“Liberdade, abre as asas sobre nós...” – I
Para o tema desta coluna, aproveitaremos o calendário para discutirmos um assunto fundamental da filosofia política – e da prática política –: a liberdade. Todavia, como esse tema constitui-se, de fato, em um dos fundamentos da reflexão política, dedicaremos uma série de artigos a ele.
No período que se estende da segunda metade de abril até a primeira metade de maio, comemoramos no Brasil três feriados nacionais: Tiradentes (21 de abril), o Dia do Trabalho (1º de maio) e a Comunhão das Raças (13 de maio)[1].
É claro que esses três feriados sugerem inúmeros temas para reflexão: por que esses dias e não outros; por que esses motivos e não outros; qual a utilidade de haver sistemas públicos de comemoração cívica por meio de datas. Na verdade, à exceção da pergunta relativa à escolha das datas específicas para cada feriado (“por que comemoramos o Dia de Tiradentes em 21 de abril?” etc.), as outras indagações não são nem sequer formuladas em nosso cotidiano e costuma-se considerar os feriados apenas como bons motivos para não trabalhar (ou estudar), para irmos à praia ou, simplesmente, para ficar em casa. É claro que isso não faz muito sentido e tem seus reflexos sobre a vida em comum, sobre a nossa res publica; todavia, esse assunto é tema para outras colunas[2].
O tema desta coluna é outro: o que poderia unir as três comemorações indicadas acima? Forçando um pouco as coisas, podemos dizer que é a liberdade: o Brasil como país livre da opressão externa; o trabalho e os trabalhadores dignificados e respeitados como uma forma de expressão e realização do ser humano e, por fim, o fim da opressão de um grupo sobre outro, no seio da sociedade brasileira. Todos os três referem-se a grupos, a coletividades, ou seja, apenas na medida em que têm um significado coletivo – e para o conjunto dos brasileiros – é que são comemorados, mas não é difícil perceber que a forma como cada um realiza a liberdade é diferente. Um refere-se ao fim de limitações que a sociedade sofre de fora; outro refere-se a limitações institucionalizadas que um grupo específico da sociedade sofre no interior dessa mesma sociedade; outro, ainda, considera a forma básica como a riqueza é produzida e em que a maior parte da sociedade está envolvida diariamente.
A figura dos grilhões, das correntes, é muito representativa do tipo de liberdade de Tiradentes e da Confraternização das Raças; já o Dia do Trabalho não é tão facilmente identificável com “grilhões”: mas será, também, “liberdade”? Aliás, há apenas uma liberdade?
Como definir a liberdade? Cecília Meireles, em seu Romanceiro da Inconfidência, afirmou poeticamente que todos conhecem o seu sentido mas ninguém consegue defini-la; todavia, talvez seja possível uma primeira aproximação: liberdade pode ser a possibilidade de fazermos o que desejamos, sem restrições.
Antes de iniciarmos a discussão mais específica – que, aliás, ficará apenas para as próximas colunas –, apresentaremos algumas outras situações, diversas das anteriores, em que se busca realizar a liberdade. O que há de liberdade em cada uma delas? Haverá apenas uma única forma de liberdade?
- A possibilidade de adquirir os produtos que quiser, em meio a uma variedade de opções para cada produto.
- A possibilidade de decidir, individualmente, o próprio destino.
- A possibilidade de deslocar-se para onde desejar, no território da coletividade de que participa.
- A possibilidade de escolher a própria religião.
- A possibilidade de exprimir seus próprios valores e opiniões.
- A possibilidade de submeter-se às regras elaboradas pelo grupo, com a participação de si mesmo.
- A possibilidade de submeter-se individualmente às regras elaboradas por si mesmo.
- A possibilidade de viver como bem entender, sem sofrer perseguição de espécie alguma, de indivíduos ou do Estado.
[1] Poderíamos incluir nessa pequena relação outra data comemorativa – o 19 de abril, Dia do Índio –, mas nem ele é um feriado nacional nem faria muito sentido, para a discussão desta coluna, sua inclusão no mesmo grupo que as datas indicadas acima.
[2] Em todo caso, para quem tiver interesse, leituras interessantíssimas a respeito do sistema de feriados podem ser encontrados nos escritos dos positivistas brasileiros, em particular Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, que no início da República, em 1889-1890, bateram-se por um sistema de comemorações públicas que fosse capaz de constituir uma identidade brasileira. Além das obras de Lemos e Teixeira Mendes, pode-se consultar com proveito o livro do historiador José Murilo de Carvalho, A formação das almas.
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