07 fevereiro 2023

Anotações sobre o mérito e a meritocracia

No dia 10 de Homero de 169 (7.2.2023) fizemos nossa prédica positiva, em que demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, especialmente em sua quinta conferência, dedicada ao culto público.

Antes da leitura comentada, lembramos o centenário de nascimento do nosso grande correligionário Paulo de Tarso Monte Serrat (1923-2014), ocorrido justamente nessa data (10 de Homero, ou 7 de fevereiro).

Após a leitura comentada, apresentamos algumas reflexões sobre a noção positiva (altruísta, relativa, sociocrática) de mérito individual. As anotações que fizemos para o sermão estão reproduzidas abaixo.

A prédica pode ser vista nos canais Apostolado Positivista (l1nk.dev/Meritos) e Positivismo (l1nq.com/Meritocracia). O sermão sobre o mérito pode ser visto nos vídeos a partir de 44' 55".

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Anotações sobre o mérito e a meritocracia

 

-        No Brasil atual, o mérito individual é tema de grande oposição entre distintas perspectivas políticas, a partir de critérios intelectuais e morais

-        Para adiantar o argumento e simplificar a discussão, podemos estabelecer (pelo menos) dois conceitos de “mérito”:

o   Conceito metafísico, burguês e individualista: o mérito individual é dado e medido pelo sucesso material (grosseiramente: pela renda mensal) e este, por sua vez, é uma conseqüência única e exclusiva do esforço individual

§  Essa concepção é, por definição, egoísta e antissocial – e antissocial mesmo no sentido de que o mérito de um indivíduo afirma-se pela negação do valor dos demais cidadãos

o   Conceito positivo, sociocrático e altruísta: o mérito individual é dado e medido pela moralidade das ações individuais, estabelecida, por um lado, pelas contribuições sociais (ou melhor, sociocráticas) dessas ações e, por outro lado, e de maneira complementar, pela moralidade das ações individuais

-        A noção de mérito individual é afirmada desde sempre em todas as sociedades (ou, talvez, na maioria esmagadora delas), como um estímulo à qualidade e ao valor das ações individuais

o   Nesse sentido, o mérito individual é um estímulo ao aperfeiçoamento pessoal

o   Em tais situações, o mérito individual é complementar ao caráter social das pessoas

o   Em suma, a afirmação do mérito individual é a recompensa pública que o conjunto da sociedade dá aos esforços de uma pessoa em benefício dos demais

-        No Ocidente, a noção de mérito individual afirmou-se pelo menos no século XVIII, pelos enciclopedistas, ao mesmo tempo como um estímulo aos esforços altruístas individuais e como um princípio organizador da sociedade que se contrapunha ao princípio das castas

o   É necessário insistir nessa idéia: o mérito individual contrapõe-se às castas (de que as sociedades de ordens, intrínsecas às monarquias, são o último resquício)

o   As sociedades de castas organizam-se de tal maneira que a profissão dos indivíduos e também seus valores pessoais estão determinados previamente ao seu nascimento, pela posição que cada qual ocupa na estrutura social

o   No século XVIII, os enciclopedistas afirmavam que o valor de um indivíduo seria dado não a priori, pelo seu “berço”, mas a posteriori, conforme a moralidade intrínseca e os resultados efetivos das ações realizadas por cada um ao longo de suas vidas

§  Não é preciso insistir muito na idéia de que o último sacramento positivista, o da incorporação, baseia-se intimamente na noção de mérito individual (bem entendido: na acepção sociocrática e altruísta do mérito individual)

-        A noção de mérito individual (em particular como contraposto às castas) é muito clara em outros países, especialmente naqueles com forte tradição republicana

o   Considero aqui, em particular, França e Portugal

§  Vale notar que na França e em Portugal a meritocracia republicana é, por um lado, afirmada pela esquerda e, por outro lado, contra o identitarismo

-        O Positivismo afirma com clareza, com todas as letras, a noção de mérito individual

o   A noção de mérito individual no Positivismo segue a inspiração anti-castas do republicanismo enciclopedista e também o seu estímulo ao aperfeiçoamento individual

o   Embora seja evidente e já o tenhamos afirmado, é necessário repeti-lo com todas as letras: a meritocracia positivista orienta os indivíduos para o altruísmo; ou seja, é u’a meritocracia sociocrática

-        Augusto Comte tinha muitíssima clareza de que a capacidade de ação individual varia de acordo com a posição de cada indivíduo na sociedade

o   Indivíduos melhor situados (os ricos) conseguem fazer mais coisas; indivíduos pior situados (os pobres) conseguem fazer menos coisas

o   A maior possibilidade que os ricos têm de fazer mais coisas resulta pelo menos em duas conseqüências para o Positivismo:

§  Maiores recursos implicam maiores deveres: se o capital é social em sua origem e, portanto, deve ter uma destinação social, a posse (ou, se desejar-se, a propriedade) do capital implica necessariamente a obrigação de usar bem e com fins sociais o capital à em outras palavras, na sociocracia a propriedade do capital não é um luxo nem um direito, mas uma obrigação que se impõe

§  Maiores possibilidades dadas a priori implicam, inversamente, menor mérito relativo

o   Como resultado das observações acima, no Positivismo o caráter moral (e social) do “mérito individual” apresenta-se com toda a clareza e em todo o seu esplendor

o   Ao mesmo tempo, considerando que a capacidade de atuação de um indivíduo está profundamente vinculada à sua posição na estrutura social, a avaliação, ou melhor, a determinação do mérito individual tem que ser extremamente abstrata (sopesando as ações individuais e a posição na estrutura social), elaborada a partir de parâmetros morais (e sociocráticos) e por juízes especialmente preparados para isso (ou seja, pelo sacerdócio positivista)

§  Augusto Comte afirmava que essa avaliação consistia no mais difícil e mais exclusivo atributo do sacerdócio positivo

-        Nas disputas políticas brasileiras, a “direita” neoliberal (ou ultraliberal) afirma o “mérito individual” a partir dos parâmetros estadunidenses dos anos 1980: um indivíduo é meritório se ele tiver “sucesso na vida”, o que, por sua vez, quer dizer que ele agiu contra os outros indivíduos (ou melhor, contra a sociedade) e tem uma altíssima renda mensal

o   O grande exemplo disso é a personagem Gordon Gekko, do filme Wall Street (de 1987 e dirigido por Oliver Stone); interpretado por Michael Douglas; essa personagem dizia que “A ganância é boa”

-        Em contraposição a esse conceito rasteiro e degradante de mérito, a esquerda brasileira afirma... o mais puro igualitarismo, rejeitando totalmente qualquer noção de mérito

o   Insisto: a rejeição esquerdista do mérito consiste na mais completa, pura e total afirmação do igualitarismo; é o igualitarismo levado às últimas conseqüências

o   Ao mirar na concepção neoliberal do mérito, a esquerda rejeita qualquer concepção de mérito e, portanto, na prática despreza as ações individuais e os mecanismos morais e intelectuais adequados à regulação dos “indivíduos”

§  É claro que, ao rejeitar os mecanismos morais de regulação dos “indivíduos”, a esquerda brasileira necessariamente afirma o materialismo economicista (quando não, também, o materialismo politicista)

o   A rejeição da noção de mérito, pela esquerda, apresenta uma série escandalosa de defeitos morais e intelectuais acachapantes:

§  Esquece, ou finge esquecer, que o mérito individual contrapõe-se à sociedade de castas, de tal sorte que rejeitar qualquer mérito individual é afirmar, ou propor, a sociedade de castas

·         Aliás: não por acaso, as tentativas empíricas de criar sociedades “igualitaristas” serviram apenas para criar versões modernas de sociedades de castas, como nos países comunistas

§  Rejeita a tradição republicana ocidental, conforme desenvolvida e aplicada desde o século XVIII e ainda hoje viva e pulsante (França e Portugal)

§  Finge esquecer que a história brasileira foi marcada por uma sociedade de castas, durante o período monarquista

·         A monarquia era um arremedo ridículo de “sociedade de estados” no que se refere à nobreza, mas era muito concretamente uma sociedade de castas no que se referia à escravidão

§  Ignora, ou finge ignorar, que as eleições e os votos baseiam-se sempre no afirmado mérito individual dos candidatos e na superioridade (alegada e/ou real) de uns em relação aos outros

§  Ignora, ou finge ignorar, que situações de profunda injustiça social tendem a realçar o mérito individual daqueles que, a muito custo, conseguem superar suas dificuldades e desenvolver atividades socialmente importantes

·         Por exemplo: a rejeição do mérito individual é incoerente e incompatível com a recente (e corretíssima) valorização de Luiz Gama, em uma cinebiografia de 2021 (Doutor Gama, de Jeferson De)

·         É claro que o realçado mérito individual de quem supera as grandes adversidades não pode ser entendido como justificativa para a manutenção das situações de injustiça social

o   Não há justificativa nenhuma para a rejeição do conceito de mérito da parte da esquerda brasileira

§  A esquerda brasileira combate, com razão e justiça, o conceito metafísico-burguesocrático-neoliberal de mérito que o entende como sendo a alta renda mensal às expensas dos demais

§  Entretanto, a esquerda brasileira, consoante seu igualitarismo materialista radical, despreza toda e qualquer concepção de mérito individual: ela “joga fora o bebê juntamente com a água do banho”

§  Se quisesse, a esquerda brasileira poderia muito bem elaborar opções intelectuais, campanhas políticas etc. apresentando concepções alternativas de mérito; mas é exatamente essa a questão: a esquerda brasileira não faz tais campanhas porque não quer

o   A rejeição de qualquer concepção de mérito a partir (e/ou em benefício) do radical igualitarismo materialista serve profundamente à política identitária, com seu sectarismo, sua ultrapolitização dos ressentimentos sociais – e suas infinitas cotas

o   Afirmar a “justiça social” para rejeitar o mérito individual não é justificativa nenhuma adequada para as tolices da esquerda brasileira, a esse respeito

§  Essa rejeição – cuja contrapartida é a afirmação do identitarismo e das suas cotas – não serve nem à justiça social nem à regulação dos “indivíduos”, nem faz justiça aos ricos e (em especial) aos pobres que têm efetivamente mérito

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01 fevereiro 2023

Hernani Gomes da Costa: mais reflexões sobre as hierarquias/classificações positivas

No dia 3 de Homero de 169 (31.1.2023), realizei minha prédica positiva; em sua parte de sermão, abordei o tema das hierarquias positivas, ou classificações positivas. Para elaborar tal sermão, conversei com meu amigo Hernani Gomes da Costa; a partir daí mantivemos um diálogo, em que ele, por sua vez, também refletiu intensamente a respeito desse tema, a partir das minhas observações.

Algumas das reflexões de Hernani não puderam ser apresentadas na prédica do dia 31, devido a vários motivos (eu tinha ainda que refletir a respeito de alguns desses comentários; os novos comentários poderiam ser entendidos como de "nível avançado", enquanto os sermões têm que ser de "nível básico"; só as anotações que eu já tinha estabelecido já tornariam o sermão bastante longo).

Entretanto, embora nem todas as reflexões de Hernani tenham podido ser incorporadas à minha exposição, ainda assim elas eram muito interessantes (como, aliás, costumam ser suas reflexões!) e merecem alguma forma de divulgação pública.

Por isso, após o consultar a respeito, publico aqui duas considerações feitas por Hernani também no dia 31.1.2023 sobre a teoria positiva das hierarquias (ou das classificações); como se verá, elas consistem em conseqüências adicionais que se pode tirar desssa teoria positiva. Vale notar que essas conseqüências são complementares ao que foi exposto na minha prédica do dia 31.1.2023 - que, por sua vez, como indiquei acima, em medida importante beneficiou-se do diálogo com o Hernani.




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Está sendo para mim de extrema importância abordar a questão da hierarquia. Ela vem trazendo em seu bojo problemas que não teriam, se eu bem me conheço, me ocorrido. Meditando ontem [30.1.2023] sobre nossa conversa, ocorreram-me dois pontos:

1) A dedutibilidade do futuro pelo passado supõe sempre (assim me parece) a elaboração de algum tipo de classificação. Haja vista que já o próprio silogismo, consistindo na extração de uma conclusão particular a partir de princípios mais gerais, baseia-se inteiramente sobre o conceito de generalidade, que é aquele conceito mesmo que define uma classificação positiva, ocorre-me também que muitos princípios no positivismo podem ser alcançados tanto pela via dedutiva quanto pela indutiva. Assim, por exemplo, quando Augusto Comte nos diz que “os vivos são sempre e cada vez mais, necessariamente, governados pelos mortos”, o “sempre” aí me parece referir-se à seguida constatação empírica dessa verdade, de onde adveio a sua generalização; enquanto o “necessariamente” corresponde ao caráter dedutivo que essa lei comporta, já agora também como uma decorrência de princípios mais gerais.

2) A superação do empirismo político me parece um processo intimamente associável à capacidade efetiva de elaborar teoricamente sobre (ou a partir de) os fatos “crus”, algo que se assemelha a uma classificação, ao menos buscando-se para eles conexões que nos possibilitem apreciá-los como mais ou menos semelhantes uns aos outros. Do contrário, dispondo apenas de uma obediência servil à mera cronologia, isso só nos oferecerá um enfileiramento no tempo, do qual o empirismo político logo se encarregaria de extrair a fatídica conclusão de seu otimismo maquinal, segundo o qual, por ser “de hoje”, a situação haverá de ser sempre “melhor” do que  a antiga. A ambiguidade do termo “atual” (que tanto se refere ao que se dá no momento presente, quanto se refere ao real processo de aperfeiçoamento que readapta o antigo ao presente) presta-se muito bem a isso.

31 janeiro 2023

Anotações sobre as hierarquias (ou classificações) positivas

No dia 3 de Homero de 169 (31.1.2023) fizemos nossa prédica positiva, em que demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, especialmente em sua quinta conferência, dedicada ao culto público.

Antes da leitura comentada, exercendo nosso papel de sacerdócio positivo, da Religião da Humanidade, condenamos, na medida das nossas forças, o atual genocídio praticado de maneira criminosa e intencional contra os índios ianomânis, no Norte do Brasil. Tal genocídio foi principalmente causado pela omissão intencional da ajuda dos poderes públicos (federal e estadual) em prover os auxílios aos nossos irmãos indígenas, especialmente em termos alimentares.

Para a Religião da Humanidade, o genocídio dos ianomâmis é motivo de tristeza e cobrança pelo menos por três motivos:

1) foi um positivista ortodoxo brasileiro, aliás também descendente de indígenas, que criou o antigo Serviço Nacional de Proteção aos Índios (SNI), com vistas a localizar, identificar e respeitar os inúmeros grupos indígenas que vivem no território nacional: trata-se do grande Cândido Mariano da Silva Rondon, o "Marechal da Paz".

2) A Religião da Humanidade foi enormemente desenvolvida pela instituição do "neofetichismo"; o neofetichismo, por sua vez, consiste na incorporação do fetichismo inicial à positividade final, aumentando o espaço dedicado à afetividade na vida humana, completando o papel da afetividade na vida lógica humana e, assim, tornando o Positivismo mais adequado a cumprir seu objetivo, que é o de realizar altruisticamente a harmonia coletiva e individual. Pois bem: o fetichismo é a categoria geral que nomeia as religiões indígenas e, portanto, trata-se de uma dívida de gratidão do Positivismo para com esses povos.

3) A política positiva estabelece que a política moderna tem que ser pacifista, tanto em âmbito internacional quanto em âmbito interno, da mesma forma que estabelece que cumpre ao Ocidente o dever de atuar como exemplo moral nesse sentido. O exemplo moral a ser dado pelo Ocidente, em termos de pacifismo, corresponde ao abandono total do colonialismo e do imperialismo, bem como ao mais cioso respeito aos povos mais frágeis e que não se encontram no nível de desenvolvimento ocidental. Na prática, no caso do Brasil, isso significa que os povos indígenas têm que ser cuidadosamente respeitados e valorizados. (A atuação de Rondon, portanto, corresponde à aplicação deste princípio e do princípio anterior ao caso brasileiro.)


Índio ianomâmi (sem maiores identificações)
Índio ianomâmi (sem maiores identificações)


Marechal Rondon, em 1930

Após a leitura comentada do Catecismo positivista, fizemos o nosso sermão. O tema escolhido para essa reflexão semanal foi a teoria positiva das hierarquias. Assim, apresentamos abaixo as anotações que havíamos elaborado para tratar desse tema. É importante notar que essa exposição valeu-se intensamente de um diálogo travado ao longo dos dias anteriores (e não concluído até a realização da prédica) com nosso amigo Hernani Gomes da Costa (embora, é claro, as eventuais falhas, limitações ou exageros da exposição sejam de minha inteira responsabilidade).

(Algumas considerações adicionais de Hernani, que devido a alguns motivos não puderam ser incluídas na prédica, podem ser lidas nesta postagem.)

A prédica foi gravada e está disponível nos canais Apostolado Positivista (acesse.one/Hierarquia) e Positivismo (encr.pw/Sequencias). No vídeo do Apostolado Positivista, o sermão pode ser visto a partir de 34' 35".

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Anotações sobre as hierarquias positivas

 

-        A noção de hierarquia é uma das principais na política atual e também é um conceito fundamental no Positivismo: mas é evidente que o sentido dado à palavra “hierarquia” na Religião da Humanidade é muito diferente do dado na política atual

o   Na política atual, a hierarquia é a relação vertical, basicamente política, mas com certa freqüência também social, em que um indivíduo ou um grupo está acima dos demais e, por isso, tem poder sobre esses demais, isto é, manda neles

o   Embora no Positivismo esse sentido político e social esteja presente, ele é secundário em relação a um sentido filosófico mais amplo

-        O sentido fundamental da hierarquia no Positivismo é o de organização, de princípio de arranjo

o   O enunciado elementar das hierarquias no Positivismo é o da 14ª lei da filosofia primeira: “Todo classamento positivo procede segundo a generalidade crescente ou decrescente, tanto subjetiva como objetiva”

o   Adicionalmente, há também a lei dos intermediários, correspondente à 15ª e última lei da filosofia primeira: “Todo intermediário deve ser subordinado aos dois extremos cuja ligação opera”

§  Vale notar que essas duas leis integram a seção mais subjetiva da filosofia primeira

-        Retomando o conteúdo: o que a lei da hierarquia estabelece é que toda e qualquer classificação tem que ser elaborada considerando a generalidade decrescente ou crescente, seja ela objetiva, seja ela subjetiva

o   Um primeiro aspecto que se evidencia do princípio acima é que “classificação” equivale a “hierarquia” e vice-versa, o que corrobora a nossa afirmação anterior de que, no Positivismo, a hierarquia é acima de tudo igual a “organização, arranjo”

o   Em segundo lugar, é necessário ter-se clareza de que, no Positivismo, as hierarquias, ou as classificações, não consistem em meras listas, ou meras seqüências

§  Como veremos adiante, o Positivismo valoriza inúmeras seqüências específicas; em alguns casos, tais seqüências são extremamente valorizadas, desenvolvidas e aprofundadas: mas, ainda assim, tais seqüências não são, em si mesmas, classificações

o   Esse princípio vale para as classificações científicas e também para as classificações sociais e morais

§  A lei da classificação das ciências (também chamada de “hierarquia das ciências”) exemplifica uma classificação ao mesmo tempo científica e moral, com generalidade objetiva decrescente e generalidade subjetiva crescente

§  A classificação (hierarquia) social proposta por Augusto Comte revela uma generalidade subjetiva decrescente (e uma generalidade objetiva crescente), ao passar do sacerdócio, para as mulheres, para o patriciado, para o proletariado

o   De modo geral, o âmbito objetivo é complementar ao subjetivo: a Moral é a ciência subjetivamente mais ampla, assim como objetivamente é a mais restrita

o   Nas classificações positivistas, cada um dos termos tem que ser valorizado e respeitado por si só; ainda assim, os termos que se apresentam como subjetivamente mais gerais são os mais importantes e mais nobres: a Moral, o sacerdócio, a religião, o amor

o   Os elementos que são objetivamente mais gerais são menos nobres, mas são importantes por si sós e têm uma influência (donde uma importância) maior

o   Principalmente em relação aos elementos menos valorizados há uma série de compensações, geralmente de caráter moral (e, portanto, de valorização social), freqüentemente com conseqüências políticas

§  Por exemplo, o proletariado é o objeto principal da política positiva, é o conjunto da população e também é o fiscal da política

§  Outro exemplo: o sacerdócio é subjetivamente o mais importante, mas a política e a economia cabem ativamente ao patriciado e passivamente ao proletariado

-        A outra lei da filosofia primeira – a lei do intermediário – tem um papel complementar na teoria das hierarquias; ela estabelece que os intermediários ligam os pólos entre si e, portanto, os intermediários compartilham características com esses pólos

o   No âmbito do Positivismo, o exemplo mais clássico de intermediário é a metafísica, que, conforme o enunciado da lei intelectual dos três estados, compartilha características da teologia e da positividade: absolutismo por um lado, maior preocupação com a realidade, por outro lado

-        Há algumas "classificações", no âmbito do Positivismo, que não seguem a lei da hierarquia

o   Essas classificações o mais das vezes têm origem histórica e seus conteúdos podem – e devem – ser explicados teoricamente

§  Não são propriamente “classificações”: tratam-se mais de seqüências, mas, vale notar, não são seqüências hierárquicas

§  Exemplos dessas classificações (ou seqüências): as três leis dos três estados; a tríplice transição ocidental

o   Uma primeira interpretação (estritamente pessoal) para a diferença entre essas seqüências histórico-filosófico-morais e as classificações propriamente ditas é que, nessas seqüências históricas, há uma intensidade moral associada aos últimos termos que é menor que a intensidade dos últimos termos de classificações propriamente hierárquicas

§  Por exemplo: na lei intelectual dos três estados, é claro que a positividade é mais valorizada que a teologia; mas essa valorização não me parece tão intensa quanto a valorização da Moral como ciência sagrada ou do sacerdócio na classificação social

§  Uma sugestão de justificativa para essas diferentes intensidades: ao tratar das seqüências históricas, Augusto Comte considera que os termos antigos já pertencem ao passado e não há tanta necessidade de enfatizar, ou salvaguardar, ou valorizar os termos mais recentes (a teologia é passado, pertence aos museus); nas hierarquias atuais, todos os termos são contemporâneos e, aí, cumpre distinguir cuidadosamente a importância relativa de cada um (a Matemática é nossa contemporânea tanto quanto a Moral)

o   Mas uma segunda diferenciação – esta devida ao meu amigo Hernani Gomes da Costa – entre as seqüências históricas e as classificações positivistas propriamente ditas é esta: as classificações (as hierarquias) podem e devem ser percorridas com legitimidade de um lado para o outro (com diferentes conseqüências, claro está), ao passo que as seqüências histórico-moral-filosóficas admitem apenas um sentido em sua marcha

§  Assim, como observa Augusto Comte, é igualmente válido (mas, novamente, com diferentes conseqüências) passar-se do amor para a fé quanto da fé para o amor; da Matemática à Moral quanto da Moral à Matemática; do sacerdócio ao proletariado quanto do proletariado ao sacerdócio; da política à religião quanto da religião à política

§  Mas, por outro lado, não faz sentido e não é correto passar-se – por exemplo, no caso da lei intelectual dos três estados – da positividade de volta para teologia, quando já se passou da teologia e atingiu-se a positividade (ou, dito de outro modo: não é aceitável nem correto voltar ao absolutismo egoístico quando já se atingiu o relativismo altruísta)

-        Podemos abordar a noção de hierarquia a partir de uma referência até certo ponto distante do Positivismo, mas que no final é-lhe complementar: a teoria antropológica elaborada por Louis Dumont

o   O antropólogo francês Louis Dumont, estudando nos anos 1960 a Índia, propôs definir a lógica social e moral do conceito de “hierarquia”; não seria a relação politicista e igualitarista de mando e obediência, mas de “englobamento de contrários”

o   O “englobamento de contrários” consiste em que um princípio filosófico, social e/ou moral organiza globalmente o sistema, incluindo em seu interior, como casos particulares, aqueles princípios que são diferentes dele

§  Dessa forma, o englobamento de contrários abarca, abrange, engloba sempre as várias situações, em que estas são respeitadas em si mas integradas à totalidade por meio de um princípio maior

§  A lógica do englobamento dos contrários claramente se manifesta em todo o Positivismo, desde a fase científica da Filosofia até (e muito mais em) a fase religiosa da Política

·         É a lógica do englobamento de contrários que permite que se verifique no Positivismo, sem incoerências ou arbitrariedades, a perspectiva “caleidoscópica”, proposta por Angèle Kremer-Marietti (novos desenvolvimentos a partir de novas perspectivas, com os mesmos elementos)

o    No igualitarismo, por outro lado, não há princípio maior capaz de organizar a sociedade e de englobar os casos diferentes, desviantes e/ou particulares: no igualitarismo presume-se que todos os princípios são iguais e que, na melhor das hipóteses, devem ser justapostos

§  O igualitarismo recusa-se a reconhecer qualquer princípio organizador e englobante

§  É bastante claro que o igualitarismo consiste no “princípio que não é princípio” que subjaz à política do Ocidente – e, mais do que isso, o igualitarismo é a consagração da política metafísica (destruidora e negativa por excelência)

§  Não é por acaso que a política como choque (ou da política segundo o nazista Carl Schmitt, ou seja, como “relação amigo-inimigo”) é um dos maiores valores atuais do Ocidente: há apenas disputa seca entre os grupos; esse também é um dos motivos que consagram o materialismo economicista

-        A dificuldade (ou recusa) de conhecer e entender os sentidos que Augusto Comte dá à “hierarquia” é um sinal poderoso de o quanto a nossa época é superficial e metafísica

o   A dificuldade (ou, de novo: a recusa) em entender-se o sentido que Augusto Comte dá à “hierarquia” também indica o quanto o seu pensamento tem fortes características “não ocidentais”

§  Essa “não ocidentalidade” do Positivismo não deixa de ser paradoxal, ou pelo menos é irônica: afinal, foi a partir do estudo profundo da história da Humanidade como um todo, tomando o Ocidente como objeto principal de reflexão e preocupação, que se desenvolveram as instituições do Positivismo

§  Na verdade, não é nem “paradoxal” nem “irônica” essa “não ocidentalidade”: bem ao contrário, ela comprova a impressionante profundidade moral, social e filosófica de Augusto Comte, que soube ultrapassar largamente os preconceitos sociais e intelectuais próprios ao Ocidente

§  É importante afirmar a “não ocidentalidade” do Positivismo para deixar de lado todos os sofismas metafísicos que afirmam que o Positivismo seria “eurocêntrico”

o   A mera afirmação (1) da harmonia mental e social e (2) da possibilidade e necessidade de conjugação e superação da ordem e do progresso, via amor, já indica o quanto Augusto Comte afasta-se das tendências atuais do Ocidente e de sua aproximação com outras civilizações

o   A “não ocidentalidade” do Positivismo foi indicada faz algumas décadas por Emmanuel Lazinier, que indicou o caráter “chinês” do pensamento de Augusto Comte

25 janeiro 2023

Livros sobre o Positivismo

No dia 24 de Moisés de 169 (24.1.2023) fizemos a prédica positiva, em que demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista; em particular, continuamos a quarta conferência, dedicada ao culto público e abordamos o culto sociolátrico (resumido e sistematizado no que é conhecido como calendário positivista abstrato).

Antes da leitura comentada, lembramos a transformação de Benjamin Constant Botelho de Magalhães, ocorrida em 22.1.1891. Benjamin Constant foi o positivista que proclamou a República no Brasil, em 15.11.1889, propondo o belo, pacifista e cívico ideal de sociocracia - ideal que foi abandonado e desprezado pelas elites intelectuais e políticas brasileiras em seguida (elites liberais, católicas e/ou marxistas).


Após a leitura comentada, modestamente apresentamos os livros de nossa autoria que foram publicados nos últimos anos e que tratam do Positivismo.

Como de hábito, a prédica foi transmitida nos canais Apostolado Positivista (l1nk.dev/Benjamin-e-livros) e Positivismo (https://www.youtube.com/watch?v=c6TuAooPb7w). A apresentação dos livros pode ser vista a partir de 1h 00' no vídeo do Apostolado Positivista.

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Os livros que apresentei são os seguintes; todos eles estão disponíveis em livrarias físicas e virtuais, como a Amazon e também a Estante Virtual. Todos eles têm versões impressas; os livros publicados com a Poiesis têm também versões eletrônicas.
















- Positivismo, Augusto Comte e Epistemologia das Ciências Humanas e Naturais (Marília: Poiesis)












- O léxico de Augusto Comte: criptografia e filosofia (Marília: Poiesis)

(O livro é de Ângelo Torres; a mim coube a organização, a revisão do texto e o prefácio)




20 janeiro 2023

Luís Gustavo Mota: celebração do aniversário de Augusto Comte (19.1.2023)

Para celebrar o aniversário de nascimento de Augusto Comte (19.Moisés.169 - 19.1.2023), a nosso pedido nosso querido correligionário Luís Gustavo Mota gravou um vídeo, que foi publicado nas redes sociais:


Celebração do aniversário de Augusto Comte (19.1.2023)

No dia 19 de Moisés de 169 (19.1.2023) realizamos uma prédica extraordinária, a fim de celebrar o aniversário de nascimento de Augusto Comte (1798), fundador da Religião da Humanidade e do Positivismo.

Nessa ocasião lemos um breve texto; também celebramos a memória de Rosália Boyer (1764-1833), mãe de Augusto Comte, e da transformação de Cândido Rondon (1958).


O texto preparado para a ocasião pode ser lido abaixo.

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Comemoração do aniversário de Augusto Comte (19.Moisés.169 – 19.1.2023)

 

- Conforme o colendário de celebrações da Igreja Positivista do Brasil: Festa de Rosália Boyer (28.1.1764-3.3.1837)

- Transformação de Cândido Rondon (19.1.1958)

 

-        Augusto Comte é o fundador da monumental Religião da Humanidade

o   Afirmar a fundação da Sociologia, da História das Ciências; as suas reflexões sobre filosofia e sociologia da religião, sobre filosofia e sociologia das ciências; sobre epistemologia; sobre filosofia política e social – tudo isso é importante, mas, francamente, tudo isso é secundário em face da fundação da Religião da Humanidade

-        Ele nasceu Isidoro Augusto Maria Francisco Xavier Comte, em 19 de janeiro de 1798, em Montpellier, no Sul da França

o   Cedo foi para Paris estudar na Escola Politécnica, onde viveu um ambiente de patriotismo-com-internacionalismo, fraternidade, generosidade, ciência e progresso; lá combinou estudos das ciências inferiores com estudos sobre Sociologia e Moral

o   Como sabemos, sua carreira divide-se em duas fases: a do Aristóteles moderno, da filosofia positiva, e a do São Paulo moderno, da Religião da Humanidade: o vínculo entre elas é o amor profundo que se desenvolveu entre ele e Clotilde de Vaux, nos anos de 1845 e 1846

-        Sua obra é intelectual, mas seus objetivos são políticos, sociais e morais: a fundação da Religião da Humanidade é condição necessária para o estabelecimento da “sociedade normal”, que se baseia nos princípios do altruísmo, do relativismo, da história (e da continuidade histórica), tendo em vista a busca da harmonia coletiva e individual

-        Celebrar Augusto Comte é não apenas celebrar o fundador da Religião da Humanidade, o nascimento do gigantesco gênio que fundamentou o pensamento positivo e criou a síntese que abarca o conjunto da existência humana; mas:

o   A presente celebração é também a realização das mais profundas propostas da Religião da Humanidade, em que afirmamos que nós, agentes da Humanidade vivos, membros objetivos do presente, devemos sempre e cada vez mais tudo o que temos aos nossos predecessores, já transformados, muitas vezes incorporados à Humanidade, mas em todo caso subjetivos, com vistas ao legado que deixaremos para o futuro

o   Ao realizarmos a presente celebração, não somos somente positivistas: mais do que tudo, com ela afirmamo-nos humanos

-        Como sabemos, embora Augusto Comte tenha lançado os fundamentos da Religião da Humanidade em sua colossal obra Sistema de política positiva (1851-1854) e em inúmeras posteriores, menores ou não, quando ocorreu sua transformação em 1857 ele deixou sua obra inconclusa: a Religião da Humanidade já estava fundada, mas inúmeras instituições e reflexões complementares ainda estavam por serem lançadas e/ou desenvolvidas

o   Entre essas instituições e reflexões complementares estão suas considerações sobre a moral teórica (que se chama atualmente, a partir da tradição metafísica, de “Psicologia”), a moral prática (a pedagogia), sobre a sociedade industrial (em que ele abordaria, entre outras coisas, o que se chama de “economia política”), além de obras poéticas sobre a Humanidade e sobre sua querida cidade de Paris

-        O Positivismo afirma a possibilidade e a necessidade de unir e, por meio dessa união, superar cada um deles individualmente, a ordem e o progresso, por meio do vínculo, do fundamento e objetivo do amor

o   Da mesma forma, Augusto Comte fundou a Sociologia e, depois, a Moral para estender a cientificidade aos âmbitos mais difíceis, mais complicados, mas mais urgentes e mais nobres: os âmbitos próprios ao ser humano, seja coletivamente, seja individualmente

o   A moralidade defendida por Augusto Comte substitui o individualismo pela coletividade, ao substituir o absoluto teológico-metafísico pelo relativismo sociológico (ou humano)

-        Após o incrível sucesso do Positivismo no Ocidente e nas áreas por ele influenciadas entre meados do século XIX e início do século XX, o avanço da metafísica revolucionária e mesmo da retrogradação revolucionária a partir pelo menos de 1914 fizeram diminuir a importância do Positivismo e da Religião da Humanidade

o   Simplesmente não é casual ou fortuita essa diminuição de importância: o absolutismo retrógrado e/ou revolucionário tornou-se a tônica da vida política, social e intelectual do Ocidente a partir de então (e, com base no Ocidente, do resto do mundo): marxismo, comunismo soviético, nazifascismo, autoritarismos variados; mais recentemente a política identitária

o   Mesmo os impulsos generosos e de renovação da política mundial foram em maior ou menor medida contaminados por essas metafísicas retrógradas e/ou revolucionárias, resultando cada vez mais em conflitos desnecessários e evitáveis (conflitos fratricidas, como dizia Teixeira Mendes)

o   Vale lembrar que, para o Positivismo, a metafísica é um conceito intelectual completamente secundário: mas, em termos políticos e sociais, atualmente ela é da maior importância prática:

§  A metafísica é dissolvente, é crítica, é destruidora; seu objetivo é destruir todas as instituições humanas, assumindo como permanente o que é temporário e como representante da regra o que evidentemente é a exceção

o   O alastramento dessa metafísica retrógrada e/ou revolucionária tem como resultado também o combate sistemático ao Positivismo e à Religião da Humanidade: assim, não é por acaso que os políticos fazem o possível para manter as sociedades no âmbito da estreita oposição “direita-esquerda” e que os autodenominados intelectuais, com suas práticas academicistas e cientificistas, fazem o possível para desprezar o Positivismo e torná-lo a palavra-síntese de tudo o que seria ruim

-        Assim, mais do que nunca, o Positivismo, ou melhor, a Religião da Humanidade tem que ser afirmada e difundida: o amor, o relativismo, a fraternidade, o pacifismo são os parâmetros maiores dessa grande elaboração; quem se opõe ao Positivismo opõe-se, no fundo, a esses parâmetros

-        É motivo da maior e mais profunda alegria podermos realizar a presente celebração do aniversário de Augusto Comte: com isso, não apenas celebramos a memória do fundador da Religião da Humanidade, mas celebramos todos os grandes valores que essa instituição promove

18 janeiro 2023

Transformação de Miguel Vicuña Navarro

É com grande tristeza que informamos a transformação de Miguel Vicuña Navarro (1948-2023).



Positivista chileno, conhecedor profundo e pesquisador da história política, social e intelectual do Chile, responsável pela Fundação Juán Enrique Lagarrigue, ele transformou-se no dia 1.1.2023.

Reproduzimos aqui o belo relato feito por Marcelo Pérez:

"É com tristeza que compartilho com vocês notícias que tocam o mundo do positivismo em Santiago. Miguel Vicuña, secretário e guardião dos arquivos da Fundação Juan Enrique Lagarrigue, faleceu ontem, Dia da Humanidade, aos 74 anos. Miguel também foi um reconhecido poeta e professor de filosofia. Em 1997 publicou La emergencia del positivismo en Chile, o mais importante texto sobre o positivismo de Augusto Comte no Chile. Neste momento está sendo organizado um velório na Fundação Juan Enrique Lagarrigue, rodeado de todos os tesouros da Igreja Positivista Chilena."

Neste vídeo vemos um pouco de sua atuação, em particular ao tratar de Alfredo Lagarrigue, que foi filho do grande positivista Luís Lagarrigue (indicado ao Prêmio Nobel da Paz) e um dos fundadores do que se chama de "via chilena ao socialismo":

https://www.youtube.com/watch?v=88zb3Guj9YI  

Teoria positiva das férias

No dia 17 de Moisés de 169 (17.1.2023) realizamos a prédica positiva, iniciando a leitura comentada da teoria do culto público (quinta conferência do Catecismo positivista). Na sequência, na reflexão semanal, fizemos algumas considerações sobre o que podemos chamar de teoria positiva das férias.

Antes da leitura comentada, lembramos alguns aniversários e centenários que ocorreram no início do ano: Teixeira Mendes (nascimento: 5.1.1855), Pierre Laffitte (morte: 4.1.1903), Luís Pereira Barreto (nasc.-morte: 11.1.1840-11.1.1923), Frederic Harrison (morte: 14.1.1923) - e, no início deste ano, a transformação do positivista chileno Miguel Vicuña (1948-1.1.2023).

A prédica está disponível nos canais Apostolado Positivista (https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/1781211292278737/) e Positivismo (https://www.youtube.com/watch?v=r76pRHDU6FU); a exposição sobre a teoria das férias está disponível no Apostolado Positivista a partir de 51' 30".

Abaixo reproduzimos as anotações que nortearam nossa exposição sobre a teoria da férias.

* * *

-        À primeira vista, pode parecer tolo falar sobre as férias; mas elas são necessárias

-        As férias correspondem a um período anual em que todo servidor da Humanidade cessa temporariamente suas atividades a fim de descansar

o   Os períodos de descanso não são apenas anuais, mas são também semanais: não por acaso, temos o descanso semanal de dois dias (embora algumas categorias profissionais tenham esse descanso limitado a um dia ou a um dia e meio)

o   Aliás, a necessidade de descanso impõe-se mesmo em períodos mais longos e a respeito de questões que nos imponham um esforço contínuo, como no caso das preocupações políticas (ou, em outro âmbito, no caso das preocupações financeiras)

-        As férias correspondem a uma necessidade física e mental, mas também social

o   A base física das férias está na lei da alternância da atividade e do repouso, em que todos os órgãos precisam repousar ou diminuir sua atividade

o   A necessidade social corresponde à possibilidade de cada servidor visitar parentes e amigos, com isso reforçando e aprofundando os laços sociais e afetivos

§  É importante enfatizar a importância social – coletiva e afetiva – das férias, pois elas são atualmente entendidas apenas como momentos individuais de prazer hedonista

-        Torna-se claro que as férias anuais e o descanso semanal não são um “direito”, mas uma necessidade e, portanto, uma obrigação devida a todos os servidores da Humanidade; assim, elas impõem-se como elementos da Estática Social, ou seja, da ordem

o   Quem é contra as férias mas fala em “ordem social” para tal oposição na verdade revela preconceito, ignorância e desprezo pelo ser humano

o   Da mesma forma, afirmar a rejeição às férias em nome da “ordem” evidencia antes de mais nada uma concepção puramente capitalista (ou industrialista) da ordem social, em que o ser humano é apenas um instrumento mecânico para geração do lucro

o   Inversamente, afirmar as férias como um elemento do progresso revela a pobreza mental e intelectual de quem supostamente defende o “progresso”

-        Pode parecer tolo afirmar politicamente a importância das férias, mas o fato é que, sob a influência do ultraliberalismo protestante (principalmente estadunidense, mas não somente dos EUA), nos últimos anos vários grandes capitalistas e várias grandes empresas têm-se manifestado resolutamente contra os aspectos da Estática Social que beneficiam os trabalhadores

o   Outro aspecto que tais capitalistas e empresas têm combatido resolutamente são os contratos coletivos, a sindicalização dos trabalhadores e as greves

o   É claro que, por outro lado, tais capitalistas e tais empresas cinicamente não recusam os aspectos da Estática que os beneficiam mais diretamente (como suas próprias possibilidades de acumulação de capital, suas taxas de lucro e seus bônus anuais)

o   Entre tais empresas e capitalistas que desenvolvem ativamente políticas antitrabalhadores podemos citar Ellon Musk (Tesla, Twitter) e a Amazon

-        No Brasil a rejeição das férias anuais e dos descansos semanais verifica-se nas práticas de precarização e de manutenção do trabalho precário, estimuladas pelos liberais, pelos neoliberais e pelos ultraliberais e também por empresários que são limitada e hipocritamente defensores da “ordem social”

o   Essa precarização do trabalho pode ser verificada não somente no subemprego e nos “bicos”, mas também, nos últimos anos, na uberização do trabalho

o   O subemprego, os bicos, a “uberização” do trabalho dificultam ou impedem a sindicalização, os contratos coletivos, as greves e, de maneira central para o que nos interessa, também as férias anuais e os descansos semanais