A ode abaixo é possivelmente o primeiro poema que foi dedicado a Augusto Comte, em reconhecimento a sua obra. A autoria é de Charles Jundzill (1826-1855), que a compôs em 1852; ela foi encartada por Augusto Comte no "prefácio" do v. I da Síntese subjetiva (1856, p. L-LIII).
A presente tradução é de R. Teixeira Mendes e foi publicada no opúsculo n. 134 do catálogo da Igreja Positivista do Brasil (19 de Moisés de 113 – 19 de janeiro de 1901).
* * *
A AUGUSTO COMTE
Esboço poético sobre o fundador do Positivismo
Quando em toda parte o solo
Sob os destroços se abala;
Quando o céu, de pólo a pólo,
Para que todo estala,
Nosso ânimo assombrado
Repousa o olhar desvairado
Nesse mundo a se arruir!
Buscando nesse naufrágio
O esperançoso presságio
Da salvação do Porvir.
Nosso séc’lo em desvario
Assim corria aos azares,
Qual se vê frágil navio
Entregue à fúria dos mares!
Saído da luta rude,
Que ameaçava a virtude,
Toda crença devorando,
Seu último íd’lo partido,
No vago desconhecido
Sem norte se ia engolfando.
Mas já por entre a ruína
Um novo símb’lo fulgura!
Grata luz nos ilumina
Que o mais belo dia augura!
Terrores de nossa idade,
Sumi-vos! Que a Humanidade
Jamais pode sucumbir!
Em vão se a crê que esvaece!
Engano! Rejuvenesce
Para um glorioso porvir...
A ti, Comte, a glória eterna
De, vencendo atrás torturas,
Achar a fonte superna
Da fé das eras futuras!
Debalde o Mundo em delírio,
Nas vascas do cru martírio,
Do erro a voz escutava;
Já teu gênio penetrante
De uma harmonia constante
As firmes leis formulava.
Enquanto a dúvida esgota
A seiva das velhas crenças,
Do tempo inquirindo a rota
As mutações lhe condensas:
E na onda movediça
Da evolução quebradiça
Das priscas opiniões,
Teu sublime engenho integra
Os elementos e a regra
Das modernas construções.
A ciência fica senhora
Quando a fé por fim naufraga.
Cada vez mais a vigora
Lei fatal que tudo esmaga.
Fornece ela o chão propício,
Alicerce do edifício
Da verdadeira união;
Teu labor por ela enceta,
E dela por ti completa
Tiraste a religião.
Do Mundo o extremo recesso
Sua luz já penetrara:
E da vida em seu progresso
A fértil lei desvendara;
Mas no ínclito sistema
Falta a ciência suprema
Que a meta final assina:
Revinha a questão urgente
Com que sempre a nossa mente
A Humanidade domina.
Dessa existência sem par
Restava ler os arcanos:
A marcha eterna apanhar
De seus passos soberanos!
Restava, e foi tua glória,
Traçar o plano da história
Que enfim nos fez descobrir
Como, nas eras correndo,
Qual da fonte um rio nascendo
Sai do Passado o Porvir.
Destarte finda, a ciência
As razões de tudo alcança;
Nessa base a inteligência
Os seus esforços descansa.
Desde então se mostra o mundo,
No seu concerto profundo,
A nossos livres olhares,
Como vasta economia,
Sujeita a certa harmonia
Sem caprichosos azares.
A Humanidade resume
As nossas cogitações;
A Ela sobe o perfume
Das mais santas afeições;
Foi Ela o ideal propício
Que pressentira o início
Dos povos na infância terna;
A Ela o homem se prostra,
E seu reino o fim só mostra
Da tempestade moderna.
Tal era o problema ingente
A que só teu gênio iguala!
O teu supremo ascendente
Toda dádiva avassala!
Que o vulto de nossas eras
Correndo após vãs quimeras
Os teus louvores postergue!
O Porvir, cujo mistério
Desvendaste, infindo império
Por entre bênçãos te ergue!
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