Trata-se de concepções segundo as quais a ciência é apenas um conjunto de "versões", em que se pode escolher à la carte o que se deseja; essas concepções, além de evidentemente esposadas pelos variados teológicos (cristãos e muçulmanos, por exemplo), também são defendidas pelos metafísicos, acadêmicos ou não (nos quais se incluem na linha de frente os chamados "pós-modernos").
A publicação original em português, ocorrida no jornal Gazeta do Povo de 15 de setembro de 2015, está disponível aqui.
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Consenso científico perde espaço para ‘verdades seletivas’
Quando nem a prova mais contundente muda mentalidades
- George Johnson THE NEW YORK TIMES
Há quase meio século, muitos norte-americanos ficaram indignados com uma edição da revista “Time”. Em vez do habitual retrato de um líder mundial —Indira Gandhi, Lyndon Johnson ou Ho Chi Minh—, a capa de 8 de abril de 1966 trazia apenas três palavras em vermelho sobre um austero fundo preto: “Deus está morto?”.
Milhares de pessoas enviaram cartas de protesto à “Time”. Mas o motivo de tanto furor —um longo ensaio de 6.000 palavras, algo característico da revista na época— não era, como muita gente imaginou, um libelo contra a religião.
Citando inúmeros filósofos e teólogos, o então editor de religião da “Time” analisava ponderadamente a forma como a sociedade estava se adaptando ao papel cada vez menor da religião numa era de secularização, urbanização e avanço da ciência.
Astronautas começavam a caminhar pelo Espaço, e era natural supor que as pessoas acreditariam cada vez menos em algo só por terem sempre acreditado. A fé progressivamente daria lugar ao método científico, à medida que a humanidade convergisse para uma melhor compreensão do real.
Quase 50 anos depois, esse sonho parece estar desmoronando.
Em sucessivas frentes, o consenso científico arduamente conquistado vai sendo moldado para acomodar crenças pessoais, religiosas ou não, a respeito de assuntos como segurança das vacinas, cultivos transgênicos, uso do flúor ou ondas de rádio emitidas por celulares, sem falar na existência ou não da mudança climática global.
Como os criacionistas com seu “design inteligente”, os seguidores dessas causas chegam armados da sua própria ciência pessoal, montada com o auxílio de buscas na internet que inevitavelmente revelam as contorções feitas por grupos interessados.
Numa tentativa de diluir essa forma de sabedoria popular, o Google recentemente alterou seu algoritmo para que uma busca sobre “vacinação” ou “fluoretação”, por exemplo, coloque informações com respaldo médico no topo da lista de resultados.
No entanto, aparentemente, muita gente não se convence com essa oferta de trabalhos científicos confiáveis. Um estudo publicado no mês passado na revista “Proceedings”, da Academia Nacional de Ciências dos EUA, sugeriu que, para demover os participantes do movimento antivacina, o mais eficaz seria apelar para suas emoções, mostrando relatos e fotos de crianças com sarampo, caxumba ou rubéola —um lembrete de que as pessoas ainda confiam mais nos seus sentimentos subjetivos do que nos conhecimentos científicos.
Até mesmo condições já descritas como patologias estão sendo redefinidas. Enquanto alguns pais se apegam a pesquisas desacreditadas que culpam as vacinas pelo desenvolvimento do autismo, outros encaram esse transtorno meramente como uma outra forma de ser, chegando a propor um novo movimento dos direitos civis que promova a “neurodiversidade”, tema de um livro lançado em agosto por Steve Silberman.
Vendo de longe, o mundo parece quase à beira de admitir que não existem verdades, apenas ideologias concorrentes —narrativas lutando contra narrativas. Nessa guerra epistemológica, os mais poderosos são acusados de impor a sua versão da realidade —o “paradigma dominante”— sobre os demais, cabendo ao lado mais fraco reagir com suas próprias formulações. Tudo vira versão.
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