11 maio 2025

Diálogo sobre o sincretismo no Positivismo 2

Dando continuidade à postagem do dia 7 de maio (“Diálogo sobre o sincretismo no Positivismo 1“), apresentamos uma outra resposta sobre o mesmo tema, de nossa autoria e de caráter mais filosófico-intelectual e dada no dia 11.5.2025. 

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Estudante

Uma pergunta, que pode parecer bobagem. Nas religiões afro-brasileiras é comum o sincretismo dos santos católicos com os orixás (São Jorge = Ogum etc.) por questões históricas. No Positivismo em algum momento houve o sincretismo da Humanidade com a Virgem Maria? Os positivistas podem associar os dois símbolos (Humanidade e Maria) nos cultos? Seja em particular, seja em público – por exemplo, fazendo um altar positivista com a imagem de Maria.

Gustavo

Caro ***: tudo bem? Bom dia.

A sua pergunta dá o que pensar. Eu estava redigindo uma resposta mas, à medida que escrevia, dava-me conta de outros aspectos, em particular em termos do significado do “sincretismo”.

Veja só: o sincretismo significa a mistura de cultos e dogmas distantes, na verdade incompatíveis entre si: os cultos afro-brasileiros, por exemplo, misturam cultos fetichistas e politeístas (de origem africana e mesmo indígena) com cultos monoteístas (o mais das vezes católico, mas também islâmicos). No final das contas, o monoteísmo é absorvido pelo politeísmo; de outra maneira, não seria possível essa incorporação; além disso, para empregar a expressão que você usou, trata-se mesmo de uma “ressignificação” do monoteísmo nos termos do politeísmo.

A incompatibilidade dos dogmas – na verdade, trata-se disso, mais que de incompatibilidade dos cultos –, no caso dos cultos afro-brasileiros, resolve-se pela absorção dos monoteísmos pelos politeísmos. Isso é próprio à natureza dos politeísmos, em que, no sincretismo, as grandes divindades monoteístas simplesmente passam a integrar o panteão; já os monoteísmos até aceitam integrar a si os politeísmos, na forma de seres inferiores à deidade principal (anjos, dervixes, demônios e até santos).

Insisto na noção de sincretismo como incorporação de um dogma a outro porque, no fundo, o problema consiste muito mais em problemas de dogma que de culto; trata-se de incorporar a lógica de um sistema à do outro, embora sejam práticas cultuais. Mas enquanto na teologia os dogmas submetem-se a partir da modificação de sua própria lógica, no Positivismo nós aplicamos o relativismo e, ao mesmo tempo, (1) positivamos o que há de positivável nos demais dogmas e, de qualquer maneira, (2) reconhecemos a origem histórica (no caso, teológica) desses demais dogmas. Assim, se for o caso de compartilharmos um determinado culto (e é claro que nem todos os cultos podem nem devem ser compartilhados), ele será positivado e sua origem será reconhecida e valorizada. O exemplo dado antes pelo Hernani, de Prometeu, é realmente um ótimo exemplo, assim como os demais tipos mitológicos (ou míticos) do mês de Moisés, incluindo aí o próprio Moisés.

O relativismo positivista permite, então, a incorporação de todos os cultos (o que, insisto, não significa a incorporação da totalidade de todos os cultos), mas sempre com a condição de sua positivação, isto é, de sua relativização. Esse procedimento, que é o sincretismo em ação – pelo menos, uma concepção positiva do sincretismo –, é a única forma possível de ao mesmo tempo respeitar todos os cultos e de incorporá-los à vida religiosa da Humanidade, sem injustiça para os cultos anteriores e sem incoerência para conosco. Sendo mais direto e mais claro: o sincretismo positivo é a única forma de praticar um verdadeiro universalismo religioso; todas as outras formas incorrem nos defeitos moral, intelectual e prático (1) de exclusão, ou (2) de deturpação, ou (3) de incoerência (ou uma combinação deles).

Se minha pretensão é aceitável, estes meus comentários são uma formulação mais intelectual e filosófica e, espero, equivalente, das reflexões mais cultuais e religiosas feitas anteriormente pelo Hernani.

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