08 março 2023

Anotações sobre o exame de consciência

Na prédica positiva do dia 10 de Aristóteles de 169 (7.2.2023) demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, agora na sua sexta conferência (dedicada ao conjunto do dogma positivo).

Em seguida, fizemos o nosso sermão, dedicado ao exame de consciência: as anotações que elaboramos e que serviram de guia para a exposição estão reproduzidas abaixo.

A prédica foi exibida nos canais Apostolado Positivista (disponivel aqui: l1nk.dev/uyYb7) e Positivismo (disponível aqui: encr.pw/JM0oh). O sermão começa a ser exposto aos 51' 15".

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Anotações sobre o exame de consciência

 

-        Vários sermões anteriores, baseando-se ou inspirando-se em Augusto Comte, também se beneficiaram de sugestões e comentários do meu amigo Hernani Gomes da Costa; este sermão deve muito mais a ele, quase a ponto de eu dizer que ele é um coautor destas reflexões

-        Para melhorar esta exposição, ela será dividida em duas grandes partes:

o   na primeira nós exporemos o que e como nos parece correto realizar o exame de consciência

o   na segunda parte nós apresentaremos alguns elementos do Positivismo que fundamentam, ou fundamentariam, o exame de consciência

-        O exame de consciência é aquela reflexão íntima que cada pessoa faz retrospectivamente de sua conduta, de seus valores, de suas concepções, a fim de aperfeiçoá-las, isto é, de desenvolvê-las ou modificá-las

-        O exame de consciência exige então pelo menos quatro condições, ou melhor, quatro etapas sucessivas:

o   Que a pessoa que se examina deseje o aperfeiçoamento

o   Que a pessoa reconheça em si mesma limites a serem ampliados e/ou defeitos a serem corrigidos

o   Que a pessoa seja honesta consigo mesma

o   Que, com maior ou menor brevidade e com maior ou menor afinco, a pessoa modifique a si mesma, no sentido do que julga ser o do aperfeiçoamento necessário

-        É importante notar que o exame de consciência só é eficaz, isto é, só funciona e só faz sentido se todas as etapas indicadas acima forem cumpridas, especialmente a última etapa, que é o efetivo esforço de aperfeiçoamento

-        Um empecilho que tem que ser suprimido a cada passo é o orgulho

o   O orgulho pode atuar em cada um dos quatro momentos acima: a pessoa considera que não precisa aperfeiçoar-se; e/ou a pessoa rejeita reconhecer que tenha limites ou defeitos; e/ou a pessoa rejeita determinar a natureza e a extensão de seus defeitos ou limitações; e/ou a pessoa rejeita implementar as ações necessárias ao aperfeiçoamento

o   Reconhecer limites ou defeitos é o mesmo que reconhecer que é possível um comportamento, ou uma realidade, superior ou melhor que a existente

o   Da mesma forma, implementar as mudanças significa aceitar uma disciplina pessoal

o   Seja como reconhecimento de uma realidade melhor, seja como aceitação da disciplina, seja como rejeição do orgulho, a condição fundamental do exame de consciência eficaz é o seguinte: “a submissão é a base do aperfeiçoamento

§  Respeitando-se a autonomia do indivíduo, a submissão é digna, ou seja, é moralmente valorosa e digna

-        As condições acima indicam que o exame de consciência é individual e, em certo sentido, é uma reflexão solitária

o   É claro que, embora seja realizado pelo indivíduo, o exame de consciência não é “individualista”, pois os valores, as práticas etc. são sociais em sua origem e têm uma destinação social

o   Além disso, embora seja uma reflexão íntima, isto é, pessoal, muitas vezes a conversa sincera, afetiva e construtiva pode ser um importante auxílio no exame de consciência

§  Por definição, o apoio e a orientação são atividades sacerdotais, mas pessoas honestas, sensatas e generosas também sempre podem ajudar: idealmente, os cônjuges, além de amigos, parentes – e, mais contemporaneamente, também os psicoterapeutas

-        À primeira vista, Augusto Comte não teria tratado do exame de consciência, entendido este como a reflexão pessoal especificamente moral, levada a cabo de maneira solitária ou com auxílio sacerdotal

o   Entretanto, em toda a obra religiosa está presente a importância dessas reflexões íntimas com vistas ao aperfeiçoamento: por exemplo, no Catecismo positivista do início ao fim; nas Confissões anuais; na recomendação da versão humanista da Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis

o   Além disso, não somente há a observação lembrada acima, de que “a submissão é a base do aperfeiçoamento”, como, de maneira mais central e direta para o que nos interessa aqui, há a versão positiva da recomendação délfico-socrática: “Conhece-te a ti mesmo a fim de te melhorares

§  Essa fórmula resume em si todas as quatro etapas indicadas antes, bem como deixa claro o objetivo do exame de consciência (o efetivo aperfeiçoamento pessoal e não meramente um conhecimento íntimo)

-        A reflexão solitária é valorizada no Positivismo, de maneira explícita, pelo menos em duas situações: nas preces, como forma de exercício afetivo, e nos estudos, como forma de exercício intelectual

-        Podemos supor, ou melhor, especular que nos volumes II e III da Síntese subjetiva (dedicados à Moral Teórica e à Moral Prática), Augusto Comte recomendaria de maneira explícita algum tipo de exercício moral como o exame de consciência

o   Mas, na medida em que ele morreu antes de redigir esses volumes, por um lado permanecemos apenas no âmbito da especulação e, por outro lado, considerando o conjunto da Religião da Humanidade e as experiências práticas de outras religiões, podemos propor aqui, explicitamente, a prática do exame de consciência

-        O objetivo da prece positiva é o estímulo dos sentimentos, com vistas ao aperfeiçoamento altruísta; Augusto Comte observava que as mais simples preces podem atuar como poderosos exercícios morais

o   Na medida em que nos for permitido, podemos então sugerir que o exame de consciência seja precedido por uma breve expansão afetiva semelhante à prece positiva; essa expansão preliminar predispor-nos-á ao exame sincero e altruísta de nossas limitações e falhas e, a partir daí, também nos predisporá ao nosso aperfeiçoamento

-        No caso de o exame de consciência realizar-se com o apoio do sacerdócio positivo, tendo em vista hábitos sociais e práticas profissionais do Ocidente contemporâneo, também parece adequado o sigilo profissional

-        O exame de consciência é uma prática reflexiva: isso quer dizer que ela consiste em (1) uma reflexão e (2) sobre o passado, em que cada pessoa rememora e examina seus comportamentos à luz do que julga melhor, mais correto, mais belo

o   Nesse sentido, como se trata de uma rememoração, o exame de consciência não é um exercício de “introspecção”, em que, supostamente, ao mesmo tempo cada um seria observador e objeto

-        Além disso, embora seja uma prática pessoal (por vezes auxiliada ou orientada por outrem), o exame positivo de consciência não é uma prática absoluta

o   Isso quer dizer que se tem muita clareza de que é um exercício pessoal com vistas ao aperfeiçoamento e esse aperfeiçoamento ocorre com vistas ao público e a partir de conhecimentos, práticas e valores legados pela Humanidade

o   Sendo relativo e não absoluto, o exame positivo de consciência não é um diálogo pessoal de cada um com sua alma e/ou com uma suposta divindade supranatural

-        Assim como a prece, que lhe serve de inspiração, o exame positivo de consciência evidencia o caráter religioso do Positivismo, isto é, como uma prática afetiva e intelectual

o   A dignidade do exame de consciência é uma exigência fundamental; isso implica o respeito à autonomia dos indivíduos em suas reflexões

o   Essa autonomia só pode ser obtida com base no caráter espiritual dessa prática; dito de outra maneira: ela não pode ocorrer de maneira forçada, via poder Temporal

o   Em outras palavras, o exame de consciência exige a separação entre o poder Temporal e o poder Espiritual

o   Portanto, exigir do Positivismo uma atuação diretamente temporal, ou, o que dá na mesma, exigir dele que se constitua como um partido político é violentar e degradar o que há de mais delicado na Religião da Humanidade e no ser humano


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