14 agosto 2024

Bandeira nacional: esquema sobre o "Ordem e Progresso"



"Só se destrói o que se substitui" e "conservar melhorando"

No dia 2 de Gutenberg de 170 (13.8.2024) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista (em sua duodécima conferência, dedicada à exposição histórica da evolução humana, isto é, da religião, em particular do fetichismo e do politeísmo).

No sermão abordamos as fórmulas "só se destrói o que se substitui" e "conservar melhorando".

A prédica foi transmitida no canal Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/o6uT4); devido a problemas técnicos, não foi possível transmiti-la no canal Positivismo. Ainda assim, a partir do Facebook, a prédica foi carregada no canal Positivismo (aqui: https://l1nq.com/uoBHN).

Os tempos da prédica são estes:

00 min 00 s - início da prédica

05 min 00 s - exortações

22 min 00 s - efemérides

26 min 00 s - início da leitura comentada do Catecismo positivista

1h 02 min 00 s - início do sermão

1h 58 min 00 s - término da prédica

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Sobre as fórmulas “Só se destrói o que se substitui” e “conservar melhorando”

(2 de Gutenberg de 170/13.8.2024)

1.       Abertura da prédica

2.       Exortações

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides

3.1.    1 de Gutenberg de 170: 700 anos da transformação de Marco Polo

3.2.    3 de Gutenberg de 170: 500 anos da transformação de Vasco da Gama

4.       Leitura comentada do Catecismo positivista

4.1.     Duodécima conferência, sobre a evolução histórica da religião, em particular sobre o fetichismo e o politeísmo

5.       Sermão: sobre as fórmulas “Só se destrói o que se substitui” e “conservar melhorando”

5.1.    Essas duas fórmulas são características do Positivismo

5.1.1. Outras filosofias e correntes políticas por vezes até as usam, mas, não por acaso, isso é raro

5.2.    Essas duas fórmulas apresentam com clareza o espírito construtivo do Positivismo e sua tendência antidestruidora

5.2.1. Sendo muito claro, essas fórmulas indicam um claro e honroso conservadorismo positivista

5.2.2. Como veremos adiante, o nosso conservadorismo não implica reacionarismo, nem imobilismo, nem servidão

5.2.3. Além disso, ele implica, exige e evidencia que tenhamos clareza a respeito do que é a ordem, do que é o progresso e das relações entre ambos

5.2.3.1.             Além disso, ele também se refere ao republicanismo (embora não tratemos desse aspecto nesta prédica)

5.3.    Essas duas fórmulas eram conhecidas largamente no século XIX e foram empregadas por Augusto Comte pelo menos no Catecismo positivista (“só se destrói o que se substitui” – “on ne détruit que ce qu’on remplace”, p. 3) e no Apeloaos conservadores (“conservar melhorando” – “conserver en améliorant”, p. XIII)

5.3.1. O “só se destrói” foi tornado famoso por Luís Napoleão Bonaparte; mas, como indica Miguel Lemos nas notas do Catecismo positivista (p. 449), podemos com facilidade atribuí-la a alguém muito superior, ou seja, a Danton

5.3.2. É curioso notar, além disso, que essa frase também é atribuída a Nietzsche (atribuída a ele em 2014 por Olavo de Carvalho, o que já dá a medida de o quanto é suspeita essa referência)

5.4.    Como trataremos do conservadorismo e do conservar, vale a pena vermos o que Augusto Comte indicou a respeito do adjetivo “conservador”

5.4.1. Augusto Comte indica que a expressão “conservador” surgiu na França, como título de um jornal hebdomadário (semanal) mantido por Luís de Bonald e Francisco-Renato Chateaubriand, com o apoio de Lamennais, durante a segunda metade da década de 1810; reacionários, esses autores aceitavam todavia muito do programa da Revolução Francesa (mesmo o programa destruidor); caído no esquecimento, depois, na chamada Monarquia de Julho (de Luís Felipe, 1830-1848), o termo foi retomado por antigos revolucionários que se tornaram retrógrados

5.4.2. Em 1855, já sem o parlamentarismo na França, Augusto Comte observa que “Assim começou a fase final do título de Conservador que, adotado de hoje em diante por republicanos libertos da atitude revolucionária, pode indicar por toda parte a disposição de conservar melhorando” (Apelo, p. XIII)

5.5.    Essas duas frases têm sentidos bastante claros:

5.5.1. O “conservar melhorando” indica (1) que devemos adotar como comportamento geral a conservação das instituições; mas (2) que essa conservação (2.1) não pode ser estática (2.2) mas esse movimento não é qualquer movimento, (2.3) não pode ser retrógrado, ou seja, (2.4) tem que ser progressista

5.5.2. No que se refere ao “só se destrói”: (1) a destruição, por si só, não tem valor; (2) a destruição deve subordinar-se a objetivos construtivos, construidores; (3) não é correto nem útil, dos pontos de vista moral e prático, destruir algo sem ter algum substituto para esse algo: sem o substituto, o ser humano fica à deriva (para Augusto Comte, tem-se então a anarquia)

5.5.3. O sentido de ambas as fórmulas é e tem que ser complementar; isso significa que tomadas isoladamente elas podem ser entendidas como contraditórias

5.5.3.1.             Na verdade, a complementaridade dessas fórmulas significa que elas têm sentidos que se sobrepõem, mas que há detalhes específicos de cada uma delas

5.5.4.  O sentido geral dessas frases, então, é que de modo geral temos que ser conservadores e procurar o melhoramento das instituições e das práticas; mas há situações em que a destruição tem que ocorrer

5.5.4.1.             A necessidade de destruição – ou de supressão, ou de mudanças mais pronunciadas – apresenta-se quando o progresso impõe-se

5.5.4.2.             Exemplos bastante claros: a substituição do absolutismo pelo relativismo, com as substituições correlatas das monarquias pelas repúblicas, da teologia pela positividade, da teocracia pela separação entre os dois poderes

5.6.    O sentido dessas frases tem um aspecto evidentemente político, mas esse aspecto pressupõe e implica sentidos filosóficos e morais

5.6.1. Assim é que essas fórmulas afirmam a positividade e levam em consideração a teologia e a metafísica

5.6.2. O aspecto construtivo dessas frases deixa claro que a metafísica é particularmente visada, devido ao caráter essencialmente crítico, ou seja, destruidor da metafísica

5.6.3. Inversamente, o aspecto orgânico e “conservador” (devido à dinâmica social e política vigente desde a Revolução Francesa, em que a teologia perdeu a liderança social) da teologia conduz a que se conceda a ela um certo respeito

5.6.4. Algumas observações específicas sobre a teologia e a metafísica antes de seguirmos adiante:

5.6.4.1.             A teologia e a metafísica são ambas absolutas: esse absolutismo tem inúmeras características e conseqüências, mas, aqui, podemos simplificar e entendê-lo como sendo a mentalidade do “tudo ou nada”

5.6.4.1.1.                   Além disso, como sabemos, a metafísica é a degradação da teologia (donde, aliás, o comum absolutismo de ambas), o que às vezes resulta em que a metafísica é uma teologia disfarçada e em outras ocasiões ela é a antiteologia

5.6.4.1.2.                   Em todo caso, enquanto a teologia muitas vezes – mas não sempre! – apresenta um caráter orgânico, a metafísica é sempre crítica, destruidora

5.6.4.2.             Dito isso, vale notar que o relativo respeito dado à teologia não implica que ela em si deva ser seguida e/ou que suas concepções sejam corretas: significa apenas que ela, com freqüência (mas não sempre), tornou-se “conservadora”, ou seja, não revolucionária, não destruidora

5.6.4.2.1.                   Esse respeito, então, não é ao conteúdo da teologia, mas a aspectos da sua prática social e política

5.6.4.3.             Por outro lado, devido à escandalosa e degradante importância social, política, moral e intelectual que a metafísica apresenta atualmente, é importante afirmar e reafirmar com clareza: recusar a metafísica e seu espírito destruidor não equivale, de maneira nenhuma, a “aceitar as coisas como elas estão” ou o “statu quo” ou, o que é equivalente para essa mentalidade, não equivale a aceitar e/ou a justificar injustiças

5.6.4.3.1.                   Assim, ao contrário do que o senso comum pressupõe e que a mentalidade metafísica afirma, criticar a metafísica não implica, de maneira nenhuma, ser a favor das injustiças nem ser a favor da retrogradação

5.6.4.3.2.                   A rejeição à metafísica e à criticidade metafísica consiste em recusar o espírito destruidor sistemático e a noção altamente equivocada e infantil de que o progresso consiste em destruir as coisas, buscando situações de terra arrasada

5.6.4.3.3.                   De maneira conexa, a rejeição à metafísica consiste em rejeitar o espírito forte e violentamente anti-histórico próprio à metafísica

5.6.4.3.4.                   O espírito destruidor e anti-histórico próprio à metafísica é fácil e exemplarmente visto no marxismo e no feminismo identitário: ambos rejeitam a história, adotam uma perspectiva “tudo ou nada”, criam entidades (o “capitalismo”, o “patriarcado”), não propõem de verdade nada de real etc.

5.6.4.4.             Inversamente, é central lembrar que a caracterização que Augusto Comte faz do Positivismo no Apelo aos conservadores, de 1855, como sendo conservador é complementar à caracterização feita em 1848-1851 no Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo como o Positivismo sendo o “socialismo sistemático”

5.6.4.4.1.                   Evidentemente, essa necessária compatibilidade exige a rejeição dos absolutos filosóficos (e, daí, a harmonia da ordem com o progresso)

5.7.    O entendimento adequado – ou seja, o entendimento positivo: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático – do “conservar melhorando” e do “só se destrói” implica conjugar a ordem com o progresso

5.7.1. Isso, por sua vez, implica sabermos o que são a ordem e o progresso

5.7.1.1.             As concepções parciais da ordem e do progresso adotam perspectivas que opõem uma à outra e que, portanto, negam-se mutuamente

5.7.1.2.             É importante dizê-lo com clareza: apenas o Positivismo afirma a necessidade de compatibilizar a ordem e o progresso e, portanto, de ultrapassar as vistas e as práticas parciais próprias à ordem sem progresso e ao progresso sem ordem

5.7.2. A verdadeira concepção de ordem, que é a concepção apresentada apenas pelo Positivismo, não é o retorno à Idade Média, aos tempos bíblicos ou, mais recentemente, à violência político-militar do regime de 1964 (como querem os retrógrados/reacionários, ou a “direita”); a ordem também não é a aceitação das injustiças sociais ou a paz de cemitério (como querem os revolucionários, ou a “esquerda”)

5.7.3. A verdadeira concepção de progresso, que é a concepção apresentada apenas pelo Positivismo, não é a rejeição da ordem social, não é a anarquia institucionalizada, não é a ausência de parâmetros, não é a destruição sistemática e sistematizada, não é o espírito anti-histórico (como querem ao mesmo tempo os retrógrados/reacionários e os revolucionários)

5.7.4. A ordem é o respeito pelas instituições humanas fundamentais, respeito que contemple e permita ao mesmo tempo o desenvolvimento da natureza humana; inversamente, o progresso é esse desenvolvimento da natureza humana, que ao mesmo tempo modifica e consolida a ordem

5.7.5. Como definiu Augusto Comte: “a ordem é a consolidação do progresso; o progresso é o desenvolvimento da ordem”

5.7.5.1.             Em outras palavras, a ordem deve ser entendida como ordenamento, como arranjo, ao passo que o progresso deve ser entendido como desenvolvimento, como aperfeiçoamento

5.7.5.2.             Isso significa que toda ordem tem aspectos fundamentais que, com o passar do tempo, naturalmente se modificam e evoluem conforme as características próprias a essa ordem (ou a esse sistema); o progresso, que está implicado nessa concepção de ordem, consolida as instituições da ordem

5.7.6. Deveria ser evidente, mas cumpre afirmar e reafirmar, mesmo sob o risco de repetirmos algumas idéias que já expusemos aqui: essas concepções de ordem e de progresso estão muito, muito, muito distantes do que se tem vulgarmente por “ordem” e “progresso”, seja porque afirmamos com clareza a realidade e a correção de ambas as noções, seja porque nossos conceitos de ordem e progresso afastam-se radicalmente das concepções retrógradas/reacionárias e revolucionárias

5.8.    Em suma:

5.8.1. As fórmulas “só se destrói o que se substitui” e “conservar melhorando” são caraterísticas do Positivismo

5.8.2. Elas indicam a importância da conservação das instituições, das práticas, dos sentimentos

5.8.2.1.             Essa conservação tem um sentido contrário à destruição sistemática proposta pela metafísica política (ou seja, pelo espírito revolucionário)

5.8.2.2.             Inversamente, essa conservação não implica o reacionarismo, nem a retrogradação, nem a aceitação das injustiças, nem a paz de cemitério

5.8.3. Esse conservadorismo implica a união da ordem com o progresso, o que só é possível no e com o Positivismo

5.8.3.1.             “A ordem é a consolidação do progresso, o progresso é o desenvolvimento da ordem” – ou seja:

5.8.3.2.             A ordem deve ser entendida como arranjo, ou seja, como instituições fundamentais que evoluem com o passar do tempo

5.8.3.3.             O  progresso deve ser entendido como o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das instituições, além da consolidação dessas instituições

6.       Término da prédica

08 agosto 2024

Sobre a Revolução Francesa

No dia 23 de Dante de 170 (6.8.2024) retornamos das férias e retomamos as prédicas positivas, com a leitura comentada do Catecismo positivista, em sua duodécima conferência, dedicada à exposição da evolução histórica do desenvolvimento humano e das religiões (tratando em particular do fetichismo e do politeísmo).

Na parte do sermão abordamos a Revolução Francesa, especialmente a interpretação sociológica, intelectual e moral desse grande evento.

Antes do sermão indicamos as efemérides ocorridas durante as nossas férias, no mês de Dante.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/pOEvx) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/VmAjo).

As anotações que serviram de base para a exposição oral estão reproduzidas abaixo.

Os horários da prédica são os seguintes:

00 min 00 s - início da prédica

3 min 44 s - exortações iniciais

22 min 18 s - efemérides

32 min 28 s - leitura comentada do Catecismo positivista

57 min 43 s - sermão sobre a Revolução Francesa

2 h 13 min 43 s - término da prédica

*   *   *


Sobre a Revolução Francesa

(23.Dante.170/6.8.2024)

1.       Início

2.       Exortações iniciais:

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade!

2.3.1. Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com

3.       Efemérides:

3.1.    8.Dante (22.7): 201 anos de nascimento de Georges Audiffrent (1823)

3.2.    13.Dante (27.7): 150 anos de nascimento de João David Pernetta (1874)

3.3.    15.Dante (29.7): 800 anos de nascimento de Joinville (1224)

3.4.    16.Dante (30.7): 500 anos de nascimento de Camões (1524)

3.5.    20.Dante (3.8): 34 anos da transformação de David Antônio da Silva Carneiro (1990)

3.6.    26.Dante (9.8): 300 anos de nascimento de Klopstock (1724)

3.7.    27.Dante (10.8): 200 anos da transformação de Byron (1824)

3.8.    27.Dante (10.8): 107 anos da transformação de Miguel Lemos (1917)

3.9.    28.Dante (11.8): 51 anos da transformação de Luís Hildebrando de Horta Barbosa (1973)

3.10.                     12 a 28 de Dante (26.7 a 11.8): Olimpíadas de Paris

4.       Leitura comentada do Catecismo positivista: duodécima conferência, dedicada à evolução histórica da religião, em particular com o fetichismo e com o politeísmo

5.       Sermão: sobre a Revolução Francesa

5.1.    Esse tema foi sugerido por um novo adepto e também pelas Olimpíadas de 2024, que se realizam atualmente em Paris e que apresentaram, em sua abertura, referências à Revolução

5.1.1. A mascote das Olimpíadas, nesse sentido, é o barrete frígio, chamado no evento de “Frige” (“Phryge”), na versão comum e na versão para-olímpica

5.1.2. O barrete frígio tornou-se o símbolo tanto da Revolução Francesa quanto, por extensão, dos revolucionários, dos jacobinos e dos republicanos

5.1.3. O barrete frígio é um chapéu vermelho com abas na frente das orelhas e uma ponta acima da cabeça; ele é “frígio” porque teve origem na Frígia, que é uma região no centro da Turquia

5.1.3.1.             Desde o início da Revolução ele foi recuperado e adotado pelos sans-culottes, isto é, pelo comum do povo

5.2.    Neste sermão não nos ocuparemos das várias fases da Revolução nem das suas personagens

5.2.1. Isso não se deve a que as fases e as personagens não sejam importantes – bem ao contrário –, mas porque o que nos interessa aqui é o exame sociológico, político, filosófico e moral da Revolução

5.2.2. Vale notar que Augusto Comte e os positivistas sempre deram grande atenção à Revolução, às suas fases e às suas personagens

5.2.2.1.             Augusto Comte dedicava grande atenção em particular à fase da Convenção Nacional (1792-1795) e elogiava muito Danton e seu grupo

5.2.2.2.             Augusto Comte tratou longamente da Revolução:

5.2.2.2.1.                   Nos opúsculos de juventude (por exemplo, na Sumária apreciação do conjunto do passado moderno, de abril de 1820, e no Plano dos trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade, de abril de 1822-1824)

5.2.2.2.2.                   Nos capítulos históricos da Filosofia positiva (lição 55, do v. V, e lições 56 e, principalmente, 57, do v. VI) (1841 e 1842)

5.2.2.2.3.                   No Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo (segunda e terceira partes) (1848, 1851)

5.2.2.2.4.                   No v. III da Política positiva (especialmente o cap. 7) (1853)

5.2.2.3.             Os positivistas, especialmente os franceses, também trataram muito da Revolução:

5.2.2.3.1.                   Pierre Laffitte: A Revolução Francesa

5.2.2.3.2.                   Dr. Robinet: Dicionário da Revolução Francesa, Memória sobre a vida privada de Danton, Condorcet, Movimento religioso durante a Revolução, O processo dos dantonistas etc.

5.2.2.4.             Augusto Comte também incluiu na Biblioteca Positivista a obra História da Revolução Francesa, de François Mignet (1824)

5.3.    No âmbito do Positivismo, a Revolução Francesa é importante (1) como culminação de um amplo processo histórico, (2) como um evento específico e, a partir dessas referências, (3) como início de uma nova era

5.3.1. Além disso, como indicaram alguns sociólogos, a Revolução Francesa é o evento que (4) estimula a fundação da Sociologia e, nesse sentido, a fundação do Positivismo

5.3.2. Vale notar que a interpretação positivista é – como, aliás, de resto, todas as interpretações positivistas – “multidimensional”, abarcando aspectos políticos, sociais, intelectuais e morais

5.3.3. As concepções positivistas sobre a Revolução Francesa – seja pela importância que a Revolução tem para o Positivismo, seja pelos amplos desenvolvimentos teóricos (sociológicos, políticos, morais), seja pelos amplos desenvolvimentos historiográficos – valem por si sós, não devem nada a ninguém e podem e devem ser levadas extremamente a sério

5.3.3.1.             Em contraposição à amplitude moral, intelectual e prática das concepções positivistas sobre a Revolução, ao longo do século XX afirmaram-se e tiveram fama outras perspectivas mais restritas e menos generosas:

5.3.3.1.1.                   O marxismo, com uma interpretação ao mesmo tempo economicista e centrada nas disputas políticas

5.3.3.1.1.1.  Apesar das evidentes e enormes limitações morais e intelectuais próprias ao marxismo, ele tem o mérito de entender a Revolução em um sentido histórico mais amplo, ultrapassando o estrito contextualismo historiográfico liberal

5.3.3.1.1.2.  Muito da interpretação marxista do século XX dedicou-se a entender a Revolução Francesa como um prenúncio – e, daí, como uma justificativa – da Revolução Russa de 1917

5.3.3.1.2.                   O liberalismo, com uma interpretação estritamente política, ou melhor, politicista

5.3.3.1.2.1.  Um dos grandes nomes do revisionismo liberal, de corte politicista, foi François Furet, para quem se deve entender a Revolução estritamente em termos políticos e (ultra)contextualistas, ou seja, desprezando o entendimento sociológico mais amplo

5.3.3.1.2.2.  Embora corretamente criticando a justificativa da Revolução Russa, o fato é que esse revisionismo liberal empobrece e degrada a interpretação histórica, sociológica, intelectual e moral mais ampla da Revolução Francesa – chegando ao ponto de criticar a República e de justificar a monarquia! (Por exemplo, a colega de Furet, a historiadora Mona Ozouf, em Varennes, a morte da realeza (Companhia das Letras, 2009))

5.4.    Como indicamos acima, a Revolução Francesa é a culminação de um amplo processo histórico; esse processo corresponde ao que Augusto Comte chamava de “duplo movimento moderno”, que, por sua vez, é a etapa final da tripla transição ocidental

5.4.1. A tripla transição ocidental é o multimilenar processo de desenvolvimento das características humanas realizado no Ocidente, em que, após o rompimento da ordem estacionária e conservadora das teocracias, o Ocidente desenvolveu sucessivamente os aspectos vinculados à inteligência (na Grécia), à atividade prática (em Roma) e aos sentimentos (na Idade Média)

5.4.2. Após a tríplice transição ocidental, com o desenvolvimento das características da natureza humana, ocorrido sob a teologia, passa a ocorrer a transição do absolutismo para o relativismo, com a decomposição do antigo regime (teológico, militarista) e a constituição da nova sociabilidade (positiva, pacífica)

5.4.2.1.             Assim, embora a explosão revolucionária tenha ocorrido especificamente na França, o amplo movimento social, político, filosófico e moral de que ela foi ao mesmo tempo o clímax e uma etapa é um movimento plenamente ocidental, ou seja, supranacional

5.4.2.2.             Além disso, devido aos seus fundamentos e às suas implicações, não apenas é supranacional e, nesse sentido específico, é civilizacional, como, de maneira mais ampla, é também um acontecimento universal

5.4.2.3.             Da mesma forma, na medida em que o Positivismo é a realização dos mais nobres ideais da Revolução – ideais que não puderam e que não conseguiriam realizar-se durante a Revolução –, o Positivismo assume com clareza uma significação universal, que se realiza clara, explícita e conscientemente nas elaborações de Augusto Comte (daí resultando, aliás, muito do ódio nutrido contra o Positivismo por seus adversários, como os reacionários teológicos, como os reacionários metafísicos (idealistas e liberais), como os revolucionários metafísicos (marxistas, por exemplo) e outros)

5.4.3. Nos termos de Pierre Laffitte (A Revolução Francesa, p. 9), a Revolução Francesa foi uma “crise social”, no sentido de que foi um esforço abortado, pois, do lado negativo, destruiu o Antigo Regime, mas, do lado positivo, apenas se propôs o problema e algumas bases, sem que a questão tenha sido de fato resolvida

5.4.3.1.             O resultado disso foi que a Revolução Francesa, por mais importante e gloriosa que tenha sido, também foi incompleta (Laffitte afirma que seu desenvolvimento foi “vicioso”)

5.4.3.2.             Mas, de qualquer maneira, desde 1789 a crise era tanto inevitável quanto indispensável:

5.4.3.2.1.                   Por um lado, ela evidenciou a caducidade do Antigo Regime, que mantinha instituições desacreditadas e que impedia o desenvolvimento humano

5.4.3.2.2.                   Por outro lado, ela também evidenciou os elementos e as exigências do novo sistema

5.4.3.2.3.                   Além disso, ela também evidenciou que e o quanto os princípios críticos (metafísicos, isto é, voltairianos e rousseaunianos) são incapazes e incompetentes para reorganizar a sociedade

5.4.3.3.             Augusto Comte (Política, I, p. 66 – Discurso preliminar, segunda parte, “Destinação social do Positivismo”) indica que o desenvolvimento efetivo da doutrina construtiva só foi possível a partir do impulso revolucionário (o que, por outro lado, significa que a doutrina construtiva teve que se basear na doutrina negativa)

5.4.4. No trecho abaixo (Política, I, p. 85 – Discurso preliminar, segunda parte, “Destinação social do Positivismo”), Augusto Comte resume o sentido da Revolução e – mais importante – indica que o programa revolucionário mantém-se: “É assim que a extensão total da grande crise põe em plena evidência o verdadeiro caráter geral já assinalado pelo exame direto de sua natureza central. Todas as altas considerações sociais, tanto exteriores quanto interiores, concorrem então para provar que a segunda parte da revolução deve sobretudo consistir em reconstruir, em todo o Ocidente, os princípios e os hábitos, de modo a constituir uma opinião pública cuja irresistível preponderância determina em seguida a formação gradual das instituições políticas convenientes a cada nacionalidade, sob a comum presidência do poder espiritual que terá dignamente elaborado a doutrina fundamenta. O espírito geral dessa doutrina é principalmente histórico, enquanto a parte negativa da revolução deveu fazer prevalecer um espírito anti-histórico. Um ódio cego para com o passado era então indispensável para sair energicamente do antigo regime. Doravante, ao contrário, nossa inteira emancipação exige inicialmente que rendamos a todo o passado uma completa justiça, que se tornará o tributo mais característico do verdadeiro espírito positivo, único suscetível hoje de uma tal aptidão, conforme sua natureza sempre relativa. O melhor sinal da verdadeira superioridade consiste, sem dúvida, para as doutrinas como para as pessoas, em bem apreciar todos os seus adversários”.

5.4.5. A decomposição do antigo regime é espontânea nos séculos XIV e XV (com a emancipação cada vez mais aguda da teologia e o desenvolvimento das atividades pacíficas) e torna-se sistemática nos séculos XVI, XVII e XVIII (com o protestantismo, as guerras de religião, o Iluminismo e a independência das colônias)

5.4.5.1.             Durante a decomposição espontânea, o antigo sistema foi atacado pelas bordas; na decomposição sistemática, ele passou a ser atacado no seu conjunto e cada vez mais no seu âmago

5.4.6. A constituição da nova sociabilidade é concomitante à decomposição do antigo regime, pois os agentes são com freqüência os mesmos nos dois casos: as antigas comunas livres tornam-se centros da atividade industrial (isto é, pacífica), a ciência desenvolve-se cada vez mais, minando as bases filosóficas e morais das antigas crenças, ao mesmo tempo que apóia e estimula as atividades pacíficas

5.4.7. Esses dois processos intensificaram-se cada vez mais; no século XVIII a afirmação e a proposição da nova sociabilidade ocorria com clareza

5.4.8. A França era o centro da Europa ocidental, tanto em termos geográficos quanto, principalmente, morais e filosóficos

5.4.8.1.             A essa centralidade francesa somava-se também o fato de que a monarquia francesa era a mais centralizada e a que mais concentrava as contradições do antigo regime (apoio às forças progressistas, manutenção das forças conservadoras e retrógradas)

5.4.8.2.             As tensões sociais, políticas e filosóficas aumentavam cada vez mais na França, resultantes de processos que vinham dos séculos anteriores e que no século XVIII tornaram-se bastante agudas

5.4.8.3.             Dessa forma, a situação social, política, filosófica, moral e até econômica da França conduzia-a cada vez mais para uma crise, que irrompeu afinal em 1789 (ou melhor, em 1788)

5.4.8.4.             Como indicamos antes, o sentido da Revolução Francesa, portanto, não foi apenas o de uma alteração de regime político; não por acaso, ela terminou o “antigo regime”, ou seja, a ordem própria à Idade Média, à ordem absoluta, teológico-militar (católico-feudal, de modo mais específico), e inaugurou a ordem moderna, relativa, positivo-pacífica

5.4.8.4.1.                   Em outras palavras, a Revolução Francesa tem um significado amplamente histórico e não somente ocidental, mas verdadeiramente universal

5.4.8.4.2.                   Quem reduz a Revolução Francesa apenas aos seus movimentos políticos e sociais, esvaziando seu conteúdo sociológico mais amplo, na verdade tem uma percepção reduzida da história da Humanidade e não entende os amplos processos sociais, políticos e filosóficos envolvidos

5.4.9. Esse é o relato sumário da filosofia da história positivista, ou melhor, da Sociologia Dinâmica; esse relato está exposto e desenvolvido cada vez mais, de maneira clara, ao longo de toda a carreira de nosso mestre

5.4.10.   É a partir dessa interpretação que Augusto Comte observa que a república (e o republicanismo), derivada política e logicamente da Revolução, tem duas partes conexas:

5.4.10.1.          Por um lado, o aspecto negativo, que é o fim da monarquia

5.4.10.2.          Por outro lado, o aspecto positivo, que é a sociedade agindo em benefício do bem comum

5.5.    Os aspectos específicos, conjunturais, da Revolução Francesa são subordinados ao seu desenvolvimento histórico mais amplo (essa é uma outra forma de dizer que o relato historiográfico subordina-se à explicação sociológica)

5.5.1. Embora os acontecimentos contextuais subordinem-se aos constrangimentos sociológicos, eles têm sua “autonomia”, na medida em que os agentes concretos atuam com e pensam com suas próprias cabeças

5.5.2. Uma outra forma de entender isso é que os agentes concretos, além de representarem e implementarem (consciente e inconscientemente) escolas filosóficas e programas políticos específicos, também tomam decisões conforme os diversos momentos a partir de seus caracteres – o que pode conduzir as conjunturas para o sucesso, para o fracasso ou para situações intermediárias

5.5.2.1.             Como indicamos antes, Augusto Comte recomendava a História da Revolução Francesa, de François Mignet, para conhecer-se os vários acontecimentos do período (esse livro, que está na Biblioteca Positivista, foi traduzido e publicado por positivistas paulistas em 1898)

5.5.2.2.             Também como indicamos antes, muitos positivistas escreveram muito sobre a Revolução Francesa; por exemplo, Pierre Laffitte e, ainda mais, o dr. Robinet

5.5.2.3.             Por outro lado, também vale notar que a valorização da ação (ou da agência) individual em contextos específicos criados pelos antecedentes sociológicos revela-se nas avaliações feitas por nosso mestre da atuação de Danton, de Hoche e de Napoleão

5.5.3. Augusto Comte, no “Prefácio” ao v. III da Política (p. XL) faz os seguintes comentários: “A história caracterizará sempre a revolução francesa conforme o abalo radical de 1793, sem se deter no vago prólogo de 1789, que aceitou então os diversos contra-revolucionários. Tornada irrevogavelmente retrógrada desde a segunda metade do reinado de Luís XIV [1661-1715], a realeza francesa sucumbiu definitivamente com Luís XVI, após um século de putrefação crescente, que marcou um tal resultado. Jamais ela [a monarquia] foi restabelecida depois, malgrado as diversas ilusões oficiais, em que, tomando as palavras pelas coisas, esqueceu-se de que suas duas características essenciais, a inviolabilidade e a hereditariedade, não pertencem a nenhum de nossos ditadores sucessivos. Mas o empirismo universal não sente suficientemente tal situação necessariamente republicana da França senão depois da reversão da nossa última ficção monárquica [a chamada “Monarquia de Julho”, 1830-1848]”.

5.5.4. Assim, conjunturalmente, a Revolução Francesa eclodiu porque o Estado francês enfrentava grave crise financeira, decorrente entre outros motivos do apoio francês à exitosa guerra de independência dos Estados Unidos

5.5.5. Para fazer frente às necessidades financeiras (e aumentar os impostos), o ministro das finanças Necker foi obrigado em julho de 1788 a convocar os Estados Gerais, um conselho geral da nação francesa; os Estados Gerais não eram convocados desde a época de Richelieu, em 1614 (o que evidencia o despotismo); os Estados Gerais eram organizados em três estados (ou três ordens): o clero; a nobreza; o “terceiro estado” (os plebeus, ou seja, a burguesia e o proletariado urbano e rural), todos presididos pelo rei

5.5.6. Devido à pressão pública e à necessidade de legitimação, os Estados Gerais foram desde o início abertos às demandas populares, o que tornou o evento explosivo; logo que se iniciou a assembléia, as coisas saíram do controle do governo e assumiram uma dinâmica própria

5.5.7. Esquematicamente, as fases da Revolução são as seguintes: Assembléia Nacional Constituinte (1788-1792); Convenção Nacional (1792-1795); Diretório (1795-1798)

5.5.7.1.             Na assembléia nacional o antigo regime foi formalmente extinto e o rei foi submetido a um parlamento; na Convenção Nacional a monarquia foi extinta, a República foi proclamada e os antigos soberanos foram decapitados (por traição); no Diretório o ritmo revolucionário diminuiu, a República manteve-se mas não se conseguiu manter o ímpeto nem ter parâmetros para a reorganização social, resultando no golpe militar de Napoleão, em 1798, com o consulado e, em 1802, com o Império

5.5.7.2.             O essencial da Revolução aconteceu, portanto, um pouco na Assembléia Nacional e, principalmente, na Convenção Nacional

5.5.8. Augusto Comte determinou três grupos na Revolução, dois deles mais metafísicos (destruidores) e um positivo (construtivo, humano e positivo):

5.5.8.1.             Os voltairianos (a Gironda, da baixa burguesia, liderada por Brissot), que destruíam o altar mas mantinham o trono;

5.5.8.2.             Os rousseaunianos (liderados por Robespierre), que destruíam o trono mas mantinham o altar;

5.5.8.3.             Os dantonistas (herdeiros da Enciclopédia, ou seja, de Diderot), que buscavam reorganizar a sociedade em bases positivas, sem deus nem rei

5.5.8.4.             Os construtores foram precedidos por muitos pensadores (Pierre Laffitte, A Revolução Francesa, p. 8):

5.5.8.4.1.                   O grupo cosmológico: Clairaut, D’Alembert, Monge, Lagrange, Laplace, Lavoisier, Guyton de Morveau, Berthollet, Vicq-d’Azir, Buffon, Lamarck etc.

5.5.8.4.2.                   O grupo sociólogo: Montesquieu, Turgot, Condorcet, Quesnay, Gournay, Mirabeau pai etc.

5.5.8.4.3.                   O grupo moral: Diderot, D’Holbach, Georges Leroy, De Brosse etc.

5.5.8.4.4.                   Além de, fora da França, Beccaria, Kant e, acima de todos, David Hume

5.5.8.5.             Enquanto os girondinos foram importantes durante a assembléia nacional, os jacobinos (que combinavam os rousseaunianos e os dantonistas) foram importantes durante a Convenção Nacional

5.5.8.6.             A Convenção Nacional foi a responsável pela República; pelo fim das academias medievais; pela criação da Escola Politécnica; pela defesa nacional e por muitos outros atos importantes

5.6.    As paixões, o ardor político popular, o choque entre grupos sociais, as mudanças sociais, políticas, filosóficas – tudo isso abalou profundamente a Europa e levou as gerações seguintes de pensadores a refletirem sobre a Revolução Francesa

5.6.1. Exemplos banais disso:

5.6.1.1.             A celebrização e a difusão da fórmula “Liberdade, igualdade, fraternidade”

5.6.1.2.             A afirmação da “questão social”

5.6.1.3.             A extinção crescente da sociedade de castas (afirmada e mantida pela monarquia e pela teologia)

5.6.1.4.             A difusão do republicanismo, seja como regime político (formal), seja como princípio moral e político (de fundo)

5.6.1.5.             A criação e a difusão dos conceitos de “direita” e “esquerda” (originários das divisões políticas e geográficas da assembléia nacional)

5.6.1.6.             A constituição do pensamento político conservador (Reflexões sobre a revolução em França, de Edmund Burke) e reacionário (Do papa e Saraus de São Petersburgo, de José de Maistre e Teoria do poder político e religioso, de Luís de Bonald)

5.6.2. Assim, a Revolução Francesa foi o acontecimento geral que exigiu a criação da Sociologia; como argumentou corretamente nesse sentido Raymond Aron (As etapas do pensamento sociológico), a Sociologia e o Positivismo foram a forma encontrada por Augusto Comte para entender e explicar a Revolução Francesa e tirar lições e conseqüências dela

5.6.3. Uma conseqüência muito clara, muito direta e muito frutífera que Augusto Comte tirou da Revolução Francesa é, a partir dela, a dinâmica oscilante e oposta entre os revolucionários e os retrógrados, ou entre a anarquia e a retrogradação, ou entre a ordem e o progresso

6.       Término da prédica