No dia 24 de Aristóteles de 169 (21 de março de 2023) fizemos nossa prédica positiva. Demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua sexta conferência (dedicada ao conjunto do dogma); em seguida, nosso sermão abordou o ideal da harmonia. As anotações que serviram de base para a nossa exposição oral estão reproduzidas abaixo.
A prédica foi transmitida nos canais Apostolado Positivista (aqui: acesse.one/NW3xS) e Positivismo (aqui: encr.pw/PZoE3). O sermão sobre a harmonia está disponível a partir de 1h 59' 55".
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Anotações sobre a harmonia
o Geralmente ela é tratada em termos individuais (no sentido, por exemplo, de serenidade e de autocontrole), mas é necessário notarmos com clareza e desde o início que ela é também, e mesmo antes, um objetivo e conceito social
- A harmonia humana é delicada e exige muitos esforços e reforços, vindos de muitos lugares diferentes
- Em uma primeira abordagem, o que seria a harmonia?
o Ela consiste no equilíbrio dinâmico das várias partes da nossa natureza, em que cada uma das partes está satisfeita e colabora com a satisfação das demais
o A harmonia também pode ser entendida como serenidade; mas, por outro lado, também pode ser entendida como alegria
- Além do fato de que ela é antes social e depois individual, a delicadeza e a dificuldade de realização da harmonia está em que ela tem que ser entendida (e praticada) em termos dinâmicos, não estáticos
- A concepção estática da harmonia considera que, (1) embora a vida tenha muito movimento, é (2) na ausência de movimento e (3) na ausência de interações que se obtém a harmonia
o Geralmente a noção de “equilíbrio” associa-se à concepção estática
§ Em termos geométricos, esse equilíbrio, essa harmonia é entendido como um ponto isolado no espaço ou mesmo como uma barra de metal apoiada em algo e que, por estar em uma situação extremamente delicada, tem que ser mantida isolada de tudo e de todos
o Isso resulta, então, em que todos deveriam ficar parados e isolados para mantermo-nos harmônicos
§ Esse isolamento parado constitui o quietismo (de que o ascetismo é uma variação)
§ Ao propor o isolamento parado, o quietismo corresponde a uma concepção individualista e, no limite, antissocial do ser humano
§ Em virtude dessas características, torna-se claro que o quietismo não é, de fato, uma solução real, ou seja, não é uma solução que possa ser generalizada para as sociedades e para todos os seres humanos e que possa ser mantido ao longo do tempo
- A concepção dinâmica, em contraposição, considera que a harmonia obtém-se (1) em meio ao movimento e (2) graças aos movimentos da vida
o Nesse caso, pode-se falar, embora de maneira um pouco inadequada, de “equilíbrio dinâmico”
§ Esse equilíbrio é entendido como u’a margem, um espaço dentro do qual variamos diariamente e também ao longo da vida
§ Os próprios limites variam ao longo do tempo
o A concepção dinâmica incorpora os movimentos e pressupõe que é graças às interações com o mundo e, principalmente, graças às interações sociais que se desenvolve o equilíbrio
o Há, portanto, a afirmação do caráter relacional e, em particular, do caráter social do ser humano
o A rejeição do quietismo na concepção dinâmica não significa que, às vezes, não sejam necessários o relativo isolamento e a introspecção
- A concepção dinâmica da harmonia, como afirma o caráter social do ser humano, estabelece que a harmonia tem que se dar tanto para o indivíduo quanto para a sociedade
o Mais do que isso: a harmonia social surge como poderosa influência para a harmonia individual
- A falta de harmonia pode ser entendida como a ausência de acordo entre as várias disposições individuais entre si e também a ausência de acordo entre as disposições do ser humano com o mundo e a sociedade
o Do que estamos expondo fica muito claro que esse problema é realmente gigantesco; o quietismo foi uma solução tentada ao longo da história e aparentemente eficaz, mas que se comprovou que, no fundo, é somente um escapismo antissocial
- A solução para o problema da harmonia deve consistir em buscar algum princípio que, ao mesmo tempo, estabeleça a harmonia individual e a harmonia coletiva
o A partir de reflexões morais de caráter histórico e sobre as relações entre o ser humano e o mundo, Augusto Comte percebeu que a única solução possível para a harmonia é a subordinação do egoísmo ao altruísmo, via Humanidade
o A subordinação do egoísmo ao altruísmo permite a disciplina e a regulação dos egoísmos, em termos individuais e coletivos
o Além disso, o caráter social do ser humano atua como um poderoso auxílio nesse sentido, ao impor limites para os egoísmos individuais e ao estimular condutas altruístas
§ As sociedades positivas tendem, cada vez mais, para a realização desses ideais e dessas concepções
§ Ao mesmo tempo, a realização desses ideais e valores implica também que os indivíduos incorporem-nos como ideais e valores pessoais e, dessa forma, que os assumam e pratiquem
§ Em outras palavras, a busca e a realização da harmonia é tanto uma situação de fato (ela realiza-se cotidianamente) quanto uma prescrição (ela deve ser buscada)
o Tal solução envolve o conjunto da existência humana: envolve e satisfaz os sentimentos, requer e disciplina o uso da inteligência, tem fins práticos; disciplina os indivíduos e organiza a vida coletiva
o Daí a importância central da concepção e do ideal de “Humanidade”
- Vale a pena repetir: o problema da harmonia é enorme e delicado
o As indicações acima representam a única solução possível; mas, ao mesmo tempo, temos que admitir que elas apresentam um caráter geral e abstrato
o A cada momento, tanto os indivíduos quanto as sociedades devem realizar ao máximo todos os esforços possíveis para aplicar esses princípios, conforme as situações concretas que todos e cada um vivem
o É importante lembrar que a orientação altruísta do egoísmo não significa a negação do egoísmo: em outras palavras, os interesses e os pendores pessoais e coletivos devem ser entendidos como legítimos, sendo aceitos e respeitados
o Assim, em cada interação social, em cada proposta elaborada, em cada ação realizada deve-se tentar aplicar esse princípio: o processo contínuo de aperfeiçoamento individual e coletivo, na forma da orientação altruísta do egoísmo, resulta em esforços educativos e religiosos
o A imensidão e a dificuldade do problema exigem que todos os recursos e os esforços destinados a colaborar com a harmonia individual e coletiva devem ser empregados ao máximo, o tempo todo: como sabemos, essa é a definição positiva da moralidade
§ Inversamente, o que afasta esses recursos e esforços desses objetivos deve ser entendido como imoral
- A Religião da Humanidade é um grande sistema que reconhece, disciplina e orienta os nossos vários recursos para a busca e a realização da harmonia humana
o Como sabemos, a concepção central, que unifica e coordena todos esses esforços, é a Humanidade
o No que se refere à harmonia, todas essas várias concepções foram resumidas por Augusto Comte nas fórmulas “agir por afeição e pensar para agir” e “viver para outrem”
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