Entrevista interessantíssima da teórica estadunidense Camille Paglia, em que aborda vários problemas contemporâneos, a partir das relações entre homens e mulheres.
Com um bom senso extremo - bom senso que com freqüência parece faltar em vários meios, há várias décadas -, ela aproxima-se bastante do Positivismo e das propostas de Augusto Comte. Aliás, deixando de lado alguns aspectos menores, talvez o elemento mais importante de discordância dela em relação ao Positivismo seja a insistência dela nas relações de poder entre homens e mulheres e na idéia de que a mulher deve sempre ser "mais" "poderosa": o problema dessa concepção, além de pressupor, ou propor, uma eterna disputa entre homens e mulheres, está em que rejeita a complementaridade entre os gêneros.
Vale muito a pena lê-la e refletir a seu respeito, ainda que seja uma entrevista um tanto longa.
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http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/04/1619320-nao-publicar-entrevista-camille-paglia-fronteiras-do-pensamento.shtml
Mulher deve ser
maternal e parar de culpar o homem, diz Camille Paglia
FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO
24/04/2015 02h00
Camille Paglia, a
mais antifeminista entre as feministas, aposta na revalorização do lado
maternal da mulher como chave para um reencontro afetivo entre os sexos.
Para a ensaísta,
enquanto a mulher de qualidade maternal exerce poder sobre os homens ao ter
"pena de suas fraquezas", a mulher de perfil profissional exige
deles, em casa, a perfeição do mundo dos escritórios.
Em entrevista à
Folha, Paglia se declara transexual, critica a produção da arte contemporânea e
diz que Madonna deve parar de competir com as mulheres mais jovens.
Leia abaixo a
entrevista na íntegra.
Folha - Você é
feminista ou antifeminista?
Camille Paglia - Eu certamente sou uma feminista. 100%. Os
motivos pelos quais eu discordo de boa parte das feministas de hoje é que minha
militância começou no início dos anos 60, antes da reviravolta que o movimento
teve no final daquela década.
Eu dei uma aula na semana passada na qual eu falava sobre o
filme "Núpcias de Escândalo", com Katharine Hepburn. A mãe da atriz
era uma das líderes da campanha pelo sufrágio das mulheres, e a própria atriz,
antes da Segunda Guerra Mundial, estava participando das manifestações de
sufragistas. Eu estava obcecada também por Amelia Earhart, pioneira da aviação
e uma dessas mulheres emancipadas dos anos 20 e 30.
Eu admiro demais essa geração de mulheres. Porque elas não
atacavam os homens, não insultavam os homens e não apontavam os homens como
fonte de todos os problemas das mulheres. O que elas pediam era igualdade de
condições no âmbito da carreira e da política e queriam demonstrar que podiam
obter as mesmas conquistas dos homens. Era como dizer: somos como os homens,
admiramos os homens, amamos os homens.
Hoje em dia, as feministas culpam os homens por tudo! Elas
exigem que os homens mudem, querem que eles pensem e ajam como mulheres,
almejam que o protagonismo dos homens seja reduzido. Esse é o terrível problema
do feminismo contemporâneo, porque, em última instância, isso está fazendo as
mulheres retrocederem e as está enfraquecendo.
As mulheres de hoje não são tão fortes como as grandes
mulheres dos anos 20 e 30. Então as pessoas me chamam de antifeminista. Mas
não: eu sou contrária à ideologia feminista do presente, que é doente,
indiscriminada e neurótica. E, mais do que tudo, não permite à mulher ser
feliz.
As mulheres precisam se responsabilizar por suas vidas e
parar de culpar os homens por seus problemas, que têm mais a ver com questões e
estruturas sociais, e não são fruto de uma conspiração masculina.
Se os homens se
parecessem mais com as mulheres, como você diz desejarem as feministas de hoje,
o que aconteceria?
As mulheres querem que os homens se comuniquem como elas.
Mas, em toda a história da humanidade, as mulheres viveram entre si e os homens
viveram entre si. Eram dois mundos separados. A mulheres cuidavam das crianças,
da casa, da alimentação, e os homens caçavam e faziam o trabalho pesado. Sei
disso porque todos os meus quatro avós eram agricultores italianos, e meus pais
nasceram neste ambiente. Sou a primeira geração que cresceu fora dessa
estrutura.
O problema hoje é que as mulheres, educadas e ambiciosas,
querem entrar no novo mundo burguês do trabalho em escritórios, que são parte
do legado da Revolução Industrial. Então temos um novo mundo em que homens e
mulheres trabalham lado a lado nos escritórios, em que a divisão do trabalho
entre homens e mulheres não existe. Portanto, ambos têm de mudar suas
personalidades para se encaixar nessa realidade porque ambos são uma unidade de
trabalho, são a mesma coisa.
É muito frustrante para os dois porque, neste ambiente
neutro, em que as mulheres ganharam muito poder, a sexualidade do homem ficou
neutralizada. E essas mulheres querem se casar com um homem com quem seja fácil
se comunicar. E fora do ambiente de trabalho, qualquer homem que se comporte
como homem provoca reações negativas.
Eu vejo grande infelicidade entre mulheres profissionais
porque elas querem que suas vidas amorosas tenham a comunicação maravilhosa que
elas têm com outras mulheres. A mulher profissional casa com o homem
profissional e espera que, ao chegar em casa de noite, ele se comunique com ela
como suas amigas ou seus amigos gays. E os homens heterossexuais jamais serão
capazes na arte da análise emocional. Não dá para cobrar perfeição dos homens,
como se estivéssemos no escritório.
Homem e mulher têm de convergir numa unidade de trabalho. Há
uma terrível desconexão para as mulheres entre suas vidas profissionais e
amorosas. Para os homens não é tão difícil porque eles encontram sexo mais
facilmente. Eles não precisam casar com uma mulher para fazer sexo com ela.
Para mulheres, é um período terrível de infelicidade, porque elas têm muita
dificuldade em ajustar a mulher do trabalho, que tem poder e conquistas, com a
mulher emocional, uma arena na qual as habilidades exercidas no escritório não
funcionam.
Para os homens é frustrante porque, se o trabalho que eles
fazem pode também ser feito por uma mulher, no que consiste sua masculinidade,
afinal? Se antes o homem tinha o trabalho pesado, braçal, hoje, eles estão se
perguntando quem são.
Como essa crise
masculina se manifesta?
Tenho me preocupado muito com a epidemia do jihadismo no
mundo, que é um chamado da masculinidade e está atraindo jovens homens do mundo
inteiro. É uma ideia de que ali, finalmente, homens podem ser homens e ter
aventuras como homens costumavam ter.
A ideologia do jihad
emerge numa era de vácuo da masculinidade, graças ao sucesso do mundo das
carreiras. O Estado Islâmico, por exemplo, usa vídeos para projetar esse
romance, esse sonho de que os jovens podem abandonar suas casas, integrar a
irmandade e se lançar numa aventura masculina por meses, na qual correm risco
de morte. Antes, havia muitas oportunidades de aventuras para homens jovens.
Hoje, suas vidas são como as de prisioneiros: presos nos escritórios, sem
oportunidade para ação física e aventura.
O sistema de carreiras ocidental se tornou tão elaborado e
aprisionado, que está produzindo, como no Império Romano, bandos de vândalos. É
difícil para a classe média entender o fascínio do risco e da morte, de fazer
parte de uma irmandade.
Eu estou muito preocupada politicamente com a forma como as
elites não sabem responder a esse movimento. E parte disso é uma revolta dos
homens e uma busca dos homens por sentido para eles enquanto homens. O mundo
ocidental se tornou tão materialista, e todos estão pensando no próximo
apartamento, próximo carro ou próximo emprego, que somos lentos para entender e
responder a esse tipo de fenômeno.
Como reverter o
desencontro entre homens e mulheres hoje?
O feminismo cometeu um grande erro ao difamar a maternidade.
Quando a segunda onda do feminismo começou no final dos anos 60 e início dos
anos 70 e foi piorada pelas ideias de Gloria Steinem, que pregou a
desvalorização da mulher como esposa e mãe, e a valorização da mulher
profissional como aquela que é realmente livre e admirável.
Betty Friedan (1921-2006), que eu admiro, começou a segunda
onda do feminismo ao co-fundar a Organização Nacional para as Mulheres, em
1967. Ela era casada e tinha filhos, e queria que o feminismo fosse uma grande
tenda que incluísse e acolhesse a todos. Mas Gloria Steinem era parte de um
grupo que só se casou no final da vida e não teve filhos, e havia um tom de
insulto ao tratar da maternidade.
Minha análise das relações sexuais, no livro "Personas
Sexuais", é que a imagem da mãe é extremamente poderosa e que é o motivo
pelo qual conexões entre os sexos é instável. Toda pessoa emerge do corpo
feminino, do útero, e o feminismo cometeu um erro ao tentar apagar a
importância disso, tornando o nascimento um processo mecânico. A imagem
mitológica da mãe é muito poderosa para os homens no nível psicológico. Todo
menino precisa se livrar da sua mãe. E todo heterossexual que penetra uma
mulher retorna ao útero.
Há uma ansiedade e um perigo no ato sexual entre homem e
mulher. O homem se sente em risco ao colocar seu pênis no que considera uma
potencial armadilha. Por isso há e sempre haverá uma ambivalência na relação
sexual entre homens e mulheres. Ele deseja a mulher, ele quer ser nutrido por
ela, e quer se livrar dela ao mesmo tempo porque tem receio de ser preso
novamente no útero.
Muitos dos comportamentos machistas, arrogantes e estúpidos,
são formas tortas de o homem dizer que não está sob o poder da mulher, que não
é mais um bebê. São parte do medo do poder da mulher, do útero e da criação.
Qualquer pessoa que tentar racionalizar isso, não irá pelo caminho certo.
E é isso o que o
feminismo está fazendo, na sua opinião?
Sim. O feminismo é muito racionalista. Está tentando
consertar a mecanismos sociais, consertar a sociedade, passando leis contra a
discriminação e a favor de cotas para as mulheres. Eu concordo que precisamos
de igualdade de condições, mas isso não vai resolver os problemas entre os
sexos porque o que existe aí é uma consequência direta da biologia, que não tem
sido considerada.
Há todas essas pessoas com ideias estúpidas, que derivam de
Michel Foucault (1926-1984), negando a existência dos gêneros. Dizem que o
gênero é algo imposto pela sociedade, que não há base biológica para a ideia de
gênero. Essas pessoas estão malucas? Elas não sabem que toda e qualquer pessoa
que está na face da Terra nasceu do corpo feminino?
As mulheres têm um poder tremendo sobre os homens. Se as
feministas não querem esse poder, e querem apenas ser iguais aos homens, ok. O
que eu vejo como observadora e como professora é que os homens são muito
frágeis psicologicamente em relação às mulheres. E quando as mulheres renunciam
ao poder da maternidade, como aconteceu na segunda onda do feminismo, elas
perderam uma parte enorme de seu poder sobre os homens.
As mulheres que entenderam seu poder sobre os homens são
mais felizes. As mulheres que pedem que os homens mudem e se aproximem delas
são mais nervosas, são brutais. Elas não têm confiança no seu poder como
mulheres.
As mulheres que têm sucesso com os homens são aquelas que
mantém uma certa qualidade maternal e entendem as fraquezas dos homens. E têm
pena deles por isso. Elas tratam homens com humor e conseguem entender as
necessidades dos homens e nutri-los de certa forma.
De que maneira o
adiamento da maternidade das últimas gerações de mulheres é produto desse tipo
de pensamento da segunda onda do feminismo?
Gloria Steinem é responsável por isso. Ela e seus problemas
psicológicos. Ela teve uma infância terrível. Seu pai era negligente, abandonou
a mãe, a mãe teve problemas psiquiátricos.
Steinem, então, mantinha aquele sorriso como se tivesse a
resposta para tudo. E ela dizia: a mulher pode ter tudo. E dizia também: uma
mulher precisa de um homem tanto quando um peixe de uma bicicleta. Mas em todas
as festas que ela frequentava em Nova York ela tinha um homem nos braços.
Ela pregava que a mulher cuidasse de sua carreira e deixasse
a maternidade para mais tarde. Só a completa ignorância da biologia permitiu
isso, porque sabemos que a fertilidade feminina é maior quanto mais nova ela é,
e que a gravidez é mais segura antes dos 35 anos. E há gerações inteiras de
mulheres que foram convencidas de mentiras. O que eu digo é que a verdade sobre
a biologia precisa ser dita para as meninas cedo.
A mulher tem de
escolher entre carreira e maternidade?
Sem dúvida. O mecanismo da educação-treinamento será
sacrificado de alguma maneira para as mulheres que escolherem ter filhos. Elas
provavelmente podem alcançar sucesso profissional mais tarde, mas tem um grande
valor em ter filhos mais cedo.
Por exemplo, eu nasci quando meus pais tinham 21 anos. Não
tínhamos grana, mas eles tinham muita energia e eram otimistas. Catorze anos
depois, minha irmã nasceu, e meus pais estavam com 35 anos, eles tinham uma
casa e uma vida estável, com emprego e tudo mais. Os pais que eu tive foram
completamente diferentes dos pais que minha irmã teve. Então minha irmã é muito
diferente de mim. Ela tem modos (risos).
Então, mulheres que acham que vão ter filhos aos 45 anos
terão energia para correr atrás de uma criança como os pais de 20 e tantos
anos. Educação tem que se adaptar a essa realidade da biologia.
As universidades têm que ser mais flexíveis na oferta de
cursos para mulheres e de berçários nos campi para que elas deixassem seus
filhos por algum tempo. Deveria ser possível para uma mulher jovem decidir ter
filhos cedo e continuar a estudar meio período ou fazendo uma disciplina por
vez, levando mais tempo para se formar.
As universidades se beneficiariam muito pela presença de
estudantes casados e com filhos. Muitas das besteiras que são ditas sobre
gênero seriam melhor debatidas se houvessem jovens pais nas salas de aula.
Como essa
flexibilidade para jovens mães poderia ser aplicada ao mundo do trabalho?
As empresas não existem para serem agentes de mudanças
sociais. Elas existem para obter lucro. Aquelas criadas por investidores
progressistas, como muitas firmas na Califórnia, disponibilizam berçários, mas
é tudo muito caro. E mais: certos benefícios fazem com que funcionários que não
têm filhos reclamem.
Então, isso precisa ser visto com cuidado porque precisa
haver igualdade entre os profissionais. A verdade é que maternidade é uma
escolha e você precisa aceitar que isso implica numa certa troca.
Há muitas dificuldades na carreira no início, mas não
depois. Minha geração de mulheres, cuja maioria focava na carreira e nos
salários, está quase se aposentando. De repente, a realidade vai bater: no
momento em que deixarem seus empregos, elas não terão nada e serão rapidamente
esquecidas. Poderão ter uma aposentadoria financeiramente confortável, mas é
só. Enquanto as classes mais populares terão as crianças já crescidas e os
netos e os bisnetos. E isso traz um novo sentido à vida.
Precisamos de um discurso melhor sobre o sentido da vida,
que não é apenas algo materialista.
Você adotou um
menino. Como se vê enquanto mãe?
Sempre deixei claro que eu sou sua parente, mas não sua mãe.
Ele tem uma única mãe, que é sua mãe biológica, que é minha ex-companheira, que
vive aqui perto e nós temos uma ótima relação centrada na criação dele. Eu
estava lá no consultório médico quando ele foi concebido, no hospital quando
ele nasceu, tenho sido parte da sua vida desde sempre.
Todas as minhas observações sobre meninos e homens têm sido
confirmadas na experiência de ter um filho e de ter adentrado o mundo das mães.
E vi com meus próprios olhos que as mulheres comandam a vida das crianças, da
casa e do mundo emocional da família. E o marido, que antes era o número um,
passa a ser mais um no sistema da mulher. A mulher cria toda a rotina e o homem
executa o que ela diz.
Na contramão do discurso
que nega os gêneros, há o debate sobre os transgêneros. De que maneira o
feminismo pode incluir essas pessoas?
Vou dizer algo controverso, mas real: eu me identifico como
transgênero. Quando era mais nova, esse termo não existia. Mas estava muito claro
que eu era muito inibida em relação ao meu gênero biológico desde sempre. Eu
demonstrava isso, ainda criança, no Halloween. Eu sempre escolhia um personagem
masculino. Fui um soldado romano, fui Napoleão, fui Hamlet... E nenhuma menina
se fantasiava assim. Eu me sentia alienada em ser uma menina.
Eu estou muito preocupada com essa tendência cirúrgica para
mudança do corpo. Isso está por toda parte nos EUA. Dizem que a criança nasceu
no corpo errado e já começam com hormônios até chegar à intervenção cirúrgica.
Se essa ideia estivesse no ar quando eu era jovem, eu teria me tornado obcecada
com isso. Eu teria sido convencida de que essa seria a resposta para todos os
meus problemas com a sociedade contemporânea e sua rigidez sexual. E eu teria
cometido um engano terrível.
Por quê?
Transformar o corpo cirurgicamente é uma ilusão. Há um
número muito pequeno de pessoas realmente intersexuais. É uma anormalidade
congênita. A maioria dos casos não é assim. Intervir no corpo, removendo o
pênis ou os seios, é uma ilusão porque todas as células do seu corpo permanecem
sendo o que elas sempre foram. Simplesmente não é verdade que você mudou de
gênero.
Eu acredito que é preciso respeitar o desejo das pessoas de
transformar seus corpos, seja por motivos cosméticos, médicos ou de gênero.
Cada um tem poder sobre o próprio corpo e eu sou uma libertária neste sentido.
Por outro lado, ninguém vai me convencer de que a Chaz Bono, a filha
transgênero da atriz Cher, é um homem. Ele precisa tomar uma injeção de
hormônios todos os dias para ser o que é, um transgênero, nunca um homem. Cada
célula daquele corpo é uma célula feminina.
As pessoas que olham para esse debate e pensam que estamos
caminhando para um futuro progressista estão enganadas. Nós vivemos em um
período em que os gêneros são fluidos e ninguém se identifica com os papeis de
cada um dos gêneros no passado. Mas a ideia de que isso é um sintoma de saúde
social está errada. É o caos.
Estamos numa fase tardia da cultura, como ocorreu com outras
civilizações, em que as definições dos sexos começam a se borrar e a se
dissolver e surgem todos os tipos de androginia e de brincadeiras com trocas de
papéis entre feminino e masculino. Eu adoro tudo isso, mas acho que não pode
ser confundido com um sintoma de saúde e de progresso. Sinto muito. É um
sintoma de declínio histórico da nossa cultura. E deveríamos nos preocupar
porque isso indica ansiedade e algo errado.
Eu não noto, a propósito, nenhum avanço no campo das artes.
Ninguém está em um período especialmente fértil. Pelo contrário, todos estão
obcecados consigo próprios. O ego se tornou um trabalho artístico. As pessoas
têm dez conceitos diferentes sobre o que elas são. Acho que a obsessão com
gênero e com orientação sexual se tornou uma doença.
Eu sou ateia, mas acredito no poder da religião e de sua
visão do universo. Vivemos essa transição da perspectiva religiosa para essa
horrível perspectiva centrada no indivíduo, com o apoio da mídia. Isso não são
os anos 60, quando se pregou o poder do indivíduo contra a autoridade, mas a
destruição dessa ideia cósmica do lugar de cada um no universo. E isso tudo
convergiu para a obsessão por gênero e orientação sexual. Isso virou uma
loucura. É o novo narcisismo.
Há formas menos
obsessivas de olhar para essas questões?
Eu apoio a união civil, mas nunca apoiei o casamento gay,
por exemplo. Não acho que o governo deve se envolver em casamento, um termo
circunscrito à Igreja. Perante a lei, deve haver igualdade de gêneros e
orientações sexuais. Mas deve haver mais respeito por religião. Se você quer se
casar, vá a uma igreja que aceite casá-lo. Mas a insistência de que o governo
deve intervir neste sentido é muito juvenil.
As pessoas têm de assumir responsabilidade por sua
identidade e estar preparadas para desaprovação e rejeição. Os liberais
ofereceram a arte como substituto para religião, mas não vejo nenhuma
criatividade relevante, mas um mundo de trivialidades. As pessoas hoje estão
neste sonho, alucinando ao pensar que o mundo ocidental é eterno. Todos os
grandes impérios caíram. Não somos diferentes.
Qual é a consequência
do narcisismo nas artes?
Não vejo nada tão profundo sendo produzido hoje se
compararmos àquilo produzido em culturas mais repressivas. Tennessee Williams,
que eu admiro muito, era um artista gay quando isso não era fashion, e produziu
trabalhos incríveis como "Um Bonde Chamado Desejo" e "Gata em
Teto de Zinco Quente". Quem é o grande escritor gay neste mundo tão
permissivo? Parece que a repressão é um estímulo para a arte (risos).
O que você acha dos
protestos topless, como a Marcha das
Vadias e as ações do grupo Femen?
Eu adoro qualquer performance de rua, qualquer provocação
pública, sejam manifestações ou brincadeiras. Adoro a ideia de pequenos grupos
desafiando os poderes constituídos. Sempre participei de muitas delas até que
fui disciplinada na universidade porque me colocaram em condicional por um
semestre de tanto que eu aprontava.
No entanto, essas meninas são totalmente incoerentes
ideologicamente. Femen não faz o menor sentido, é algo fabricado que não tem
nenhum sentido político. Uma mulher bonita, com belos seios e palavras
desenhadas pelo corpo deveria estar apoiando a indústria do sexo, a
prostituição e a pornografia, e não protestando contra a indústria do sexo. É
ridículo e demonstra o nível de insanidade do feminismo radical atual.
Como você vai expor seu corpo para protestar contra a
indústria do sexo se o que você está fazendo é gerar excitação sexual? É
maluco. Eu mostrei para meus alunos o vídeo em que uma maluca do Femen agarrou
o menino Jesus no presépio do Vaticano e a polícia a agarrou e ela ficou gritando
(risos). Achei tudo muito divertido, mas fiquei com pena dos fiéis que estavam
lá porque aquilo é profanação para eles.
A Marcha das Vadias é outra incoerência das meninas
burguesas e universitárias de hoje. Fui uma das feministas que levantou a
bandeira pró-sexo nos anos 90, mas essas manifestações estão equivocadas.
Madonna expunha seu corpo ao mesmo tempo em que assumia a responsabilidade de
se defender. Você tem o direito de se vestir como Madonna nas ruas às 3h da
manhã e faz parte do comportamento da mulher liberada fazer isso. Só que essa
mulher tem que saber se defender.
Se você vai provocar e usar roupas para demonstrar que está
disponível sexualmente, porque é isso o que você está fazendo. Está dizendo:
sou uma mulher que gosta de sexo e estou pronta para receber ofertas. Mesmo que
as mulheres demandem o controle masculino, sempre vai haver um psicótico ou um
criminoso que será impossível controlar. Não dá pra pedir para a sociedade a
proteger o tempo todo. Se você é uma mulher livre, você tem que aceitar que,
toda vez que se vestir de modo convidativo, está enviando uma mensagem e tem de
se defender se for necessário.
E é claro que ninguém tem o direito de fazer nada com você,
mas só uma idiota acha que vai para as ruas de vestimentas provocativas sem
correr o risco de ser atacada, culpando o Estado por isso.
Uma pesquisa no Brasil apontou que 25% dos brasileiros
concordam que uma mulher vestida de forma provocativa merecia ser atacada.
Ninguém merece ser atacada. Isso está totalmente errado. Ninguém
tem o direito de colocar as mãos no seu corpo sem permissão. O que essas
pessoas devem estar dizendo é que a vestimenta comunica uma mensagem e indica
um nível de disponibilidade sexual.
Eu também acredito que roupas comunicam algo sobre você
naquele momento. Roupas são uma linguagem. As mulheres não entendem como os
homens as enxergam com determinadas roupas. Elas acham que estão se vestindo
para elas mesmas, mas precisam saber que há um perigo em se vestir de certas
formas.
Eu adoro exibição sexual, mas precisam saber que estão
comunicando para uma certa audiência. E não necessariamente se pode culpar os
homens por entenderem uma mensagem que, talvez inconscientemente, as mulheres
estão enviando. Por isso chamo o meu feminismo de safo ("street smart").
Por que você foi tão
crítica ao ensaio fotográfico recente em que Madonna aparece com os seios à
mostra?
Madonna é uma das figuras mais importantes da cultura pop e
da cultura contemporânea. Ela mudou o mundo com sua atitude. Até hoje seus
vídeos antigos são grandes obras de arte. Ela tornou possível para as mulheres
assumirem o comando de suas sexualidades. Ela nunca foi uma vítima. Ela sempre
controlou a transação entre homem e mulher. Ela era extremamente sexy, mas
estava no controle da situação.
Mas acho que esse ensaio ficou feio, acho que ela está se
repetindo. Nós já vimos seu corpo no auge da forma e era magnífico. O que ela
está fazendo agora? Por que expor o corpo na sua idade em fotografias
horrorosas? Sinto muito, mas foi uma desgraça artística. Madonna não deveria
estar competindo com mulheres jovens, cujos corpos são belos. Marlene Dietrich,
que é um modelo para Madonna, nunca fez isso.
Você acha que
mulheres mais maduras não devem mostrar o corpo?
Se você o mostra de um modo belo e sexy, ok. Mas aquelas
fotos da Madonna eram revoltantes. Era embaraçoso. Hediondo. Ela parecia uma
prostituta decadente que não sabe que está na sarjeta.
Madonna é uma estrela global e não deveria se expor assim.
Se você quer seduzir, há outras formas de transmitir isso. Jeanne Moreau é sexy
na idade dela sem mostrar nada, e Catherine Deneuve, apesar de ter ganhado peso,
continua sexy. Não é digno de uma mulher de tantas conquistas se mostrar assim.
As mulheres têm que superar o envelhecimento. Não dá para
dizer que o corpo de uma mulher de idade é tão bonito como o de uma jovem
mulher. Não é! Os hormônios não permitem, a pele fica fina, desidratada, etc.
Temos de parar de tentar glamurizar a beleza da mulher madura.
O que precisamos é deixar as mulheres jovens dominarem o
mundo da beleza e buscar novos papéis para as mulheres mais velhas. Aquelas que
são mães ganham poder à medida que a idade avança e encontram novas colocações
para si. Precisamos aprender a mudar para o próximo estágio da vida. O que
precisamos é criar uma persona para as mulheres na cultura de hoje, e isso tem
a ver com desapegar de algo. Senão, elas só têm a perder. Como não há como
congelar o processo de envelhecimento, quanto mais as mulheres lutarem contra
ele, mais infelizes serão.