13 abril 2022

Curso livre de política positiva: roteiro da 4ª sessão

Reproduzo abaixo o roteiro da quarta sessão do Curso livre de política positiva, ocorrida no dia 29 de março, transmitida no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=9kiJZwvb2x0) ou no próprio canal Apostolado Positivista (disponível aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/391232223007541). Nessa seção, abordei a teoria da família e também a concepção positiva dos "indíviduos".

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Súmula

Sociologia Estática II: teoria da família; os indivíduos

 

Roteiro

-        Família:

o   É a instituição social que, ao mesmo tempo, mais sofre com as aberrações metafísicas e a que menos foi compreendida até hoje (“hoje”: até o advento do Positivismo)

§  É a menor unidade social a que a sociedade pode ser reduzida; assim, é a verdadeira “célula social”

o   Tem duas funções principais: moral e política

§  Função moral: desenvolve diretamente os sentimentos altruístas

§  Função política: prepara os cidadãos para a vida em sociedade (ou seja, prepara cidadãos)

o   A família tem uma origem egoísta – o impulso sexual –, mas é um erro reduzi-la a isso

§  O impulso sexual tem força mais inicial que permanente

§  A força do impulso sexual é maior no homem que na mulher

§  Após a ação do impulso sexual, outros instintos entram em ação, tanto egoístas quanto altruístas; a permanência do vínculo familiar desenvolve, estimula e reforça os instintos altruístas

·         Acessoriamente, isso também esclarece que o altruísmo não é a negação do egoísmo, mas a orientação em favor dos demais

o   A família pode ser reduzida ao casal elementar, mas é claro – ou melhor, deveria ser claro – que ela é muito mais ampla que isso, pois compreende os filhos, os avós, os agregados

§  Essas diversas relações desenvolvem e estimulam sentimentos altruístas:

·         Marido ßà mulher, irmãos ßà irmãos: apego

·         Filhos à pais: veneração

·         Pais à filhos: bondade

o   Em relação ao casal nuclear, a função da família é o aperfeiçoamento mútuo, muito mais que a reprodução humana

§  A teologia, como rejeita a existência natural do altruísmo, considera que a família serve apenas fins egoístas, notadamente a reprodução humana

§  Também vale notar que a teologia com freqüência considera que a família (esposa e filhos) é propriedade dos homens

§  A metafísica não se afasta muito disso, vendo na família pouco mais que um contrato com fins sexuais e/ou uma instituição de violência sistemática do homem contra a mulher

§  Há um gênero legalista de metafísica, para quem a família deve ser paulatinamente substituída pelo Estado

o   Como a existência humana é muito mais subjetiva que objetiva e como a função do casamento é o aperfeiçoamento mútuo, o Positivismo afirma a monogamia e a viuvez eterna (as segundas núpcias são uma forma disfarçada de poligamia)

o   Como os sentimentos altruístas são desenvolvidos e aperfeiçoados na família, ela é absolutamente central para a vida em sociedade (e, claro, também para os indivíduos)

§  O estímulo, o desenvolvimento e a manutenção do altruísmo, no âmbito familiar, cabe naturalmente às mulheres

§  Isso, evidentemente, corresponde à necessidade imperiosa de dignificar-se a atuação da mulheres e não as condenar a escravas dos homens

§  Somente a destruição metafísica, com seus fortes preconceitos antialtruísmo e antifamiliares, consegue ver na afirmação do papel doméstico e moral das mulheres uma forma de exploração, degradação e violência contra as mulheres

o   O papel político, ou melhor, cívico das famílias corresponde à sua preparação afetiva, o que inclui não somente os três instintos simpáticos (apego, veneração e bondade), mas também os instintos práticos (coragem, prudência e perseverança)

§  É importante notar que, embora a família seja a base da sociedade, ela tem que se submeter à polis

§  Essa submissão à polis é necessária para evitar os desvios da família, em particular dois:

·         Possibilidade de educação afetiva egoísta

·         Possibilidade de desenvolvimento de um egoísmo coletivo familista

·         A submissão à polis altera ordinariamente as famílias, corrigindo (ou evitando) esses dois desvios; mas é claro que a própria polis tem que se orientar altruisticamente e não pelas guerras

-        Papel dos indivíduos:

o   Os indivíduos isolados e/ou como fundadores da sociedade não existem; só é possível falar em indivíduos quando se faz referência prévia às sociedades em que eles surgiram

§  Os indivíduos como célula social são uma abstração nociva e imoral

o   Mas a religião visa a regrar e a religar, ou seja, a estabelecer a unidade e a harmonia individual e coletiva: evidentemente há um amplo espaço para os indivíduos no Positivismo

§  Em última análise, todas as ações – mesmo as ações da Humanidade – realizam-se por meio de indivíduos, isto é, de agentes individuais

o   Todo ser humano tem uma vida dupla, isto é, uma objetiva e outra subjetiva

§  A vida objetiva ocorre no presente; a Humanidade tem em cada ser humano um “ser” concreto, de carne e osso

§  A vida subjetiva ocorre no passado e no futuro; a Humanidade tem em cada ser humano um “agente

o   A Humanidade tem um caráter composto; isso acarreta sua capacidade de ação mas também sérias dificuldades, pois é sempre necessário combinar a independência individual com o concurso coletivo

§  A independência individual, no estado normal, requer de ordinário a plena liberdade, o que, por sua vez, rejeita a opressão

§  Essa plena liberdade implica as liberdades de pensamento (ou de consciência), de expressão e de associação

§  Além disso, a plena liberdade também é necessária para a submissão livre e digna

§  A liberdade individual necessária para o livre concurso coletivo implica a confiança; esta, por sua vez, implica sempre a responsabilidade (e a responsabilização)

11 abril 2022

Condições e exigências próprias ao sacerdócio positivo

As anotações abaixo correspondem à transcrição de algumas passagens do Catecismo positivista, belíssima obra de divulgação da Religião da Humanidade escrita por Augusto Comte em 1852, voltada às mulheres e aos proletários. 

Essas anotações abordam algumas disposições sobre o sacerdócio positivo: suas funções sociais, sua estrutura, sua base material; implicitamente (mas às vezes de maneira bastante explícita) também seus requisitos morais.

Essas anotações são úteis, ou melhor, são importantes devido a diversos motivos. Por um lado, elas orientam todos aqueles interessados em exercer o belo e exigente ofício de sacerdote da Humanidade; por outro lado, elas indicam os requisitos exigidos de qualquer sacerdote que seja digno desse título e dessa posição, independentemente de se tais sacerdotes são positivos, metafísicos ou teológicos (é claro que as exigências feitas ao sacerdócio positivo são muito superiores, muito mais dignas e muito mais adequadas à realidade humana que aquelas feitas aos sacerdotes "apositivos").

Por fim, vale notar outro aspecto, menos evidente, ou melhor, à primeira vista menos valorizado nos dias atuais, que combinam a decadência da teologia com o cinismo próprio à metafísica. Muitos anos atrás eu ouvi de um professor que as prescrições de Augusto Comte, como as indicadas abaixo, tinham um "ar de século XIX", com isso querendo dizer que eram prescrições exageradas, descabidas e sem sentido... seriam detalhamentos irrealizáveis e irrelevantes. 

Pois bem, o que subjaz a esse gênero de crítica é a concepção de que a indeterminação geral das idéias seria superior à clareza expositiva, que a vagueza seria superior ao exame empírico cuidadoso sócio-histórico e à dedução rigorosa das conseqüências morais, intelectuais, sociais e institucionais dos elementos básicos. Vale notar que esse tipo de crítica provém dos liberais - não por acaso, era justamente um liberal o professor que fez a crítica que comento -; para os liberais, a intuição correta da importância da experiência histórica limita-se e encerra-se na afirmação, vaga, de que a história corresponde a uma espécie de tribunal de longo prazo e que, assim, o que herdamos hoje do passado basta para o futuro... seria uma historicidade pela metade e, no fundo, abortada, estéril. 

De acordo com essa forma de pensar - que, aliás, é amplamente compartilhada com os irracionalistas e os metafísicos pós-modernos -, projetos racionais para a sociedade são sem sentido (embora o ser humano possa e deva empregar a inteligência para entender e projetar a sua existência); as únicas instituições válidas seriam aquelas que reproduzem ou continuam automática e irrefletidamente o que o passado legou, ou, então, o que de maneira confusa, caótica e aos trancos e barrancos o futuro elaborar: em suma, vale qualquer coisa, exceto o que for elaborado racional e conscientemente. Ou seja: a teologia e a metafísica podem continuar exercendo suas influências sociais, por mais impróprias que sejam para a sociedade pacífica, industrial, relativa, humana e positiva - mas a própria positividade é ciosamente proibida de exercer suas influências. Essa crítica, portanto, é uma censura parcial e hipócrita, quando não cínica, cujos efeitos desejados são os piores possíveis. 


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Funções do sacerdócio:

o   “Eis aí de onde procede este segundo axioma: Nenhuma sociedade se pode desenvolver e conservar sem um sacerdócio qualquer. Semelhantemente indispensável a todos para a educação e para o conselho, só este poder teórico é capaz de consagrar os governantes e de proteger os governados. Ele constitui o moderador normal da vida pública, como a mulher [é] o [moderador normal] da vida privada; conquanto estas duas existências exijam aliás o concurso contínuo da influência moral com o poder intelectual. Podeis resumir o conjunto das atribuições sociais do sacerdócio qualificando-o de Juiz, segundo a expressão bíblica; porquanto seu tríplice ofício de conselheiro, de consagrador e de regulador se efetua sempre julgando, isto é, mediante uma apreciação respeitada” (9ª Conferência (Conjunto do regime); p. 296-297[1])

o   “A MULHER. Meus antigos hábitos católicos inclinam-me, meu pai, a condensar todas as atribuições essenciais do poder Espiritual na direção sistemática da educação universal, onde sua competência exclusiva é incontestável.

O SACERDOTE. Tal é, com efeito, minha filha, o ofício fundamental do sacerdócio, que, quando cumpre dignamente este principal dever, adquire necessariamente uma grande influência sobre o conjunto da vida humana. Suas outras funções sociais constituem apenas a continuação natural ou o complemente indispensável deste destino característico. A prédica torna-se em primeiro lugar um prolongamento necessário desse ofício fundamental, a fim de recordar convenientemente os princípios da harmonia universal, que a atividade especial nos arrasta amiúde a desprezar. É também em virtude daquela base que o poder espiritual adquire sua aptidão para consagrar as funções e os órgãos, em nome de uma doutrina unanimemente considerada como devendo regular sempre a existência humana. Sobre o mesmo fundamento assenta a influência consultiva do sacerdócio acerca de todos os atos importantes da vida real, privada ou pública, em que cada qual sente amiúde a necessidade de recorrer livremente aos conselhos esclarecidos e benévolos dos sábios que dirigirão sua iniciação sistemática. Enfim, a educação permite que o sacerdócio se torne, por um comum assentimento, o regulador normal dos conflitos práticos, por causa da igual confiança que naturalmente inspira aos superiores e inferiores” (9ª Conferência (Conjunto do regime); p. 298-300)

Plena maturidade requerida:

o   “O sacerdócio positivo exige, ainda mais do que o sacerdócio teológico, uma inteira madureza, sobretudo em virtude de sua imensa preparação enciclopédica. Eis aí porque estabeleci a idade de quarenta e dois anos para a ordenação dos padres da Humanidade, pois é então que finaliza todo o desenvolvimento corpóreo e cerebral e termina, ao mesmo tempo, a primeira vida social” (Prefácio; p. 17-18)

Graus do sacerdócio:

o   “[...] Os diversos modos ou graus do sacerdócio positivo, classificados na ordem de sua plenitude crescente. Este grande ministério exige um raro concurso das qualidades morais, tanto ativas como afetivas, com os talentos intelectuais, estéticos e científicos. Se, pois, estes forem os únicos salientes, seus possuidores, após uma cultura conveniente, terão de permanecer, talvez para sempre, simples pensionistas do poder Espiritual, sem aspirarem nunca a ser nele incorporados. Em tais casos, felizmente excepcionais, o maior gênio poético ou filosófico não pode dispensar de ternura e de energia um funcionário que deve estar habitualmente animado de simpatias íntimas e destinado amiúde a lutas difíceis. Este sacerdócio incompleto permite o digno cultivo de todos os verdadeiros talentos, sem comprometer nenhum serviço social.

Quanto ao sacerdócio completo, ele exige, em primeiro lugar, um grau preparatório, que o aspirante não transporá se, apesar de sua vocação proclamada, não passar com bastante êxito pelo noviciado conveniente. Vencida essa prova decisiva, obtém ele, aos trinta e cinco anos, o sacerdócio direto e definitivo, mas exercendo-o durante sete anos no grau secundário, que caracteriza o vigário ou suplente. Depois de ter dignamente preenchido todas as fases de nosso ensino enciclopédico, e mesmo esboçado as outras funções sacerdotais, ele eleva-se, aos quarenta e dois anos, ao grau principal, tornando-se de modo irrevogável um sacerdote propriamente dito. Tais são as quatro classes teóricas que respectivamente celebram as festas hebdomadárias do undécimo mês” (5ª Conferência (Culto público); p. 162-164)

o   “Nosso sacerdócio compõe-se, em geral, de três ordens sucessivas: os aspirantes, admitidos aos vinte e oito anos; os vigários ou suplentes, aos trinta e cinco; os sacerdotes propriamente ditos, aos quarenta e dois.

Conquanto os primeiros, cujo número é naturalmente ilimitado, sejam já considerados como dotados de uma verdadeira vocação sacerdotal, eles não pertencem ainda ao poder Espiritual, do qual não exercem nenhuma função. Por isso sua livre desistência de toda herança é puramente provisória e do mesmo modo seu ordenado, que fixamos em três mil francos. Sem residência sacerdotal, eles são contudo regularmente vigiados em seus trabalhos e costumes.

Os vigários pertencem irrevogavelmente ao sacerdócio, posto que não exerçam ainda senão as funções de ensino e prédica, salvo delegação especial em caso urgente. Além da renúncia definitiva aos bens temporais, sua admissão exige um digno casamento. Eles residem com as suas famílias, porém em separado dos sacerdotes, no presbitério filosófico adjacente a cada templo da Humanidade, paralelamente à escola positiva. A classe que dirige em todas as outras a reação do coração sobre o espírito deve fornecer por sua vez o melhor tipo masculino do surto moral, mediante um pleno desenvolvimento das afeições domésticas, sem as quais o amor universal se torna ilusório. Embora o casamento fique facultativo para os cidadãos ordinários, ele torna-se obrigatório para os padres, cujo ofício não pode ser dignamente preenchido sem a influência contínua, aliás objetiva ou subjetiva, da mulher sobre o homem. A fim de melhor experimentá-los a esse respeito, a religião positiva impõe já esta condição aos simples vigários. Este segundo grau, que conduz sempre ao terceiro, salvo malogro excepcional, proporciona um ordenado anual de seis mil francos.

Durante os sete anos que o separam do sacerdócio completo, cada vigário professou todos os graus enciclopédicos e exercitou suficientemente seus talentos de prédica. Torna-se então um verdadeiro sacerdote e pode preencher, nas famílias ou nas cidades, o tríplice ofício de conselheiro, de consagrador e de regulador, que socialmente caracteriza o clero positivo. Nesse estado definitivo seu ordenado eleva-se a doze mil francos, além das indenizações pelas suas viagens de inspeção diocesana” (9ª Conferência (Conjunto do regime); p. 320-321)

Condições materiais do sacerdócio:

o   “A MULHER. Sou assim levada, meu pai, a pedir-vos que completeis esta apreciação geral indicando a constituição peculiar ao sacerdócio positivo.

O SACERDOTE. Facilmente sentireis, minha filha, que o destino fundamental de nosso sacerdócio exige, como primeira condição, uma renúncia completa ao domínio temporal e mesmo à simples riqueza. É o compromisso inicial que todo aspirante ao sacerdócio deve contrair solenemente ao receber, aos vinte e oito anos, o sacramento de destinação. Nossos padres não herdam nem de suas famílias, quer para se preservarem dos desvios temporais, quer para deixarem os capitais aos que podem utilizá-los. A classe contemplativa deve ser sempre coletivamente sustentada pela classe ativa; primeiro, mediante os livres subsídios dos crentes, depois por intermédio do tesouro público, quando a fé tornar-se unânime. Ela não deve pois possuir coisa alguma em particular, nem terras, nem casas, nem mesmo rendimentos quaisquer; salvo seu orçamento anual, sempre fixado pelo poder Temporal. As vistas gerais e os sentimentos generosos que devem sempre distinguir o sacerdócio são profundamente incompatíveis com as idéias de detalhe e com as disposições orgulhosas inerentes a todo domínio prático. Para que alguém se limite a aconselhar, é necessário que não possa nunca mandar, nem pela riqueza: de outro modo nossa miserável natureza fica disposta a substituir amiúde a força às demonstrações. Essa condição sacerdotal foi sentida até a mais sublime exageração pelo admirável santo que tentou em vão, no XIII século, regenerar o catolicismo exausto[2]. Prescrevendo, porém, aos seus discípulos uma pobreza absoluta, que eles em breve iludiram, esqueceu ele que os distraía assim do seu ofício pelos cuidados diários de sua existência material” (9ª Conferência (Conjunto do regime), p. 318-319)

Sacerdócio, classes sociais e ensino positivo:

o   “A MULHER. Consenti, meu pai, que vos interrompa um momento, quanto a esta última influência. Como nossa instrução enciclopédica não deve nunca tornar-se obrigatória, os ricos talvez sejam levados, por um tolo orgulho, a não deixar que seus filhos participem desse ensino, e sobretudo suas filhas, embora tenham de renunciar aos sacramentos subseqüentes, e mesmo às recomendações sociais que ele há de proporcionar. Isso posto, a influência pessoal que assinalais ficaria essencialmente reduzida à deferência involuntária que por toda parte obtém o talento e a virtude.

O SACERDOTE. Essa objeção incidente, minha filha, é mais forte do que cuidais; entretanto, afastá-la-eis sem custo. De fato, não será necessário ter freqüentado nossas escolas positivistas para ser admitido a receber nossos sacramentos sociais, e mesmo para ser submetido aos nosso exames públicos, nos quais não se indagará nunca de quem provém a instrução, contanto que esta seja real e suficiente. Apenas, quando ela não dimanar do sacerdócio, nossos padres precisarão empregar mais esforços a fim de colher as informações morais que serão sempre tão indispensáveis como os julgamentos intelectuais.

Apesar dessa plena liberdade de ensino, que aliás aumentará o zelo dos professores, as escolas oficiais não serão nunca abandonadas pelos ricos, a menos que o sacerdócio degenere; porquanto eles não hão de querer que seus filhos fiquem abaixo da instrução popular, da qual entretanto não poderão proporcionar-lhes, mesmo com grandes despesas, um equivalente privado. Com efeito, o sacerdócio há de naturalmente absorver os melhores professores, que sua outras funções afastarão sempre do ensino particular, o qual aliás, como sabeis, lhes será severamente proibido. Os mestres privados recrutar-se-ão , pois, entre os homens incapazes de se tornarem padres ou mesmo vigários; de sorte que suas lições serão habitualmente desconceituadas” (11ª Conferência (Regime público); p. 374-376)



[1] A paginação refere-se à quarta edição do Catecismo positivista da Igreja Positivista do Brasil, de 1936. Para entender minimamente o contexto do livro de cada citação, indiquei a conferência (ou seja, o capítulo) de que a citação foi extraída e também o título (ou seja, o tema) de cada conferência.

[2] Nota de Miguel Lemos (p. 482):

“Refere-se a S. Francisco de Assis (1182-1226).

É oportuno observar aqui que a lei religiosa que obriga o sacerdote positivista a desistir de toda herança só será aplicável rigorosamente no estado normal, ou quando o subsídio positivista garantir plenamente a existência material do novo clero. V. sobre esse assunto o trecho da carta de Augusto Comte ao Dr. Foley, reproduzido por nós em nossa Décima Circular Anual (1890), segundo a cópia que nos foi fornecida pelo Sr. R. Congreve. V. também a nota correspondente a esta em nossa edição francesa deste Catecismo”.

Tradução da nota de Miguel Lemos à edição francesa do Catecismo, publicada pela IPB (1891, 2ª ed. 1957; p. 478):

“Augusto Comte fala de São Francisco de Assis (1182-1226). É útil notar aqui que a lei religiosa que obriga os padres a renunciar a toda herança não será aplicável senão no estado normal ou quando o subsídio positivista garantir suficientemente sua existência material. É isso que ensinava Augusto Comte, como se vê no extrato seguinte de uma carta, ainda inédita, que ele endereçou ao Dr. Foley em 17 de Shakespeare de 67 (26 de setembro de 1855): ‘No caso de uma triste eventualidade que vós evitareis, espero, devo aqui prevenir a generosidade demasiadamente irrefletida para a qual vós parecestes-me tender algumas vezes a respeito da herança, sobre o que se poderia impelir-vos mal nesse sentido. Em primeiro lugar, o compromisso normal por essa renúncia não se realiza senão ao receber a ordenação sacerdotal, de que vós estais ainda distante, por mais firme que seja minha segurança de que a obtereis. Sobretudo, é necessário considerar que essa regra é própria ao estado normal e não poderia convir à transição senão quando o subsídio positivista garantir plenamente a existência dos teóricos; de sorte que aceitarei eu mesmo minha parte da herança paterna, por maior que ela jamais fosse’”.

08 abril 2022

TJ-SP defende a laicidade do Estado, mas com argumentos ruins e covardes

A notícia abaixo é extremamente ambígua

Não o texto em si, que é bastante claro; refiro-me aos argumentos empregados pelos desembargadores paulistas para rejeitar a tal lei municipal que forçava os alunos a lerem a Bíblia: os juízes, em vez de afirmarem com clareza a separação entre Igreja e Estado, reconhecendo, além disso, a violência a que estavam sujeitos os alunos e a instrumentalização asquerosa do Estado para beneficiar a fé cristã; enfim, em vez de serem claros a respeito dos princípios em questão, o que fizeram os juízes? Ativeram-se a tecnicidades completamente secundárias, mais ou menos irrelevantes, puramente conjunturais para rejeitar a lei em questão. Ou seja, os desembargadores foram covardes em suas decisões e em seus fundamentos. 

Mesmo que no final das contas o resultado tenha sido positivo, ainda assim não é um resultado plenamente positivo, pois essa decisão em particular constituirá jurisprudência, ou seja, servirá de exemplo e de modelo para futuras decisões: mas essas futuras decisões basear-se-ão em argumentos frágeis e covardes, o que é meio caminho andado para a rejeição da própria laicidade.

A covardia moral e filosófica demonstrada pelos desembargadores paulistas evidencia o quanto o Brasil, cada vez mais, é refém dos clericalismos cristãos - para evidente prejuízo de todos (incluindo os próprios cristãos) e, acima de tudo, da República. 

O original da notícia foi publicado no jornal eletrônico Consultor Jurídico e pode ser consultado aqui.

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TJ-SP anula lei municipal que obrigava estudo da Bíblia em escolas públicas

Por 

A Administração Pública não pode proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja.

ReproduçãoLei de Barretos que obrigava estudo da Bíblia em escolas públicas foi anulada

O entendimento é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei municipal de Barretos que instituía o estudo da Bíblia como componente curricular obrigatório para os alunos do nível fundamental da educação básica.

A decisão se deu em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil. A OAB-SP alegou violação aos princípios da laicidade estatal, da impessoalidade, da legalidade, da igualdade, da finalidade e do interesse público.

O relator, desembargador Elcio Trujillo, julgou a ação procedente por ter verificado vício de iniciativa e afronta à separação de poderes. Ele disse que a lei interferiu indevidamente na base curricular do ensino público municipal ao incluir uma matéria na grade, além de fixar prazo à Secretaria de Educação para implantação da norma.

"Além disso, todo ato normativo do município deve observar, obrigatoriamente, o princípio federativo da repartição constitucional de competências. A Constituição Federal de 1988 instituiu a competência privativa da União para disciplinar normas sobre diretrizes e bases da educação nacional", completou ele.

O relator afirmou que, mesmo que a lei fosse oriunda do Executivo municipal, haveria vício material, uma vez que a inclusão de uma matéria como estudo da Bíblia não caracteriza qualquer particularidade local que configurasse alguma das hipóteses do artigo 30, incisos I e II, da Constituição Federal, e que autorizasse o município a alterar a base curricular do ensino público.

"Ademais, referida determinação também padece de legalidade, finalidade e de interesse público, violando o artigo 111 da Constituição Estadual, além de afrontar o artigo 237, incisos II e VII, também da Constituição Bandeirante", apontou o desembargador.

Para ele, a norma também padece de legalidade ao impor o estudo da Bíblia no currículo obrigatório, "que é originária de uma única crença, aos demais alunos que podem ser de famílias de outras crenças, ou ainda daquelas que não possuem crença alguma". A decisão foi unânime.

Clique aqui para ler o acórdão
2166706-41.2020.8.26.0000


07 abril 2022

Curso livre de política positiva: vídeo da 5ª sessão

No dia 5 de abril ocorreu a quinta sessão do Curso livre de política positiva, com transmissão ao vivo no canal do Facebook Apostolado Positivista: Facebook.com/ApostoladoPositivista.

Nessa sessão apresentamos, no âmbito da Sociologia Estática de Augusto Comte, a teoria da linguagem.

O vídeo pode ser visto no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=q_dkUU5qxY8) ou no próprio canal Apostolado Positivista (disponível aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/348766450387303).

A programação completa do Curso pode ser vista aqui.

Além disso, conforme o calendário de comemorações da Igreja Positivista do Brasil, no dia 5 de abril celebramos a memória da cofundadora da Religião da Humanidade, Clotilde de Vaux (1815-1846), na data de sua transformação.

Curso livre de política positiva: vídeo da 4ª sessão

No dia 29 de março ocorreu a quarta sessão do Curso livre de política positiva, com transmissão ao vivo no canal do Facebook Apostolado Positivista: Facebook.com/ApostoladoPositivista.

Nessa sessão apresentamos, no âmbito da Sociologia Estática de Augusto Comte, a teoria da família.

O vídeo pode ser visto no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=9kiJZwvb2x0) ou no próprio canal Apostolado Positivista (disponível aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/391232223007541).

A programação completa do Curso pode ser vista aqui.

01 abril 2022

Palavras na Festa da Humanidade

No dia 1º de Moisés de 168-234 (1.1.2022), por ocasião do lançamento da Rede Humanidade, tive a oportunidade e a honra de celebrar a Festa da Humanidade, falando algumas palavras naquele momento. Ainda assim, considerando o tempo extremamente exíguo que me foi assignado (15 minutos), pude apenas comentar algumas poucas coisas.

As anotações abaixo constituem o guia dessa minha rápida celebração.

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Celebração da Festa da Humanidade

(1º de Moisés de 168-234)

 -        É uma alegria e uma honra participar do evento de lançamento da Rede Humanidade

-        É igualmente uma honra falar após o meu amigo Hernani, que fez uma bela celebração da Festa Geral dos Mortos do ano anterior

-        A presente celebração da Festa da Humanidade – que, aliás, é a maior e mais importante festa da Religião da Humanidade – é importante pelo menos por dois motivos:

o   é o início de um novo ciclo na celebração em si, após décadas de interrupção;

o   é um novo ciclo que se inicia com a Rede Humanidade

-        A Humanidade é o nosso Grão Ser, a nossa deusa

o   ela é real, histórica e composta

o   acima de tudo, ela é subjetiva e amorosa

-        Nós agradecemos os serviços prestados pelos antigos seres supremos, que foram transitórios e preparatórios, mas agora afirmamos o único e verdadeiro Grande Ser, a real providência humana

o   os antigos seres supremos foram necessários como guias temporários na longa evolução humana

o   esses antigos seres supremos são transitórios porque são fictícios e absolutos

-        Rendendo graças à Humanidade, esforçamo-nos cotidianamente para sermos dignos de incorporação a ela após nossas transformações

o   a incorporação é sempre voluntária e ocorre sete anos após a transformação, mediante pedido expresso do servidor, confirmado pela sua família e depois de uma rigoroso escrutínio moral, intelectual e prático

o   a incorporação une subjetivamente os servidores à Humanidade, que, assim, consagra a memória dos serviços prestados

29 março 2022

Curso livre de política positiva: roteiro da 3ª sessão

Reproduzo abaixo o roteiro da terceira sessão do Curso livre de política positiva, ocorrida no dia 22 de março, transmitida no canal Facebook.com/ApostoladoPositivista e também disponível no canal The Positivism (aqui).

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Súmula

Preliminares à Política Positiva III: Estática e Dinâmica; a síntese subjetiva; o estado normal

Sociologia Estática I: teoria da religião: concepções e regulações gerais da existência humana

 

Roteiro

-        Preliminares à Política Positiva III:

o   Estática e Dinâmica

§  São duas perspectivas complementares

·         Diretamente derivadas da concepção de lei natural: relações constantes em termos de coexistência ou de sucessão

·         É a constância na variedade

·         Esboçadas na Biologia, essas duas perspectivas são aplicáveis a todas as ciências

§  Divisão de perspectivas

·         A Estática representa os elementos fundamentais de cada sociedade, presentes em toda sociedade

·         A Dinâmica representa o desenvolvimento encadeado desses elementos ao longo do tempo, com suas inter-relações

§  Elementos da Estática Social: religião, propriedade, família, linguagem, governo (temporal e espiritual); teoria das variações

·         São definidos como os tipos fundamentais para os quais tendem esses elementos no estado normal

§  Elementos da Dinâmica: as três leis dos três estados; lei de classificação das ciências; marcha própria ao Ocidente (fetichismo, teocracia; Grécia, Roma, Idade Média; transição revolucionária; Positivismo)

o   A síntese subjetiva:

§  Visão de conjunto (em termos de natureza humana, de concepções e de objetivos): filosofia, arte, indústria, política, ciência

·         Essa visão de conjunto baseia-se no primado da moral sociológica sobre a existência humana

·         Todos devem entendimentos gerais sobre tudo; em contraposição, a atuação prática é sempre parcial

§  Subordinação da inteligência à afetividade e à atividade prática

·         Relações íntimas entre simpatia, síntese e sinergia

§  Concepções que explicam e regulam o conjunto das realidades humanas e cósmica

§  Afirmação da preponderância normal das ciências superiores (Sociologia e Moral) sobre as ciências inferiores (Matemática até a Biologia), ao mesmo tempo em que “os fenômenos mais nobres subordinam-se aos mais grosseiros”

·         Isso naturalmente estabelece o que se chama hoje de “multi” e “transdisciplinaridade”

·         O altruísmo e o egoísmo são inatos (ou seja, são naturais); mas: a maior fraqueza do altruísmo e o desenvolvimento histórico da paz, da indústria e da ciência exigem o emprego constante e permanente de todos os recursos sociais e individuais disponíveis para a afirmação do altruísmo

§  Unidade da ciência: estabelecida subjetivamente (isto é, filosoficamente); multiplicidade e autonomia das ciências; homogeneidade de método e de doutrina

§  Estabelece não apenas o que se pode conhecer e fazer, mas, acima de tudo, o que se deve fazer (ou não fazer)

§  Definição da moralidade: estímulo e prática do altruísmo (ternura), compressão do egoísmo (pureza)

o   O “estado normal”

§  O estado normal consiste em uma idealização que considera equilíbrios dinâmicos da natureza humana (individual e coletivamente)

·         Essa idealização é uma prescrição que, por sua vez, baseia-se nas descrições da Sociologia e da Moral por meio da síntese subjetiva

·         Até certo ponto, é aceitável considerar que o estado normal é uma utopia positivista – mas convém notar que Augusto Comte reserva a palavra utopia para uma outra elaboração específica

§  Esses equilíbrios dinâmicos mantêm os três elementos da natureza humana (sentimentos, inteligência e atividade) coordenados

§  Não se trata mais de manter um equilíbrio estático (como nas teocracias iniciais) nem de desenvolver apenas um elemento da natureza humana às expensas dos outros (como na Grécia, em Roma e na Idade Média)

§  O caráter dinâmico desse equilíbrio indica que ele modifica-se continuamente ao longo do tempo e que, portanto, tem que ser restabelecido continuamente

·         A permanência desses equilíbrios é um dos argumentos que justificam a existência e a permanência da Religião da Humanidade, isto é, do novo poder Espiritual adequado a tal situação

§  Na medida em que é um equilíbrio dinâmico e que é uma idealização, aproximamo-nos mais ou menos dele, sem jamais o atingir plenamente

·         Augusto Comte usa a metáfora da reta assintótica: um limite para o qual tendemos continuamente, sem jamais o atingir

·         Considerando a plena positividade, a noção do “estado normal” justifica a máxima segundo a qual “o ser humano torna-se cada vez mais religioso”

§  A palavra “normal”, no âmbito do Positivismo, refere-se portanto ao “estado normal”

-        Estática Social: teoria da religião

o   Observação preliminar: para o Positivismo, “religião” é diferente de “teologia”

o   A religião é o estado de unidade humana individual e social; afetiva, intelectual e prática; por seu turno, a teologia é uma das formas de entender a religião

§  A confusão entre religião e teologia é a mesma que se dá entre os fins (a unidade humana) e os meios (as sínteses teológicas)

§  A idéia de “síntese”, portanto, sugere do ponto de vista intelectual o que a religião propõe para o conjunto da existência humana

§  Como a religião refere-se à unidade do conjunto da existência humana e como essa existência refere-se também, necessariamente, à existência prática, é necessário falar em religião para entender-se a “política positiva” (seja em termos científicos, seja em termos “políticos”)

§  Augusto Comte sugere que a religião é um consenso da alma

§  No início do cap. 1 da Política positiva, Augusto Comte faz uma belíssima retrospectiva histórica das variedades de religião: espontâneas, inspiradas, reveladas, demonstrada: fetichismo, politeísmo, monoteísmo, positivismo

o   A noção de religião regular e une efetivamente as existências individual e coletiva

§  Para o Positivismo, portanto, não faz sentido a oposição absoluta entre sociedade e indivíduo

§  A ligação entre sociedade e indivíduo via religião dá-se por meio das duas funções específicas da religião: regrar e religar (em francês: regler et rallier)

·         A religião regra o indivíduo e religa-o aos demais

·         Para Comte, não por acaso, a etimologia de religião é o latim religare

§  Os vínculos indivíduo-sociedade são variáveis de acordo com a fase histórica considerada

o   A noção de uma realidade externa, objetiva, independente da vontade humana é necessária para o desenvolvimento da religião, em particular no que se refere à parte de regrar (por meio da veneração)

§  A harmonia individual baseia-se sobre uma base dupla: na subordinação do egoísmo ao altruísmo (afetivamente) e na preponderância da realidade exterior (intelectual e praticamente)

o   A ciência suprema é a Moral, mas a base da moralidade positiva é sociológica (e não individual)

§  Uma forma de entendê-lo é por meio da fórmula: “entre o homem e o mundo é necessária a Humanidade”

§  Assim, a noção de Humanidade é o centro da concepção de religião positiva

·         Amor, Ordem, Progresso: aptidão afetiva, natureza intelectual, destinação ativa