Uma das observações mais impressionantes de Augusto Comte é
relativa à justificativa social da ciência. Muito longe de defender um “cientificismo”,
isto é, uma prática da ciência pela ciência, para ele a ciência justifica-se
por seus serviços intelectuais e práticos – ou seja, antes de mais nada, por
fornecer uma visão realista e relativa da realidade e, depois, devido às suas
aplicações tecnológicas. Convém lembrar que, na economia geral do ser humano
proposta por A. Comte, a inteligência tem um caráter instrumental (embora não
servil) em relação aos sentimentos e à atividade prática.
Uma outra conseqüência importante da justificativa
apresentada por A. Comte para a ciência é de especial importância
contemporânea: como a ciência não se justifica por si mesma, devendo ter
utilidades específicas, o produtivismo acadêmico (literário, científico,
tecnológico) não se justifica: para o Positivismo, a prática do produtivismo
conduz apenas a uma acumulação infinita – e inútil e injustificável – de fatos
e verdades, da mesma forma que a produção econômica encarada como um fim em si
mesmo conduz a uma acumulação infinita (e igualmente inútil e injustificável)
de riquezas.
É fácil ver que, com tais idéias, Comte não é, não pode ser,
um autor “academicista” – e que, mais do que isso, ele torna-se um inimigo de
todos os cultores do academicismo.
* * *
“Cet
état normal de la culture scientifique sera solidement fondé sur le système
complet d’éducation universelle, déjà indique au discours préliminaire. Il fait
preceder et diriger l’initiation théorique par un essor affectif et une évolution
esthétique dont l’irrésistible ascendant y rappellera toujours la raison au
service ou du sentiment ou de l’activité. La culture scientifique n’est
moralement justifiable que par sa nécessité théorique et pratique” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 474).
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