1855-1927
João Montenegro Cordeiro
O APÓSTOLO TEIXEIRA MENDES
(Narração aos moços)
Vi-o no albor da vida, em sôfregos elances,
Matemática ler como outros lêem romances...
Fervoroso, entretanto, olhos levar e ouvidos
Ao quadro de aflições, ao coro de gemidos
Que o Mundo ora apresenta em seu vasto recinto,
E em vez de se perder no icário labirinto
Das ciências sem termo e sem continuidade,
Mais alto o arrebatar o anseio da verdade
Para a Concórdia humana!
Ardego
vi-o então
O rumo demandar que lhe apontava a mão
Destra e forte e leal do gênero que primeiro
A estrela da manhã, perspícuo, alvissareiro,
Lobrigou entre nós.
Sem
falsos tateamentos,
O ímpeto a refrear dos pessoais intentos,
Alheio a glórias vãs, a mundanos agrados,
Pelos firmes degraus dos volumes sagrados,
Vi-o a escada subir – lógico moralista! –
Que do número leva à síntese altruísta.
E a luta começou!... Luta antiga, porém
Sempre nova e sem fim; luta entre o Mal e o Bem.
Luta entre o Anjo e o Demônio; a alma livre e a alma
escrava,
Que em torrentes de sangue e lágrimas se trava
Fora e dentro de nós, sem tréguas, noite e dia,
Em busca do equilíbrio, em prol da simpatia.
Do norte ao sul vi neste país inteiro,
Trêmulo de emoção vi também no estrangeiro.
Sua alma, confundida à do maior Andrada,
Palpitar na bandeira aos ventos desfraldada.
E em meio ao turbilhão efêmero e cambiante
Onde se agita e passa a turba delirante
Grandezas desejando e misérias sofrendo
Num choque de ambições desesperado e horrendo,
Nesse culto ideal de pureza e bondade,
Feito com devoção no altar da Humanidade,
Quem viu um facho igual, de tamanho fulgor,
Sem esmorecimento a irradiar o Amor,
Qual possante farol na escuridão cerrada
Ao náufrago, indicando o porto de chegada?!...
Exultante de fé vi-o na praça pública
O monumento erguer do obreiro da República
Onde à população se ostenta, soberana,
A estátua universal a Providência humana!
Velho, mas sempre moço, eu vi-o finalmente
Reacender entre nós a um público descrente,
A leiga admiração ao católico santo
Cuja feição moral ele nos lembra tanto.
Graças a isso o homem triste, arrastando o seu tédio
P’las ruas da cidade em busca de remédio,
Vai d’ora avante achar, como fonte de alívio
As males da consciência, em afável convívio,
S. Francisco de Assis aos pés de Santa Clara,
Cheio de meiga unção e na atitude cara,
No cérebro extasiado ouvindo murmurar
Prelúdios do Hino ao
Sol, místico e popular...
Curado o enfermo aí do estéril desalento,
Renascendo ao Amor pelo apaziguamento
De instintos pessoais, de errôneas opiniões,
Herdeiro sentir-se-á das idas gerações
Compreendendo enfim que às gerações futuras
Algo cumpre legar de inefáveis venturas,
E alegre, ao assumir uma nova conduta,
O homem regenerado antes de entrar na luta,
Bendirá certamente o apóstolo moderno
Que esse marco plantou no transitar eterno.
Em nume subjetivo o transformando a Morte,
O Mundo a levantar com seu ânimo forte,
Vejo-o hoje ancião glorioso, e entanto, pobre e humilde,
Mas filho espiritual de Comte e de Clotilde!
Rio de Janeiro, 2 de Dante de
139
17
de julho de 1927
Montenegro Cordeiro.
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