A historiadora paranaense Cassiana C. Lacerda postou no Facebook em 17.2.2019 um belo e informativo texto com um resumo biográfico do grande positivista, o historiador, economista, museólogo, empreendedor e professor David Antônio da Silva Carneiro.
Esse texto, na verdade, foi elaborado na inauguração da Escola David Carneiro, inaugurada alguns dias antes, no município da Lapa, a que o prof. David Carneiro estaria cada vez mais ligado ao longo de sua vida.
(Vale notar que, no Paraná, há escolas públicas intituladas "David Carneiro" pelo menos também em Curitiba, em Araucária e em União da Vitória.)
Devido à quantidade e à qualidade de suas informações, reproduzimos abaixo o texto de Cassiana Lacerda.
A postagem original pode ser lida aqui: https://www.facebook.com/groups/417557358409468/posts/1256356454529550/
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DAVID ANTONIO DA SILVA CARNEIRO
Cassiana Carolo Lacerda
DAVID ANTONIO DA SILVA CARNEIRO (Curitiba, 29 de março de
1904 – Curitiba, 3 de agosto de 1990).
Historiador, professor universitário, escritor, ensaísta,
pesquisador, museólogo, colecionador, estudioso de heráldica e nobiliarquia, professor
universitário, empresário de cinema, empreendedor e mecenas.
Filho do Coronel David Antonio Carneiro e de Alice Monteiro Carneiro, interessa-se por temas históricos desde os tempos de menino, quando começa a colecionar moedas, sob incentivo, respectivamente, de seu pai e de seu avô.
Essas moedas foram a gênese do Museu Coronel David Carneiro, criado por ele em 1928 e, posteriormente, reunido no Museu David Carneiro.
Entre 1918 e 1922 estuda no Colégio Militar de Barbacena e e, a seguir, no Colégio Militar do Rio de Janeiro/RJ. Influenciado por professores como Alfredo Severo e Heitor Cajati, guarda desse período a identificação com a filosofia positivista de Augusto Comte, que passa a seguir e a propagar, tendo construído no prédio do museu uma Capela Positivista.
Avesso à carreira militar, volta a Curitiba, entre 1923 e
1924, onde tem aulas com o pintor Lange de Morretes.
Em 1927, diplomou-se em Engenharia pela UFPr.
Nesse período, seu colega de Colégio Militar, João Gualberto Gomes de Sá Filho, casado com Zoé Lacerda, o levou para a Lapa. A primeira impressão que teve da cidade foi péssima. João Gualberto, para desfazer aquela sensação, oferece-lhe um copo de água do Monge, que segundo os antigos o levaria a casar com uma lapeana. É quando conhece Marília Suplicy de Lacerda e passa a visitar a Lapa semanalmente. Chegava dirigindo seu Porshe e, talvez por emoção, foi responsável pelo primeiro acidente de carro na Lapa (como ocorreu em Curitiba, o acidente foi com uma carroça). Ainda estudante, casa-se, em 1924, com Marília Suplicy de Lacerda, uma belíssima mulher, eterno amor de sua vida e companheira até o fim da vida. Única queixa que dizia ter de Marília era o fato de não ter aderido ao Positivismo. O retrato de Marília por Theodoro de Bona é belíssimo e, hoje, encontra-se no MON (Museu Oscar Niemeyer). Chegou a viver na Lapa, cidade natal de sua esposa, quando começa a colecionar peças históricas do Cerco da Lapa, pois já considera aquela episódio histórico, uma das mais importantes participações militares do Paraná em defesa da República. Gradua-se em Engenharia, pela UFPR, em 1927.
No ano seguinte, com o falecimento de seu pai, David Carneiro – primogênito da família – assume a empresa familiar, a Ervateira Americana. É nessa época que começa a colecionar, além de objetos históricos, obras de arte, em especial cenas históricas e retratos. Faz amizade com o poeta simbolista Dario Vellozo e freqüenta então, assiduamente, o Templo das Musas, ponto de encontro de artistas e intelectuais em Curitiba.
A convite do General Mário Tourinho, então Interventor no
Paraná, torna-se, em 1930, o segundo presidente do recém-fundado Banco do
Estado do Paraná (Banestado), cargo em que permanece até 1932. Lança em 1934
seu primeiro livro, “O Cerco da Lapa e seus Herói”, no qual aborda os
antecedentes e as conseqüências da Revolução Federalista no Paraná. Nas décadas
seguintes, David Carneiro firma-se como uma das maiores personalidades da
cultura paranaense, em razão de sua produção intelectual, da colaboração por
quase duas décadas em jornais, do apoio oferecido a vários jovens artistas e do
acervo histórico pessoalmente reunido ao longo de quase 70 anos.
Em 1940, ano no qual a Ervateira Americana (Rua Comendador
Araújo com Brigadeiro Franco) sofreu um incêndio. Mas, nesse mesmo ano,,
concebe e financia o Monumento à República, na Praça Tiradentes.
David Carneiro foi um aficionado pelo cinema, tanto que
manteve uma sala de projeções na sua Quinta de Val de Lobos (situada na região
do Parque São Lourenço), cujo nome evoca Alexandre Herculano, assim como a
residência da Rua Brigadeiro Franco foi inspirada no Ramalhete de “Os Maias” de
Eça de Queirós.
Manteve também uma sala na Rua Comendador Araújo, na qual
projetava produções da Flama Filmes, talvez de sua propriedade.
Em 1941, David Carneiro investiu na construção do prédio de
6 andares, na Avenida, um milhão e duzentos contos de réis, “uma fortuna”,
segundo suas palavras. O projeto foi do arquiteto Lucas Meurhofer, que optou
pelo estilo art déco. Destinado,
inicialmente, a ser apenas residencial, o edifício acabaria tendo seu térreo
dividido para a entrada de um grande cinema e também uma luxuosa confeitaria.
O nome do edifício, “Eloísa”, foi uma homenagem que o David
Carneiro fez a sua primeira filha, Eloísa Eliodora Alice Carneiro
(12/08/1933-18/03/1938), falecida devido a doença crônica. O Edifício Eloísa
foi o primeiro edifício de Curitiba a ter um penthouse, que o professor David
Carneiro reservou para sua residência.
Ali morou entre 1943/ 1949, quando construiu sua casa na Rua
Brigadeiro Franco, que tinha o Museu como anexo, com entrada pela Rua
Comendador Araújo.
Durante muitos anos, somente familiares, ou pessoas muito
amigas, ocuparam os amplos, luxuosos e confortáveis apartamentos do Edifício
Eloisa.
O luxuoso Cine Ópera, que funcionava no térreo, foi
inaugurado em julho de 1941, com “All This And Heaven Too” -Tudo Isso e o Céu
também - (1940) .
Durante quase 30 anos, seria a sala mais elegante e
movimentada da cidade, pois mesmo não tendo sido projetada como cine-teatro,
ali também ocorreram concertos, recitais (como o do tenor italiano Beniamino
Gigli) e eventos como o I Festival do Cinema de Curitiba, em 1957, quando Ney
Braga era prefeito.
Nos anos em que esteve na direção da Empresa Cinematográfica
David Carneiro, o historiador acreditou no mercado cinematográfico ao ponto de,
em 1955, ter investido na construção de um segundo cinema, no terreno defronte
ao Largo Frederico Faria de Oliveira, daquele que será o “Cine Arlequim” Um dos
seus filhos, Fernando, recém formado pela Escola Nacional de Arquitetura, do
Rio, de volta a Curitiba, fez justamente o seu primeiro grande projeto
enfrentado o desafio de criar um cinema mignon num terreno irregular.
Com uma belíssima decoração - murais nas paredes da artista
carioca Nely Bezerra de Menezes, com a temática Arlequim / Colombina / Pierrô,
e uma programação de primeira categoria, o Arlequim foi, na época, um dos bons
cinemas de Curitiba. Foi inaugurado com um dos primeiros filmes a abordar a
saga dos primeiros pilotos de aviões supersônicos - “Sem Barreira no Céu” (The
Sound Barrier), 1952, do inglês David Lean.
Foi quando constituiu a Empresa Cinematográfica David
Carneiro e, sendo dinâmico e empreendedor, tomou gosto pela coisa. Introduziu
um festival de filmes inéditos, um por dia durante uma semana, que só teriam
lançamento depois, abarrotando o cinema em sessões concorridíssimas; lançou as
matinadas com sessões aos domingos pela manhã, com desenhos e filmes infantis,
que ficaram famosas pelos desenhos do “Tom e Jerry”; também inovou ao contratar
mulher para a bilheteria, já que nesta época só homens trabalhavam nos cinemas.
Ainda sob comando do professor David Carneiro, a empresa se
voltou à construção de bons cinemas de bairro: o Guarani, no Portão, e o
Marajó, no Seminário, foram as primeiras salas confortáveis, amplas, numa época
em inexistindo televisão, o cinema era não só a opção de lazer e cultura, mas,
sobretudo, um bom negócio.
Na década de 70, oprimido por dívidas e compromissos
advindos de um empreendimento empresarial mal sucedido de um dos filhos, David
Carneiro venderá o edifício ao comerciante libanês Husseiam Hamdar que o
negociaria, de uma forma muito lucrativa, com o grupo Mesbla, para ali ser
instalada uma grande loja de departamentos. Atualmente o edifício é sede de um
empreendimento ligado à educação.
Em 1944, participa do Congresso Brasileiro de História da
Revolução Federalista – Cinquentenário do Cerco da Lapa.
Neste mesmo ano idealiza o Pantheon dos Heróis da Lapa,
construído a partir do projeto de Rubens Meister.
Nessa época cria o Museu Histórico da Lapa, que criou na
Lapa e que funcionava na Casa de Câmara e Cadeia. posterior mente, por falta de
cuidado e roubo de peças, Diante do triste episódio transferirá para Curitiba,
unindo seu acervo ao do Museu David Carneiro Senior, por ele criado.
Esse acervo, agora com o nome de Museu David Carneiro
recebeu, em 1955, uma sede anexa à casa da Rua Brigadeiro Franco, com entrada
própria pela Rua Comendador Araújo.
Foi quando o seu acervo iniciado com moedas, unido ao do
antigo Museu Histórico da Lapa (que criou na Lapa e que funcionava na Casa de
Câmara e Cadeia, até que David Carneiro constatou o descaso e a falta de
segurança do museu, materializado no desaparecimento de peças), o leva à
criação do Museu David Carneiro, que chega a reunir cerca de 6 mil peças. A
biblioteca particular do historiador, constitui capítulo à parte: trazia, entre
seus 20 mil exemplares, raridades como a segunda edição de “Traité Elémentaire
de Chimie, présenté dans un ordre nouveau et d’ápres le découvertes moderne”,
de Lavoisier, revista pelo próprio cientista em 1793; ou uma edição rara de Don
Quixote, de Cervantes, ilustrada pelo pintor Debret. Essa biblioteca foi
vendida.
David Carneiro empenhou-se pessoalmente na formação do Museu (o pelourinho de Paranaguá, por exemplo, encontrou jogado num quintal) Entre as peças do acervo – tombado em 8 de fevereiro de 1941 pelo Patrimônio Histórico (Estadual e Nacional) – estão obras de artistas como Van Der Velde, Goya, Iria Correia, Alfredo Andersen, entre outros famosos mestres, além de objetos como armas, espadas, flechas e vestimentas, referentes a vários períodos da história paranaense, brasileira e mundial.
Por meio do museu, David Carneiro incentiva em início de
suas carreiras artistas como: Arthur Nísio, Theodoro de Bona e Traple, entre
outros, encomendando-lhes obras de caráter histórico.
Na década de 1950, o Museu é transferido da casa para um
prédio construído especialmente para abrigá-lo, junto à sua residência, em
Curitiba, no mesmo local onde David Carneiro manteve a Capela da Humanidade
para o culto positivista.
Professor de Evolução da Conjuntura Econômica na Faculdade
de Ciências Econômicas e Administrativas da UFPR e Arquitetura Analítica na
Embap (Escola de Música e Belas Artes do Paraná).
Como professor visitante lecionou em universidades norte-americanas, como Nebraska, em 1961; Ucla (Califórnia), em 1966; Harvard University, entre outras. O conjunto de sua obra é reconhecido internacionalmente, sendo seus livros referência obrigatória em citações bibliográficas de obras de brasilianistas.
Membro da Academia Brasileira de História (cadeira n. 54) e
da Academia de Ciências e Letras de Lyon .
Passa a escrever na coluna Veterana Verba, no jornal Gazeta
do Povo, durante 16 anos.
Nesta época, resolve construir uma casa na Lapa, cidade onde
morou quando recém casado, reunindo dois prazeres: o de visitar a cidade natal
de Marília L Carneiro e o de degustar jabuticabas. Isso porque, a casa foi
construída em torno de uma jabuticabeira, prevendo colher as frutas do terraço
que contornava a árvore.
Em 1969, ano no qual a Lapa comemorou 200 anos de fundação
(elevada que foi como Freguesia em 13 de junho de 1769) o Prefeito da Lapa,
Sérgio Leone, convida David Carneiro, como notório estudioso de Heráldica (sua
biblioteca possuía vasta bibliografia sobre o tema) a conceber o brasão da
Lapa.
Na década de 1970, resolve construir uma casa na Lapa,
cidade onde morou quando recém casado, reunindo dois prazeres: o de visitar a
cidade natal de Marília L Carneiro e o de degustar jabuticabas. Isso porque, a
casa foi construída em torno de uma jabuticabeira, prevendo colher as frutas do
terraço que contornava a árvore
Mas, infelizmente, não chegou a usar a casa, pois questões
econômicas o impediram e o historiador é obrigado a vender sua coleção de
moedas antigas – a mesma que dera início a todo o acervo – para tentar saldar
uma dívida contraída por um familiar junto ao Banco do Brasil, da qual fora
avalista. Em 1989, no entanto, a dívida da família Carneiro – em função da alta
de juros – ultrapassa um milhão de dólares e o Banco do Brasil ameaça
executá-la.
Depois de sua morte, a residência e terrenos e imóveis nas
ruas Comendador Araújo, Brigadeiro Franco foram vendidos pelo Banco do Brasil
por RS$ 3,78 milhões de reais a um grupo composto por cinco empresas.
Por meio de acordo com a PMC a fim de construir prédios
elevados, os proprietários dos terrenos e casas na Rua Brigadeiro Franco e
Comendador Araújo foram obrigados a deixar uma parte daquela que foi a
residência do historiador (pouco mais do que a fachada) para um espaço
cultural, o Memorial David Carneiro.
Conforme previsão do Diretor do Patrimônio da FCC, dentro de
meses será aberta com uma mostra permanente sobre David Carneiro e o espaço
ganhará função.
Quanto às peças do museu, foram adquiridas pelo Governo do
Estado do Paraná, num gesto único de investimento em cultura de mais de 1
milhão de reais (louve-se o então governador, Roberto Requião que viabilizo a
aquisição) as peças do Museu David Carneiro foram incorporadas ao Museu
Paranaense, MON, Casa Lacerda e Museu Histórico da Lapa.
Espírito elevado, embora já próximo do fim da vida, ainda
lúcido e bem-humorado, em nenhum instante David Carneiro se permite lamentar o
destino do Museu, ameaçado pela execução de dívidas.
É essa imagem é a que vemos no documentário realizado por
Berenice Mendes, através da Secretaria de Estado da Cultura, um belo registro
sobre a importância de David Carneiro como historiador e figura humana.
David Carneiro teve três filhos David (já falecido),
Fernando (já falecido) e Marília Beatriz.
David Carneiro publicou, entre outras obras, Pedro II na Província do Paraná; O Paraná na Guerra do Paraguai; Os Fuzilamentos de 1894 no Paraná; O Paraná na História Militar do Brasil; O Paraná e a Revolução Federalista; A História da História do Paraná; História Psicológica do Paraná; História do Período Provincial do Paraná;
A Vida Gloriosa de José Bonifácio e sua
atuação na Independência do Brasil Tiradentes;
Educação, Universidade e História da
Primeira Universidade do Brasil – UFPR; História
Geral da Humanidade (em sete volumes). A historiadora Cecília Westphallen
cita, ainda, Galeria de Ontem e de Hoje
(1963) e Afonso de São Payo e Souza
(1986) e destaca o significado pioneiro de sua “História da História do Paraná”.
Pesquisa realizada para discurso proferido na inauguração da
Escola David Carneiro, na Lapa.
Imagens: David e Marília Carneiro, por Theodoro de Bonna (Museu Paranaense), “Illustração Brasileira” visita ao Museu David Carneiro 1944. Fotos de David Carneiro “O Estado do Paraná” 1975. Ex Libris de David Carneiro. Cine Ópera.
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