06 dezembro 2022

Negacionismos de direita vs. negacionismos de esquerda

É realmente interessante e instrutivo o Dicionário dos negacionismos no Brasil, organizado por José Leon e José Luiz Ratton. Considerando a época em que vivemos, em que movimentos políticos (mais uma vez) negam a ciência e vários de seus mais importantes resultados, é uma obra de referência, ao mesmo tempo ampla e didática.

Há alguns aspectos curiosos. Por exemplo: saltando à vista, existe um certo cientificismo, a que se alia um forte academicismo. O primeiro aspecto acaba sendo um pouco inevitável, haja vista que o livro é uma defesa da ciência, de seus métodos e de seus resultados; já o segundo aspecto é bem menos inevitável, embora largamente (em particular desde os anos 1960-1970) o academicismo seja entendido como sinônimo, quando não substituto, do cientificismo.

(O verbete que abre o livro, dedicado à Academia Brasileira de Ciências devido à ordem alfabética dos temas, é exemplar tanto do cientificismo quanto do academicismo. Mas, enfim, talvez esses dois defeitos fossem inevitáveis no livro em geral e nesse verbete em particular; de qualquer maneira, outros verbetes não apresentam esses problemas.)

Mas, enfim, dois outros aspectos chamam em particular a atenção no livro. O primeiro é a variedade, a profundidade e o caráter absolutamente retrógrado (e não meramente reacionário ou conservador) dos negacionismos atuais. Em séculos anteriores a Humanidade presenciou vários negacionismos, sempre a partir de motivos "religiosos" e/ou "ideológicos": a perseguição contra Galileu é exemplar, mas também as ciências identitárias "ariana" de Hitler e "proletária" de Stálin. Nesses casos, o que estava em questão eram concepções filosóficas que tinham consequências políticas e sociais muito diretas. Os negacionaismos atuais também se referem a concepções filosóficas, mas ampliaram-se para questões científicas substantivas, com consequências econômicas, ambientais e até clínicas muito mais amplas que aquelas "apenas" sociais e políticas: o negacionismo climático e o negacionismo vacínico são dois exemplos imediatos que temos visto e vivido nos últimos anos.

O segundo aspecto que chama a atenção é a inclusão, como alvo dos negacionismos, de posturas filosóficas, "narrativas" acadêmicas e "interpretações" alinhadas ao pós-modernismo (como os verbetes dedicados à política identitária e também às "teorias queers"). A inclusão desses verbetes chama a atenção porque, embora sejam alvo dos negacionismos, essas "interpretações", essas "narrativas", essas "teorias" são, elas mesmas, radicalmente anticientíficas (embora sejam profundamente academicistas). Em outras palavras, são - como dizer? - "práticas acadêmicas" que negam, por princípio, a ciência; que rejeitam a concepção de uma realidade objetiva, mais ou menos independente da vontade e da subjetividade humana; que rejeitam a possibilidade de investigação objetiva dessa realidade; que rejeitam a possibilidade de acordo racional e bem intencionado entre as pessoas a respeito dessa objetividade e dessa investigação objetiva. Tudo ao contrário: essas "práticas acadêmicas" entendem que há apenas subjetividades; que há apenas "narrativas"; que essas "narrativas" são sempre particulares e particularizantes; que não há objetividade (na verdade, a objetividade seria um mito ocidental, "branco", "macho", falocêntrico, burguês e qualquer outro adjetivo que esteja à disposição como xingamento ressentido); que não há acordo entre as pessoas, mas apenas lutas, conflitos e dominações (mais ou menos temporárias). Mas, ao mesmo tempo em que são radicalmente anticientíficas - de modo que, por qualquer parâmetro, a elas dever-se-ia aplicar o adjetivo de "negacionistas" -, elas são profundamente academicistas, ou seja, são práticas realizadas por pessoas que vivem nas e das universidades e que fazem questão de viver em ambientes ultraintelectualistas (de preferência, mas é claro que não somente, nos Estados Unidos, embora esse país seja a atual pátria do capitalismo) e que também fazem questão de divertir-se passeando e ganhando dinheiro em amplos circuitos internacionais de palestras.

Surge então a pergunta: se essas "práticas acadêmicas" são negacionistas, por que elas foram incluídas em um livro que denuncia os negacionismos? Eu sugiro dois ou três motivos. O primeiro é que essas "práticas acadêmicas" são negacionistas de esquerda: é o negacionismo de direita que atualmente tem causado os maiores danos. Em segundo lugar, como os negacionismos de direita criticam não apenas questões científicas mas também criticam os negacionismos de esquerda, estes últimos beneficiaram-se, como passageiros clandestinos, da crítica às posturas negacionistas de direita. Em terceiro lugar, os negacionismos de esquerda são academicistas: como o academicismo cada vez mais é o sinônimo, quando não o substituto, da cientificidade, novamente os negacionismos de esquerda beneficiam-se como passageiros clandestinos de algo que, em situações normais, não lhes seria oferecido.




23 novembro 2022

Anotações sobre o amor

No dia 18 de Frederico de 168 (22 de novembro de 2022) realizamos, como de hábito, a nossa prédica positiva. A pauta dessa prédica foi a leitura comentada do início da quarta conferência do Catecismo positivista, dedicada à teoria do culto privado e na qual vimos a teoria dos "anjos da guarda". Em seguida, nas nossas reflexões semanais, abordamos um dos mais importantes temas, seja para a Religião da Humanidade, seja em geral: o amor.

Reproduzimos abaixo as anotações que serviram de base para as nossas reflexões.

A prédica está disponível no canal Apostolado Positivista (aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/919937228995893/) e no canal Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Rc9vDlSrcq4). No canal Apostolado Positivista, as reflexões sobre o amor começam em 47' 33".

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-        Talvez mais que qualquer outro tema no âmbito do Positivismo, é muito difícil esgotar as reflexões que se pode fazer a respeito do amor; assim, estas anotações são apenas alguns comentários iniciais

-        Muitas palavras no Positivismo têm uma forte carga semântica, no sentido da polissemia; o amor é exemplar a respeito:

o   Bondade

o   Altruísmo

o   Sentimentos

-        É o primado do amor que realmente permite ao Positivismo ser a Religião da Humanidade:

o   O amor preside os sentimentos; os sentimentos, por seu turno, são o início e o fim da existência humana

o   O amor permite ao Positivismo instituir o estado religioso e também a síntese

o   O amor é a condição verdadeira e profunda de disciplinamento do egoísmo e, portanto, de solução do problema humano

o   Desde o seu início o Positivismo é antiacademicista; mas é o amor que estabelece o anticientificismo e até o relativismo

o   Por outro lado, o amor exige sempre a orientação da inteligência, seja para não se degradar em misticismo, seja para não se perder na realidade:

§  “Agir por afeição e pensar para agir”

§  “A inteligência é ministra do coração, não sua escrava”

o   O símbolo máximo do amor no Positivismo é a própria figura da Humanidade, que, não por acaso, é mulher e é mãe

-        Assim, o amor de Augusto Comte por Clotilde de Vaux não pode ser entendido como a mera paixão extemporânea de um homem mal amado de meia idade por u’a moça igualmente mal amada: essa forma de apresentar a questão, além de grosseira, é superficial e injusta para com os dois amantes

o   Os sentimentos de Comte por Clotilde eram em tudo respeitosos e dignos e, por isso, paulatinamente passaram a ser correspondidos por Clotilde

o   Acima de tudo, como o próprio Comte reconhecia, e como Teixeira Mendes repetia sem cessar, foi o amor por Clotilde que deu a Comte o impulso e a orientação de que precisava para realmente concluir e realizar a obra de sua vida, ou seja, a Religião da Humanidade

§  Em outras palavras, a Religião da Humanidade é o fruto direto do amor

-        Existem vários instintos afetivos altruístas: apego, veneração e bondade

o   Apego: relações entre iguais (vínculo entre irmãos, entre coetâneos, entre compatriotas, entre cônjuges)

o   Veneração: relação afetiva do inferior, do mais novo e do mais fraco para com o superior, com o mais velho e com o mais forte

o   Bondade: relação afetiva do superior, do mais velho e do mais forte para com o inferior, com o mais novo e com o mais fraco – é o “amor” propriamente dito

-        O que se opõe ao amor, no Positivismo, é o egoísmo, não o ódio

o   O egoísmo é natural e tem que ser disciplinado

o   O ódio, embora seja um sentimento (negativo) possível, é eminentemente destruidor

§  Para ser eficaz, o amor tem que ser positivo: “só o amor constrói”

§  Podemos considerar que a atitude do Positivismo em face do ódio é no sentido de diminuir esse sentimento agressivo, convertendo-o em respeito, cooperação e convergência; caso não seja possível reverter o que separa os grupos e/ou os indivíduos entre si, deve ser estimulada a tolerância mútua

-        O âmbito social do desenvolvimento do amor é a família

o   A família estabelece relações e vínculos afetivos próximos – que são os mais intensos

§  Daí também a cobrança de Augusto Comte de que as mátrias sejam pequenas

o   O fundamento das famílias é, precisamente, o amor – ou, em outras palavras, a função social das famílias é o desenvolvimento dos afetos (e não a reprodução, como afirmam (algum)as teologias)

o   A família é o âmbito privilegiado da mulher – que, como se sabe (ou como se deveria saber) é mais afetiva que o homem

-        O amor é inato

o   Como Augusto Comte observa no Catecismo positivista, afirmar que o egoísmo é inato é banal; mas foi difícil o Ocidente reassumir que o altruísmo também é inato

o   A metafísica individualista (a partir do monoteísmo cristão) e o cientificismo dificultaram muito o reconhecimento do valor do amor

o   Apesar dos seus inúmeros problemas intelectuais e morais, a Idade Média sugeriu duas instituições moralmente importantes:

§  Por um lado, a partir do século XI, idealizou a Virgem Maria (com São Bernardo, por exemplo)

·         Essa idealização substituiu a utopia do Cristo ressuscitado, que é intelectualista, masculina e pelo sofrimento, por uma utopia afetiva, feminina e construtiva – e que começa a valorizar as mulheres no âmbito da teologia católica

§  Por outro lado, no final da Idade Média, vários místicos passaram a afirmar a centralidade moral e intelectual do amor (com Tomás de Kempis, por exemplo)

-        O instinto altruísta mais importante é a veneração:

o   A veneração é o instinto mais importante porque ela é o mais difícil, na medida em que nos obriga a submetermo-nos a outrem e/ou a outras coisas

§  Em outras palavras, a veneração comprime o orgulho (e até a vaidade)

§  A veneração também nos lembra de que integramos uma longa continuidade histórica, ou seja, é ela que no final das contas afirma a historicidade do ser humano

o   Como dizia Comte, “a submissão é a base do aperfeiçoamento”

§  Sempre que desejamos aperfeiçoar-nos (em qualquer coisa, em qualquer habilidade), temos que reconhecer que somos imperfeitos e que estamos abaixo de parâmetros julgados ideais: em outras palavras, sempre que desejamos o aperfeiçoamento, temos que nos submeter a algo e/ou a alguém

o   Deveria ser evidente e não deixa de ser um tanto degradante ser necessário afirmar que a submissão não é sinônima de (auto)degradação, (auto-)humilhação: na positividade, a submissão é sempre digna

§  As filosofias políticas e sociais que têm maior importância atual no Ocidente são todas, ou quase todas, metafísicas e, por isso, elas rejeitam a veneração e consideram que toda submissão é sempre degradante

o   Não é por acaso que Augusto Comte indicava que um dos melhores traços para avaliar o grau de positividade das pessoas, incluindo aí os próprios positivistas (ou pretensos positivistas), são os hábitos de veneração dessas pessoas

o   Criticar algo ou alguém (ou simplesmente deles falar) sem conhecer é uma forma de ausência de veneração, ou seja, é uma forma de arrogância, de orgulho, de desprezo

§  Dito de outra maneira, criticar algo ou alguém sem o conhecer é agir sem amor (ou contra o amor)


18 novembro 2022

Live AOP: O Positivismo, a República e a bandeira no Brasil

Em 17 de novembro de 2022 realizamos uma Live AOP intitulada "O Positivismo, a República e a bandeira no Brasil"; essa conferência consistiu em uma celebração pública da República no Brasil e, a partir daí, da atuação dos positivistas em prol da República, antes e depois do 15 de Novembro de 1889.

Abaixo reproduzimos as anotações que fizemos para guiar a exposição. Tendo cinco partes, as mais importantes são as partes 3, 4 e 5. No vídeo disponível no canal Positivismo, cada uma dessas partes pode ser vista a partir dos seguintes momentos:

- Parte 3 (concepções do Positivismo sobre a República): a partir de 7' 18" até 45' 28"

(Atenção: entre 7' 30" e 13' 31" houve uma falha no sinal de internet, de modo que a tela fica totalmente preta.)

- Parte 4 (atuação dos positivstas brasileiros em favor da República): a partir de 45' 29" até 1h 32' 19"

- Parte 5 (a bandeira nacional republicana): de 1h 32' 20" até 2h 16' 21"

A conferência pode ser vista no canal Positivismo; devido à interrupção do sinal que experimentamos logo no início da exposição, passamos a transmiti-la também no canal Apostolado Positivista, disponível aqui. (Os tempos indicados acima se referem ao vídeo do canal Positivismo, não ao do Apostolado Positivista.)


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O Positivismo, a República e a bandeira no Brasil

 

Roteiro:

1.      Explicação do objetivo da apresentação

2.      Apresentação pessoal

3.      Concepções do Positivismo sobre a república

4.      Atuação dos positivistas brasileiros em favor da República

5.      Sobre a bandeira nacional

 

1.      Explicação do objetivo da apresentação

a.       Inaugurar a Live AOP por um positivista

b.      Apresentar alguns elementos teóricos e históricos do Positivismo sobre a República e a bandeira

c.       Desfazer mitos sobre o Positivismo na República e sobre a bandeira nacional

2.      Apresentação pessoal

a.       Sociólogo da UFPR

b.      Doutor em Sociologia Política (UFSC, 2010)

c.       Autor de numerosos livros sobre o Positivismo

d.      Positivista ortodoxo, dono do blogue Filosofia Social e Positivismo e dos canais Apostolado Positivista e The Positivism

3.      Concepções do Positivismo sobre a República

a.       O Positivismo considera que, com a positividade, no estado normal, o bem comum, o altruísmo deve ser o parâmetro fundamental das relações sociais

b.      Em termos de regimes políticos e sociais, o Positivismo propõe duas concepções complementares: a sociocracia e a república

c.       A sociocracia consiste na organização social mais ampla, ou seja, ela inclui os parâmetros de condutas individuais e coletivas, entre as classes, entre os grupos diversos, entre as famílias – e entre os cidadãos e o Estado

                                                                          i.      Pode-se dizer que a sociocracia são os valores que fundamentam e regem a vida coletiva, ou mesmo, em certo sentido, a “cultura política”

                                                                        ii.      A sociocracia afirma o bem comum, a busca do altruísmo, os deveres mútuos; é o governo da sociedade pela sociedade a partir de princípios e valores sociais

                                                                      iii.      É o regime positivo próprio ao estado normal, pois é altruísta, pacífico e relativo; é tolerante e baseado pelo bem comum e pelo primado da opinião pública

                                                                      iv.      Em contraposição, a chamada “democracia” é metafísica

1.      A democracia é metafísica no sentido de Rousseau, pois esta consiste na secularização parcial do direito absoluto divino dos reis, que se torna direito absoluto do “povo”: cabe perfeitamente aqui a frase “A voz do povo é a voz de deus”

2.      A democracia também é metafísica no sentido liberal, pois esta considera que a sociedade é a mera soma dos indivíduos, que o Estado é inimigo dos “indivíduos”, que a opinião pública pode ser reduzida à soma das vontades individuais (em particular por meio dos votos)

d.      A república consiste no regime político propriamente dito

                                                                          i.      Augusto Comte reconhecia dois sentidos complementares para a república:

1.      Sentido negativo: república como regime antimonárquico, ou seja, substituição do absoluto teológico pelo relativismo positivo como fundamento político

2.      Sentido positivo: república como o regime do primado do interesse coletivo sobre o interesse individual

a.       Além disso: caráter social da república, não meramente político; assim, preocupação central com a geração de empregos, combate ao desemprego, melhoria da qualidade de vida etc.

                                                                        ii.      A república é necessariamente presidencialista

1.      O presidencialismo vincula-se às noções de deveres mútuos e de responsabilidade individual

2.      O parlamentarismo é rejeitado por diversos motivos:

a.       Acima de tudo, o parlamentarismo impede a indicação de responsabilidades

b.      O parlamentarismo visa a enfraquecer o poder

c.       A origem do parlamentarismo está no feudalismo inglês, com a reação da nobreza (depois burguesia) local contra o poder central e o comum do povo

                                                                      iii.      Augusto Comte estabelecia várias etapas na passagem da monarquia para a república normal:

1.      Após a extinção da monarquia, dever-se-ia estabelecer o governo temporal puramente material e, portanto, unipessoal

2.      Algumas fases intermediárias, caracterizadas pela difusão do Positivismo e, portanto, dos hábitos relativistas, altruístas, pacifistas etc.

3.      Com a difusão do Positivismo, isto é, dos hábitos próprios à positividade e ao estado normal, o poder central passaria a ser dividido entre três governantes

4.      Haveria uma câmara fiscal, isto é, orçamentária

e.       Seja em relação à sociocracia em geral, seja em relação à república em particular, o regime positivo tem algumas características fundamentais; entre elas, podemos no mínimo citar ou reiterar:

                                                                          i.      Separação entre os dois poderes

                                                                        ii.      Isonomia

                                                                      iii.      Garantias jurídicas das liberdades

                                                                      iv.      Pacifismo externo (antimilitarismo, anti-imperialismo, fim dos exércitos) e interno (polícia cidadã, deveres mútuos, respeito às opiniões)

4.      Atuação dos positivistas brasileiros em favor da República

a.       Antes de mais nada, é necessário afirmar que pelo menos desde o século XVIII o Brasil tem movimentos republicanos e que o republicanismo sempre foi muito difundido no país

                                                                          i.      Basta pensarmos na Inconfidência Mineira (1788-1789), na Confederação do Equador (1817), no período regencial (1831-1840) e na Revolução Farroupilha (1835-1845)

1.      Além desses movimentos autóctones, havia os exemplos dos Estados Unidos e de toda a América espanhola, além da França

                                                                        ii.      Da mesma forma, quando José Bonifácio articulou a independência do Brasil em 1821-1822, ele entendeu a instalação da monarquia de maneira instrumental, ou seja, sem ligar à monarquia qualquer valor próprio às monarquias efetivas (castas, direito divino dos reis)

1.      Em particular, José Bonifácio entendia que a monarquia era o único regime compatível com a escravidão

2.      Além disso, José Bonifácio temia que a república ocasionasse a fragmentação do país

                                                                      iii.      A afirmação da república e do republicanismo no Brasil é importante porque os monarquistas (assumidos, envergonhados ou disfarçados) desde sempre difundem a idéia de que a república no Brasil seria uma concepção “estrangeira”, “importada”, “estranha” ou, em última análise, que se difundiu apenas a partir de 1870

                                                                      iv.      A república era extremamente valorizada na cultura popular, em canções, modinhas, sambas, sátiras à monarquia etc.

b.      É necessário lembrar também que a monarquia brasileira não era muito respeitada e que instituía, mantinha e/ou baseava-se em uma série de problemas:

                                                                          i.      Escravidão à e, daí, degradação do trabalho, dos trabalhadores livres, dos escravos e dos libertos, além da produção do racismo

                                                                        ii.      Sociedade de castas

                                                                      iii.      Religião oficial

                                                                      iv.      Subdesenvolvimento econômico

                                                                        v.      Analfabetismo generalizado

                                                                      vi.      Filhotismo generalizado e burocracia não profissional à desprezo sistemático e ostensivo pelo mérito

                                                                    vii.      Violento imperialismo na região platina

                                                                  viii.      Fortíssima centralização política

c.       Em 1870, com o término da Guerra contra o Paraguai (1864-1870), ocorreu o restabelecimento formal de um movimento republicano brasileiro, com a fundação de um novo Partido Republicano, em Itu (São Paulo)

d.      Durante a Guerra contra o Paraguai, Benjamin Constant afirma-se positivista e republicano

e.       Em 1881 Miguel Lemos e Teixeira Mendes ingressam no Centro Positivista Brasileiro, assumem a liderança da entidade e transformam-na na Igreja e Apostolado Positivista Brasileiro

                                                                          i.      A partir daí Miguel Lemos e Teixeira Mendes desenvolvem uma propaganda crescente e enérgica tanto do Positivismo como doutrina quanto de aplicações do Positivismo à realidade brasileira:

1.      Fraternidade sul-americana (normalização das relações com o Paraguai, fim do imperialismo brasileiro na região platina)

2.      Fim imediato da escravidão

3.      Incorporação social do proletariado (incluindo os escravos e os libertos)

4.      Proclamação da República

5.      Promoção de uma cultura cívica positiva: Tiradentes, José Bonifácio

6.      Etc. etc. etc. etc.

f.       Miguel Lemos e Teixeira Mendes propunham a transformação orgânica da monarquia em república

                                                                          i.      Essa transformação dar-se-ia por ato de d. Pedro, que unilateralmente extinguiria a monarquia e todas as instituições a ela vinculadas

                                                                        ii.      Isso garantiria o caráter pacífico da transição: civil, não militar, não violento e não revolucionário

                                                                      iii.      A república a ser proclamada por d. Pedro – que passaria então a chamar-se apenas de “Pedro de Alcântara” – deveria ser, evidentemente, a república social e sociocrática

g.       Ao longo das décadas de 1870 e 1880 acumularam-se as “questões” contra a monarquia:

                                                                          i.      A Questão Religiosa

                                                                        ii.      A Questão Militar

                                                                      iii.      A campanha abolicionista

h.      Em 1887 fundou-se o Clube Militar, tendo como presidente Deodoro da Fonseca e vice-Presidente Benjamin Constant

                                                                          i.      Deodoro e Benjamin eram amigos pessoais, mas, muito além disso, simbolicamente essa presidência indicou a união das duas correntes do Exército de então – os doutores (Benjamin) e os tarimbeiros (Deodoro)

                                                                        ii.      Em 1887, o Clube Militar recusou-se a aceitar, para o Exército, o papel de capitão do mato à isso foi o golpe final e decisivo contra a escravidão (mantida ciosamente pela monarquia)

i.        Após a abolição da escravatura, todos reconheciam que a monarquia estava com os dias contados

                                                                          i.      A dinastia Orleans e Bragança não era mais respeitada, não tinha mais o apoio das elites econômicas – que até então sustentavam a escravidão via monarquia – e todos também temiam o eventual governo clericalista e estrangeiro de Isabel e Conde d’Eu

                                                                        ii.      A nomeação de um ministério “progressista” em 1889 foi apenas u’a medida desesperada, com objetivos de propaganda, para tentar frear o republicanismo

j.        Benjamin Constant lecionava na Escola Militar:

                                                                          i.      Era um professor extremamente respeitado e admirado

                                                                        ii.      Embora lecionasse em uma instituição militar, seu ensino era filosófico e civilista, ou seja, era antimilitarista

                                                                      iii.      À admiração por suas qualidades pessoais e docentes unia-se a empolgação pelo método e pelas doutrinas que ele esposava e empregava: no caso, as concepções de Augusto Comte

                                                                      iv.      Assim, Benjamin Constant reunia em si, objetiva e subjetivamente, qualidades pessoais e cívicas: a correção, o profissionalismo, o desprendimento, a devoção à causa pública – bem como o progresso, o desenvolvimento nacional, o abolicionismo, a república

                                                                        v.      Os alunos de Benjamin Constant eram a elite intelectual e profissional do Império e não estavam vinculados à degradação moral, social e política da monarquia

                                                                      vi.      Em virtude disso tudo, Benjamin Constant tornou-se o líder natural dos jovens e, por extensão, do republicanismo na Escola Militar

                                                                    vii.      Ao longo de 1889 a pressão pela república aumentou, fosse em grupos civis, fosse em militares; considerava-se que o apoio do Exército seria importante e, nesse sentido, Deodoro era figura central

                                                                  viii.      Benjamin entrou em acordo com Deodoro; com a participação de Rui Barbosa, marcaram o movimento de proclamação da República para o dia 20 de novembro

                                                                      ix.      Mas na madrugada de 14 para 15 de novembro correu um boato de que Deodoro e Benjamin seriam presos – e aí as coisas precipitaram-se: Deodoro reuniu suas tropas na Praça da República (antigamente Campo de Santana) e proclamou a República

1.      Houve movimentações na Câmara dos Deputados; na Corte, considerava-se que era um movimento apenas para a mudança de ministério

                                                                        x.      Constituiu-se o governo provisório, com oito ou nove membros; Deodoro foi indicado Presidente e Benjamin, Ministro da Guerra; dali a alguns dias chegou Demétrio Ribeiro, representando os republicanos gaúchos, que assumiu a pasta da Agricultura

 

Governo provisório

1)      Chefe do Governo Provisório — Deodoro da Fonseca

2)      Ministério da Justiça — Campos Sales

3)      Ministério da Marinha — Eduardo Wandenkolk

4)      Ministério da Guerra — Benjamin Constant, Floriano Peixoto e Antônio Nicolau Falcão da Frota

5)      Ministério dos Negócios Estrangeiros — Quintino Bocaiúva

6)      Ministério da Fazenda — Rui Barbosa e Tristão de Alencar Araripe

7)      Ministério do Interior — Aristides Lobo Cesário Alvim e Tristão de Alencar Araripe

8)      Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas — Demétrio Nunes Ribeiro, Francisco Glicério de Cerqueira Leite e Henrique Pereira de Lucena

9)      Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos — Benjamin Constant

 

                                                                      xi.      No dia 19 de novembro foi aprovada a nova bandeira nacional (Decreto n. 4); em 7 de janeiro de 1890 foi promulgado o Decreto n. 119-A, relativo à separação entre igreja e Estado; em 14 de janeiro foi editado o Decreto n. 155-B, com os feriados cívicos nacionais

                                                                    xii.      Devido às discussões internas ao governo provisório, Benjamin deixou em 12 de março a pasta da Guerra e, de maneira muito indicativa de seu caráter e seu temperamento (reflexivo, pacifista e civilista), assumiu a da Instrução Pública, Correios e Telégrafos; faleceu em 22 de janeiro de 1891

5.      Sobre a bandeira nacional

a.       A atual bandeira nacional republicana, de 19 de novembro de 1889, como se sabe, não foi a primeira; antes dela hasteou-se uma servil cópia verde e amarela da bandeira dos EUA, da autoria de Lopes Trovão

                                                                          i.      A bandeira atual foi elaborada por Raimundo Teixeira Mendes, pintada por Décio Vilares e auxiliada na parte astronômica por Manuel Pereira Reis; ela foi submetida a Benjamin Constant, que, na qualidade de membro do governo provisório, aceitou-a, ao mesmo tempo em que Deodoro já recusara o servil projeto de Lopes Trovão

                                                                        ii.      A totalidade da concepção da bandeira une a ordem ao progresso, a permanência do país ao progresso social e político:

1.      Ordem: mantém o projeto de José Bonifácio, com o retângulo verde e o losango amarelo, que, por sua vez, representavam inicialmente as cores das casas monárquicas de Portugal e da Áustria e, depois, as riquezas naturais (vivas: o verde das matas; mortas: o amarelo do ouro)

2.      Progresso: indica a mudança de regime, com a circunferência azul estrelada (idealizando o céu do Rio de Janeiro às 9h do 15 de novembro) e a faixa branca com letras maiúsculas verdes em que se lê “Ordem e Progresso”

                                                                      iii.      O “Ordem e Progresso” é uma divisa científica e política, indicando as duas formas fundamentais de analisar a sociedade (Sociologia Estática e Sociologia Dinâmica), que devem ser combinadas, e as duas tendências sociais que se deseja e que também devem ser combinadas em toda sociedade (a permanência social e o seu progresso)

b.      Há um movimento atual que afirma que se deve inserir a palavra “Amor” antecedendo o “Ordem e Progresso”

                                                                          i.      Apesar da correção moral da ênfase no amor, esse movimento difunde de maneira coordenada um relato padronizado, genérico, errado do ponto de vista histórico e extremamente preconceituoso

1.      Esse movimento justifica a inclusão do “amor” referindo-se – corretamente, é claro – à situação sociopolítica atual, caracterizada pela divisão social e pelo fascismo

                                                                        ii.      Mas: entre outras coisas discutíveis, esse movimento argumenta que “os homens que se reuniram para fazer a bandeira tiraram/rejeitaram/esconderam/desprezaram o amor”

1.      Esse relato sugere então que a base do “Ordem e Progresso” seria a fórmula religiosa do Positivismo, “O amor por princípio...”, em vez de ser uma fórmula bastante por si só

2.      Além disso, segundo esse relato, Teixeira Mendes teria sido mal, ou vil, ou egoísta, ou mesquinho, e teria tirado o “amor” para que a sociedade brasileira fosse baseada no ódio

a.       Um exemplo recentíssimo desse relato é o de Denise Fraga, em 27.10.2022, em um evento em apoio à candidatura de Lula para Presidente da República

                                                                      iii.      Esse movimento também repete que “não há informações a respeito da elaboração da bandeira”

1.      Eis um exemplo publicado há alguns dias, que apresenta esses diversos erros:

 

“Segundo o professor de História Djalma Augusto, a elite brasileira que instituiu a República foi muito influenciada pelo positivismo e pode ter suprimido a palavra amor na versão final da bandeira brasileira. Porém, o professor ressalta que não há uma consideração teórica ou uma referência muito clara sobre a supressão da palavra amor, o que torna a questão difícil de ser discutida” (Thaís Silveira, “‘Ordem e Progresso’: um país sem amor?”, 15.11.2022, Portal “Nós”).

 

c.       Entretanto, sistematicamente nós positivistas somos ignorados e desprezados no que se refere à bandeira – como, de resto, somos ignorados, desprezados, silenciados a respeito de qualquer coisa que nos diga respeito

                                                                          i.      Eu realizei inúmeros esforços para ser ouvido: em 2021 fui ouvido muito rapidamente e de má vontade pelo grupo “Amor na bandeira” – mas logo descartado e ignorado, como um intruso

d.      Vale lembrar que está na moda político-intelectual um conceito dos identitários: trata-se da tese excludente e sectária do “lugar de fala”

                                                                          i.      O “lugar de fala” estabelece uma reserva de mercado, ou uma cota retórica, em que somente “nós” (os integrantes do grupo identitário) podemos falar sobre nós e os “outros” não podem, ou podem desde que sejam vigiados e supervisionados por “nós”

                                                                        ii.      Embora o “lugar de fala” seja largamente aplicado nos dias atuais, como não poderia deixar de ser aos positivistas é negada qualquer possibilidade de ter seu próprio “lugar de fala”

e.       Os dados sobre a bandeira nacional estão disponíveis para quem quiser, na internet: seja no meu blogue, seja no portal Archive Internet, seja nos livros de Ivan Lins

                                                                          i.      Raimundo Teixeira Mendes e, depois, também Miguel Lemos publicaram uma série de artigos explicando e justificando a concepção da bandeira nacional; esses artigos começaram já em 24 de novembro de 1899, no Diário Oficial; eles foram reunidos em um livro intitulado A bandeira nacional, publicação n. 110 da série da Igreja Positivista do Brasil (cf. p. ex. p. 8-9 e 58-59)

                                                                        ii.      Há indicações na biografia de Benjamin Constant publicada por Teixeira Mendes logo após a morte do fundador da República, em julho de 1891

                                                                      iii.      Uma cópia digital da primeira edição da História do Positivismo do Brasil, de Ivan Lins, está disponível na internet

                                                                      iv.      Minhas publicações sobre a bandeira nacional estão disponíveis aqui

f.       Entrando na reflexão substantiva sobre o “Ordem e Progresso”: ele é uma fórmula por si só, de caráter científico e político

                                                                          i.      Doutrinariamente, é evidente que o “Ordem e Progresso” pode ser deduzido do “Amor por princípio”; entretanto, ele é uma fórmula por si só e cronologicamente foi elaborado antes do “Amor por princípio” – na verdade, o “Ordem e Progresso” foi a base do “Amor por princípio”

g.       As indicações de Augusto Comte a respeito das bandeiras são claras:

                                                                          i.      Na fase normal, deverá haver duas bandeiras, uma religiosa e universal (branca e verde, com a figura da Humanidade e o “Amor por princípio”, uma em cada lado) e uma política e nacional (branca e verde, com “Ordem e Progresso” e “Viver para outrem”, uma em cada lado, com bordas com as cores nacionais)

1.      Nas bandeiras nacionais, de caráter político, a sugestão do “Amor” está presente no “Viver para outrem”

2.      O “Ordem e Progresso” é uma divisa científica, política e masculina; o “Viver para outrem” é moral e feminina

3.      Essas indicações estão presentes na Política positiva: volume I, página 387, e volume IV, página 422

h.      Como Hernani Gomes da Costa observou há alguns, o conectivo “e” representa o amor, na medida em que a união da ordem com o progresso só se dá por meio do amor

i.        Antes do segundo turno das eleições de 2022, divulgamos o abaixo-assinado intitulado “A bandeira nacional não é fascista”

 

A BANDEIRA NACIONAL REPUBLICANA NÃO É FASCISTA

(Abaixo-assinado)

Para: População brasileira

Os abaixo-assinados – quer sejam positivistas, quer não sejam positivistas; reconhecendo e respeitando os valores e princípios subjacentes aos símbolos nacionais brasileiros, em particular a bandeira nacional republicana; reconhecendo a dramática situação política, social, intelectual e econômica vivida pelo Brasil no ano de 2022; considerando a apropriação cada vez mais reiterada dos símbolos nacionais por grupos sociais e políticos particularistas, violentos e intolerantes – têm a dizer o seguinte.

1. Os valores da bandeira nacional

A bandeira republicana brasileira foi instituída como símbolo nacional em 19 de novembro de 1889, quatro dias após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. Ela foi elaborada por Raimundo Teixeira Mendes a partir das indicações precisas do fundador da Sociologia, do Positivismo e da Religião da Humanidade, Augusto Comte.

Símbolo nacional maior por excelência, ela une de maneira simples, elegante e harmônica o desenvolvimento histórico e a continuidade social, ao manter o fundo verde e amarelo da bandeira monárquica e ao inserir a esfera estrelada azul e a divisa política “Ordem e Progresso”, próprias à evolução republicana do país. Assim, essa bandeira segue a inspiração de “preservar melhorando”, de acordo com as leis da sociologia dinâmica descobertas por Augusto Comte.

A frase “Ordem e Progresso” representa o ideal de unir indissoluvelmente duas perspectivas políticas até então opostas, o respeito à ordem e a necessidade de progresso. Separadas, cada uma dessas perspectivas torna-se antagônica em relação à outra, de tal maneira que a ordem transforma-se em ordem retrógrada e opressiva e o progresso torna-se caótico e também opressivo. Apenas a união das duas perspectivas, em que ambas sejam simultaneamente respeitadas e valorizadas, torna possível que cada uma delas seja cumprida. A ordem consiste na consolidação do progresso, ao passo que o progresso é o desenvolvimento da ordem; o vínculo entre ambos é o amor, que, em termos políticos, deve ser entendido em termos de fraternidade, respeito mútuo e tolerância.

Em particular, o respeito à ordem não equivale à submissão cega ou servil ao poder político; da mesma forma, a verdadeira relação entre o poder e os cidadãos não é a de um soldado que se submete ao seu comandante. Nada disso é liberdade ou cidadania, mas autoritarismo, militarismo e submissão abjeta.

2. A política positiva

A bandeira nacional republicana, bem como a divisa “Ordem e Progresso”, inspiram-se e representam os conceitos da política positiva; estes, por sua vez, podem ser sumariados como seguem:

- subordinação da política à moral: subordinação da política aos princípios e valores maiores da Humanidade, em que a família subordina-se à pátria e a pátria subordina-se à Humanidade; subordinação das perspectivas específicas e particulares às concepções gerais e mais amplas; primado da publicidade e da racionalidade na vida coletiva, em particular nas ações com resultados públicos; afirmação dos deveres sociais, em particular responsabilizando claramente os fortes, os poderosos e os ricos por suas ações e omissões;

- separação entre os poderes Temporal e Espiritual: rejeição de todo e qualquer clericalismo (teológico, metafísico e científico); rejeição do uso do Estado para promoção ou repressão de crenças, exceto no caso em que elas estimulem e/ou provoquem a violência; rejeição da eleição ou da indicação de sacerdotes para cargos públicos; defesa das liberdades de pensamento, de expressão e de associação;

- pacifismo: rejeição de toda e qualquer violência na política (seja do Estado contra os cidadãos, seja dos cidadãos entre si), em particular na forma das agressões de policiais contra cidadãos; rejeição da atuação de militares e policiais na política; possibilidade de manifestar livremente as idéias e as concepções pessoais sem correr nenhum risco (físico e/ou profissional) por isso;

- relativismo: prática da tolerância para com as diferentes crenças e religiões; respeito e proteção às comunidades indígenas; condenação de toda prática violenta na vida social.

3. Os fascistas contra o Positivismo

Desde pelo menos 2019, grupos fascistas e de extrema-direita têm manifestado a pretensão de tomar exclusivamente para si, de maneira sectária, a bandeira nacional republicana, incluindo aí o “Ordem e Progresso”. Diversas manifestações desses mesmos grupos evidenciam, entretanto, não somente que eles afastam-se dos ideais expressos na bandeira nacional republicana e no “Ordem e Progresso” como, ainda mais, são opostos e desprezam esses valores.

Assim, por exemplo, o mote do atual governo federal, que resume o programa fascista, é “Brasil acima de tudo e deus acima de todos”. Essa única frase rejeita ao mesmo tempo os princípios (1) da subordinação de todas as pátrias aos supremos interesses da Humanidade e (2) da separação dos poderes Temporal e Espiritual; inversamente, ela (1) estabelece como parâmetro de conduta o nacionalismo mais estreito e (2) a imposição oficial de doutrina teológica. Se isso não bastasse, o verso “Brasil acima de tudo” não por acaso retoma a frase empregada pelo regime nazista, “Alemanha acima de tudo” (Deutschland über alles).

Da mesma forma, não podemos esquecer as reiteradas manifestações de profundo ódio e preconceito político desses grupos contra o Positivismo, com o que mais uma vez evidenciam que desprezam os valores da bandeira nacional e o “Ordem e Progresso”:

- “Os positivistas são lixo que necessitam ser expurgados” (Carlos Bolsonaro, 8/3/2020)

- “Os positivistas são o pior câncer do Brasil” (Carla Zambelli, 5/7/2020)

- “Enquanto a gente não resolver o positivismo, a gente não consegue desmontar o comunismo, socialismo, a esquerda no Brasil” (Abraham Weintraub, 27/6/2022).

4. Declaração final

Os valores, os ideais, as concepções subjacentes à totalidade da bandeira nacional republicana, incluindo aí a divisa “Ordem e Progresso”, condensam os melhores e mais altos princípios da política moderna. Todos esses princípios são profundamente estranhos à filosofia e à prática do fascismo. Mais do que isso: como se sabe, o fascismo baseia-se no estímulo sistemático e no uso político da violência; na militarização e na “policialização” da sociedade; na imposição de crenças pelo Estado e na busca de supressão das crenças não oficiais; no nacionalismo extremado, na xenofobia, na intolerância.

É em virtude de todos esses motivos que afirmamos sem medo de errar:

A BANDEIRA NACIONAL REPUBLICANA NÃO É FASCISTA!

 

6.      Para concluir

a.       Esta conferência teve dois ou três objetivos:

                                                                          i.      Celebrar a República

                                                                        ii.      Celebrar a atuação dos positivistas na República

                                                                      iii.      Esclarecer alguns aspectos supostamente controversos (mas baseados unicamente na ignorância interessada) sobre os positivistas

                                                                      iv.      Afirmar a perspectiva própria ao Positivismo, contra a censura promovida pela direita e pela esquerda, incluindo aí o movimento “Amor na bandeira”