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A exclusão do “amor” na bandeira
nacional tem a ver com duas circunstâncias conexas na evolução do Positivismo. A
primeira dessas circunstância refere-se ao fato de o lema principal (ou como
Comte o chamava, a Fórmula Sagrada do
Positivismo) haver passado por uma pequena mas significativa mudança.
Mas antes de se entrar
nesse assunto é preciso definir os três termos da fórmula. Nossa mente é
constituída por três elementos básicos: a afetividade, o intelecto e a ação.
Na fórmula sagrada, Comte
procurou expressar sinteticamente cada um deles tal como se apresentam
estaticamente em nossa vida psíquica, bem como, dinamicamente, caracterizando
seus respectivos papéis e articulações no estabelecimento da harmonia tanto
individual, quanto coletiva.
Por amor, Comte entendia o conjunto dos nossos três pendores sociais ou
altruístas, os instintos inatos que nos predispõe (assim como a muitas outras
espécies animais) a uma vida social. São eles (1) a amizade, ou amor aos iguais; isto é a camaradagem, o
companheirismo, a cordialidade; (2) a veneração,
o amor aos superiores; isto é, a admiração, a reverência; por fim, (3) a bondade, ou amor aos inferiores, isto é,
a comiseração, a misericórdia, a compaixão, a solidariedade[1].
Por ordem Comte entendia o conjunto abstrato das leis naturais que
regem o mundo e o homem, e cujo estudo forma o que se denomina a ciência;
ordem, no caso se refere, pois, à ordem natural das coisas, ao conjunto das
circunstâncias mediante as quais os fatos se dão, e por meio das quais estes
podem ser inclusive antecipados com relativo sucesso.
Por progresso Comte entendia a dinâmica do mundo e do homem e, em
conseqüência, o modo como podemos atuar
sobre essas leis de modo a produzir determinados resultados almejados. O amor
resume, na fórmula, o aspecto afetivo, emocional, passional da nossa natureza,
a ordem, o aspecto intelectivo, teórico, científico, e o progresso, o aspecto
prático, ativo, técnico, político (no sentido mais amplo da palavra).
Outra fórmula que
caracteriza a articulação desses três elementos é “Agir por afeição e pensar
para agir”.
Todavia, numa segunda redação
Comte aperfeiçoou a fórmula, escrevendo-a da seguinte forma: “O Amor por
Princípio e a Ordem por Base; o Progresso por fim”. Desse modo Comte passou a
caracterizar antes de tudo o vínculo
necessário do amor com a ordem (isto é, com o conhecimento) para conduzir
consecutivamente ao progresso[2].
Em outras palavras, é o amor esclarecido que guia e conduz à
atividade pacífica, e não este isoladamente, tal como a primeira redação parecia
sugerir.
Comte foi o primeiro a
reconhecer a insuficiência do lema "Ordem e Progresso", numa carta a um
discípulo. Afinal, esse lema apenas
versa sobre a harmonização entre as condições de existência (ordem) e de desenvolvimento
(progresso) possuindo hoje uma expressão espontânea na idéia de desenvolvimento sustentável.
Como, porém, essa harmonização
da sustentabilidade (ordem) com o desenvolvimento (progresso) é ainda o
principal problema político a ser resolvido (isto é, tanto a superação da ordem
retrógrada – que sacrifica em seu nome o progresso – quanto do progresso
revolucionário – que em seu nome sacrifica as condições de ordem), Comte julgou
dever manter o lema, como algo “separado”. Aliás é preciso lembrar que a
bandeira positivista atual é necessariamente transitória, devendo o lema ordem
e progresso ser incorporado na fórmula sagrada, quando houver de se operar a
grande decomposição do Brasil em
diversas pátrias (ou mátrias)
independentes.
A segunda circunstância tem a
ver com o fato de que, tal como concebida por Teixeira Mendes, a bandeira
deveria conter duas fórmulas, uma de cada lado: “Ordem e progresso” (divisa
política) de um lado e “Viver para outrem” (divisa afetiva correspondente ao
amor universal) de outro. A meu ver a inclusão do amor na bandeira é,
positivisticamente falando, ortodoxa, um “sinal dos tempos”, e portanto muito
bem vinda, assim como, aliás, é bem vinda a presença do amor em qualquer outro
lugar ou circunstância da vida.
Lamento apenas que Hans Doner
não tenha exposto as origens de uma idéia que ele parece reputar como original[3]...
[1]
Esses sentimentos também têm uma perspectiva temporal, ou histórica: o
apego pode ser visto como os vínculos que nos unem aos seres humanos atualmente
vivos, com quem neste momento e ao longo de nossas vidas dividimos nossas
existências; a veneração são os sentimentos de respeito e gratidão para com os
nossos antepassados; a bondade são os sentimentos mais puramente altruístas
para com os nossos sucessores, não apenas com os nossos filhos e netos, mas
principalmente para com todos aqueles que não conheceremos e virão após nós.
[2] É
necessário notar que a palavra “fim”, aí, não significa “término” ou “encerramento”;
é a tradução do francês “but”, que
significa “objetivo”. Assim, o progresso deve ser entendido como o objetivo das
nossas ações e do amor esclarecido.
[3] No
início de novembro de 2017, o projetista gráfico Hans Donner propôs uma versão modificada
da bandeira nacional republicana, incluindo a palavra “Amor” antes do “Ordem e
Progresso”, além de outras alterações propriamente estilísticas (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/11/09/bandeira-do-brasil.htm).
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