14 maio 2024

Sobre a liberdade absoluta de consciência

No dia 23 de César de 170 (14.5.2024) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua undécima conferência (dedicada ao regime público).

No sermão abordamos a crítica de Augusto Comte ao dogma da consciência ilimitada de consciência.

Além disso, fizemos nossas exortações habituais e lembramos algumas datas importantes:

1) Sejam altruístas: o altruísmo não tem limites e tudo pode e deve ser objeto do altruísmo. O desastre ambiental que está tendo curso no Rio Grande do Sul exige, em particular, que todos sejam altruístas neste momento. No dia 8 de maio fizemos um apelo altruísta em favor do Rio Grande do Sulhttps://acesse.dev/Uhtbm.

2) Façam orações: as orações positivistas, que são formas ativas de meditação, devem ser feitas três vezes por dia (ao acordarmos, antes de dormirmos e no meio dia); além disso, as orações positivistas não são interessadas nem interesseiras, mas são formas de reconhecimento de dívidas de gratidão: dessa forma, elas são exercícios de altruísmo.

3) Façam o Pix da Positividade, contribuindo para a Igreja Positivista Virtual. A nossa chave pix é esta: ApostoladoPositivista@gmail.com.

4) No dia 11 de maio celebrou-se o aniversário da fundação da Igreja Positivista do Brasil, ocorrido em 1881.

5) No dia 12 de maio celebrou-se o Dia das Mães: embora seja uma data comercialista, bem ou mal ela celebra uma importante função social, uma fonte e um símbolo eterno de amor, carinho e dedicação. Embora a anarquia moderna, na forma da metafísica feminista, despreze o ideal da maternidade, a moral positiva estabelece como símbolo da Humanidade uma mulher que é também mãe.

6) No dia 13 de maio celebrou-se a abolição da escravidão no Brasil, ocorrida em 1888. Essa data celebra o fim do desprezível cativeiro dos brasileiros originários da África e, com isso, também celebra a união dos três principais grupos que constituem o Brasil (os portugueses, os índios e os africanos). A Igreja Positivista do Brasil também estabeleceu essa data para celebrar a memória do líder republicano, proclamador da independência do Haiti, o ex-escravo Toussaint Louverture.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/X3Pnb) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/5YrQa). O sermão começou aos 45 min 40 s.

As anotações que serviram de base para a exposição oral do sermão encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *


Sobre a liberdade absoluta de consciência 

-        Há um tema importante ao Positivismo que, por vezes, como infelizmente acontece também com outros temas, há incompreensões e interpretações equivocadas: a “liberdade ilimitada de consciência” é um deles

o   Augusto Comte tratou desse tema desde o início de sua carreira – por exemplo, no “Sumária apreciação do conjunto do passado moderno” (de 1820) e no “Considerações sobre o poder espiritual” (de 1826) há referências diretas e explícitas a ele

o    Augusto Comte usava a expressão “liberdade ilimitada de consciência”; mas como essa expressão pode gerar confusão, eu prefiro usar às vezes “liberdade absoluta de consciência” – pois, além de evitar confusões desnecessárias, essa fórmula descreve mais acuradamente o problema

§  Em todo caso, a leitura direta das observações de Augusto Comte basta para esclarecer a expressão e evitar qualquer confusão a respeito

-        O tema da “liberdade absoluta de consciência” envolve aspectos morais, intelectuais, políticos e históricos de maneira muito direta; ele tem conseqüências (ou reflexões) muito importantes no Positivismo

o   Neste sermão, adotaremos inicialmente uma exposição histórica para, a partir dela, tratarmos filosoficamente do tema

-        A primeira observação que temos que fazer é a seguinte: todo ser humano tem capacidade de reflexão autônoma e procura entender o mundo ao seu redor; isso é um esforço que se faz para cada um localizar-se no mundo, entender como é que as coisas funcionam e, a partir disso, agir

o   Assim, cada um de nós e todos temos liberdade de pensamento, que também podemos chamar de “autonomia” (alguns sociólogos contemporâneos chamam-na de “agência”)

o   É claro que ao longo do tempo e conforme as sociedades varia essa autonomia individual: algumas sociedades são mais restritivas, outras menos

o   Mas a autonomia individual não é uma questão puramente individual, no sentido de que não se trata apenas da “liberdade de consciência”, que é algo que com freqüência é reduzido à oposição simples e binária entre “indivíduo” e “sociedade”

§  A concepção individualista entende que cada ser humano existe por si só no universo, que se torna adulto sozinho, que suas idéias e seus valores são os mesmos em qualquer parte do mundo – e, coroando essas tolices, o individualismo entende que o indivíduo está sempre ameaçado por agrupamentos de outros indivíduos (sejam eles meras coalizões passageiras, sejam eles a temível “sociedade”)

o   Na verdade, em outras palavras, é necessário adotarmos uma perspectiva sociológica – que, aliás, é a que o Positivismo adota

§  Adotar uma perspectiva individual (e individualista) para entender essa questão produz apenas concepções irracionais e imorais, ou seja, não se entende a questão, surgem problemas insolúveis e suas conseqüências sociais e políticas são desastrosas (e injustas)

-        Adotando-se a correta perspectiva sociológica, temos que ter muito em mente que ninguém nasce sabendo nada e acreditando em nada; só conhecemos e acreditamos em coisas porque aprendemos ao longo do tempo, ou seja, com a sociedade

o   Além disso, no processo de aprender está sempre implícita – às vezes, implícita demais – a confiança nos demais e, em particular, naqueles que nos ensinam e transmitem conhecimentos e valores

o   Da mesma forma, seja porque nossas concepções quaisquer seguem aquelas que aprendemos de outrem (e, novamente, entra aí a confiança), seja porque precisamos de estabilidade nas concepções, o fato é que é necessário que haja interpretações e concepções socialmente estabelecidas, compartilhadas e estáveis

§  Essa necessidade vale para toda e qualquer sociedade; isso não tem nada a ver com “autoritarismo”, “intolerância” e/ou “falta de progresso”

o   De qualquer maneira, uma das conseqüências dessa necessidade de concepções compartilhadas é a constituição do poder Espiritual

§  O poder Espiritual tem funções ao mesmo tempo sociais e políticas, filosóficas e didáticas, além de funções morais: em outras palavras, ele é o responsável por elaborar, sistematizar e transmitir idéias e valores

§  A importância da separação entre os dois poderes (o Temporal e o Espiritual) fica bastante evidente aí: se há união entre os dois poderes, as idéias e os valores serão impostos ao público com o peso da lei

o   De um modo geral, podemos dizer que quanto maior a confiança do público no poder Espiritual, maior a liberdade de que goza esse público; ou, dito de outra maneira, quanto mais frágil o poder Espiritual absoluto, mais ele tenderá a buscar o apoio do poder Temporal para ser imposto

§  Como observava Augusto Comte, as crenças absolutas tendem a procurar governos autoritários

-        As crenças teológicas (em particular as monoteístas) são ao mesmo tempo absolutas e fictícias, de tal sorte que elas não são passíveis de comprovação e lidam muito mal com a discussão – embora, por outro lado, de maneira contraditória, na medida em que não são passíveis de comprovação, elas estimulam muito as discussões, que não têm fim

o   Essas características intelectuais da teologia (monoteísta) por si só exigem a constituição de um poder Espiritual organizado, para regular e disciplinar as crenças

-        Durante a Idade Média, as crenças teológicas foram reguladas pela igreja católica, que, por sua vez, gozava de ampla confiança

o   A igreja regulava as concepções, estabelecendo as linhas gerais do que era ou não aceitável

o   Devido às características de ficção e de absolutismo da crença teológica, nos séculos iniciais da igreja houve muitas disputas filosóficas; embora muitas concepções afirmadas baseassem-se no bom senso, na medida em que atrapalhavam a racionalidade do dogma (e o dogma cristão é profunda e necessariamente irracional e confuso), elas foram proscritas – eram as heresias

o   Também há que se notar que os próprios doutores da igreja com freqüência percebiam as dificuldades intelectuais e morais do próprio dogma; por isso, essas dificuldades tinham que ser atenuadas ou simplesmente postas de lado, em particular quando se tratava das aplicações práticas

§  Assim, tinha lugar a “sabedoria prática” de muitos sacerdotes, muitas vezes dos próprios papas

o   Mas, estabelecidas as diretrizes gerais do dogma, ou seja, identificadas e suprimidas as heresias, estabeleceu-se um amplo terreno para discussão e especulação

§  É nesse sentido que Santo Agostinho (354-430) propôs esta bela frase: “No essencial, a unidade; na dúvida, a liberdade; em tudo, a caridade”

o   O governo espiritual da igreja dava-se, então, por meio da educação; as interpretações individuais subordinavam-se à interpretação da igreja

§  Nesse sentido também devia ser entendido a fórmula “Extra ecclesiam nulla salus” (“fora da igreja não há salvação”)

o   Por fim, vale notar que o governo espiritual da igreja dava-se também pelo princípio – mais ou menos implícito, mais ou menos explícito – da infalibilidade papal

-        A decadência da ordem católico-feudal conduziu à desmoralização progressiva das concepções teológicas

o   Essa desmoralização foi estimulada por diversos motivos: relativismo intelectual, moral e prático derivado das cruzadas; reintrodução no Ocidente, por intermédio dos árabes, da cultura grego-romana; desenvolvimento das ciências

o   Tudo isso conduziu a uma emancipação mental cada vez mais acentuada

§  A emancipação mental significa deixar de acreditar na divindade e/ou de raciocinar em termos sobrenaturais e extra-humanos

o   A liberdade mental evidentemente aumentou muito nesse sentido

§  Vale notar que apenas a partir daí – da sua decadência – a igreja católica constituiu de verdade o tribunal do santo ofício, isto é, a inquisição

-        O processo de destruição do governo espiritual da igreja foi espontâneo nos primeiros dois séculos da idade moderna, ou seja, nos séculos XIV e XV; a partir do século XVI, ele tornou-se sistemático

o   O processo espontâneo correspondeu diretamente à emancipação mental, ou seja, o ser humano tendeu cada vez mais à “secularização”, à “laicização” mental

o   O processo sistemático assumiu um caráter propriamente destruidor, em que a emancipação tornou-se secundária em relação à destruição

§  Isso fica evidente no protestantismo, cuja preocupação é ser anticatólico em vez de emancipar mentalmente os seres humanos; a liberdade por ele promovido é claramente anárquica

-        Nos dois trechos abaixo Augusto Comte resume esse processo:

o   Citação de “Sumária apreciação do conjunto do passado moderno”[1]:

“Preparada, ou, para melhor dizer, reclamada como indispensável, por esse estado de coisas, a revolução francesa explodiu, e tomou, desde a sua origem, uma falsa direção, havendo destruído a realeza. Não tardou, entretanto, esta última a reconstituir-se, porque, sendo, em França, a cabeça e o coração do antigo sistema, só com ele pode extinguir-se, assim como um sistema não pode ser extinto senão quando outro já existe completamente formado e pronto para substituí-lo.

O resultado final de todo esse grande abalo foi a abolição dos privilégios, a proclamação do princípio da liberdade ilimitada de consciência e, por fim, o estabelecimento da constituição inglesa outorgada pelo próprio poder real.

A abolição dos privilégios não fez senão completar a ruína do feudalismo e reduzir inteiramente o poder temporal apenas ao do rei.

A proclamação do princípio da liberdade ilimitada de consciência aniquilou completa e irrevogavelmente o poder espiritual[2]”.

o   Citação de “Considerações sobre o poder espiritual”[3]:

“Em todo o curso desse período [séculos XVI a XVIII], que se pode, com todo direito, qualificar de revolucionário, todas as idéias anti-sociais foram agitadas e transformadas em dogmas, a fim de serem empregadas, de maneira contínua, na demolição do sistema católico e feudal, e reunir, contra ele, todas as paixões anárquicas que fermentam no coração humano, e são, nos tempos normais, comprimidas pela preponderância de um regime social completo.

Assim, o dogma da liberdade ilimitada de consciência foi criado, a princípio, para destruir o poder teológico; em seguida, o [dogma] da soberania do povo para derrubar o poder temporal; e, por fim, o [dogma] da igualdade, para dissolver a antiga classificação social, sem falar das idéias secundárias, menos importantes, que constituem a doutrina crítica, dentre as quais cada um procurava demolir uma peça correspondente do antigo sistema político.

[...]

Por uma fatalidade irresistível, os diversos dogmas de que se compõe a doutrina crítica não puderam adquirir toda a energia que lhes era necessária para preencherem completamente seu destino natural, a não ser tomando um caráter absoluto, que os tornou necessariamente hostis, não apenas ao sistema que tinham de destruir, mas relativamente a qualquer sistema social [...]”.

-        A destruição direta da autoridade moral foi necessária: o instrumento intelectual disso foi, justamente, o dogma da liberdade ilimitada de consciência

o   Ao destruir o governo espiritual anteriormente vigente e proclamar a autossuficiência individual, o dogma da liberdade absoluta de consciência estabelece propriamente a anarquia mental, ou seja, a ausência de parâmetros compartilhados e respeitados

§  Na verdade, é pior do que pode parecer à primeira vista, pois esse dogma não apenas estabelece a anarquia mental como postula que a anarquia é o estado normal do ser humano

o   Esse dogma proclama que cada indivíduo é sempre e suficientemente capaz de avaliar qualquer coisa por si só, independentemente de qualquer preparação específica e prévia para isso

o   Em outras palavras, o dogma da consciência ilimitada (ou absoluta) de consciência erige sistematicamente a arrogância em padrão de conduta mental

o   Além de violentamente arrogante e individualista, esse dogma conduz naturalmente à rejeição da confiança mútua: afinal, não há porque os indivíduos confiarem nos demais para afirmarem suas próprias idéias

-        O agente concreto da destruição do antigo poder Espiritual e da afirmação do dogma da liberdade absoluta de consciência foram os protestantismos

o   As supostas inovações de Lutero foram basicamente destruições da autoridade intelectual da igreja; as críticas que ele fez à igreja já tinham sido feitas antes, por outros pensadores seculares ou teológicos, sem compartilharem o caráter destruidor do monge alemão

o   A par do seu caráter destruidor, o protestantismo não afirmou a liberdade de consciência nem a emancipação mental – nem mesmo a liberdade política, como os exemplos de Lutero, Calvino e outros ilustram com clareza

§  Em relação à liberdade política, basta lembrar que Lutero, Calvino e outros foram autoritários, despóticos, tirânicos

o   Ao rejeitar a autoridade da igreja, o protestantismo afirmou o individualismo, a arrogância e a anarquia mental

o   Outra conseqüência da rejeição da autoridade da igreja foi acabar com as interpretações adaptadas à realidade humana, sugeridas pela “sabedoria prática” do clero

§  Em outras palavras, isso consistiu em rejeitar o relativismo prático em favor de um absolutismo teórico (a partir de um literalismo interpetativo da Bíblia)

o   Além disso, ao erigir cada crente em juiz único e autossuficiente para julgar qualquer coisa, o protestantismo substituiu a infalibilidade do papa pela infalibilidade do próprio crente

§  Uma das conseqüências práticas dessas disposições mentais e morais é a multiplicação incessante de seitas protestantes, a olhos vistos mesmo hoje em dia

o   Devemos notar, entretanto, que em termos de apoio a governos despóticos, todavia, alguns protestantes adotaram um comportamento diferente, ao defenderem e constituírem a liberdade espiritual:

§  De modo geral, foram ingleses ou originários da Inglaterra: os niveladores (levellers) de Oliver Cromwell, os quacres, alguns batistas (como Roger Williams, fundador de Rhode Island)

-        Pode parecer que tratar hoje da liberdade absoluta de consciência seja somente uma curiosidade histórica, mas não é

o   Por um lado, a liberdade ilimitada de consciência infelizmente é uma realidade nos dias atuais, seja na permanência fática da anarquia moderna, seja na afirmação da anarquia moderna como um ideal moral e mental (!)

o   Além dos problemas intelectuais, morais e práticos, há ainda concepções que pretendem – erradamente – aproximá-la da ciência

-        Há algumas propostas que afirmam que a ciência moderna baseia-se na liberdade absoluta de consciência

o   Essas propostas, com freqüência e não por acaso, também defendem que a ciência ter-se-ia originado do protestantismo

§  Essas propostas com freqüência são de origem anglossaxônica e/ou protestante; quando não são diretamente anglossaxônicas, são influenciadas fortemente por elas e, de qualquer maneira, são também (ou principalmente) influenciadas pelo protestantismo

o   A ciência exige a confiança mútua, bem como a humildade intelectual; o preceito moral geral do Positivismo, segundo o qual a “submissão é a base do aperfeiçoamento”, é seguida à risca na ciência

§  Na ciência – seja em sua prática cotidiana, seja em suas instituições – também se exige o respeito ao seu caráter coletivo: a sua cumulatividade histórica, a sua cumulatividade teórica, o longo processo de iniciação prática (iniciação científica, graduação, mestrado, doutorado), a opinião compartilhada (bancas de examinação, avaliação por pares)

§  Da mesma forma, e como conseqüência das características acima, não tem lugar na ciência a criticidade corrosiva e sistemática

o   Concepções da ciência que exaltam o individualismo, a criticidade corrosiva, o caráter não cumulativo – concepções, mais uma vez não por acaso, profundamente influenciadas pelo protestantismo – não entendem o que é, como funciona e para que serve a ciência, como nos casos de Karl Popper e Alfred N. Whitehead

o   Um exemplo bastante simples, claro, atual e desastroso de o quanto a ciência repele a liberdade absoluta de consciência são os negacionismos contemporâneos

§  Os antivacinistas atuais, os terraplanistas, os negacionistas do clima e muitos outros: todos eles são pessoas que não conhecem nem entendem a ciência, que no fundo desprezam-na e que, armados apenas de preconceitos (políticos e também teológicos) julgam-se capazes de avaliar todas as questões científicas, mesmo que isso resulte na morte de milhões de concidadãos e de servidores da Humanidade

-        Em suma:

o   A liberdade ilimitada (ou absoluta) de consciência é a pretensão de que cada indivíduo possui condições totais de avaliar tudo e qualquer coisa, independentemente de preparação específica prévia

§  A necessária crítica à liberdade absoluta de consciência não tem nada a ver com a autonomia moral e intelectual de cada um

§  A liberdade absoluta de consciência baseia-se e resulta em graves defeitos morais, a começar pela arrogância e pelo egoísmo, passando pelo absolutismo

§  Em termos sociológicos, a liberdade ilimitada de consciência resulta no que Augusto Comte chamava de “anarquia moderna” (a ausência de parâmetros morais e intelectuais compartilhados e socialmente regulados); essa anarquia vige seja como realidade fática, seja como ideal social e moral

o   O protestantismo de modo geral é o grande promotor dessa atitude

§  O protestantismo reforça a mentalidade absoluta, anti-humana e estritamente individualista; estimula o espírito destruidor; promove a crença da infalibilidade dos crentes: em suma, ele é um dos agentes da anarquia moderna

o   A ciência não se baseia na liberdade absoluta de consciência; bem ao contrário, a ciência exige a humildade intelectual e a confiança mútua

§  Embora, a par da permanência revolucionária e anárquica dos hábitos críticos, o dogma da liberdade ilimitada de consciência infelizmente ainda apresente grande relevância, nos últimos anos ela tem-se reafirmado de maneira desastrosa, como se vê no caso dos chamados “negacionistas”, isto é, de todos aqueles que se julgam capacitados a negar a ciência sem nunca terem estudado nem conhecido de verdade a ciência

·         São os antivacinistas contemporâneos, os negacionistas do clima, os terraplanistas etc. etc.



[1] Augusto Comte, “Segundo opúsculo: abril de 1820 – Sumária apreciação do conjunto do passado moderno”, In: _____. Opúsculos de filosofia social, São Paulo, USP, 1972, p. 26-27.

[2] “Esta proclamação tornou impossível o estabelecimento de qualquer autoridade teológica, quer política, quer simplesmente moral; porque, sendo deixadas as crenças ao arbítrio de cada indivíduo, não poderá haver, talvez, duas profissões de fé completamente uniformes, e a de cada indivíduo poderá mudar da manhã para a tarde, seguindo todas as variações inspiradas pelo estado perpetuamente móvel de suas afeições morais e físicas, bem como pelas circunstâncias sociais, igualmente variáveis, nas quais o mesmo indivíduo se encontrará sucessivamente colocado.

Numa palavra, é claro que a liberdade ilimitada de consciência e a indiferença teológica absoluta significam exatamente o mesmo quanto às conseqüências políticas. Em ambos os casos, as crenças sobrenaturais não podem mais servir de base à moral. É um fato que, longe de dever ocultar-se, não se poderia salientar em demasia por provar a necessidade de constituir-se sobre outros princípios positivos (isto é, deduzidos da observação), a moral, que é a base, ou antes, o laço geral da organização social” (nota de Augusto Comte).

[3] Augusto Comte, “Quinto opúsculo: março de 1826 – Considerações sobre o poder espiritual”, In: _____. Opúsculos de filosofia social, São Paulo, USP, 1972, p. 182.

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