Reproduzimos abaixo o canto 11 do belíssimo poema Humaníadas, do poeta positivista Edgar de Proença Rosa (Rio de Janeiro, Portinho Cavalcanti, 1982, p. 82-86). Embora sem título, sugerimos para essa canto o título de "O ano sem par".
* * *
11
Oh vós Clotilde, soberana essência
Intemerata e máxima excelência
Dos mais sublimes dons da natureza,
Vós que ao Mestre a vida dedicastes
E a síntese final iluminastes,
Iluminai também meu coração,
Dai-lhe vigor, pureza e sensação
Para que eu possa em versos relembrar
O vosso amor, Senhora e Soberana
O mais sublime amor da espécie humana.
Vinde inspirar, Senhora, o vate ardente
Com vossas sete leis, constantemente
Pelos abrolhos árduos desta vida,
Fazendo a cada instante uma alvorada,
Um canto, uma canção sempre almejada.
Oh, Mestre excelso da Filosofia
Da alta Moral e da Sociologia
Autor sublime e fundador audaz,
Fazei com que a musa que mandais
A esta ardega empresa que inspirais.
Não falte nunca com engenho e arte
Que só de vós promana, e dest’arte
Seguir e prosseguir nesta alta empresa
Que assaz ciência exige e mais valor
Possa eu no crânio com maior amor.
Dai-me o sentido, o senso positivo
Deste que vou, caminho tão furtivo
Seguindo sobre escolhos e tropeços
Fazei com que a musa tão benquista
Não dispareça, agora, à minha vista.
Agora sim, atinge a Humanidade
O limiar da sua adulta idade
E Comte se enamora de Clotilde
Ao som do órgão de São Paulo Apóstolo
Ressoa para sempre um santo ósculo.
No interior daquele batistério
Como envolvido no maior mistério
O amor se ergueu por esse altar sublime
E duas almas para a eternidade
Personificarão a Humanidade.
Dois corações unidos num somente
Plasmarão a estrutura do Grão Ente
Na mais pujante força do Altruísmo,
O Amor glorificando a nossa vida
Belos dias dará a humana lida.
A Humanidade erguida nesse altar
Naquele altar que encerra “o ano sem par”
Os olhos fita num porvir longínquo
E sua lei suprema, então, proclama
Ardendo de paixão, ardendo em chama:
Somente o Amor, de fato, é minha lei,
Outra não quero nem mais outra sei
Que a esta de primeiro não se cumpra,
Merece a vida só quem sabe amar
E quem de amor ardendo não se cansar.
Estendida no tálamo de dor,
Clotilde escuta as juras de um amor,
Do amor que a morte exterminar não pode
Enquanto a vida foge-lhe asinha
Da eterna glória, viva, se avizinha.
Olhar esmaecido e a palidez
Transformam de Clotilde a pura tez
Sobre o leito de morte recostada,
Voz tremente nos lábios sem carmim
Indicam já da vida o triste fim.
Amigo, lembra-te que eu sofro tanto
Que a vida inglória se desfaz em pranto
Embora sofra sem o merecer,
E tomba a fronte úmida e gelada
No altar da vida eterna e venerada.
Viva, vivendo na lembrança eterna
Da espécie humana em união fraterna
Viva, mais viva do que outrora fora
Clotilde exangue sob o olhar de Comte
Deixa tombar na morte a casta fronte.
Vendo o extertor final dessa agonia
Fundo contrai-se a face de Sofia
Ante o leito de morte ajoelhada,
Enquanto o pranto em lágrimas sentido
Banha-lhe o rosto triste, entumescido.
Morta? não morta, que não morre quem
Nesta vida só tendo feito o bem
Se transforma co’a dor que a morte traz
E a dor se vai nos tempos mais crescendo,
Numa lembrança infinda se fazendo.
Morta? não morta, pois que a morte é o nada.
Não morre quem somente transformada
Desta se vai a outra mais suave,
Não morre quem na vida transitória
Mais mereceu o galardão da glória.
Não morre quem o Amor purificou
Mulher embora, como deusa amou,
E a esse amor o Mestre conduziu,
Para Aquela que tanto altruísmo encerra
Nada vale o negror da dura terra.
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