11 dezembro 2025

Dia Nacional do Sociólogo – reflexões pessoais em tom de lamento

Dia Nacional do Sociólogo - reflexões pessoais em tom de lamento


Gerado pelo Chat GPT.

No dia 10 de dezembro celebra-se do “Dia Nacional do Sociólogo” no Brasil. Essa é uma data curiosa, que justifica algumas reflexões[1].

Essa é uma profissão importantíssima, embora bastante desvalorizada no Brasil. 

Em face disso, na data muitos colegas fizeram um exercício de autoafirmação, dizendo que têm orgulho da profissão, que são combativos, que resistem e lutam etc. 

Arbitrariamente estabelecida em 10 de dezembro, a celebração da Sociologia deveria ocorrer na verdade em abril, na medida em que ela foi fundada em abril de 1822 por Augusto Comte, no livro Plano dos trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade (popularmente conhecimento apenas como “Reorganizar a sociedade”), reeditado, com acréscimos, em abril de 1824. Entretanto, de maneira chocante, a data e o autor são negados pelos próprios sociólogos (incluindo muitos dos que exercitaram a sua vaidade no dia 10), que em sua “criticidade” combativa desprezam a história, os esforços intelectuais, sociais e afetivos, os parâmetros de cientificidade envolvidos, mais preocupados que estão em defender feudinhos acadêmicos, intelectuais e políticos. 

Todos os sociólogos filiam-se a alguma corrente teórica, metodológica e filosófica. Como consequência direta da alardeada criticidade combativa dos sociólogos, como pessoalmente sigo os parâmetros morais, intelectuais e práticos propostos por Augusto Comte, eu sou um pária acadêmico: minha produção de modo geral não é respeitada, não é valorizada, mal é lida, ainda que eu siga os parâmetros intelectuais e morais considerados aceitáveis para a produção intelectual e científica da área. Em outras palavras, os mesmos críticos combativos que se jactam de “resistirem” e de “lutarem” como sociólogos e como intelectuais fazem o que podem para excluir e desprezar um de seus “pares” e para excluir e desprezar a tradição teórica, filosófica, metodológica e política vinculada ao fundador da Sociologia. 

Não é que haja efetivos problemas com a tradição positivista; o que a criticidade combativa faz, de maneira militante (ainda que nem sempre às claras e de maneira honesta) é criar e manter o preconceito de que “positivista” é igual a tecnocrata, desumanizador, alienante, violento etc. Alguns sociólogos menos dispostos a apoiar tais práticas já reconheceram faz tempo que o Positivismo de modo geral e Augusto Comte em particular foi eleito como o inimigo geral preferencial, o objeto de ódio coletivo, ou seja, o bode expiatório. Dessa forma, por obra dos próprios sociólogos que se jactam de serem combativos e resistentes, muito mais que eles, eu é que me vejo todos os dias obrigado a resistir, a lutar, a combater contra os preconceitos mais tolos, mais desprezíveis, seja como sociólogo, seja como cidadão. 

É importante insistir: no que se refere ao fundador da Sociologia, trata-se dos mais puros e rasteiros preconceitos. Bastaria ler-se direta e honestamente o próprio Augusto Comte – ou, de maneira mais simples e alternativa, os sociólogos e pensadores que seguem ou que se inspiram em Comte, como é modestamente o meu caso – para perceber-se que, de maneira chocante, tudo ou quase tudo o que se atribui a ele é errado, tendencioso e parcial. Duas formas alternativas de entender essa afirmação consistem, em primeiro lugar, em dizer que tudo ou quase tudo o que se atribui a Comte é desinformação; em segundo lugar, consiste no fato desconcertante de que, com estrondosa freqüência, o que os críticos combativos de Augusto Comte defendem é também o que o próprio Comte defendia, embora muito antes e, com freqüência, muito melhor. 

Na verdade, no meu caso particular, a discriminação sofrida – e é disso que se trata, de “discriminação” – recebe uma camada adicional. Profissionalmente eu sou um sociólogo, isto é, um profissional contratado como sociólogo: é isso o que aparece na minha carteira de identidade funcional. Eu trabalho em uma universidade (e, no caso do Brasil, em uma universidade federal), sou pesquisador profissional, mas não sou professor. O problema é que os professores universitários não respeitam os servidores técnico-administrativos (entre os quais se incluem todos os “meros” pesquisadores). Essa falta de respeito inclui sem dúvida os professores de sociologia das universidades federais, mesmo com suas criticidades combativas, justificadas com Marx, com Lênin, com Bourdieu, com Foucault, com Franz Fanon, com Judith Butler, com Djamila Ribeiro, com Bruno Latour, com Hayek, com Karl Popper, com Reinhardt Koselleck, com Florestan Fernandes (e mesmo com Durkheim e com Weber). Como se percebe com facilidade nos congressos científicos de Sociologia (e de Ciências Sociais, o que inclui a Ciência Política, a Antropologia, a Política Internacional e todos os demais feudinhos acadêmicos que se multiplicam raivosamente), a maioria absoluta dos sociólogos brasileiros é de professores universitários. Para minha desgraça pessoal, eu sou desrespeitado pela criticidade combativa por ser positivista e também sou desrespeitado pela criticidade combativa porque sou um sociólogo profissional e não um sociólogo professor: isso, sim, é discriminação interseccional, embora a criticidade combativa não tenha pudor em fingir que ela não existe e que ela pode aplicar-se ao meu caso. 

O resultado disso é que celebrar o dia do sociólogo talvez devesse ser o dia de cada um permitir-se um pouco da satisfação da própria vaidade. Talvez. Mas deveria ser também, e muito antes e muito mais, o dia de revalorizar o fundador da sociologia e, em consequência, de acabar com preconceitos, exclusões, perseguições mantidas pelos próprios sociólogos. 

Por outro lado, a data específica de celebração do Dia Nacional do Sociólogo merece reflexão. Afinal de contas, como estamos no âmbito da Sociologia, é necessário perguntar: por que logo esse dia em particular e não qualquer outro? 

Com a ajuda da internet e da inteligência artificial, com facilidade descobrimos que o dia 10 de dezembro é o Dia Nacional do Sociólogo apenas porque no dia 10 de dezembro de 1980 foi promulgada a lei que instituiu a profissão de sociólogo no Brasil (Lei n. 6.888/1980[2]). Em outras palavras, para além de um mero acaso burocrático – para falar como historicistas rasteiros e os politicistas: para além de um simples acidente histórico e político – não há de verdade nenhum motivo para celebrar-se em tal data o Dia do Sociólogo. Essa data não tem sentido, nem valor, não tem significado nenhum. 

Muitas datas que celebramos têm origem puramente acidental, como nos casos de nascimentos e falecimentos; já as inaugurações podem receber ajustes. Mas se a profissão de sociólogo foi instituída em um determinado dia devido a um acaso burocrático, não há motivo nenhum – é necessário insistir: motivo nenhum – para sacramentar esse acaso burocrático. 

Isso por si só já é bastante ruim. Mas, para piorar, como indicado no projeto de lei que propôs a criação do Dia Nacional do Sociólogo (Projeto de Lei n. 1.456/2022[3], de autoria do Senador Nelsinho Trad), essa ausência de verdadeiros parâmetros foi definida e sacramentada em encontros profissionais e estudantis de sociólogos. Vários encontros decidiram que, em vez de respeitar-se a história da Sociologia – seja como disciplina científica, seja como área praticada no Brasil –, o melhor seria não se respeitar nada além de mesquinhas disputas políticas e tramitações burocráticas para celebrar-se o profissional que deve valorizar hábitos, culturas, valores compartilhados. Digam o que quiserem, para mim isso é motivo de vergonha; insisto: é inadmissível que sociólogos celebrem e institucionalizem a falta de critérios. Isso, aliás, em termos sociológicos é profundamente revelador – da mesma mentalidade que permite, estimula e pratica as discriminações citadas acima, contra os positivistas e contra os sociólogos profissionais. 



[1] Esta postagem reúne, adapta e amplia duas publicações que fizemos no dia 11.12.2025 em nossa conta do Facebook: daí o seu caráter compósito.

[2] Complementada pelo Decreto n. 89.531/1984, que regulamentou essa lei.

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