09 agosto 2019

Comentários sobre "O Brasil inevitável", de Mércio P. Gomes

Há duas semanas comprei este livro e há pouco terminei de ler vários capítulos, do grande antropólogo Mércio Pereira Gomes.
Mércio Pereira Gomes
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9rcio_Pereira_Gomes#/media/Ficheiro:MercioPereiraGomes.jpg
O Brasil inevitável é um livro realmente interessante e instigante, que merece ser lido e refletido.
Capa do livro
Fonte: https://obrasilinevitavel.home.blog/2019/03/16/lancado-o-livro-o-brasil-inevitavel-etica-mesticagem-e-borogodo/

O livro trata de política, história, antropologia, filosofia de maneira inteligente e original. Como o autor é antropólogo, suas vistas sobre o Brasil, isto é, sobre a formação e composição étnica e, principalmente, cultural do país iluminam as discussões políticas.
De qualquer maneira, quero comentar aqui dois aspectos mais gerais que me chamaram a atenção.
Por um lado, o autor segue uma tradição que remonta pelo menos a Darcy Ribeiro e que até os anos 1960 era muito forte: concepções de "projeto nacional", de considerar o Brasil como um único país (composto por vários grupos, claro está, mas, ainda assim, um só país) e que deve ter uma visão de longo prazo para orientar as ações presentes. Esse tipo de perspectiva foi deixado de lado a partir dos anos 1970 tanto pelos marxistas (interessados em explorar os conflitos de classe) quanto pelos pós-modernos (preocupados com as políticas identitárias e/ou com as concepções irracionalistas segundo as quais todo poder é podre e todo projeto político é irracional e visa apenas à dominação e à exploração). A falta de um "projeto de nação" é um dos motivos mais amplos que explicam porque o Brasil encontra-se no poço sem fundo em que está.
Por outro lado, aliás também remontando a uma concepção que passa por Darcy Ribeiro, o autor tem uma visão positiva, otimista do brasileiro. Não se trata de negar seus problemas, nem das dificuldades que enfrentamos, nem dos aspectos negativos de nossa história: nada disso. O autor reconhece com grande clareza todos esses problemas. Mas, em vez de limitar-se a isso, ele observa que há inúmeros aspectos positivos no Brasil e nos brasileiros - aspectos que justificam a possibilidade de o país "dar certo" (e, portanto, que dão sentido à concepção de um "projeto de país"). A história brasileira não é uma sucessão de crimes, de opressões, de dominações, de brutalidade e - em uma narrativa que tem sido larga e alegremente repetida - de autoritarismo inato; muito do que se afirma como negativo na história e na realidade brasileira tem que ser percebido, com urgência, de maneira diversa.
Todavia, sou obrigado a fazer um reparo ao livro, a apresentar um grave "porém". O autor elogia reiteradamente o grande Marechal Rondon - aliás, com toda a justiça. Ora, como se sabe, Rondon era positivista: é precisamente ao tratar do Positivismo que Mércio Gomes erra - e erra reiteradamente, infelizmente se limitando a repetir o senso comum de manuais. Nesse caso, não há escapatória; é necessário ignorar tudo o que Mércio Gomes fala sobre o Positivismo e buscar outras fontes.

Marechal Rondon em 1930
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2ndido_Rondon#/media/Ficheiro:Marechal_Rondon.jpg
(Sacrificando um pouco a humildade, e considerando a multiplicidade de âmbitos em que se move Mércio Gomes - teoria social, antropologia brasileira, história das idéias etc. -, uma indicação útil a respeito do Positivismo é o meu livro Comtianas brasileiras.)

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