do meu texto, também feitas pela Gazeta do Povo à minha revelia.


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OPINIÃO 2

Ordem e progresso – e o amor?


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Publicado em 16/01/2013 | GUSTAVO BISCAIA DE LACERDA
Recentemente, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) manifestou apoio à proposta do deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) de incluir a palavra “amor” na frase “Ordem e progresso”, da bandeira nacional. Essa proposta é simpática, ao afirmar a importância do “amor”, mas apresenta vários equívocos.
As justificativas para a mudança, em poucas palavras, são as seguintes: o “amor” integra a frase do filósofo positivista francês Augusto Comte (1798-1857) “o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”; entretanto, o autor do símbolo, Raimundo Teixeira Mendes, teria simplesmente deixado de lado o “amor”. Com isso, para Alencar as propostas de Comte teriam sido deformadas. Já Suplicy afirma que a influência do militar Benjamin Constant Botelho de Magalhães teria sido a responsável por essa ausência e que, no século 21, um “novo paradigma” se impõe, valorizando a solidariedade e combatendo-se as violências.
Mas nem Benjamin Constant nem Teixeira Mendes tiraram nenhuma palavra da frase original; ambos seguiram a sugestão de Comte. A frase completa sintetiza uma densa filosofia moral, política, histórica e religiosa; já “Ordem e progresso” é um programa político, com dois ideais mais ou menos compartilhados por todos os cidadãos.
O senso comum opõe a ordem ao progresso, mas Comte propunha a união e a superação dos dois termos, considerando que “a ordem é a base do progresso” e o “progresso é o desenvolvimento da ordem”: as condições sociais básicas de educação, moradia, respeito, inclusão etc. (“ordem”) devem ser satisfeitas para que a sociedade avance (“progresso”). Mais: o progresso deve ser entendido em vários sentidos: material, físico, intelectual – e sobretudo moral e afetivo, como o desenvolvimento do altruísmo, da fraternidade, do respeito, da paz universal.
O amor, para Comte, era pressuposto da ordem e resultado do progresso; mas, enquanto “ordem” e “progresso” opõem-se e disputam a primazia em detrimento um do outro, não há nem ordem nem progresso – que se dirá amor.
Essas ideias foram defendidas no século 19, como projeto político para o Brasil. Tinham validade em 1889 (na Proclamação da República) e têm agora, em 2013. Quais as propostas que Benjamin Constant e Teixeira Mendes defendiam? A paz universal, o respeito aos trabalhadores, a dignidade do trabalho, a laicidade do Estado, as liberdades individuais e coletivas. Tais ideias foram promovidas com grande intensidade entre 1881 e 1927 (quando Teixeira Mendes morreu); mas de 1930 em diante Getúlio Vargas rejeitou-as todas, com sua tirania civil apoiada pela Igreja Católica.
Assim, “Ordem e progresso” não é uma deturpação da proposta de Comte, nem foi desvirtuada por obra de militares. As ideias subjacentes a ela não são um “novo paradigma” a ser criado, mas um “paradigma antigo” a ser resgatado. A despeito dos desvios autoritários e/ou revolucionários que o Brasil viveu no século 20, oscilando entre “ordem” e “progresso”, parece que neste início do século 21 volta-se às propostas de Comte, honrando-se, mesmo que sem o saber e cometendo-se equívocos, as memórias de Benjamin Constant e Teixeira Mendes.
Gustavo Biscaia de Lacerda, doutor em Sociologia Política pela UFSC, é sociólogo da UFPR.

12 janeiro 2013

Ódios históricos - Sérgio Buarque e os positivistas

Li há pouco o capítulo que Sérgio Buarque de Holanda redigiu sobre o Positivismo e os positivistas ortodoxos para o v. 7 do “História geral da civilização brasileira”, dedicado ao final do Império brasileiro. (O título do capítulo é: “Da maçonaria ao positivismo”.)

Fiquei assustado com o que li. Sérgio Buarque pode gozar de uma grande reputação como historiador (e até como sociólogo), mas certamente não é devido a esse capítulo. Todas as observações feitas sobre Augusto Comte, Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes estão ou erradas ou profundamente distorcidas. Não há nada no texto que se possa identificar como “objetividade”, “neutralidade”, “isenção”; cada palavra expõe as “interpretações” do autor, todas elas com evidentes raiva e desprezo. Ou melhor, com ódio.

Exemplos tirados ao acaso do texto:

(1) os positivistas brasileiros seriam contrários ao fim imediato e sem compensação aos donos de escravos: mentira! Lemos e Teixeira Mendes afirmavam que a escravidão é um crime e que os escravos é que deveriam ser ressarcidos.

(2) Comte e os positivistas apoiariam os militares e o militarismo na política: falso! Eles eram contra a violência na política e nas relações sociais, defendendo o poder do aconselhamento, contra a truculência do Estado e dos poderosos sobre os fracos; em particular, eram contrários ao militarismo, atitude compartilhada pelo Coronel Benjamin Constant.

(3) A “ditadura republicana” era uma modalidade de autoritarismo: falso! Ela consiste no governo exclusivamente civil e não opinativo, ou seja, na rigorosa aplicação da laicidade do Estado, com a cuidadosa garantia de todas as liberdades civis, sociais e coletivas.

Sérgio Buarque cita algumas vezes o próprio Augusto Comte; mas provavelmente é pelo mesmo expediente adotado, depois, por Roberto Romano (em Brasil: igreja contra Estado – São Paulo: Kairós, 1979): cita literatura de segunda mão e a partir dela obtém as referências de Comte – sem indicar a literatura secundária de origem e, mais importante, sem ter lido o próprio Comte (veja-se o meu comentário sobre R. Romano e os positivistas aqui: http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com.br/2012/02/carvalho-romano-catolicos-desmerecendo.html).

A leitura direta das obras dos próprios positivistas já bastaria para indicar o quanto de ódio Sérgio Buarque nutria pelos positivistas. Mas, afinal, quem lê os positivistas hoje, não é mesmo? Quem tem coragem de dizer, com simplicidade e tranqüilidade, que um dos “grandes historiadores” nacionais claramente destilou preconceitos em vez de adotar minimamente o procedimento sine ira et studio?

Livros cujas leituras demonstram cabalmente os erros sistemáticos de S. Buarque:

- Ivan Lins, História do Positivismo no Brasil (Brasília: Senado Federal, 2009, 3ª ed.);

- João Pernetta, Os dois apóstolos (Curitiba: Centro de Propaganda do Positivismo no Paraná, 1927-1929, 3 v.; facilmente encontrado em sebos);

- Gustavo Biscaia de Lacerda, O momento comtiano (tese de doutorado em Sociologia Política, UFSC, 2010; disponível aqui: http://www.tede.ufsc.br/teses/PSOP0369-T.pdf); convertido em livro de mesmo nome (Curitiba: UFPR, 2019), à venda na página da editora ou na Amazon.

Última observação: qual a origem do ódio nutrido por Sérgio Buarque pelos positivistas? De modo geral considera-se que ele não era “ideológico”, como os comunistas, os liberais e/ou os católicos. Seria inveja, ciúme? Em todo caso, o dano por ele causado e eternizado já está feito, com resultados a olhos vistos.


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Observação de 8.3.2020: as observações feitas acima, de 12.1.2013, foram extensamente desenvolvidas em alguns artigos e livros publicados nos anos seguintes:

- como parte dos argumentos desenvolvidos no livro Laicidade na I República: os positivistas ortodoxos (Curitiba: Appris, 2016), à venda na página da editora ou na Amazon;

- de maneira completa e sistemática no capítulo "O 'secreto horror à realidade' dos positivistas: discutindo uma hipótese de Sérgio Buarque", presente no livro Comtianas brasileiras: Ciências Sociais, Brasil e cidadania (Curitiba: Appris, 2018), à venda na página da editora ou na Amazon;

- em uma versão resumida das exposições acima, na revista Educere et Educare (Cascavel (Paraná), v. 12, n. especial, 2017), no artigo de título "O 'secreto horror à realidade': exame das críticas de Sérgio Buarque aos positivistas".

A leitura dos textos acima não deixa dúvidas: Sérgio Buarque era movido ao mesmo tempo por enormes má-fé e, antes, má vontade para com o Positivismo. Ele não hesitou em mentir e distorcer, em falsear e sofismar a respeito de Augusto Comte e dos positivistas, em mais de uma ocasião - e isso apesar de afirmar a necessidade da "honestidade histórica".

08 janeiro 2013

Astronomia e fenômenos que escapam à previsão estimulando a sabedoria e o amor


O longo trecho abaixo continua apresentando elementos da extensa e interessante avaliação que A. Comte fez das qualidades lógicas, sociais e morais da Astronomia.
Mas estes parágrafos apresentam uma observação fundamental: a idéia de que muitos fenômenos e acontecimentos podem ocorrer (e de fato ocorrem) além das previsões das leis científicas – o exemplo dado é o do choque de um cometa no planeta Terra. Com essa observação, fica novamente patente que, para Comte, embora só possamos regular a vida humana por meio das previsões científicas (feitas, por sua vez, por meio das leis naturais), não é possível prever todos os acontecimentos reais – e é justamente por tais motivos que a sabedoria humana (moral, intelectual, prática) deve sempre ser valorizada.
Comte nota que, em seu conjunto, a Astronomia favorece o relativismo e elimina o absoluto, embora inicialmente dê a impressão contrária. Mais do que isso: a Astronomia apresenta uma série de importantes conseqüências morais, não apenas em virtude de seus métodos e suas teorias, mas também ao relevar ao ser humano a situação cósmica da Terra. Eis algumas dessas conseqüências: a regulação do sentimento de esperança; a evidência da resistência do meio à ação humana; a necessidade de o ser humano buscar em si mesmo os meios para superar as adversidades; o descartar o excesso de previsões e considerar as possibilidades de eventos imprevisíveis (como o possível choque de cometa na Terra); o evitar o terror imobilizante frente às adversidades. Como todos os seres humanos estão igualmente submetidos a esses fenômenos e possibilidades, o cuidado com os demais e o “viver para outrem” evidencia-se como lei moral suprema.
Por fim: as observações abaixo reiteram a concepção de ciência de Comte, bem como a posição que, para ele, a inteligência ocupa na ordem humana. Nada de “cientificismo”, de “intelectualismo”, de “torre de marfim” ou distância da realidade prática; nada de concepção asséptica da ciência; bem ao contrário, preocupação com o bem comum, com o desenvolvimento das idéias para regular a conduta prática e os sentimentos.

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“Ainsi, toute l’astronomie concourt naturellement à constituer l’esprit relatif dans le domaine qui, par as simplicité et son indépendance, paraissait le moins l’admettre. Envers les phénomènes qui concernent l’homme, on n’a jamais pu méconnaître entièrement les variations intérieures qui n’y permettent pas l’absolu. Mais cet attribut semblait devoir appartenir toujours aux événements où nous ne sommes que spectateurs. Or, l’astronomie l’élimine spontanément dans l’étude même de ceux qui sont inaccessibles à toute modification humaine. Cette constitution décisive de la rélativité, au début de l’initiation systématique, doit puissamment influer sur son extension immédiate aux phénomènes plus compliqués, avant que leur propre appréciation l’y ait directement établie.
Pour mieux sentir une telle tendance astronomique, il faut aussi l’envisager sous l’aspect moral. Car la véritable science céleste étend finalement la relativité de nos idées à nos espérances, et par suite à tous nos sentiments. En manifestant les diverses conditions planétaires, elle dissipe la sécurité absolue qui nous représentait comme exemptes de perturbations quelconques. La stabilité essentielle, tant célébrée envers la terre, par les géomètres modernes, ne se rapporte qu’aux changements graduels dus aux gravitations secondaires, qui, en effet, ne peuvent y produire que des oscillations presque indifférentes. Mais, outre la résistance du milieu, qu’on y néglige toujours, il faut surtout considérer les changements brusques, qui ne comportent pas de prévision réelle, et contre lesquels nous ne possédons aucune garantie scientifique. Rien ne peut, par exemple, démontrer, quoi qu’on ait dit, que notre planète est à l’abri de tout choc cométaire. En achevant ainsi d’apprécier notre vraie condition astronomique, on constitue mieux l’énergie et la dignité du caractère humain, qui doit trouver en lui-même sa principale ressource contre l’ensemble de nos misères. Sans nous préoccuper de vaines terreurs, nous tendons alors à écarter davantage un excès de prévoyance et de présomption, qui altère beaucoup notre véritable bonheur, privé et public. Les affections bienveillantes, dont il dépend surtout, acquièrent ainsi plus de prix encore que lorsque chacun se confie trop aux garanties extérieures. Quand même la terre devrait être bientôt bouleversée par un choc céleste, vivre pour autrui, subordonner la personnalité à la sociabilité, ne cesseraient pas de constituer jusqu’au bout le bien et le devoir suprêmes. Les vrais philosophes sentiront toujours, comme les francs prolétaires, que de telles pensées tendent plutôt à consolider notre bonheur réel, chez ceux du moins qui savent en utiliser l’aptitude morale” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 506-507).

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Tradução para o português:

"Assim, toda a Astronomia concorre naturalmente para constituir o espírito relativo no domínio que, devido à sua simplicidade e sua independência, pareceria admiti-lo menos. Em relação aos fenômenos que concernem ao homem, não se pôde nunca desconhecer inteiramente as variações interiores que não não permitem o absoluto. Mas esse atributo pareceria dever pertencer sempre aos eventos em que não somos senão expectadores. Ora, a Astronomia elimina-o espontaneamente no estudo mesmo desses que são inacessíveis a toda modificação humana. Essa constituição decisiva da relatividade, no início da iniciação sistemática, devia influenciar poderosamente sobre sua extensão aos fenômenos mais complicados, antes que sua própria apreciação tenha sido diretamente estabelecida.


Para melhor sentir uma tal tendência astronômica, é necessário também a observar sob o aspecto moral. Afinal, a verdadeira ciência celeste estende finalmente a relatividade de nossas idéias às nossas esperanças e, em conseqüência, a todos os nossos sentimentos. Ao manifestar as diversas condições planetárias, ela dissipa a segurança absoluta que nos representava como isentos de perturbações quaisquer. A estabilidade essencial, tanto celebrada em relação à Terra, pelos geômetras modernos, não se refere senão às mudanças graduais devidas às gravitações secundárias, que, com efeito, não podem produzir senão oscilações quase indiferentes. Mas, além da resistência do meio, que se negligencia sempre, é necessário sobretudo considerar as mudanças bruscas, que não comportam previsão real e contra as quais não possuímos nenhuma garantia científica. Nada pode, por exemplo, demonstrar – o que quer que tenha sido dito – que nosso planeta está ao abrigo de todo choque cometário. Ao concluir assim a apreciação de nossa verdadeira condição astronômica, constitui-se melhor a energia e a dignidade do caráter humano, que deve encontrar em si mesmo seu principal recurso contra o conjunto de nossas misérias. Sem nos preocuparmos com vãos terrores, tendemos então a descartar mais um excesso de previsão e de presunção, que altera bastante nossa verdadeira felicidade, privada e pública. Os afetos da benquerença, de que ela depende sobretudo, adquirem assim mais valor ainda que quando cada um confia demais nas garantias exteriores. Quando mesmo a Terra devesse ser logo perturbada por um choque celeste, viver para outrem, subordinar a personalidade à sociabilidade, não cessariam de constituir até o fim o bem e o dever supremos. Os verdadeiros filósofos sentirão sempre, como os francos proletários, que tais pensamentos tendem antes a consolidar nossa felicidade real, entre aqueles que ao menos sabem utilizar a sua aptidão moral" (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 506-507). 

Conseqüências lógicas, sociais, políticas e morais da Astronomia


Na passagem abaixo Comte indica que a Astronomia fornece a primeira base para a disciplina moral, ao apresentar espetáculos exteriores com uma ordem regular e permanente. Entretanto, por si só a Astronomia conduz ao fatalismo, o que deve ser evitado e combatido. Ainda assim, a ordem astronômica permite que se combata o orgulho e as divagações da razão “pura”, de caráter metafísico: afinal, a ordem é imutável e ninguém pode furtar-se à sua influência, por mais imperfeita que ela seja. Comte indica que a ausência de leis, ou seja, de ordem, é um delírio metafísico; caso pudéssemos construir toda a ordem, não nos submeteríamos a ordem alguma: essa é base da vontade absoluta, cujas derivações políticas consistem nas concepções de que a realidade social é infinitamente plástica e infinitamente sujeita à manipulação humana movida pela pura “vontade” (individual ou coletiva).
Assim, o trecho abaixo evidencia que a Sociologia nomotética de Comte não afasta, de maneira alguma, uma abordagem “compreensiva”, conforme estreitamente defendido por Weber. Da mesma forma, Comte indica os fatores sociais que levaram ao desenvolvimento histórico da ciência (no caso, da Astronomia) e, inversamente, quais as conseqüências que tal desenvolvimento acarretou para a sociedade. (Convém notar que essa importância histórica e social é um dos motivos por que Comte apresenta a Astronomia como uma ciência à parte; outro motivo é a fundação da observação sistemática, com a conseqüência da fundação da indução e da elaboração de hipóteses e de teorias.)
Indo além, Comte indica da mesma forma as conseqüências morais que o desenvolvimento da Astronomia (ou, por outra, o desenvolvimento da observação celeste) têm para a moralidade humana: ela institui a noção de regularidade externa que se impõe a todos. Como indicado acima, essa noção, caso levada muito adiante, conduz ao fatalismo, isto é, à noção de que não há possibilidade alguma de modificação e/ou de intervenção humana: no caso da Astronomia isso é verdade, mas não o é para as demais ciências.

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“L’immuabilité d’un tel ordre constitue la première base systématique de la religion finale, pour régler et rallier, non-seulement nos opinions et nos actions, mais aussi nos affections elles-mêmes. Sans méconnaître sés imperfections réelles, c’est par lui que nous commencerons toujours à sentir le besoin d’une nécessité extérieure, comme condition fondamentale de toute discipline humaine. Ce premier apprentissage de la soumission offre pourtant un grave danger, tant qu’il se borne aux phénomènes immodifiables, où la résignation dégénère en fatalisme. Mais cette tendance initiale, qui troubla beaucoup l’évolution originale, devient aisément évitable dans une éducation systématique, qui subordonne toutes les études préliminaires à des vues d’ensemble sur leur nature et leur destination. Un tel inconvénient n’altérera point, même au début, la salutaire influence, autant morale que mentale, propre au sentiment continu de cette inflexibilité extérieure, sans laquelle rien ne pourrait contenir les discordances de notre orgueil et les divagations de notre raison.

On doit quelquefois regretter que cet ordre immodifiable soit si imparfait. Mais aucun homme sage ne saurait souhaiter d’en être affranchi ; puisque notre conduite manquerait aussitôt de but comme de règle. Le vœu de cette vagabonde indépendance résulta toujours du délire de l’orgueil métaphysique. Nos propres imperfections de tous genres ne nous destinent qu’à modifier, dans ses dispositions secondaires, un ordre éxterieur dont les lois essentielles sont inaccessibles à notre intervention quelconque. Là même où nous pouvons le plus, l’initiative ne nous appartient jamais, et nos efforts ne deviennent efficaces qu’en s’adaptant à cette nécessité inflexible, qu’il faut d’abord connaître pour la respecter toujours. S’il nous était donné de construire librement l’ordre total, nous deviendrions aussitôt incapables d’aucune vraie discipline, personelle ou sociale.

Mais, quelle que soit l’intime réalité d’une telle appréciation, elle est trop contraire à nos tendances primitives pour avoir jamais pu surgir assez, si tous les phénomènes, quoique réglés, eussent été vraiment modifiables. On sent aujourd’hui cette impossibilité par les grandes difficultés qu’éprouve l’admission des lois naturelles envers les événements, surtout sociaux, que leur complication nous permet de modifier beaucoup. Leur vraie notion ne peut prévaloir qu’en y appliquant convenablement la conviction préalable résultée des lois, plus simples et moins flexibles, relatives aux phénomènes plus généraux. Cette succession conduit, de proche en proche, à fonder le sentiment de l’ordre réel sur l’étude des événements qui ne comportent aucune modification volontaire. L’astronomie fournira donc toujours la première base objective de notre sagesse systématique” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 504-505).

Impossibilidade de separação entre fato e valor


A passagem abaixo é de uma importância radical. Tratando ainda das considerações preliminares sobre a Astronomia, Comte indica que toda observação (empírica) é necessariamente pautada por uma série de considerações teóricas: as teorias guiam as observações e estabelecem os vínculos, constituindo as hipóteses.
Essa idéia foi exposta com clareza meridiana nos Opúsculos de filosofia social (publicados entre 1819 e 1828, com tradução brasileira de 1972, publicada pela USP e pela editora Globo, de Porto Alegre) e também no Sistema de filosofia positiva (1830-1842). Mas no cap. I do v. II do Sistema de política positiva, publicado em 1852 e dedicado à teoria da religião, Comte reafirma essa idéia, indicando que não é possível determinar as porções em que a subjetividade e a objetividade combinam-se para a elaboração de qualquer idéia e para a realização de qualquer investigação empírica: o que há é uma variação entre objetividade e subjetividade, dependendo da atividade mental específica.
Na filosofia das ciências proposta por A. Comte, aliás, a subjetividade que opera na produção de teorias e na observação de fatos não é somente "intelectual"; ela também é afetiva e moral. Em outras palavras, as variações entre objetividade e subjetividade dizem respeito não apenas à formulação de hipóteses como à influência sofrida pelos seres humanos pelos seus sentimentos e por seus valores ao elaborarem suas afirmações quaisquer. Em outras palavras: para Comte não há "separação radical entre fato e valor".
Essas indicações são importantes porque põem por terra, de maneira cabal, o mito segundo o qual o “positivismo” e Comte são “objetivistas”, “empiricistas”, “colecionadores de fatos”, “inimigos das teorias e das hipóteses” e por aí vai, conforme difundido não apenas por especialistas em Epistemologia, História e Filosofia das Ciências como também por praticantes das Ciências Humanas e Naturais.


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“Il n’existe aucune séparation absolue entre observer et raisonner. Nulle observation ne peut, ni ne doit, être purement objective. En tant que phénomène humain, cette première opération mentale est en même temps subjective, dans un cas quelconque, à un degré proportionnel à sa complication. L’observation astronomique manifeste clairement cette nécessité générale. Toutes nos spéculations, même géométriques, s’y rapportent à des phénomènes qui ne sauraient être immédiatement explorés. On n’y peut proprement voir que des directions, simultanées ou successives, d’après lesquelles l’esprit doit construire la forme ou le mouvement que l’œil n’a pu embrasser. Le mélange nécessaire et constant entre l’inspection et la prévision ne saurait ailleurs devenir aussi intime ni aussi évident, puisqu’il affecte ici jusqu’aux opérations élémentaires.

C’est de là que résulte la seconde propriété logique de l’astronomie, son aptitude spontanée à caractériser la saine institution des hypothèses scientifiques. En aucun autre cas on ne peut aussi bien sentir à la fois le besoin et la nature de ce puissant procédé, qui devra toujours être d’abord apprécié à cette source, afin de devenir sagement applicable partout ailleurs. Dés le début, dogmatique ou historique, de la véritable astronomie, la simple ébauche géométrique du mouvement diurne resterait impossible sans une hipothèse  abstraite que l’on compare au spectacle concret, pour lier les positions célestes. L’esprit sent là clairement, ce qui ailleurs demeure longtemps équivoque, que le domaine normal de l’hipothèse coïncide essentiellement avec celui de l’observation, dont elle est partout destinée à remplir les lacunes nécessaires. Aucune discussion phillosophique ne devint jamais indispensable pour établir, en astronomie, que les hypothèses légitimes, comme les observations elles-mêmes, concernent seulement les faits et les lois, mais non les causes. Cette précieuse conviction logique se développe spontanément pendant tout le cours des études célestes, tant mécaniques que géométriques. Mais une telle sagesse ne témoigne aucune supériorité philosophique chez les astronomes, qui furent presque toujours dominés par les préjugés contemporains sur la vaine recherche des causes. Elle est entièrement due aux difficultés spéciales qui ont concentré leurs principaux efforts scientifiques vers l’appréciation des faits et des lois, même quand leur esprit était le plus préocuppé de tentatives chimériques” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 500-501).

07 janeiro 2013

Teoria inicial das hipóteses e das abstrações


Ainda ao tratar da Astronomia, Augusto Comte indica que é essa ciência que ensina efetivamente ao ser humano a elaborar hipóteses e, portanto, a abstrair (o que equivale a elaborar tipos ideais da realidade).

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“L’abstraction est tellement facile, en géométrie, qu’elle s’y accomplit spontanément, sans exiger aucun effort systématique qui puisse assez caractériser ses conditions générales. Elle y respose sur la double institution de l’espace universel et des types réguliers, que les moindres intelligences ébauchent à leur insu. La difficulté augmente beaucoup, en mécanique, au sujet de l’inertie et des lois phisiques que la supposent. Aussi l’éducation systématique y pourra déjà placer un premier apprentissage de ce grand procédé logique. Mais le développement astronomique en fut historiquement très-antérieur, et ne cessera jamais de convenir le mieux à son appréciation dogmatique.
Ici, l’abstraction consiste surtout à écarter d’abord les irrégularités secondaires qui empêcheraient de saisir la loi principale, à laquelle on s’efforce ensuite de rattacher les moindres circonstances du phénomène. Ce besoin se manifeste dès le début des théories astronomiques, au sujet des perturbations subjectives, dues à l’interposition de notre milieu fluide ou à l’agitation inaperçue de notre observatoire excentrique. L’impossibilité d’en tenir compte avec des instruments trop grossiers conduisit involontairement les anciens à instituer sans effort cette abstraction initiale. Mais, dans nos études dogmatiques, la réflexion philosophique devient indispensable pour ne point y introduire trop tôt une précision inopportune, qui empêcherait d’y saisir aucune loi. La règle élémentaire du mouvement diurne deviendrait elle-même incompatible avec une exploration trop précise, où elle se trouverait dissimulée par les modifications dues à la seule réfraction. Une pareille nécessité s’est fait sentir aux modernes, pour la fondation de la mécanique céleste. Car, sa loi fondamentale n’aurait jamais pu être découverte, si Képler et Newton n’avaient point écarté d’abord les perturbations objectives, que leurs sucesseurs ont rattachées aux gravitations secondaires. Dans ce cas, c’est sciemment que l’abstraction fut instituée, à titre de condition logique ; de manière à caractériser nettement ce précepte fondamental, destiné surtout aux parties supérieures de la philosophie positive” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 501-502).

Astronomia fundando a arte da observação e, daí, a indução sistemática


Ao apreciar a Astronomia, Comte indica que ela apresenta uma série de grandes qualidades intelectuais; ao comentar cada uma dessas qualidades, apresenta elementos de sua epistemologia. As passagens abaixo indicam que a Astronomia fundou a arte da observação e, com isso, as induções sistemáticas; com isso, aliás, é possível combater-se os exageros metafísicos dos geômetras a respeito das deduções. Embora a Matemática tenha estabelecido as bases da ciência com a teoria das leis (ou seja, das relações constantes de sucessão ou de coexistência), é a Astronomia que dá o impulso propriamente científico com as observações (ou seja, com as induções).

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“Considérons d’abord l’astronomie, qui, logiquement réductible à une sorte de mathématique concrète, mérite scientifiquement de conserver toujours une place distincte dans le système general des études préliminaires. [...]
[...] Des corps que notre vision peut seule explorer de loin ne comporteront jamais d’études vraiment positives qu’envers l’étendue et le mouvement, qui constituent, à notre régard, leur unique existence réelle. Mais les difficultés radicales que présente alors l’exacte appréciation d’une telle existence procurent à l’astronomie une éminente aptitude logique. [...]
D’abord, on doit à l’astronomie le premier essor systématique de l’art d’observer, et, par suite, de la véritable induction. Ni l’un ni l’autre ne pouvaient être assez caractérisés dans la géométrie abstraite, où des formes pleinement accessibles permettent une exploration spontanée à la vue assistée du toucher. Les observations et les inductions y sont si faciles que l’esprit quasi métaphysique de presque tous les géomètres les y laisse inaperçues, en y exagérant la prépondérance naturelle des déductions. En astronomie, la difficulté est trop prononcée pour comporter ces illusions sophistiques. Non-seulement le besoin de l’observation matérielle y devient irrécusable ; mais on y distingue aussi l’élaboration intellectuelle qui l’accompagne toujours, et qui ailleurs ne saurait autant ressortir” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 498-500).

Quantidades e qualidades; rejeição da matematização das ciências


O trecho abaixo é notável em termos de Filosofia das Ciências. Com uma clareza meridiana, Augusto Comte afirma o quanto as oposições teórico-metodológicas entre “qualidade” e “quantidade” são metafísicas – e, portanto, ilusórias. Em seguida, ele indica que todo fenômeno observável pode ser medido, de alguma forma: com base nisso, a Geometria Analítica poderia ser encarada como um método geral para o estudo desse fenômeno, correspondendo à idéia de que as leis naturais têm (que ter) precisão matemática. 
Tal observação parece corroborar o senso comum a respeito do Positivismo, segundo o qual o estudo da realidade via leis naturais consiste na matematização da realidade. Na seqüência, todavia, Comte esclarece que esse ideal não corresponde à realidade, devido à extrema complicação de qualquer fenômeno não-matemático, ou seja, de praticamente qualquer fenômeno.
A conclusão a que A. Comte chega é simples, direta e – para quem considera que “positivismo” é sinônimo de “matematização” – contra-intuitiva: deve-se renunciar ao uso da álgebra como um suposto repositório de métodos, deduções e induções para o estudo da realidade.

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“Malgré les subtilités métaphysiques sur la qualité et la quantité, il n’y a de phénomènes, même très-compliqués, qui repoussent, en principe, une telle transformation, sauf la difficulté de l’y réaliser. Les idées géométriques, de forme ou de situation, ne sont pas naturellement plus semblables aux notions numériques que les autres conceptions réelles. C’est pourquoi la transformation accomplie à leur égard peut être légitimement conçue envers une science quelconque ; ce qui érigerait l’algèbre en une sorte de logique universelle, si les conditions de réalisation ne devaient pas restreindre beaucoup cette utopie mathématique. Tout phénomène, même social, aurait certainement son équation, comme une figure ou un mouvement, si sa loi pouvait nous être connue avec assez de précision. Une telle appréciation mathématique ne constitue, au fond, que le sens le plus rigoureux du dogme fondamental du positivisme sur l’invariabilité des relations naturelles. Le seul tort philosophique des géomètres à cet égard consiste à méconnaître les conditions réelles, tant objectives que subjetives, qui nous interdisent une pareille transformation envers tous les phénomènes qui ne sont pas extrêmement simples. Car, la conversion échoue également, soit quand les lois précises ou équations proprement dites se trouvent être trop compliquées, soit lorsque nous ne pouvons pas les découvrir. Envers la plupart des phénomènes, même inorganiques, ces deux motifs concourent à rendre nécessairement illusoire un tel perfectionnement logique, qui ne conviendra jamais qu’à nos moindres spéculations. Il faut donc renoncer finalement à concevoir l’algèbre comme un trésor universel de déductions et d’inductions accomplies d’avance pour tous les problèmes possibles. L’ensemble des tentatives modernes a confirmé la restriction essentielle d’une telle logique aux seules études géomètriques, suivant l’admirable pressentiment du grand philosophe qui l’y appliqua” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 481-482).

06 janeiro 2013

Reinaldo Azevedo e revista Veja contra a laicidade

Sabe-se que a revista Veja é particularmente oposicionista no Brasil. Ela é oposicionista no pior sentido da palavra; partindo de perspectivas de "direita" e liberais, ela segue a fórmula que se popularizou no mundo ibero-americano: "se hay gobierno, soy contra" - ou seja, seu comportamente é o mais virulento e daninho possível; lançando mão da liberdade de expressão, faz o que pode (o que inclui muitas coisas que não poderia, isto é, não deveria em hipótese alguma fazer) para minar a legitimidade do governo.

A revista Veja adota essa postura especificamente contra o Partido dos Trabalhadores e, de modo geral, contra qualquer coisa que se pareça ou lembre a "esquerda". Evidentemente, nem o PT nem a esquerda estão isentos de falhas; como se sabe, a chamada "esquerda" foi historicamente marcada pelos marxismos, que são correntes que acarretaram terríveis malefícios para as várias sociedades; além disso, até obter o governo federal, o PT caracterizou-se pelo mesmo estilo daninho de "oposição" e, uma vez no poder federal, notabilizou-se por um dos maiores esquemas de corrupção e hipocrisia que o Brasil já teve a infelicidade de testemunhar.

A revista Veja tem por linha editorial o combate sistemático ao governo federal e a uma concepção que tem da "esquerda". Essa linha é engajada; adota alguns princípios gerais e segue-os até o fim, independentemente de se são adequados ou não à realidade e, pior, independentemente de se a realidade corresponde ou não a eles. Desse modo, é uma linha editorial profundamente ideológica. Não há preocupação com a coletividade, com o bem comum; não há a menor preocupação com a república e com as instituições.

Seus articulistas caracterizam-se, então, pelo anti-esquerdismo, pelo ferrenho liberalismo e por tudo que tenha uma certa impressão de "antipetismo". Em alguns casos, os articulistas também se caracterizam pelo clericalismo, talvez mesmo pela carolice. No conjunto, o que a revista Veja consegue é ser mais que "liberal" ou de "direita": ela demonstra ser no mínimo conservadora, no máxima reacionária. Exemplo cabal dessa postura é Reinaldo Azevedo.

Na matéria "De vez em quando, o bom senso se lembra do Brasil: juíza mantém “Deus seja louvado” nas notas de real", publicada em 30.11.2012 (e disponível aqui), o articulista considera tolice a retirada da frase "Deus seja louvado" das cédulas do Real, pedida há alguns meses por um procurador do Ministério Público Federal atuante em São Paulo. Para Azevedo, seguindo a argumentação da juíza que indeferiu o pedido do MP, nenhuma instituição religiosa, atéia ou agnóstica posicionou-se contrariamente à frase nas cédulas; da mesma forma, tal frase não ofende nem os brasileiros em particular nem a moral pública de modo geral; também não é um problema de relações entre maiorias e minorias. E, para acabar, Azevedo considera o procurador público um "macho", um encrenqueiro que se aproveita de seu cargo.

As observações de Azevedo - bem como as da juíza - são especiosas, falaciosas e/ou falsas. Há muito, muito tempo inúmeras instituições, não apenas representativas de ateus, agnósticos, humanistas e/ou laicos, mas também de teológicos e místicos defendem a retirada dessa frase carola das cédulas brasileiras: se o procurador federal não consultou nenhuma delas é porque há já, faz tempo, uma demanda clara nesse sentido. Azevedo - e a juíza - preferem ignorá-la.

A frase "Deus seja louvado", inserta nas cédulas brasileiras desde 1986 por obra do grão-senhor do Maranhão e Amapá, então Presidente da República, José Sarney, é um problema de relações entre maioria e minoria. Mas, mais do que isso, é um problema de saúde das instituições públicas e das condições que permitem que as instituições permaneçam sadias.

A condição básica da República é a separação entre igreja e Estado. Isso tem um nome claro: laicidade; também tem uma dinâmica simples e clara: o Estado não tem doutrina oficial e nenhuma igreja pode lançar mão do poder do Estado para difundir-se. É isso que garante aos católicos não serem oprimidos pelos dogmas e cultos protestantes, assim como os ubandistas podem ficar livres da imposição dos ritos do catolicismo romano; é por isso que os católicos podem questionar a violência sofrida pela imagem da santa em 1995 e que os adventistas não são obrigados a trabalhar no sábado. É por isso que, ao contrário de outros países, não há no Brasil o crime de heresia.

Também é a laicidade que permite às pessoas manifestarem suas opiniões com liberdade. Em outras palavras, é graças à laicidade que Reinaldo Azevedo pode fazer suas péssimas diatribes no portal da revista Veja. Ele pode considerar que uma frase - uma simples frase - seja algo secundário, mas não é. Uma frase em uma cédula é uma idéia que goza do endosso público e oficial; ela representa uma visão de mundo e um valor, que ainda por cima tem circulação obrigatória.

Se uma frase fosse uma "simples frase", algo de importância secundária, poderíamos perfeitamente pensar em qual a utilidade de usarmos a palavra (falada, mas principalmente escrita). Se as palavras fossem secundárias, talvez os (longos) textos do próprio Azevedo fossem inúteis. Mas o sr. Azevedo escreve e polemiza: supostamente, para ele as palavras e as frases têm importância, supostamente porque mobilizam idéias e confirmam ou modificam comportamentos.

Além disso, convém notar que não apenas as mais importantes religiões do mundo atualmente são religiões dos livros, isto é, das palavras escritas: catolicismos, islamismos, budismos - mas também os comunismos e os liberalismos.

R. Azevedo é um liberal católico. Sua defesa da frase "Deus seja louvado" indica que ele prefere ser católico a ser liberal. Afinal de contas, supostamente os liberais são contrários à doutrinação oficial do Estado: essa posição é mais clara no que se refere ao comunismo, mas o fato é que alguns liberais brasileiros defenderam, pelo menos no início da República, a separação entre igreja e Estado: essa foi a postura de Rui Barbosa em 1889-1890 (que tomou para si o projeto elaborado pelos positivistas Demétrio Ribeiro e Benjamin Constant).

Já os católicos - com raríssimas exceções - sempre foram pela junção entre igreja e Estado. Ou melhor: pela subordinação do Estado à igreja. Isso ocorreu durante todo o Império e durante a I República; ocorreu com a chantagem feita por Sebastião Leme a Getúlio Vargas em 1931, na inauguração do Cristo Redentor e ao longo da Era Vargas; ocorreu na República Nova e na primeira metade do regime militar. Diminuiu na segunda metade do regime militar, mas na Nova República voltou - e foi sacralizado via acordo internacional com a concordata de 2009.


A frase "Deus seja louvado" é uma profissão de fé e é um apoio do Estado ao cristianismo. Em outras palavras, é um atentado violento à moralidade pública. É um ato de lesa-República.

Há muitas pessoas para defenderem a intromissão do Estado nas consciências privadas, ou melhor, a instrumentalização do Estado para imposição de suas crenças. Mas há bem poucas para defender a República e suas instituições fundamentais. Reinaldo Azevedo, a revista Veja e a juíza favorável ao "deus seja louvado" são contrários à laicidade: quem temos a favor dela?

Necessidade de vistas gerais e históricas para o estudo de qualquer ciência


Na passagem abaixo, Comte evidencia que não se pode estudar uma ciência por ela mesma: é necessário que esse estudo esteja vinculado à visão de conjunto, ou seja, às ciências anteriores e, principalmente, às ciências finais (Sociologia e Moral).
Ora, a relação de cada ciência com as demais e com a Sociologia e a Moral, além de conferir pleno sentido (ou, simplesmente, sentido efetivo) às concepções de cada ciência, tem duas outras conseqüências importantes. Por um lado, a relação com a Moral indica os limites de cada ciência, evitando o cientificismo e o academicismo, em que a ciência vale por si própria, sem qualquer outra consideração; em outras palavras, evita-se a absolutização da ciência.
Por outro lado, a referência à Sociologia indica o caráter histórico de cada ciência, esclarecendo não apenas a marcha do pensamento para cada concepção específica, mas também a do conjunto da ciência.
Essas observações, por fim, têm uma outra importante conseqüência:  nenhuma concepção isolada faz sentido se não se considerar o conjunto das especulações (científicas e filosóficas) e nenhum ramo da disciplina científica História faz sentido se não se relacionar à História geral da Humanidade.

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“En achevant d’apprécier une telle restriction systématique de chaque science préliminaire à l’essor nécessaire pour constituer la suivante, on reconnait aisément la profonde rationalité de cette discipline. Car, l’étude directe d’une science quelconque ne peut jamais être que provisoire, même enver ses propres conceptions. Leur principale appréciation résulte toujours, et surtout en mathématique, de leurs rélations essentielles avec les théories supérieures, puisque les sciences ne s’unissent que par leurs grandes faces. Il faut donc hâter le plus possible ces indispensables préparations, pour s’établir au seul poste d’où l’on puisse embrasser réellement tous les aspects thériques. Ainsi, la discipline sociologique doit être aussi invoquée au nom même de la vraie dignité scientifique. C’est seulement en statique sociale que l’on commence à sentir la véritable grandeur des diverses théories préliminaires d’après leurs relations mutuelles, qui ne pouvaient assez surgir auparavant. Mais cette appréciation ne devient même complète que dans la sociologie dynamique, qui les caractérise mieux par leur filiation historique. Aucune science ne peut être dignement comprise sans son histoire essentielle, et aucune véritable histoire spéciale n’est possible que d’après l’histoire générale. De vrais sociologistes sont donc seuls capables de bien connaître la mathématique, dont les meilleurs géomètres n’ont pu concevoir l’ensemble. Lagrange en a mieux approché qu’aucun autre, parce que ses principales méditations ont été aussi profondément historiques que son temps le permettait. Pour sentir l’intime réalité d’une telle maxime philosophique, il suffit de reconnaître qu’aucun astronome n’a jamais pu s’expliquer pourquoi Hipparque ne découvrit point les lois de Kepler. Quelque simple que paraisse une telle question, la sociologie peute seule y répondre, parce qu’elle dépend de la marche réelle de l’évolution humaine, tant sociale que mentale” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 475).

Justificativa positivista da ciência – contra o cientificismo e o academicismo


Uma das observações mais impressionantes de Augusto Comte é relativa à justificativa social da ciência. Muito longe de defender um “cientificismo”, isto é, uma prática da ciência pela ciência, para ele a ciência justifica-se por seus serviços intelectuais e práticos – ou seja, antes de mais nada, por fornecer uma visão realista e relativa da realidade e, depois, devido às suas aplicações tecnológicas. Convém lembrar que, na economia geral do ser humano proposta por A. Comte, a inteligência tem um caráter instrumental (embora não servil) em relação aos sentimentos e à atividade prática.
Uma outra conseqüência importante da justificativa apresentada por A. Comte para a ciência é de especial importância contemporânea: como a ciência não se justifica por si mesma, devendo ter utilidades específicas, o produtivismo acadêmico (literário, científico, tecnológico) não se justifica: para o Positivismo, a prática do produtivismo conduz apenas a uma acumulação infinita – e inútil e injustificável – de fatos e verdades, da mesma forma que a produção econômica encarada como um fim em si mesmo conduz a uma acumulação infinita (e igualmente inútil e injustificável) de riquezas.
É fácil ver que, com tais idéias, Comte não é, não pode ser, um autor “academicista” – e que, mais do que isso, ele torna-se um inimigo de todos os cultores do academicismo.

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“Cet état normal de la culture scientifique sera solidement fondé sur le système complet d’éducation universelle, déjà indique au discours préliminaire. Il fait preceder et diriger l’initiation théorique par un essor affectif et une évolution esthétique dont l’irrésistible ascendant y rappellera toujours la raison au service ou du sentiment ou de l’activité. La culture scientifique n’est moralement justifiable que par sa nécessité théorique et pratique” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 474).