Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
12 janeiro 2015
"A Humanidade", de Eduardo de Sá
A pintura abaixo, em dois formatos diferentes, é de Eduardo de Sá, A Humanidade com o porvir em seus braços (1900), do acervo da Casa de Clotilde de Vaux, em Paris.
Conforme as indicações de Augusto Comte, a Humanidade deve ser u'a mulher na faixa dos 30 anos; geralmente as feições da esposa subjetiva de Comte, Clotilde de Vaux, são utilizadas para tais representações.
As simbologias da imagem são claras: a Humanidade, consistindo do conjunto dos seres humanos convergentes passados, futuros e presentes, protege o futuro. Além disso, a mulher educa as novas gerações, formando o caráter dos seres humanos (altruístas, sintéticos, sinérgicos).
Conforme as indicações de Augusto Comte, a Humanidade deve ser u'a mulher na faixa dos 30 anos; geralmente as feições da esposa subjetiva de Comte, Clotilde de Vaux, são utilizadas para tais representações.
As simbologias da imagem são claras: a Humanidade, consistindo do conjunto dos seres humanos convergentes passados, futuros e presentes, protege o futuro. Além disso, a mulher educa as novas gerações, formando o caráter dos seres humanos (altruístas, sintéticos, sinérgicos).
29 dezembro 2014
Comemorações de 227 (2015)
NOME
|
VIDA
|
CALENDÁRIO
|
J.-G.
|
WIKIPÉDIA
|
Aristides
|
535 ac-468 ac
(2550 anos)
|
3.César
|
25.abr
|
|
Aristipo
|
435 ac-356 ac
(2450 anos)
|
15.Aristóteles
|
12.mar
|
|
Ctesíbio
|
285 ac-222 ac
(2250 anos)
|
11.Arquimedes
|
5.abr
|
?
|
DANTE
|
1265-1321
(750 anos)
|
Dante
|
16.jul.-12.ago.
|
|
Fulton
|
1765-1815
(250-200 anos)
|
19.Gutenberg
|
31.ago
|
|
Heráclito
|
535 ac-475 ac
(2550 anos)
|
3.Aristóteles
|
28.fev
|
|
Heródoto
|
485 ac-420 ac
(2800 anos)
|
6.Aristóteles
|
3.mar
|
|
Herófilo
|
335 ac-280 ac
(2350 anos)
|
2.Arquimedes
|
27.mar
|
|
Maria de Molina
|
1265-1321
(750 anos)
|
1.Frederico
|
5.nov
|
|
Mme. de Motteville
|
1615-1689
(400 anos)
|
16.Shakespeare
|
25.set
|
|
Ramus
|
1515-1572
(500 anos)
|
4.Descartes
|
11.out
|
|
S. Benedito
|
1165-1184
(850 anos)
|
20.São Paulo
|
9.jun
|
|
Sta. Teresa
|
1515-1582
(500 anos)
|
24.São Paulo
|
13.jun
|
|
Vauvenargues
|
1715-1747
(300 anos)
|
11.Descartes
|
18.out
|
FONTE: Wikipédia; “Apêndice” de Apelo aos conservadores (autoria de
Augusto Comte; Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1899), organizado
por Miguel Lemos.
NOTAS:
1.
As
datas de vida foram pesquisadas na internet (basicamente na wikipédia),
considerando que esse procedimento permitiria obter o que há de mais atualizado
a respeito das diversas biografias; além disso, cotejaram-se essas datas com as
disponíveis no “Apêndice” do Apelo aos
conservadores.
2.
Letras
maiúsculas em negrito: nomes de meses.
3.
Letras
em itálico: tipos adjuntos, considerados titulares nos anos bissextos.
4.
As
datas em negrito indicam os anos cujos centenários comemoram-se em 227 (2015).
5.
Os
artigos da Wikipédia foram selecionados basicamente em português, mas em
diversos casos ou só havia em outra(s) língua(s) ou eram melhores em outra(s)
língua(s) (francês, inglês, espanhol).
RETRATOS DOS TIPOS
COMEMORADOS
Aristides Fonte: wikipedia. |
Aristipo. Fonte: wikipedia. |
Dante Fonte: wikipedia. |
Fulton Fonte: wikipedia. |
Heráclito Fonte: wikipedia. |
Heródoto Fonte: wikipedia. |
Herófilo Fonte: wikipedia. |
Maria de Molina Fonte: wikipedia. |
Mme. de Motteville Fonte: wikipedia. |
Ramus Fonte: wikipedia. |
São Benedito Fonte: wikipedia. |
Santa Teresa Fonte: wikipedia. |
Vauvenargues Fonte: wikipedia. |
10 dezembro 2014
02 dezembro 2014
"Ordem" e "progresso" como categorias sociopolíticas legítimas
"Ordem" e "progresso" como categorias sociopolíticas
legítimas
Gustavo Biscaia de Lacerda
Um dos motivos por que o
Positivismo é visto como estranho para os dias de hoje e até mesmo (embora incorretamente) como "autoritário" é que
ele afirma com clareza que há uma separação entre governo e sociedade civil e
que a última não deve governar, seja
por motivos práticos – se todos governarem, ninguém governará ninguém; além
disso, se todos governaram, estabelecer-se-á a "soberania popular",
que resulta em totalitarismo e/ou em arbítrio –, seja por motivos morais – quem
governa deve dispor-se ao mando, ou seja, a uma forma particularmente forte de
egoísmo (mesmo que oriente socialmente esse egoísmo).
* * *
O que se chama atualmente de
"esquerda", hoje como desde o século XIX, é sistematicamente
favorável à revolta contra o poder político e contra o poder econômico; além
disso, com freqüência não hesita em sacrificar a liberdade em nome da
igualdade. Nesse sentido, não deixa de ser extremamente significativo o fato de
que são vivamente celebradas as concepções políticas e sociais ditas
"contestatórias", "revolucionárias", "críticas":
o objetivo dessas concepções é apresentar-se de maneira contrária às ordens
estabelecidas, vistas sempre, por definição, como "autoritárias",
"injustas", incorretas e, por vezes, contrárias ao progresso.
* * *
A teoria social e política
contemporânea valoriza acima de tudo o anormal, o esquisito, o desviante, o
marginal: a normalidade e o ajustamento são vistos com intensa desconfiança e
como valores ou objetivos "conservadores". Da mesma forma, o conflito
é visto como elemento central, necessário e positivo da sociedade; a harmonia,
a paz e a concórdia são negativos, prejudiciais e, claro,
"conservadores".
* * *
A esquerda é a favor do
progresso, mas, não somente não o conceitua para além (1) da igualdade e da eqüalização
contínuas e (2) das "mudanças" sociais contínuas, é incapaz de
assumir a mais evidente conseqüência do progresso, que é a diferenciação social
e, portanto, a produção de desigualdades sociais. Em contraposição, cria o
sofisma que opõe as "diferenças" às "desigualdades".
A esquerda chama a si própria de
"progressista", mas o parâmetro que adota para avaliar o progresso é
apenas a realização de seus ideais;
esses ideais, por sua vez, são meramente sonhos políticos, que ignoram a
realidade sociológica, com freqüência em nome das "utopias". Em
outras palavras, defendem mudanças sociais, mas não sabem, nem querem saber, se
tais mudanças são possíveis ou desejáveis; mas quem critica essa política
quimérica é tachado de "conservador" e "reacionário".
* * *
Causam-me profundo espanto todos
aqueles indivíduos que, dizendo-se "progressistas", ainda assim
professam crenças em variadas formas de teologia, sejam elas fetichistas, sejam
elas politeístas, sejam elas principalmente monoteístas (no caso do Brasil, de
modo geral católicos); da mesma forma, espantam-me afirmações segundo as quais
o estímulo às teologias (fetichistas, politeístas, monoteístas) e às
metafísicas seriam propostas "progressistas" e índices de progresso:
é o mesmo que dizer que ir para trás é avançar.
Mas, por outro lado, também me
espanto ao ver indivíduos ditos "progressistas" que, não crendo no
sobrenatural, encerram-se no ateísmo e no individualismo, em vez de afirmarem o
humanismo e a perspectiva social.
* * *
Todos aqueles que afirmam que a fórmula "ordem e progresso" busca limitar o progresso à ordem são incapazes de definir o progresso, em particular para além da definição geral de Condorcet, para quem o progresso é desenvolvimento contínuo, permanente e infinito. Ao contrário da fórmula da infinidade, o "ordem e progresso" definido por Augusto Comte estabelece as condições, as possibilidades e os limites do progresso, dizendo com clareza exatamente em que ele consiste. Em outras palavras, o "ordem e progresso" tira a idéia de progresso da vagueza e, portanto, da metafísica; ao contrário, quem rejeita essa fórmula em nome do progresso indefinido é simplesmente incapaz de entender a ordem de outra maneira que não como sendo "despotismo" ou "autoritarismo".
* * *
Há também a possibilidade de recusar-se
o "ordem e progresso" devido a uma rejeição do próprio progresso,
seja porque há um apego à ordem, seja porque se nega a idéia de progresso. Quem
se apega à ordem já foi retrógrado, atualmente é reacionário; bem vistas as
coisas, nos dias de hoje são relativamente poucos grupos que rejeitam qualquer
progresso: por vezes limitam as ambições de outros grupos em um ou outro
aspecto e o mais das vezes desejam limitar o desenvolvimento ao que já se
obteve: esses poderiam ser denominados de "reacionários" ou
"conservadores". Os grupos atuais que têm um caráter especificamente
retrógrado são, não por acaso, os teológicos, majoritariamente cristãos,
muçulmanos e até judeus (embora, saindo do espectro teológico, possamos também
incluir também na rubrica de retrógrados os comunistas).
Já os que rejeitam a idéia de
progresso não são necessariamente retrógrados, no sentido de rejeitarem
melhorias: antes, são irracionalistas, que rejeitam a concepção de "leis
sociológicas" e que consideram que a história humana consiste apenas e
tão-somente de "som e fúria", de choques permanentes e infinitos
entre os grupos humanos. Esse tipo de raciocínio freqüentemente é metafísico e,
não por acaso, também com freqüência é possível determinar suas origens
teológicas, tão próximas ao misticismo e à metafísica alemã. Se a vida é apenas
choque permanente, além de não ser possível determinar sentido algum nesta
vida, o máximo que se pode almejar em termos coletivos é a vida política e, em
particular, a política do poder – em outras palavras, egoísmos coletivos,
guerras e dominação de todos sobre todos. Inversamente, se a vida é apenas luta
e disputa, o consenso é uma ilusão e/ou uma hipocrisia. Cumpre notar que, de
modo geral, essa concepção irracionalista é especificamente acadêmica, isto é,
ela é exposta e defendida por "intelectuais"; ironicamente, com
freqüência esses intelectuais defendem essa concepção como sendo mais
científica e/ou como mais avançada que suas rivais, de modo que, embora
explicitamente critiquem o progresso, implicitamente defendem uma forma dele.
O "ordem e progresso"
propõe a conciliação das necessidades da ordem social e das tendências de
desenvolvimento humano. Em uma outra forma de considerar as dinâmicas políticas
e sociais, muitos afirmam que é necessário em toda sociedade e em todo regime
político a existência de situação e oposição ou, em termos parecidos, de "direita"
e "esquerda". Situação e oposição, de um lado, e direita e esquerda,
de outro lado, não são equivalentes a ordem e progresso: seja porque, no
limite, podem ser oposições meramente formais, seja porque seus conteúdos
específicos diferem bastante de ordem e progresso. A dupla "situação e
oposição" refere-se apenas ao fato de que há alguém (ou algum grupo) que
governa e alguém (ou algum grupo) que (nominalmente) não gosta de quem está no
poder e que gostaria de governar em seu lugar: refere-se, portanto, apenas à
disputa pelo poder (e, nesse sentido, esse par de conceitos é compatível com a
rejeição irracionalista da idéia de progresso).
O par "direita e esquerda",
por outro lado, tem conteúdos muito mais problemáticos, na medida em que,
surgida essa oposição na Revolução Francesa, em mais de 200 anos ela já mudou inúmeras
vezes de conteúdo. De modo geral, o pólo forte é a esquerda: é ela quem costuma
definir os conteúdos respectivos de cada um dos pólos, seja por derivação
lógica (se a esquerda define-se pela "justiça", à direita
corresponderia a "injustiça"), seja por imputação voluntária direta
(como quando a esquerda define como traço específico da direita o fascismo) –
mas é claro que tal posição de superioridade lógica da esquerda nem sempre se
verifica historicamente. De qualquer maneira, nem a esquerda pode ser sinônima
automática de progresso e liberdade (embora seja sempre sinônimo de igualdade –
o que, mais uma vez, não é sinônimo nem de progresso nem de liberdade), nem a
direita é sinônima de autoritarismo (embora também não implique nem a liberdade
nem a ordem).
Em suma: enquanto "ordem e
progresso" corresponde, de fato, a um programa político e social claro,
com liberdades e melhorias nas condições de vida, "direita e
esquerda" é uma oposição vaga e freqüentemente estéril; "situação e
oposição" é apenas uma formalização da disputa pelo poder, conforme a
política britânica cristalizou.
* * *
Há quem proponha que, como os
estudantes das Ciências Naturais tendem a ser mais conservadores e os estudantes
das Ciências Humanas tendam a ser mais "revolucionários", isso se
deva a que haveria uma divisão política entre C. Naturais e C. Humanas
semelhante à polarização entre esquerda e direita. Essa concepção é equivocada
e profundamente daninha: não porque não haja diferenças entre os ramos
científicos, nem porque não seja possível, e por vezes necessário, politizar a
prática científica, mas porque transporta para o âmbito da compreensão da
realidade a dinâmica de oposição característica do mundo político. Em outras
palavras, em vez de entender-se a relação entre Ciências Humanas e Ciências
Naturais como de complementaridade de resultados e mesmo de métodos (ainda que
cabendo a presidência do sistema às Ciências Humanas), a transposição a esse
par da dicotomia direita-esquerda dá a entender que no âmbito científico, isto
é, no âmbito da compreensão da realidade é válida e aceitável a dinâmica
estabelecida entre "situação" e "oposição" ou, por outro
lado, que os desenvolvimentos havidos nas Ciências Humanas corresponderiam ao
avanço da justiça ou, mais precisamente, da igualdade (lembrando que igualdade
e justiça nem são sinônimas nem se implicam mutuamente) e os desenvolvimentos
das Ciências Naturais corresponderiam a avanços da "ordem", do "status quo" e, no limite, do
"autoritarismo". Nada disso faz sentido e, confirmando o que
afirmamos acima, o resultado dessa forma de raciocinar é altamente prejudicial
para a prática científica.
* * *
Nos meses das campanhas
eleitorais para Presidente da República de 2014, no Brasil, apresentaram-se com
clareza grupos sociais que se definem como sendo de "direita". Muitos
deles defenderam o retorno dos militares como árbitros da vida política
nacional e, em particular, a realização de um golpe de Estado militar com
vistas à substituição do governo encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores (PT)
por um governo encabeçado por algum outro partido político que não se declare
explicitamente como sendo de "esquerda". Outros apresentaram-se como
"conservadores", ou seja, como contrários às concepções
"progressistas", entendidas estas de modo geral como as defendidas
pelo PT, embora haja aqueles que são "conservadores" de modo político
mas não político-partidário, ao
defenderem visões de mundo
conservadoras (que, por sua vez, amparam-se de modo geral em concepções
contrárias ao progresso, seja devido ao antiprogressismo irracionalista, seja
devido à aplicação à política de idéias teológicas). Muitos de
"direita" definem-se assim porque defendem as liberdades, em oposição
ao igualitarismo defendido pela "esquerda".
Além do fato de que desde o
final do regime militar, isto é, desde há cerca de 25 anos não havia grupos
sociais no Brasil que se definiam como de "direita" – o que por si só
é interessante –, essa nova direita é um movimento especificamente político, ou
melhor, especificamente secularizada, no duplo sentido de que até o momento não
apresentou características de ideário religioso (teológico) e de que os vários
grupos teológicos (mais ou menos conservadores, mais ou menos progressistas,
sejam eles católicos, sejam eles evangélicos) apoiam tanto a
"direita" quanto a "esquerda". De qualquer modo, o que
parece unificar, ou melhor, conferir uma certa identidade – sem dúvida alguma
momentânea – a essa nova direita nacional é a sua oposição sistemática ao PT e
ao governo federal.
(Reprodução livre, desde que citada a fonte.)
Individualismo como emancipação incompleta da teologia
Individualismo como emancipação incompleta da teologia
Gustavo Biscaia de Lacerda
Um dos maiores problemas, para
não dizer "erros", de quem se emancipa da teologia é, ao realizar
essa emancipação, afirmar o individualismo, seja ele epistemológico, seja ele
moral, seja ele sociológico. É fácil de entender essa passagem, pois o
indivíduo tem que se afirmar pessoalmente, ou melhor, a pessoa tem que se
afirmar claramente como indivíduo para superar, para deixar de lado as pressões
sociais em favor da teologia e reconhecer que não faz sentido e que não importa
a crença nos deuses para a condução da vida humana. É claro que, quanto mais
secularizada uma sociedade e, o que às vezes é um pouco equivalente, quanto
mais sociologicamente diversificada uma sociedade, menor a pressão exercida
pela coletividade em favor da teologia e, portanto, mais facilmente ocorre essa
emancipação.
Todavia, seja porque nessa
passagem com freqüência é necessário afirmar-se uma individualidade, seja
porque nessa afirmação também é necessário desvalorizar fortemente (quando não
desprezar) o peso da coletividade, o resultado é que é bastante comum que a
emancipação conduza ao individualismo, entendendo-se por essa expressão tanto a
concepção segundo a qual é o indivíduo isoladamente tomado que
"constrói" a realidade (consistindo, portanto, em uma forma de
solipsismo), quanto entendendo por "individualismo" as idéias gêmeas
de que o objetivo da vida é a realização dos próprios indivíduos (sendo, assim,
um egoísmo) e que, como os agentes da vida social são os indivíduos, não existe
a "sociedade". Reafirmando mais uma vez as idéias acima: é bastante
claro que essas três formas de individualismo (solipsismo, egoísmo moral e
individualismo metodológico) têm em comum a rejeição da idéia de sociedade[1].
Essas três conseqüências são
problemáticas porque são erradas e falsas,
isto é, porque consistem em concepções que não correspondem à realidade, e
também porque são moralmente daninhas,
seja porque não correspondem à realidade[2],
seja porque impedem o desenvolvimento do altruísmo e estimulam diretamente o
egoísmo. Além disso, como um resultado um tanto paradoxal mas não
necessariamente imprevisto, embora tais formas de individualismo surjam como
rejeição da teologia, o fato é que elas próprias aproximam-se bastante da
teologia monoteísta, em particular dos cristianismos e, ainda mais, dos
protestantismos[3].
Por que esses individualismos
não correspondem à realidade? Porque, apesar do fato evidente de que as
sociedades somente podem existir compostas por indivíduos, é apenas
coletivamente e ao longo do tempo (ou seja, historicamente) que o conhecimento
é produzido[4], que o altruísmo é
passível de realização e que, portanto, é possível aos indivíduos terem
satisfação pessoal. Nas três situações não se trata, portanto, do truísmo
segundo o qual "ninguém pode viver sozinho": trata-se, sim, de que é
por meio do esforço compartilhado e acumulado que se pode conhecer a realidade,
por um lado, e, por outro lado, de que o "altruísmo" consiste em
"viver para os outros" e que é somente na medida em que se vive para
os outros que se pode obter uma satisfação plena e duradoura. Dessa forma, não
se pode entender a sociedade como a simples agregação de indivíduos: a
totalidade social é maior que a soma das partes individuais. Inversamente,
recusar a característica social e histórica do ser humano é recusar o próprio
ser humano.
O individualismo ateu, além
disso, aproxima-se em sua concepção de mundo do individualismo protestante na
medida em que reconhece apenas indivíduos e rejeita as mediações sociais:
enquanto o individualismo ateu rejeita a sociedade (seja na solidariedade
contemporânea, seja na continuidade histórica), o individualismo protestante
rejeita a igreja, ao estabelecer uma comunicação direta, pessoal e
intransferível entre o crente e a divindade; em ambos os casos a pessoa está
sozinha no mundo e é a única responsável pela sua satisfação íntima. Aliás, não
é por acaso que as "sociologias" derivadas de ambientes protestantes
têm características individualistas, de que o maior exemplo é a obra de Max
Weber, que concebia apenas interações individuais e recusava-se terminantemente
a definir a "sociedade". Já as obras de Hobbes e Locke apresentam um
aspecto misto, juntando a emancipação individualista da teologia com aspectos
do protestantismo anglicano: essas duas características tornam os dois autores
também individualistas, concebendo a sociedade como a união de indivíduos ou,
no caso de Hobbes, rejeitando a própria idéia de sociedade com o indivíduo
plenamente egoísta e racional.
Em suma: é por esses motivos
todos que a emancipação relativamente à teologia não pode parar no
individualismo; ou, considerando a questão de outro ângulo, é por todas essas
razões que as várias formas de
individualismo (epistemológico, moral e sociológico) correspondem à emancipação
incompleta da teologia.
[1] Neste
texto refiro-me em particular ao individualismo ateu, isto é, causado pelo ateísmo.
Mas, como se verá, existem outras variedades de individualismo, ou melhor,
outras fontes intelectuais e morais do individualismo, entre as quais as teologias.
De qualquer maneira, como o filósofo francês Pierre Laffitte (discípulo de Augusto
Comte) e o antropólogo também francês Louis Dumont argumentaram, a rejeição monástica
da sociedade foi uma das fontes mais importantes e poderosas da produção do
"individualismo", ocorrendo tanto no Ocidente quanto (por exemplo) na
Índia.
[2]
Nesse sentido, torna-se claro que a busca da verdade é em si mesmo um valor
moral. Sem dúvida que o tempo todo o ser humano percebe que várias de suas
concepções são erradas: o problema não está no erro sincero, mas na persistência
no erro e também no erro voluntário e consciente. O erro sincero é honesto, o
erro voluntário é mentiroso; além disso, as concepções que não correspondem à
realidade dos fatos e, em particular, as concepções que não reconhecem e não
valorizam a natureza humana (coletiva e individual) produzem miséria e infelicidade.
De qualquer forma, importa
reconhecer que conceber dessa forma a relação entre o ser humano e a sociedade,
de um lado, e a verdade e a busca da verdade, por outro lado, está fora dos hábitos
mentais contemporâneos, do Zeitgeist
das nossas sociedades ditas "pós-modernas", em que o irracionalismo e
a "ironia" têm um peso tão grande; em outras palavras, buscar e
valorizar a verdade é algo fora de moda. Evidentemente, como argumentava
Galileu e argumentam todos os filósofos da ciência sérios, a verdade não é simplesmente
uma questão de número, isto é, ela não é "democrática".
[3] À
luz da lei dos três estados intelectuais, o surgimento do individualismo ateu aproximar-se
do individualismo teológico não é um resultado necessariamente imprevisto, na
medida em que tanto o individualismo quanto o ateísmo são concepções metafísicas
– e, como argumentava Augusto Comte, embora a metafísica tenda à positividade,
o fato é que ela consiste em uma forma degradada de teologia.
[4]
Nesse sentido, a própria emancipação relativamente à teologia de qualquer
indivíduo é sempre dependente das outras pessoas, ou seja, é dependente da
sociedade e da história: por um lado, a teologia é uma etapa na constituição do
conhecimento; por outro lado, a despeito da retórica – ultra-individualista, cumpre notar – que afirma a
incomensurabilidade e a infinidade da imaginação individual, a possibilidade de
alguém emancipar-se é dada também pelas condições sociais e históricas próprias
a cada coletividade.
(Reprodução livre, desde que citada a fonte.)
(Primeira versão deste texto: 2.12.2014; segunda versão: 4.12.2014.)
(Primeira versão deste texto: 2.12.2014; segunda versão: 4.12.2014.)
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