08 abril 2012

Aforismas sociológicos V - Mitos difundidos pela igreja católica

Aforismas sociológicos V

Mitos difundidos pela Igreja Católica, no Brasil e no mundo

§ 1º – Defesa da laicidade do Estado

Ao contrário do que muitas vezes afirma, a igreja católica simplesmente não defende a laicidade do Estado, seja em termos teóricos, seja em termos práticos. Em termos teóricos, a laicidade do Estado consiste em um indiferentismo do Estado face à religião, o que, por um lado, põe a igreja em uma situação social e politicamente secundária; por outro lado, esse indiferentismo permite que se constitua um pluralismo social e religioso que é visto como (e de fato é) daninho para a igreja, pois permite o crescimento de outras religiões, outras crenças e, de qualquer maneira, permite o exercício da dúvida e da crítica.

Em termos práticos a igreja nunca aceitou a laicidade; seu universalismo exige que ela veja-se como uma força total e que se imponha a todos. Como o Estado brasileiro constituiu-se tendo a igreja ao seu lado, ela estava junto ao poder; durante o Império, as reclamações da igreja dirigiam-se não em favor da laicidade, mas em benefício da maior autonomia da igreja. Quando a República foi proclamada, os privilégios eclesiásticos oficiais foram revogados, o que, evidentemente, foi visto como o fim do mundo para a igreja: ela insistia na idéia de junção com o Estado, mas desde que subsidiada por ele e politicamente superior ao poder civil.

Era a idéia da “autonomia sem independência”: a igreja manteria o monopólio religioso e privilégios oficiais; teria o controle dos registros de nascimentos, casamentos, óbitos, enterros e o controle dos cemitérios, além de ser a responsável pelas escolas públicas e privadas; seria a fiscal oficial ou para-oficial dos atos do governo, além a responsável pela moral da sociedade. Tudo isso devidamente pago pelo Estado. Nada disso é invenção ou exagero: é possível conferir todas essas informações (e interpretações) no livro do padre José Scampini (1978)[1].

Como durante a I República (1889-1930) a laicidade vigeu – mesmo que com grandes problemas –, desde 1916 a igreja organizou-se para retomar o poder, conseguindo-o em 1930 e 1931, quando, com a mudança de regime político, o segundo cardeal do Brasil (e da América Latina), Sebastião Leme, simplesmente chantageou Getúlio Vargas, como se vê neste trecho simplesmente brutal: “ou o Estado [...] reconhece o deus do povo ou o povo não reconhecerá o Estado” (cf. DELLA CAVA, 1975, p. 15).

A retomada do Estado, via “recatolicização”, evidentemente surtiu efeito; a idéia de que são “tradicionais” as presenças de crucifixos e/ou Bíblias em órgãos públicos e que, dessa forma, a ostentação desses símbolos não ofende a laicidade do Estado é um claro sinal disso.

Mais recentemente, face à exigência de respeito à laicidade do Estado e ao pluralismo religioso e filosófico, quando confrontada com casos extremos de desrespeito a esse pluralismo no ambiente escolar (Reação de aluno ateu, 2012), o máximo que a igreja faz é afirmar que “as escolas não podem impor o Pai-Nosso” (CNBB afirma que escolas, 2012). Isso, claro está, é muito diferente de comprometer-se com a laicidade do Estado.

Todo esse comportamento torna-se chocante quando representantes da CNBB dizem o contrário em eventos oficiais – em particular na audiência pública realizada em 2010, pelo STF, para tratar, justamente, da laicidade do Estado. Na ocasião, o representante da igreja afirmou que ela (a igreja) sempre respeitou a laicidade, tendo fundamentos teóricos e históricos para tanto. (A longa existência da igreja e a multiplicidade de textos da Bíblia, tão freqüentemente contraditórios entre si, permitem que citações sejam expostas de maneira adequada conforme a ocasião. A formulação básica, sem dúvida, é a de que “a César o que é César, a deus o que é de deus”, citada nos evangelhos; em seguida, há os textos de João Crisóstomo, o primeiro doutor da igreja que sistematizou a separação entre os dois poderes, entre os séculos V e VI.) Ora, é difícil sustentar qualquer respeito teórico e prático à laicidade e ao pluralismo religioso e filosófico quando se estuda com um mínimo de cuidado a história do Ocidente e do Brasil.

Fica a pergunta: a CNBB, ao afirmar perante o STF o respeito à laicidade, está sendo ingênua, ignorante ou hipócrita?

§ 2º – Origem cristã da civilização ocidental

Recentemente, o bispo de Criciúma, Jacinto Inácio Flach, afirmou que “o Ocidente surgiu baseado no cristianismo” (cf. Tirar crucifixo dos tribunais é ato ‘de quem não é do bem’, 2012)[2]. Essa afirmação curiosamente faz um apelo à história para uma religião que rejeita a história, especialmente a sua própria. O Ocidente, sem dúvida alguma, deve muito de si ao catolicismo: foi a religião que criou os laços entre os povos de outra maneira separados durante a Idade Média. Entretanto, atribuir ao catolicismo esse imenso poder sociogênico é um exagero de proporções monumentais.

Antes de mais nada, o Ocidente surgiu a partir das civilizações mediterrâneas, na região da Ásia Menor. A principal delas, para o Ocidente, foi sem dúvida a civilização helênica, que habitava na região da Grécia, das ilhas circunvizinhas e das costas ao redor (incluindo a Ásia Menor – onde nasceu Aristóteles – e a Itália – onde trabalharam e escreveram suas obras Pitágoras e mesmo Platão). Os gregos, como se sabe – ou melhor, como se deveria saber – foram os iniciadores da filosofia, isto é, da reflexão sistemática sobre a realidade, tendo também fundado a ciência abstrata.

Como os gregos eram profundamente xenófobos e não conseguiam pensar em termos políticos superiores à cidade-Estado, esgotaram suas energias em guerras intestinas, de que a mais famosa foi a Guerra do Peloponeso. Alexandre Magno, em seguida, difundiu a cultura grega pela Ásia, mas o seu império não sobreviveu à sua morte.

Felizmente para a Humanidade, os romanos não eram xenófobos como os gregos e souberam criar um império que durou. Mais do que isso: mais preocupados com questões práticas que com debates acadêmicos, os romanos aceitaram todas as inovações que julgaram úteis, incorporando as culturas de outros povos: em particular, a partir do século II da era corrente, já na fase propriamente imperial, com o expansionismo encerrado, os romanos preocuparam-se mais em estimular e difundir a cultura grega[3].

Pois bem: o que o bispo Flech chama de “cristianismo” é uma construção religiosa feita por um judeu que tinha cidadania romana e educação grega – no caso, Paulo de Tarso. A cidadania romana permitia a Paulo circular pelo império com tranqüilidade, saindo do gueto auto-imposto pelos judeus na Palestina; a cultura grega permitiu que as crenças bairristas dos judeus fossem convertidas em mitos universais, ou melhor, universalmente assimiláveis. Não se pode diminuir a importância da ação daquele que, merecidamente e não por acaso, foi chamado de “apóstolo dos gentios”: se a crença dos cristãos ficasse nas mãos dos apóstolos e discípulos diretos, seria uma seita de fanáticos e irridentistas como muitas outras que havia na época (e que só acabaram com a destruição do segundo Templo de Salomão, na década de 70 da era corrente).

Mas é necessário entender que o passo fundamental para o “Ocidente ter-se baseado no cristianismo” não teve relação alguma com os méritos intrínsecos, intelectuais ou morais, do cristianismo, mas vincula-se a algo que deve ser chamado mais propriamente de golpe político dado pelos imperadores romanos – em particular, Constantino e Teodósio, que respectivamente descriminalizou a antiga religião de escravos e que a tornou a religião oficial do Império[4]. Assim, foi graças à estrutura política de Roma – em outras palavras, porque se aproveitou do Estado – que o cristianismo pôde realmente se difundir, não apenas na Europa, no final da Antigüidade e no início da Idade Média, mas pelo mundo inteiro, já na Idade Moderna, com as grandes navegações.

Isso está bem longe de ser tudo. O “Ocidente” são as populações européias e suas ramificações, especialmente nas Américas e na Oceania. Além disso, e especialmente, o Ocidente é a cultura ocidental. Não apenas o catolicismo desde o seu início foi fortemente marcado por elementos gregos e politeístas[5] – na verdade, todos os doutores da patrística eram profundos conhecedores da filosofia grega e incorporaram ou adaptaram o pensamento grego para a religião cristã –, como, após o surgimento do Islamismo e da tomada da Península Ibérica, a difusão do pensamento árabe permitiu que vários antigos pensadores gregos fossem recuperados. Esses pensadores recuperados tinham sido perdidos devido a vários motivos: guerras, invasões bárbaras, declínio político; mas um forte elemento para essa perda foi o desprezo cristão pelos seus pais espirituais.

Os árabes, assim, permitiram a reintrodução no Ocidente dos gregos, especialmente de Aristóteles: como o racionalismo aristotélico é muito mais poderoso que a fé cristã, a igreja viu-se obrigada a lidar com isso, assumindo essa responsabilidade Tomás de Aquino.

Indo mais adiante, importa lembrar com muita clareza que o Ocidente não se constituiu e não se constitui somente na Idade Média: na verdade, foi a partir do término dela, com os movimentos que conduziram à Idade Moderna que se iniciou o que se chama atualmente de “Ocidente”. Pois bem: os movimentos intelectuais e morais que se desenvolveram e desenvolvem-se desde essa época são, cada vez mais, realizados fora e contra a igreja, ou melhor, fora e contra a religião. Basta pensar-se na ciência; nas artes; no Estado; na consolidação das liberdades civis: todos esses movimentos são feitos a despeito da igreja e a despeito da religião, quando não contra uma e outra.

O bispo Flach, portanto, está totalmente incorreto ao afirmar que o Ocidente tem uma “origem” cristã. A sua observação “histórica” na verdade ignora e distorce a história; a única história que lhe interessa é da sua própria igreja – e, bem vistas as coisas, para ele a sua igreja consiste no início e no fim de toda a história humana[6].

Mas, mesmo que o sr. Flach estivesse correto em termos históricos, ainda assim seu raciocínio seria errado, ou melhor, falacioso. Ele argumenta que, por supostamente o Ocidente ter uma origem cristã, ele deveria permanecer sendo cristão. Isso equivale a dizer que devemos sempre, por puro hábito, por puro tradicionalismo – por pura – manter hábitos que tivemos muito tempo atrás, mesmo que esses hábitos não se mantenham mais ou não se justifiquem mais. Esse tradicionalismo é o mesmo que justificaria, por exemplo, a permanência da escravidão: afinal de contas, de 1530 a 1888, o Brasil foi construído em cima do trabalho servil (justificado, aliás, pela igreja). Ou que não devemos usar automóveis (ou bicicletas) porque durante milhares de anos os seres humanos andaram a pé, de carroça ou a cavalo. Em outras palavras, é o apego mais completamente irracional ao passado – apenas porque é “passado” e “tradicional”.

§ 3º – Obrigatoriedade de professar o catolicismo em uma universidade católica

As universidades católicas são instituições particulares de ensino e, nesse sentido, são livres para professar as doutrinas que quiserem. Embora a igreja católica não respeite a laicidade do Estado, certamente se beneficia dos dispositivos legais que lhe concedem essa liberdade – e, na verdade, faz questão de tais dispositivos (embora procure cercear essas liberdades para os demais – no que é imitada por inúmeras outras igrejas).

Nesse sentido, a recente afirmação de Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo emérito de Guarulhos e sacerdote arquiconservador – segundo a qual quem não concorda com os valores professados pela igreja católica não deve reclamar deles no interior de uma universidade católica – faz todo o sentido (Professor da PUC deve respeitar, 2012). Da mesma forma, é difícil sustentar a contra-argumentação da presidente da Associação de Professores da PUC-SP, Maria B. Costa Abramides, segundo a qual é possível expor opiniões contrárias à igreja católica na PUC-SP porque essa universidade deveria ser laica (Professor da PUC-SP deve seguir, 2012) – por definição, a PUC não é e não precisa ser laica.

Dito isso, convém refletirmos com um pouco mais de cuidado sobre esse pequeno debate, pois ele apresenta elementos mais profundos e mais problemáticos que a mera afirmação do caráter confessional da PUC: ele diz respeito, por um lado, à história do Brasil e ao projeto de poder que explicitamente a igreja católica busca implementar desde 1916 e, por outro lado, à chamada “concepção de universidade”, que se refere, por sua vez, aos conceitos de ciência e de religião (ou melhor, de teologia).

Iniciemos pela história das PUCs. Essas universidades, a começar pela do Rio de Janeiro, foram fundadas no Brasil a partir da década de 1940 com o objetivo explícito de formarem quadros técnicos, mas acima de tudo culturais e políticos, para que a igreja católica mantivesse o controle do Estado, especialmente a partir da posse do capital simbólico obtido com o diploma universitário. Nesse sentido, importava muito menos o seu aspecto científico, isto é, de preocupação com a pesquisa científica que o seu aspecto doutrinário, ou melhor, proselitista. Essa forma de pensar, própria do projeto da neocristandade proposta por Sebastião Leme e levado a cabo exemplarmente pelos leigos Jackson Figueiredo e Alceu Amoroso Lima, constituiu-se em um padrão, verificado em todo o país[7].

Dessa forma, as PUCs sem dúvida eram em sua origem “católicas” e “pontifícias”, mas a palavra “universidade” é mais problemática de aceitar, haja vista sua preocupação precípua com a propaganda e o proselitismo – elementos claramente presentes até hoje, embora bastante minorados.

Por outro lado, cumpre notar que o que são, hoje, as universidades. Afirma-se correntemente que são instituições baseadas no ensino, na pesquisa e na extensão, ou seja, na transmissão do conhecimento técnico, científico e cultural; na produção e no avanço de novos conhecimentos; na aplicação mais imediata desses conhecimentos junto à sociedade. Um centro de divulgação e doutrinação pode, perfeitamente, realizar as atividades de ensino e de extensão: já a pesquisa requer um pouco mais. Ou melhor: um centro de divulgação pode ensinar e fazer extensão, mas somente em princípio.

O que ocorre é que a “pesquisa” refere-se à pesquisa científica. A ciência atua com base na formulação de hipóteses, na verificação, na correção, na contestação e na crítica públicas; ela é relativa, ao passo que a teologia é absoluta, ou seja, indiscutível, impassível de crítica. Os pós-modernos e muitos dos sociólogos da ciência podem contra-argumentar e negar essas definições, afirmando que a ciência é um conhecimento como “outro qualquer”, mas o fato é que, por um lado, esses mesmos pós-modernos e sociólogos da ciência desejam (ou pretendem) fazer “ciência”; por outro lado, eles beneficiam-se enormemente dos frutos da ciência e não das “outras” formas de conhecimento. Os frutos da ciência não são apenas tecnológicos (como o computador em que escrevo este texto, ou a internet em que o texto aparece ); são também frutos intelectuais – a concepção de que a realidade é submetida a leis naturais e que, mesmo que entidades sobrenaturais existam, os seres humanos vivem e agem sem a menor necessidade delas – e também frutos políticos: foi a ciência, com seu mecanismo de crítica política e dúvida sistemática, que permitiu o pluralismo político e as liberdades de que gozamos atualmente[8].

O resultado é, embora a PUC-SP e todas as demais PUCs e universidades (e faculdades) católicas (e confessionais) do Brasil, embora possam ter sido criadas com o fito prioritário de fazerem proselitismo e de afirmarem política e culturalmente a hegemonia do catolicismo no país, são instituições que devem ensinar com base nos parâmetros da ciência[9]. E são precisamente esses parâmetros que se opõem aos valores básicos de suas instituições.

Pode-se pensar que esses conflitos entre a fé proselitista e a ciência baseada na crítica pública e sistemática surgem com maior freqüência nos cursos das Ciências Humanas; talvez seja assim, de fato. Mas nas Ciências Naturais isso não é menos verdade. Os conflitos ocorrem tanto no ensino quanto na pesquisa: o que fazer caso um biólogo ou um médico ou um veterinário queira investigar as células-tronco embrionárias em uma PUC? Será ele proibido, devido aos valores morais da igreja? Ou em um curso de Geologia ou de Física: segundo alguns teólogos, a Terra (bem como o Universo) não teria muito mais que seis mil anos, o que é evidentemente errado para qualquer pesquisador que já tenha estudado as formações geológicas do planeta ou as radiações cosmológicas de fundo. E quando for para ministrar a famosa disciplina de “Método Científico”? Uma das afirmações fundamentais nessa disciplina é constatar, ou lembrar, que a ciência é aberta e que por isso avança, ao passo que a religião é fechada e que se baseia em última análise na pura crença (por mais irracional e absurda que seja).

E quando os estudantes das PUCs tiverem que fazer extensão universitária, como será? Os estudantes dos cursos da área de Saúde que tiverem que tratar das doenças sexualmente transmissíveis, como deverão conversar? Deverão dizer que sexo é pecado e que não se deve usar, nunca, preservativos? Que o homossexualismo é pecado e manifestação do diabo? Que um alcoólatra não é uma pessoa frágil, fragilizada e dependente psicoquímica mas, na verdade, é um ser possuído pelo demônio?

Em suma, o problema a respeito da crítica do arquiconservador Luiz Gonzaga Bergonzini à liberdade de pensamento na PUC-SP não é que deve haver “liberdade de pensamento” ou “laicidade” na PUC: o problema é que a religião e a igreja católica, bem como as teologias de modo geral, são contrárias à liberdade de pensamento e à laicidade. O problema, então, é que a idéia de uma “universidade católica” é um oximoro, ou seja, uma profunda contradição em termos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEGA, M. T. S. 2006. Gênese das Ciências Sociais no Paraná. In: Oliveira, M. (org.). As Ciências Sociais no Paraná. Curitiba: Protexto.

DELLA CAVA, R. 1975. Igreja e Estado no Brasil no Brasil do século XX: sete monografias recentes sobre o catolicismo brasileiro, 1916-1964. Novos Estudos, São Paulo, n. , p. 5-52. Disponível em: http://www.cebrap.org.br/v2/files/upload/biblioteca_virtual/igreja_e_estado_no_brasil.pdf. Acesso em: 8.abr.2012.

LACERDA, G. B. 2007. Comemoração de Trajano. Disponível em: http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com.br/2007/01/comemorao-de-trajano.html. Acesso em: 8.abr.2012.

Scampini, J. 1978. A liberdade religiosa nas constituições brasileiras. Petrópolis: Vozes.

Outras fontes

CNBB afirma que escolas não podem impor o pai-nosso aos alunos. 2012. 4.abr. Disponível em: http://www.paulopes.com.br/2012/04/cnbb-afirma-que-escolas-nao-podem-impor.html. Acesso em: 8.abr.2012.

Jesus é uma aglutinação de mitos que simboliza Deus e Satanás. 2011. 28.maio. Disponível em: http://www.paulopes.com.br/2011/05/jesus-e-uma-aglutinacao-de-mitos-que.html. Acesso em: 8.abr.2012.

Professor da PUC deve respeitar doutrinas da Igreja, afirma bispo. 2012. O Estado de S. Paulo, 13.mar. Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=81530. Acesso em: 8.abr.2012.

Professor da PUC-SP deve seguir dogmas da Igreja, defende bispo. 2012. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/507429-professordapucdeveseguirdogmasdaigrejadefendebispo. Acesso em: 8.abr.2012.

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola. 2012. 3.abr. Disponível em: http://www.paulopes.com.br/2012/04/reacao-de-aluno-ateu-bullying-acaba-com.html. Acesso em: 8.abr.2012.

Tirar crucifixo dos tribunais é ato ‘de quem não é do bem’, diz bispo. 2012. 4.abr. Disponível em: http://www.paulopes.com.br/2012/04/tirar-crucifixo-dos-tribunais-e-ato-de.html. Acesso em: 8.abr.2012.



[1] Convém notar que esse livro é um tratado de Direito Canônico, favorável à igreja católica; assim, ele adota uma postura de defesa da igreja e de seus interesses.

[2] Esse preconceito que atribui a quem defende a laicidade a falta caráter ou de moralidade foi feita como justificativa para a manutenção de crucifixos em espaços públicos brasileiros, ou seja, para o desrespeito à laicidade do Estado. Curiosamente, o sr. Flach esquece-se de que a laicidade também é um fruto e um elemento fundante do Ocidente.

[3] Ainda assim, pelo menos desde o século I antes da era corrente os políticos romanos já iam à Grécia para educarem-se: um claro exemplo disso é o de Cícero, que estudou filosofia em Atenas.

[4] Convém lembrar que as crenças dos cristãos – centrados no desprezo à vida e à realidade presente – eram vistas com horror e desprezo pelos romanos mais instruídos (cf. LACERDA, 2007). Apenas devido ao avanço do misticismo oriental na elite e do crescente peso político do cristianismo na base demográfica do Império – não por acaso, na fase de decadência do Império – que Teodósio e Constantino agiram como agiram.

[5] Há outros elementos do cristianismo que derivaram do politeísmo. Um exemplo simples: o natal é comemorado em 25 de dezembro devido à comemoração politeísta do solstício de inverno, em particular da festa da Saturnália. Uma exposição rápida da idéia de Cristo – e, daí, do cristianismo – como amálgama dos politeísmos anteriores pode ser vista em Jesus é uma aglutinação de mitos (2011).

[6] Não é isso, afinal de contas, que afirma a Bíblia (bem como a Torá e o Alcorão)?

[7] No caso do Paraná, por exemplo, a preocupação com o proselitismo era tão evidente que o curso de Ciências Sociais, fundado em 1938 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná por irmãos maristas, teve até 1950, ano da federalização, apenas cerca de 20 alunos e três ou quatro professores permanentes (sendo que tais professores, evidentemente, foram selecionados não por suas competências técnico-científicas, mas por seus comprometimentos com o projeto político católico). Após a incorporação da Faculdade à Universidade do Paraná e subseqüente federalização, com a perda do monopólio – e do controle – sobre o currículo, os leigos católicos criaram na PUC-PR um outro curso de Ciências Sociais (cf. BEGA, 2006).

[8] Como argumentava Augusto Comte, não é por acaso que filosofias absolutas tendem a ligar-se a regimes políticos autoritários.

[9] Essa afirmação não é válida somente em termos sociológicos gerais, ou seja, tais instituições não devem ensinar com base na ciência apenas porque a ciência é a forma de conhecimento socialmente mais difundida atualmente: há também fortíssimos constrangimentos jurídicos que as obrigam a isso – em particular, a fiscalização do Ministério da Educação e das agências de fomento à pesquisa.

27 fevereiro 2012

História das Idéias, Ciências Naturais e Ciências Humanas e um livro de Max Jammer

História das idéias, Ciências Naturais e Ciências Humanas:

sobre o livro Conceitos de força, de Max Jammer


Gustavo Biscaia de Lacerda

1. DESCRIÇÃO E ASPECTOS METODOLÓGICOS DO LIVRO

O livro de Max Jammer, Conceitos de força – estudo sobre os fundamentos da dinâmica (São Paulo: Contraponto, 2011), é um estudo de história das idéias científicas – no caso, da Física – exemplar e clássico. “Clássico” porque, escrito em 1957, teve inúmeras edições em inglês e é reiteradamente citado, tanto no Brasil quanto no exterior, em textos sobre história das idéias da Física. Na verdade, o livro integra uma tetralogia escrita em diferentes momentos ao longo das décadas, em que o autor tratou de conceitos fundamentais da Física: força, espaço, simultaneidade e massa; no caso, a presente obra é a segunda disponível em português, tendo sido precedida pelo volume dedicado ao espaço (também pela editora Contraponto – cf. JAMMER, 2010). “Exemplar” porque acompanha como uma idéia modificou-se ao longo do tempo, em que as concepções anteriores recebiam novas camadas conceituais à medida que o tempo passava, ou seja, que os contextos sociais, políticos e – principalmente, para o que nos interessa – filosóficos e científicos modificavam-se. O livro por si só é bastante erudito e, em cerca de 330 páginas, o autor expõe como as várias tradições teóricas que confluíram para o Ocidente consideraram a idéia de “força” desde a Antigüidade pré-homérica até meados do século XX, embora o texto concentre-se, como é natural, nas discussões posteriores ao Renascimento.
Há algumas questões metodológicas que valem a pena ser comentadas. Antes de mais nada, o autor adotou a opção – correta – de seguir o conteúdo em vez da palavra. Na verdade, isso seria natural e até inevitável, não somente porque, por exemplo, os antigos egípcios tinham uma notação hieroglífica específica para o que poderíamos chamar de “força”, mas principalmente porque os debates científicos realizados hoje, no século XXI, têm sua origem pelo menos na época do Renascimento, em que o latim era a língua científica por excelência – e em que, por sinal, “força” é “vis”. Em outras palavras, uma investigação de caráter etimológico seria infrutífera.
Em segundo lugar, convém insistir em que o autor realizou sua exposição considerando as várias camadas teóricas que sucessivamente se acumularam ao longo do tempo a propósito da idéia de “força”. Assim, sem poder dedicar-se muito às intenções de cada um dos formuladores de cada proposição – exceção feita a algumas figuras-chave, como Galileu, Newton, Leibniz e Boscovich –, Jammer soube articular a recepção que cada idéia teve em momentos distintos e como foi reelaborada.
Por outro lado, sendo um livro pequeno, de caráter panorâmico, não se deteve na caracterização de cada contexto nem nos debates específicos havidos em cada grande momento. Preocupado com a exposição dos conceitos científicos e filosóficos, Jammer simplesmente não tratou das questões sociopolíticas: cada “contexto” foi definido em função das principais idéias em voga, definidas de acordo com o pensamento de alguns autores selecionados como representativos. Para os interessados em discussões sociopolíticas, evidentemente essa escolha teórico-metodológica é motivo de incômodo, o mesmo valendo para aqueles interessados em uma Sociologia da Ciência que conceda menos autonomia à ciência e mais à sociedade – em outras palavras, às sociologias da Ciência que procuram ver nas elaborações científicas reflexos das disputas sociais. Por outro lado, impõe-se a questão de se a abordagem mais “internalista” é válida, ou seja, se o diálogo trans-histórico a respeito das interpretações filosóficas e científicas da realidade, condensadas na idéia de “força”, é correta e aceitável. Os sociólogos e historiadores têm o hábito de considerar que as idéias costumam ser o reflexo das condições sociais – duas formas extremas desse modo de ver são o ultracontextualismo do idealista britânico Robin Collingwood (“cada idéia é uma resposta particular para questões particulares”) e, claro, o conceito marxista de “ideologia” –, de modo que não reconhecem nelas validades intrínsecas independentemente das sociedades que as produziram. Mais do que isso: o texto não se aferra aos contextos sociais específicos, reconhecendo e expondo o verdadeiro diálogo trans-histórico que os pensadores fazem a respeito de determinadas questões. Como fica evidente no texto, isso não equivale a dizer que as idéias não se modificam ao longo do tempo – muito longe disso, na verdade –, mas, ao mesmo tempo, não se recai na verdadeira falácia teórico-metodológica de algumas vertentes da História das Idéias segundo as quais não faz sentido transpor idéias de um momento histórico determinado para outro. Diferentes “macrocontextos”[1] dialogaram entre si: por exemplo, na passagem do platonismo para a Idade Média cristã e destes dois para as idéias modernas; no interior de cada “macrocontexto”, os diálogos mantiveram-se; as diferentes camadas interpretativas deveram muito, em vários casos, às influências de tradições originárias dos macrocontextos anteriores[2].
Ora, aceitando-se a validade do que estamos chamando de “diálogo trans-histórico” – ou, por outra, recusando-se o (ultra-relativismo do) ultracontextualismo – e considerando estritamente o avanço das idéias científicas, em particular na passagem da Idade Média para o Renascimento e daí para o período moderno, é possível depreender da exposição de Jammer que foram condições necessárias para o desenvolvimento da ciência a crítica paulatina às concepções antropocêntricas do mundo e a preocupação em adequar os raciocínios à realidade empírica; na verdade, a ciência desenvolveu-se em ritmo cada vez mais acelerado à medida que assumia – e praticava, é claro – como concepção da realidade o materialismo e o naturalismo (em oposição ao espiritualismo e ao sobrenaturalismo) e o empirismo (em oposição às concepções estritamente aprioristas). Nada disso equivale a negar a importância da filosofia, isto é, das concepções gerais sobre a realidade (sejam elas cósmicas, sejam elas morais e políticas): o livro de Jammer expõe as cerradas discussões filosóficas que subjazeram às formulações sobre o conceito de força e que orientam as diversas teorias da Física.
Da mesma forma, nossa afirmação não equivale a dizer que o desenvolvimento e a aplicação paulatinos do método científico decretaram a morte e enterraram a aplicação de concepções não-científicas à prática científica: Kepler e, ainda mais, Newton são exemplos clamorosos disso. Sendo mais preciso: Jammer indica largamente como, após a publicação dos Principia Mathematica, em 1684, inúmeros autores derivaram conseqüências teológicas e mesmo “metafísicas” da obra de Newton. É importante notar que isso não significa muito coisa por si mesmo, pois a maior parte desses autores derivados teve pouca ou nenhuma importância científica; todavia, alguns cientistas foram influenciados por eles, mesmo que indiretamente, resultando em que determinadas perspectivas teológicas foram importantes para o prosseguimento da vida do conceito de força – como no caso da obra de Boscovich.
A utilização de referências teológicas na elaboração de teorias científicas não contradiz nossa afirmação anterior, de que o desenvolvimento científico exige uma perspectiva naturalista e, em um sentido específico, empirista; na verdade, não é a permanência de motivos teológicos que deve ser enfatizada, mas o radical e crescente ostracismo a que foram relegados. Em outras palavras, o desenvolvimento da ciência exige a substituição de u’a mentalidade voltada e orientada para o supramundano por uma outra, naturalista e “empirista”; as referências a deus diminuem cada vez mais e, de qualquer forma, são cada vez mais postas à prova. Na verdade, o que a permanência das referências teológicas indica não é a validade (genérica) da teologia para a ciência, mas a permanente necessidade humana de concepções gerais que orientem sua conduta e, de qualquer maneira, a contínua e permanente necessidade de fontes de inspiração para a reflexão e para a proposição de teorias. Nesse sentido, a teologia (“deus”) desempenha um papel (psicológico) similar à música, à poesia ou a outras fontes de inspiração, sem que com isso suas dificuldades intrínsecas sejam resolvidas ou superadas.

2. DUAS CRÍTICAS AO LIVRO

2.1. Excessiva brevidade

Não é a falta de contexto sociopolítico o que pode dar azo a críticas ao livro; podemos considerar, sim, outras limitações. Uma primeira dificuldade, que se vincula tanto ao tamanho quanto ao escopo do livro, é a falta de esclarecimentos técnicos mais sistemáticos; não sugerimos a presença de tais esclarecimentos no corpo do texto – afinal de contas, trata-se de um livro escrito por um físico para outros físicos –, mas pelo menos em notas de rodapé ou, o que seria mais recomendável, em um apêndice. Como Jammer faleceu em 2010, aos 95 anos, isso é presentemente impossível de ser feito por ele mesmo; todavia, novas edições podem e devem incorporar essas explicações à margem. Na verdade, como nossa formação específica é em Ciências Sociais, as explicações adicionais que me interessam – e que, em parte, levaram-me a ler o livro – correspondem a questões mais técnicas de Matemática e teoria física; mas, inversamente, o interesse que os físicos têm no livro podem exigir notas de outro tipo: referências históricas e filosóficas mais específicas. Como argumentaremos adiante, a presente sugestão é mais que um desejo de informações a respeito de questões que, pessoalmente, ignoramos: é uma necessidade cultural mais ampla que se impõe.

2.2. Sérias imprecisões filosóficas: “metafísica”, “positivismo”[3]

Sendo o livro dedicado a esclarecer o conteúdo do conceito de “força” – assim como os outros três volumes da série escrita por Jammer dedicam-se aos conceitos de “espaço”, “simultaneidade” e “massa” –, é notável que o segundo problema que podemos indicar consista em uma séria falha de definição. A bem da verdade, o autor comete reiteradamente uma imprecisão conceitual mas não está isolado nesse procedimento – não estava quando redigiu o livro, em 1957, nem estaria hoje, em 2012 –: o problema consiste na indefinição radical da palavra “metafísica” (e, associado a ela, “positivismo”).
Jammer adota o uso amplo, corrente e altamente impreciso de “metafísica” como sendo “valores morais”, “filosofia”, “concepção da realidade”; ao mesmo tempo, adota a perspectiva defendida por algumas vertentes de positivismo, que assume a “metafísica” em um sentido mais restrito e equivalente a “entidades”, “abstrações personificadas” e mesmo agentes ocultos de propriedades da matéria. A amplitude do termo deve-se ao fato de que inúmeros pensadores (incluindo aí, sem dúvida, cientistas) distinguiram “filosofia” e “ciência”, entendendo a primeira como concepções mais amplas da realidade, atribuições de valores, busca de causas etc.; já a segunda seria a investigação objetiva e axiologicamente neutra da realidade etc. Sem polemizar a respeito dessa descrição da prática científica, a identificação estreita da filosofia com a metafísica é despropositada, ainda que por demais difundida.
A “filosofia” é uma atividade que apresenta as mais variadas definições, desde a análise dos termos das frases até a justificação das decisões teóricas e práticas; uma noção “clássica”, porém, considera que ela apresenta um caráter especulativo, em que, embora presumivelmente tenha que manter alguma relação com a realidade concreta, não precisa estar atrelada a ela; assim, a filosofia consistiria em uma reflexão geral sobre a realidade humana e cósmica. Nesse sentido, muitos vinculam a filosofia à metafísica definida epistemologicamente, isto é, a filosofia seria por definição a reflexão “meta-física”, isto é, “que vai além do físico”.
Nesse sentido estrito, sem dúvida alguma que toda filosofia é metafísica. Se pensarmos que a teologia refere-se às divindades e que a ciência refere-se ao estudo analítico da realidade, caberia a essa “metafísica” a reflexão geral sobre o mundo, que poderia, quem sabe, passar da divindade à realidade empírica.
Essa definição, além de ser etimológica, corresponde a uma divisão do trabalho intelectual e estabelece uma tautologia: a filosofia é sempre metafísica; inversamente, a crítica à metafísica é a crítica à filosofia e ao filosofar. Tal concepção é bastante restrita, mas, curiosamente, é bastante comum: mesmo o Círculo de Viena, que era tão rigoroso a respeito dos enunciados, adotou-a em larga medida. De qualquer forma, essa definição – tautológica – abarca as concepções que indicamos anteriormente: existência (ou afirmação) de teorias preliminares às investigações empíricas, atividade especulativa.
Cada um pode definir as coisas mais ou menos como bem entender. As definições relacionam-se à capacidade individual e coletiva de comunicação, em que uma definição específica deve ser compartilhada a fim de que várias pessoas possam entender-se a respeito de determinados assuntos; considerando essa imposição prática, as definições podem ser ajustadas às necessidades particulares de cada grupo ou, em determinados casos, de cada indivíduo. No caso da palavra “metafísica”, a definição-padrão, que é a etimológica e, como vimos, é tautológica, cria mais problemas que soluções; ela serve mais para confundir que para esclarecer – com o agravante de que em inúmeros casos o que se deseja é precisamente confundir.
Antes de mais nada: por que a definição etimológica confunde? Porque ela não esclarece os vários sentidos a que se referem os pensadores. Ao tornar equivalente a atividade filosófica e a metafísica, não se esclarece qual o conteúdo específico da metafísica. Isso deixa de lado os modos e os conteúdos das obras de pensadores que quiseram ser especificamente “metafísicos”, ao mesmo tempo que elude que pensadores teológicos ou científicos são, também, cultores da filosofia, mas não da metafísica. Em outras palavras, afirma corretamente que toda laranja é fruta, mas finge que toda fruta é laranja, deixando de lado o fato central de que maçãs e peras também são frutas.
Essa confusão não é casual. É claro que pode ocorrer dificuldades conceituais; é claro que uma distinção adequada entre filosofia e metafísica – quando a metafísica criticava a teologia e afirmava como modalidade específica de filosofar e, depois, quando a prática científica criticou a metafísica – tornou-se durante um certo tempo difícil. Podemos pensar no passo decisivo para o ser humano o reconhecimento socrático de que existe uma realidade autônoma constituída pelo pensamento: antes disso, a conceituação do “real” e do “ideal” era altamente problemática.
Esse gênero específico de confusão, portanto, é “histórico” e, assim, datado; quem incidia nele cometia um erro natural, involuntário e perfeitamente desculpável. O que não é desculpável é a reincidência nele, em particular a intencional.
De modo mais específico, a (re)afirmação da metafísica como filosofar o mais das vezes serve para diminuir a importância da racionalidade científica, isto é, para denunciar as limitações do pensamento científico. Ora, é evidente que o pensamento científico é limitado: na verdade, de modo geral os próprios cientistas admitem-no e percebem-no, ao reconhecerem que o afirmado hoje poderá, e provavelmente será, negado amanhã. Além disso, a ciência é parcial, isto é, trata abstratamente de questões específicas e não de toda a realidade e, muito menos, de questões concretas. Por outro lado, essa visão parcial não basta para o ser humano compreender a realidade, isto é, para que ela faça sentido; além disso, a investigação científica requer teorias preliminares, assim como determinadas concepções gerais sobre a realidade (a realidade deve ser estudada em termos naturalísticos em vez de sobrenaturalísticos; deve-se evitar tanto o materialismo quanto o espiritualismo etc.).
Afirmar os limites da ciência e apontar seus pressupostos é uma necessidade; para conhecermos a realidade temos que conhecer com clareza os instrumentos de que dispomos e saber como operam e em quais condições. Todavia, determinar essas características é uma coisa; afirmá-las em termos de “metafísica” já se torna um recurso retórico cujo objetivo de diminuir o instrumento é bastante claro.
O famoso livro de Edwin Burtt (1991), As bases metafísicas da ciência moderna, constitui um exemplo claro dessa intenção. Seu objetivo é esclarecer, isto é, pôr às claras os pressupostos filosóficos da ciência moderna, estabelecidos por ele nos séculos XVI e XVII, com Galileu e Newton. Em vez de dizer “bases metafísicas”, poderia perfeitamente dizer “bases filosóficas” ou, quem sabe, “bases epistemológicas”. O que sua opção sugere, todavia, é que a própria ciência é metafísica, ou pelo menos “contaminada” (indelevelmente) pela metafísica. Poder-se-ia argumentar que essa afirmação tenha sido feita de maneira polêmica, em contraposição às idéias mais “radicais”, isto é, mais “cientificistas” do Círculo de Viena ou de pensadores assemelhados: mesmo com um objetivo polêmico, o resultado é o de afirmação da validade da metafísica por meio da negação da ciência ou de sua equiparação à metafísica, isto é, aos pensadores que buscam o absoluto, que reificam as abstrações e assim por diante. Em outras palavras, entre (por exemplo) Einstein e Heidegger não haveria diferença profunda.
Mais: se entre metafísica e ciência não há diferença (pois ambas têm seus “pressupostos”, que são sempre “pressupostos metafísicos”), as características específicas de tais pressupostos também são eludidas, por meio da sua equivalência artificiosa. Se os pressupostos da atividade científica são metafísicos, esses pressupostos compartilham as características da metafísica. Ora, evidentemente, essa forma de raciocinar é especiosa e visa a erodir a legitimidade da ciência e a afirmar alguma suposta validade da metafísica; o que não se esclarece são as características específicas da metafísica e da ciência.
Embora seja um tanto cansativo, importa lembrarmos mais uma vez as respectivas características: a metafísica é absoluta, reifica as abstrações, rejeita as mudanças históricas (ou reifica essas mesmas mudanças, ou sugere que tais mudanças obedecem às vontades das abstrações reificadas). Em contraposição, a ciência é relativa e crítica e está sempre aberta à revisão de seus procedimentos e resultados, alterando-se com o passar do tempo; a constituição da ciência não resultou de um fiat, mas de mudanças sociais, políticas, culturais ao longo do tempo, ou seja, a constituição da ciência e de seus fundamentos é histórica e modificável, não sendo de maneira alguma arbitrária ou absoluta. A conseqüência dessas características é que os próprios “pressupostos teóricos” da ciência são... “científicos”, ao contrário da metafísica. Assim, em definitivo qualificar de “metafísicos” os “pressupostos” da ciência não é um ato descritivo ingênuo, mas uma ação deliberada de desvalorizar a ciência em favor da metafísica e de produzir confusão conceitual e intelectual.
Retornando à discussão sobre o livro de Jammer, parece claro que o melhor seria, sem dúvida alguma, que o autor – bem como a comunidade científica de modo geral – adotasse uma concepção mais clara e restrita da “metafísica” – e, nesse caso, parece-nos que a proposta por Augusto Comte é particularmente adequada.
Para Comte, a “metafísica” é uma etapa de transição entre a teologia e a positividade; é meio-caminho, que compartilha características de uma e de outra; já busca compreender a dinâmica natural, mas adota procedimentos próprios à teologia. Suas características mais marcantes talvez possam a seguintes: absoluta; faz uso das entidades abstratas, ou abstrações personificadas (ou ainda, em linguagem contemporânea, das abstrações reificadas); além disso, em virtude da incapacidade de desprender-se dos raciocínios teológicos, lança mão de jogos de palavras e de raciocínios circulares (“o éter faz dormir porque possui propriedades soporíferas”, “a Natureza tem horror ao vácuo”).
Convém notar que a metafísica é mera transição; a ela não se concede a dignidade de uma etapa estável e durável como são os casos da teologia e da positividade. Para Comte, a degradação da teologia sempre assume a forma da metafísica, ou seja, ela é teologia degradada. Ao longo da história isso facilitou as transições entre fases orgânicas, como entre o politeísmo e o monoteísmo, em que a filosofia grega – considerada metafísica por excelência – criou as condições intelectuais para a nova fase, seja como dissolvente da fase anterior, seja elaborando materiais preliminares. Aliás, é por esses motivos que a metafísica é crítica, no sentido de destruidora da ordem prévia: incapaz de construir sobre bases estáveis, destrói o que vê pela frente.
Nas transições anteriores, as condições sociais permitiam que a passagem ocorresse de uma fase orgânica para outra sem um interregno crítico muito demorado, pois o sistema social novo já tinha elementos formados e a transição era gradativa. Modernamente, todavia, a metafísica cumpriu seu papel dissolvente, mas os elementos do novo sistema não estão – ou melhor, não estavam – totalmente formados: somente em termos secundários a ciência constituiu-se, restando toda a tarefa de constituição central dos fundamentos do sistema positivo. É necessário notar-se, além disso, que a transição moderna é muito mais profunda que as anteriores: das civilizações absolutas, belicistas e particularistas[4], a modernidade deve caracterizar-se pela relatividade, pelo pacifismo e pelo universalismo.
A caracterização desse duplo movimento – de destruição da antiga ordem social, teológica e absoluta, e constituição de uma nova ordem, positiva e relativa – ocupa vários capítulos das obras de Comte e está na origem das suas reflexões sociológicas, como se vê nos vários artigos que compõem o seu Opúsculos de filosofia social (COMTE, 1972), que são suas “obras de juventude”[5]; desse modo, não vem ao caso insistirmos nela.
O que importa reter, por outro lado, é que a metafísica é um conceito mais ou menos acessório para Comte[6]; que ele caracteriza-se pelo absolutismo filosófico, pela reificação das abstrações, pelo caráter dissolvente em termos intelectuais e, daí, sociais. Em outras palavras, no Positivismo comtiano não se confere a centralidade à metafísica que se atribui contemporaneamente (nem aquela que se afirma que Comte atribuía).
Embora de modo geral Anthony Giddens (1998) erre nas caracterizações que faz da obra de Comte, ao indicar a definição comtiana de metafísica ele mais ou menos acerta: para Giddens, a metafísica em Comte define-se em termos metodológicos[7]; na verdade, sendo mais precisos, poderíamos indicar: em termos teóricos, isto é, histórico-sociológicos.
Antecipando-nos ao argumento, vê-se que Augusto Comte não percebe a metafísica como sinônima de “filosofia”, “valores morais”, “especulação” ou “pressupostos teóricos e epistemológicos”.
Nesse sentido, aliás, valem algumas precisões: para Comte, a positividade e o pensamento positivo não equivalem a cientificidade e a pensamento científico. Conforme vê-se no Apelo aos conservadores (COMTE, 1899), a palavra “positivo” define-se como sendo “real, útil, certa, precisa, relativa, orgânica e simpática”. Deixando de lado a explicação de cada um desses termos, para o que nos interessa cumpre notar que o espírito positivo tem uma visão global da realidade e é motivado pelo altruísmo; já a ciência é parcial e não se move necessariamente pelo altruísmo: nesses termos, o espírito positivo é superior à ciência[8]. Por outro lado, Comte procurou definir com clareza a sua epistemologia, que constituem em parte os seus “pressupostos”.
Sem deixar de lado o que Augusto Comte escreveu, a importância contemporânea da “metafísica” liga-se, até certo ponto, à crítica que o Círculo de Viena fez dela. Caracterizando-a como impassível de verificação empírica, os vienenses afirmavam que ela é sem sentido e, portanto, como desprezível. O pólo conceitual oposto era a ciência, percebida como dotada de sentido; o sentido, por sua vez, era definido como a capacidade de vincular cada afirmação a uma observação empírica, em um processo de correspondência um-a-um. A teologia era percebida também como sem sentido, mas, como ela caracteriza-se facilmente pelo apelo às divindades, sua identificação era fácil e simples; além disso, como a ordem natural rejeita a ação das divindades, não faria sentido misturar ordinariamente teologia e ciência: por tais motivos, a teologia ocupa um lugar bastante marginal nos escritos do Círculo de Viena[9].
Como se sabe, o Círculo de Viena constituiu-se em parte com a preocupação de conferir rigor às elaborações científicas, em termos de suas fundamentações filosóficas; nesses termos, a distinção entre ciência e metafísica seria um importante problema. A partir disso, propuseram-se vários “critérios de demarcação”, como os de Carnap e de Popper[10] e que de modo geral separavam ciência e metafísica pela já indicada capacidade de vincular as afirmações teóricas a observações empíricas da ciência e a simétrica incapacidade da metafísica.
Além disso, o Círculo de Viena tinha uma exigência adicional para caracterizar a verdadeira ciência da metafísica: a elaboração de teorias explicativas apenas após o exame dos fatos; o exame da realidade munido de teorias prévias seria a formulação e a aplicação de metafísica à ciência.
Essas idéias do Círculo de Viena[11] até certo ponto resumem bem as concepções que se tem sobre a metafísica: valores prévios à pesquisa (bem entendido: valores morais e políticos que não se referem à prática científica), especulação teórica.

3. O DIÁLOGO ENTRE AS CIÊNCIAS, OU: QUAL O PÚBLICO LEITOR?

Um outro gênero de questões surge quando consideramos o público leitor do livro. Evidentemente que, escrito por um físico profissional sobre um conceito físico, o público básico são os físicos – estudantes de graduação e pós-graduação, pesquisadores, historiadores da Física. Todavia, como indicamos anteriormente, o livro também pode ser visto como de história das idéias, de modo que ele transita, nesse sentido, entre o âmbito das chamadas “Ciências Naturais” e o das chamadas “Ciências Humanas”[12]. Evidentemente, há uma perda nessa passagem; essa perda, como indicamos, deve-se à relativa brevidade do livro, que se mostra curto para quem não domina, por um lado, os conceitos físicos e, por outro lado, para quem não domina os conceitos filosóficos[13].
O que queremos indicar é a possibilidade de “diálogo” entre as ciências, isto é, a capacidade de os cultores dos vários ramos da ciência conversarem entre si e compreenderem-se razoavelmente bem uns aos outros. Um problema básico, sem dúvida, é que, em virtude do alto grau de sofisticação teórica da ciência moderna, isto é, da ciência desenvolvida ao longo de todo o século XX, sem um grande cabedal – especialmente matemático – muitas vezes é difícil compreender inúmeras teorias físicas. O mesmo já não ocorre com as Ciências Humanas, cujas produções são redigidas em linguagem corrente que, mesmo quando formalizadas, podem ser compreendidas com um dispêndio de tempo consideravelmente menor.
Afirmamos há pouco que o livro de Jammer – ou melhor, os livros de Jammer publicados no Brasil, ou seja, tanto o relativo ao espaço quanto o relativo à força – podem ser entendidos como textos de história das idéias; nesse sentido, eles estão na intercessão entre Ciências Naturais e Humanas. Essa perspectiva curiosamente é inusitada: dizemos “curiosamente” porque não deveria ser inusitada. Ciências Humanas e Ciências Naturais lidam com idéias, com a reflexão do ser humano sobre a sua realidade, social e individual em um caso, cósmica em outra: em qualquer das situações, trata-se do mesmo ser humano, submetido aos mesmos constrangimentos físicos, ambientais, sociais e psicológicos que pesquisa, investiga, imagina e teoriza. É bem verdade que a aplicação prática das Ciências Naturais é distinta da das Ciências Humanas: como argumentava Augusto Comte – bem ao contrário do que, aliás, recriminaram-lhe um século depois os autores da Escola de Frankfurt –, as Ciências Humanas (Sociologia e Moral) visam ao aconselhamento, seja político, seja pedagógico; seja psicológico; já as Ciências Naturais resultam propriamente nas diversas tecnologias, que são desenvolvidas e aplicadas nas indústrias. Ainda assim, são idéias produzidas pelo ser humano para conhecer e entender a realidade em que vive, para dar sentido à vastidão que o cerca: nesse sentido, separar as “Ciências Humanas” das “Ciências Naturais” só é adequado como recurso analítico, isto é, como procedimento metodológico para análise das várias partes da realidade. O que valeria, o que deveria valer e importar, seria a concepção global da realidade, que permitisse entender o ser humano no mundo. Assim, Ciências Humanas e Ciências Naturais seriam momentos de investigação (científica) que deveriam dialogar em uma etapa seguinte, ou superior, caracterizada pela síntese (filosófica): a unidade do ser humano é mantida, o diálogo entre as concepções também é mantido e é possível que entre as “humanidades” e os “naturalistas” realizem-se profícuos diálogos.
Esse é um ideal de unidade do conhecimento humano que, parece-nos, respeita as particularidades das Ciências Humanas, das Ciências Naturais e – embora não tenhamos comentado nada a respeito disso antes – preserva (ou confere) a dignidade à Filosofia e às especulações filosóficas. Parece claro que as artes – entendidas como as “belas-artes” – têm espaço nessas concepções. Esse ideal foi o defendido por Augusto Comte; de certa maneira, pode-se dizer que a sua Religião da Humanidade consiste em um esforço para realizar precisamente esse ideal, cujo conteúdo humanista parece claro.
Uma concepção parecida encontramos no livro do físico W. Heisenberg, A parte e o todo (2011), para quem as teorias físicas, acima de tudo, são idéias que os seres humanos têm sobre a realidade. É claro que essas idéias não são arbitrárias; elas estão intimamente relacionadas, por um lado, com teorias que se desenvolveram ao longo do tempo – e que têm refinados formalismos matemáticos para conferir-lhes rigor –, e, por outro lado, com experimentos e realidades empíricas, além do bom e velho bom senso. Mas, ainda assim, por trás dos aparatos experimentais e formalistas, existem idéias que os seres humanos desenvolvem para compreender sua realidade, idéias que têm a mesma constituição que as desenvolvidas por poetas, profetas, cientistas, filoósofos de outras épocas e assim por diante.
Evidentemente, as concepções de Heisenberg que expusemos sumariamente são bem menos sistemáticas que as de Comte; mas a proximidade entre ambas parece clara. Os objetos das reflexões específicas em cada uma das ciências são diferentes mas a reflexão que os seres humanos fazem sobre sua realidade é comum.
Essas concepções são ao mesmo tempo um apelo e um fundamento para que Ciências Humanas e Ciências Naturais (e também Filosofia e Artes (“Belas-Artes”)) mantenham um contato estreito, um diálogo contínuo. Todos saem ganhando: os livros da Jammer são demonstrações disso.
Tais idéias talvez pareçam banais. Não são. Disputas, suspeitas, rivalidades entre as áreas do conhecimento são antigas e freqüentes. Cohen (2001) indicou como, apenas na Inglaterra, desde o século XIX já houve pelo menos três “guerras das ciências”, opondo as “Ciências” (Naturais) às “Humanidades” e/ou às “Ciências Humanas”. A própria terminologia “Ciências Naturais” e “Ciências Humanas”, mais que meramente descritiva – indicando as particularidades de objetos e métodos específicos –, revela projetos epistemológicos e políticos mais profundos, em particular no ambiente alemão, que opôs às “Ciências Naturais” (Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia) as “Ciências do Espírito” (Literatura, Sociologia, Psicologia, Jurisprudência – até mesmo Teologia!), ou seja, um agregado compósito derivado da oposição entre Kultur e Zivilitation; essa contraposição caracterizar-se-ia, mais que pela diversidade de objetos, pela diversidade de métodos, objetivos e epistemologias: as Ciências Naturais “explicariam” (ou seja, estabeleceriam relações causais, por meio das leis naturais), ao passo que as “Ciências do Espírito” “compreenderiam” (ou seja, estabeleceriam “nexos causais”, relações de sentido subjetivo entre as ações particulares dos indivíduos também particulares). Os alemães, dessa forma, foram radicais na cisão: é certo que as Ciências Naturais são idéias, mas elas são fruto do espírito como que devido a um grande e mero acaso, pois nem de longe elas oferecem a mesma satisfação íntima que as “Ciências do Espírito”. A ordem humana é absoluta e radicalmente diferente da (e superior à) ordem cósmica[14].
No século XIX da Inglaterra e da França, de qualquer forma, a oposição às Ciências Naturais não partiu de supostas “Ciências do Espírito”, mas das “Humanidades”, especificamente da Literatura[15]. Da segunda metade para o final do século XIX, com a afirmação institucional da Sociologia, surgiu o que Lepenis (1996) chamou de “as três culturas”, em que à oposição entre Ciências Naturais e Humanidades incluiu-se também a Sociologia, que seria ao mesmo tempo uma intermediária e mais uma parte entre as outras duas.
Nas primeiras décadas do século XX a busca de uma sistematização das Ciências Naturais, associada a um esforço na formalização da Lógica e da Matemática, conduziu a uma filosofia que afirmava radicalmente que o conhecimento é tão-somente e estritamente o que é obtido de modo empírico; que as afirmações quaisquer têm que ser o mais claras possíveis e que é necessário que haja correspondências termo a termo entre as afirmações e as realidades empíricas. Essa filosofia foi a do Círculo de Viena – logo também conhecida como “Neopositivismo”, “Positivismo Lógico” ou “Empirismo Lógico” – e, como é fácil de perceber, defendia o primado das Ciências Naturais sobre outras modalidades de conhecimento humano.
O impacto do neopositivismo foi bastante grande, imediato e mais ou menos duradouro. Ao longo de todo o século XX ele fez-se sentir, ainda que não sem contestação e não sem mal-entendidos[16]. Ainda assim, suas limitações conduziram a polêmicas e a fortes reações, muitas delas tendendo a cair no extremo oposto. Dois exemplos desse “extremo oposto” – ainda que exemplos de tipos diversos – são oferecidos pelas obras de Thomas Kuhn e pelos pós-modernos.
Thomas Kuhn foi um físico que, tendo que lecionar história da Física, começou a refletir sobre as concepções físicas de Aristóteles e dos antigos. Habituado a pensar em termos das idéias de Einstein, de Bohr e de Heisenberg – no máximo em termos newtonianos –, Kuhn viu-se em maus lençóis quando estudou Aristóteles, pois percebeu que, embora muito erudito e freqüentemente sensato, seu sistema tinha concepções que não correspondiam à realidade empírica; mais do que isso, para passar do sistema peripatético para o newtoniano eram necessárias mais que mudanças incrementais: era necessária uma alteração radical, uma mudança global de perspectiva, uma ruptura: uma “revolução”. Foi a partir desse entendimento que T. Kuhn elaborou a idéia dos “paradigmas”, segundo a qual cada época na ciência (ou em uma ciência) caracteriza-se por uma visão de mundo amplamente compartilhada, que indica o que é a boa ciência, quais os bons e verdadeiros problemas, os bons e verdadeiros métodos, as boas e verdadeiras soluções e assim por diante (da mesma forma que seus opostos: os problemas, métodos, soluções etc. ruins). Uma teoria científica, portanto, não é questão somente, ou principalmente, de correspondência de uma teoria e de seus predicados a observações empíricas; trata-se de uma visão de mundo – em que há sem dúvida há elementos valorativos e políticos, ou seja, extracientíficos – que orienta os procedimentos e que estabelece essa correspondência entre “teoria” e “fatos”. Publicado no início dos anos 1960, o principal livro de Kuhn – A estrutura das revoluções científicas – foi visto durante muito tempo como um, senão o principal, desafio ao neopositivismo; a lógica da pesquisa científica não era mais questão de lógica e de rigor e passara a ser sociológica.
O conceito de paradigma de Kuhn é bastante ambíguo, entretanto. Em primeiro lugar, o autor estabelece por decreto que os paradigmas são incomensuráveis entre si, ou seja, não são propriamente comparáveis; logo, os resultados teóricos de um não pode ser transmitidos para outro(s). Em conseqüência, o progresso teórico não existe; ou melhor, ele ocorre apenas no interior de um mesmo paradigma: entre os paradigmas o que ocorre é ruptura, não continuidade; “revolução”, não “progresso”. É bem verdade que a visão de mundo aristotélica é incompatível com a que possuímos atualmente, em termos físicos e morais; mas poucas pessoas diriam que, somente por esse motivo, não seria possível compará-las entre si, seja para compreendê-las mutuamente, seja para obter mais dados ou interpretações. De maneira mais clara, o mesmo pode ser dito a respeito das comparações entre as teorias de Ptolomeu e Copérnico, Kepler e Tycho Brahe etc. Além disso, como se sabe, embora os pressupostos teóricos e epistemológicos das teorias de Einstein e de Newton sejam diferentes, tanto as comparações entre elas é possível que se encara Newton como um caso particular de Einstein[17].
Em segundo lugar, Kuhn utiliza a palavra “paradigma” em situações muito diversas. Em alguns casos, torna-a equivalente a “visão ampla de mundo”, incluindo aí valores morais e políticos, lado a lado com pressupostos teóricos e metodológicos científicos; em outros casos, adota uma definição bem mais restrita, equivalente a “teoria científica” (como visto em La révolution coperniciènne (KUHN (1973)). Alguém já disse que, ao investigar os sentidos empregados por Kuhn em seus textos, determinou cerca de 100 acepções diferentes: é evidente essa variedade prejudica – demais – sua tese.
O que as pesquisas de Kuhn têm a ver com as relações entre as Ciências Naturais e Sociais? Ora, como argumentamos antes, sua obra, publicada no início dos anos 1960, apareceu em um momento em que foi vista como uma refutação ou pelo menos um combate ao neopositivismo; dessa forma, foi uma afirmação do “discurso” sobre a “lógica” e sobre os “fatos”.
Ainda assim, bem ou mal, Thomas Kuhn era um físico que se ocupava das Ciências Naturais e que respeitava a particularidade das Ciências Naturais. Interpretação diversa, devida a uma “apropriação” diversa, é feita pelos pós-modernos, conforme exposto pela dupla de físicos Alan Sokal e Jean Bricmont (2001) no livro Imposturas intelectuais[18].
É difícil resumir em poucas palavras as propostas dos pós-modernos. Não porque sejam em si difíceis – na verdade, o problema com suas teses consiste muitas vezes em que seus vocabulários tendem a ser bastante rebuscados, beirando o incompreensível –, mas porque são várias perspectivas mais ou menos paralelas que em comum têm a negação da ciência e variadas formas de irracionalismo. Assim, exporemos em linhas muito breves algumas das perspectivas criticadas por Sokal e Bricmont e que têm importância para o nosso argumento.
Alguns autores de Ciências Humanas seguem a trilha de Michel Foucault, para quem não há “conhecimento”, mas apenas “discurso”; além disso, todo “discurso” reflete uma forma de poder. Dessa forma, Foucault radicaliza a idéia inicial de Francis Bacon – segundo a qual “saber é poder” – e inverte a fórmula de Clausewitz, afirmando que “a política é a continuação da guerra”. Dessa forma, a ciência – seja ela a Ciência Natural, seja ela, principalmente, a Ciência Humana – é simplesmente um discurso criada para legitimar formas de dominação; in extremis, sempre que abrimos a boca para falar, dominamos alguém. Não existe conhecimento da realidade; a lei da gravitação de Newton, as teorias das relatividade de Einstein, as formulações da mecânica quântica de Planck, Bohr e Heisenberg são modalidades diversas para a dominação – possivelmente, dos estratos sociais inferiores e, depois, dos povos colonizados e submetidos ao imperialismo capitalista.
Outros pensadores, como Jacques Lacan – ao menos na fase final de sua carreira –, têm um comportamento mais conspícuo. Sendo autores das Ciências Humanas, impressionam-se com o sucesso do formalismo das Ciências Naturais e procuram-se aproximar-se destas, trazendo um pouco delas para as suas próprias áreas; com isso, desenvolvem grandes formalizações, propõem muitas simbologias – várias delas realmente impressionantes (ou seja, expostas com o objetivo de impressionar). O problema é que tais simbologias, lidas em termos matemáticos, ou físicos, ou químicos (ou das Ciências Naturais de origem), não têm sentido: um sentido literal não pode ser afirmado para elas; mas, por outro lado, os autores que as propõem não sugerem nenhum sentido figurado. Ou melhor, até sugerem o sentido figurado, mas sem explicar qual ele seria e apenas de maneira ad hoc, a fim de furtar-se da responsabilidade de explicar de que maneira o sentido literal seria adequado. Desse modo, o diálogo entre as ciências é frustrado, pela inveja, pela cópia e pela fraude.
Uma outra possibilidade criticada por Sokal e Bricmont é aquela em que se afirma que entre Ciências Humanas e Ciências Naturais não há diferenças, pois todas são meros “sistemas de interpretações”. Podemos pensar no sociólogo Bruno Latour, mas também nos filósofos Richard Rorty e Jean-François Lyotard. Grosso modo, para eles as ciências são produtos da interação humana, em que os homens dialogam e trocam idéias[19] e, como tais, são meramente palavras apostas em folhas de papel ou sons proferidos no ar. A postura extrema é a de Derrida, para quem “não existe nada fora do texto”: a realidade social é um texto, minha vida é um texto, o HIV que infesta um doente com SIDA é um texto, as palafitas dos miseráveis que habitam cidades ribeirinhas do Brasil e do mundo afora são textos. Ora, o texto, por definição, é subjetivo, pode ser discutido de infinitas formas, não tem “certo” nem “errado”, não é passível de intervenção objetiva. O texto simplesmente é.
As idéias de Latour, Rorty e Lyotard têm uma ponta de verdade: as ciências são práticas humanas e, nesse sentido, são subjetivas, pois mobilizam subjetividades: idéias, palavras, imaginações, concepções, visões de mundo, paixões e por aí vai. Contudo, tais subjetividades são a todo momento controladas: os “fatos” não são “mitos”, por mais que os chamados “pós-positivistas” digam o contrário; todas as vezes que eu lançar uma pedra no ar e não houver um anteparo embaixo dela, ela cairá, independentemente das interpretações em jogo. O formalismo matemático, embora em inúmeras ocasiões seja confundido como sinônimo de cientificidade, permite um controle lógico que evita desvãos subjetivos. Por outro lado, um elemento basilar da ciência é a sua publicidade: a crítica pública, aberta, franca, vinda de diversas perspectivas é o critério mais seguro de controle da subjetividade. Ninguém aí está afirmando o banimento da subjetividade: o que se afirma é o seu controle, isto é, sua delimitação, sua circunscrição, sua devida orientação.
Sokal e Bricmont denunciam ainda outros autores das Ciências Humanas que palpitam nas Ciências Naturais. Gostaríamos apenas de indicar Henri Bergson: esse influente filósofo, cujo pensamento deixou marcas mesmo sobre a obra de Lévi-Strauss, pretendeu manter um diálogo, mesmo um debate, com Einstein a propósito da teoria da relatividade, em particular a respeito dos conceitos de tempo e espaço. O problema é que Bergson era apenas e tão-somente filósofo, sem conhecimentos de Física, ao passo que Einstein era físico e tinha conhecimentos de Filosofia: o trágico é que as contra-intuitivas idéias de Einstein são – e eram muito mais – difíceis de entender que as concepções filosóficas de Bergson, a cujas palestras acorriam dezenas ou centenas de pessoas[20].

4. COMENTÁRIOS FINAIS

O objetivo deste artigo foi comentar um livro recém-publicado – Conceitos de força – estudo sobre os fundamentos da dinâmica. Como indicamos, ele parece inicialmente se direcionar para leitores interessados nas Ciências Naturais, mas com um pouco de esforço – bem, talvez com um esforço um pouco maior que somente “um pouco” – ele é proveitoso para leitores interessados nas Ciências Humanas e nas coisas humanas em geral. Nesse sentido, é uma publicação de excelente qualidade, feita em excelente momento.
Ao longo deste artigo comentamos algumas questões suscitadas pelo livro; algumas disseram diretamente respeito ao texto, outras foram sugeridas por sua leitura. A brevidade das observações históricas e teóricas é um problema de acesso para quem não conhece, respectivamente, Ciências Humanas e Ciências Naturais: se corrigir essas limitações estivessem além das possibilidades do autor – cuja obra, em si, já foi vultosa –, a editora poderia fazer apêndices informativos. Já a imprecisão terminológica da palavra “metafísica” é inteiramente de responsabilidade do autor: na verdade, não deixa de ser notável que em um livro dedicado à exploração teórica, conceitual, terminológica e etimológica da “força”, o autor permita-se uma imprecisão tão grande com uma palavra que suscite tantas e tão grandes polêmicas e mal-entendidos.
Por outro lado, os historiadores das Ciências Naturais estão em contato direto e natural com as Ciências Humanas, mesmo que estas e/ou aqueles não o reconheçam. Ainda assim, são diálogos possíveis e necessários. Como argumentamos antes, esses ramos científicos integram um galho maior da Ciência, que, por sua vez, integra a árvore do conhecimento humano: a idéia de unidade deve presidir tudo.
Assim como devemos ser capazes de ter vistas gerais da natureza – e, para isso, o livro de Jammer presta um grande serviço –, também devemos ser capazes de ter vistas gerais da sociedade. Assim como devemos conhecer o mundo, devemos conhecer a sociedade. Assim como devemos conhecer ciência, devemos conhecer artes. Se as ciências têm alguma utilidade além da mera acumulação de “fatos”, “dados” e teorias, é contribuir para o melhoramento humano: esse desiderato só é alcançável com a integração das perspectivas.

Referências bibliográficas

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[1] Uso a palavra “macrocontexto” devido a dois motivos: por um lado, para manter-me mais ou menos coerente com a terminologia que empreguei até agora; por outro lado, para evitar a expressão “paradigma”, cujo uso abusivo já a descaracterizou (sem mencionar a brutal imprecisão de que Thomas Kuhn (2007) dotou-a). Considerando a ampla descrição histórica de Augusto Comte, também poderia usar, até certo ponto, a expressão “estados”, no sentido comtiano (cf. por exemplo COMTE, 1929, v. III).
[2] Essa possibilidade – que parece bastante evidente nos relatos de História das Idéias científicas – é negada por alguns autores e teóricos da História das Idéias, em particular das idéias políticas – pensamos, por exemplo, na Escola de Cambridge e particularmente em Quentin Skinner (2002), que têm negado essa possibilidade pelo menos desde a década de 1960. Por outro lado, ainda que com preocupações um tanto diversas, mais recentemente Mark Bevir afirmou que a escravização ao contexto histórico não faz sentido (cf. BEVIR, 2009; 2011).
[3] A presente subseção é uma versão levemente modificação de um texto anterior (LACERDA, 2011).
[4] Uma transição anterior foi também de grande monta, ainda que de proporções relativamente menores em termos da natureza humana: a passagem da organização política clânica para a pólis constituiu-se em uma ruptura forte, em que as relações sociais mudaram bastante de aspecto.
[5] É fácil perceber, lendo esses artigos, que, como indicou Raymond Aron (1999), a motivação política subjacente a eles é a compreensão sociológica da Revolução Francesa, isto é, de suas causas e de seus efeitos. Essa preocupação específica, somada à exigência teórico-metodológica de visão de conjunto, originou uma brilhante exposição sobre a história da Humanidade – é o volume III do Sistema de política positiva –, que incorpora desde os povos fetichistas até as sociedades mais modernas e permite o diálogo (teórico e prático) entre todas elas.
[6] Isso é comprovado pelos diversos enunciados da lei dos três estados: em todos eles a metafísica é apresentada secundariamente, após a caracterização da teologia e da positividade e sempre de maneira auxiliar a essas caracterizações prévias. Além disso, à medida que avançava suas reflexões sociológicas, mais e mais Comte incluía o fetichismo como uma etapa preliminar distinta da “teologia”, de maneira a permitir a fusão do positivismo final com o fetichismo inicial, no que alguns autores (Grange, 2000; Fedi; 2008) chamam de “neofetichismo”. Um relato cerrado sobre os vários enunciados da lei dos três estados pode ser lido no livro de Mike Gane (2006).
[7] Ainda assim, Giddens não avança na compreensão da obra de Comte, preferindo o recurso fácil da redução de Comte ao Círculo de Viena.
[8] Essas observações resultam, por outro lado, em uma ácida crítica aos procedimentos de diversos cientistas e às universidades como um todo: para Comte, muito do que se entendia – e, bem vistas as coisas, ainda se entende – por ciência consistia em meras coleções de fatos isolados e, por si sós, inúteis, com o desprezo dos sentimentos e das preocupações sociais; além disso, tais práticas, em vez de subordinarem corretamente a imaginação à observação, simplesmente acabariam com a imaginação. Tais comentários estão espalhados em todas as obras de Comte, mas são especialmente claros no “Prefácio pessoal” do volume VI do Sistema de filosofia positiva, de 1842; já a afirmação do espírito positivo em relação à mera cientificidade está clara no Discurso sobre o espírito positivo, também de 1842.
[9] Aliás, não deixa de ser notável que alguns de seus membros, ou melhor, alguns dos pensadores preocupados com a diferença entre metafísica e ciência fossem teológicos: esse é o caso de Karl Popper – comumente percebido como “arquipositivista” (especialmente após a polêmica com o também teológico Adorno, da Escola de Frankfurt) – que reconhecia sua crença em deus. A coerência filosófica de Popper (e de Adorno, convém enfatizar) é, assim, bastante discutível.
[10] O caso de Popper é, em certo sentido, problemático, pois, participando dos debates promovidos pelo Círculo de Viena e preocupado com a justificação da ciência empírica, ele era crítico do Círculo de Viena. A dificuldade a seu respeito é a atribuição do qualificativo “positivista” para ele; mesmo restringindo esse adjetivo somente (ou principalmente) ao Círculo de Viena – o que, por si só, já é altamente problemático, pois descaracteriza o pensamento comtiano –, não apenas os membros do Círculo rejeitavam essa classificação como Popper afirmava não ser positivista, mas um filósofo “crítico”. A idéia de um Popper positivista foi difundida, em primeiro lugar, pela Escola de Frankfurt, com a famosa “disputa do Positivismo na Sociologia alemã”, que opôs Popper a um Adorno surdo aos argumentos contrários aos seus; depois, o chamado “pós-positivismo” criou um construto chamado “positivismo” a fim de opor-se a ele, incluindo nele Popper (e, por metonímia, Comte); a disputa de Popper com o primeiro dos “pós-positivistas” (Thomas Kuhn) certamente contribuiu para esse mito.
[11] Assumo com clareza a limitação desta exposição, que é de fato bastante sumária. Além das reduzidas proporções desses comentários, importa notar também que o Círculo de Viena não era homogêneo nem suas idéias constituíram uma “escola” propriamente dita. Na verdade, houve dois círculos, compostos por filósofos, cientistas naturais e matemáticos, reunidos pela preocupação com os fundamentos da ciência e com a demarcação relativamente à metafísica; embora procurassem o consenso, suas perspectivas não eram coincidentes e ocorria divergências marcadas entre eles. Assim, o mais das vezes, quando se fala em “Círculo de Viena”, faz-se uma generalização indevida; o principal, ou mais conhecido, pensador do Círculo era Rudolph Carnap; secundariamente, indica-se também Otto Neurath.
[12] Deixamos de lado a possibilidade de um “completo leigo” ler o livro: o “completo leigo” seria aquela pessoa sem treinamento científico, seja nas Ciências Naturais, seja nas Ciências Humanas.
[13] Podemos sugerir, quem sabe, anexos explicativos em eventuais novas edições brasileiras do livro. Evidentemente, explicativos para leigos, não para especialistas.
[14] Aliás: para os pensadores propositores da oposição entre “Ciências Naturais” e “Ciências do Espírito”, a ordem humana é somente a ordem individual, pois o coletivo não existe: as coletividades são agregados de indivíduos; por outro lado, a ordem humana é superior à ordem cósmica por desígnio divino. Mesmo que não se diga, tudo isso está implícito.
[15] Essa perspectiva, na verdade, mantém-se até os dias de hoje. Assim, por exemplo, em algum lugar o finado jornalista brasileiro Paulo Francis escreveu que a Sociologia é interessante, mas que o “verdadeiro” conhecimento da realidade está na Literatura.
[16] Duas formas diversas de mal-entendidos: por um lado, afirmar que o neopositivismo era uma apenas uma variedade do Positivismo comtiano, como afirmado pelo sociólogo inglês Anthony Giddens (cf. LACERDA, 2009a); por outro lado, atribuir aos membros do Círculo de Viena concepções teóricas, filosóficas e políticas que eles jamais defenderam, como feito à exaustão pela chamada “Escola de Frankfurt”; para isso, basta conferir-se o famoso livro compósito A disputa do Positivismo na Sociologia alemã, organizado por T. Adorno (1976)
[17] O “encaixe” das idéias de Newton nas de Einstein é possível, grosso modo, percebendo aquelas como um caso particular, de nível “médio”, nas teorias deste, que são de nível “grande”. Por outro lado, como Heisenberg (2011) indica, não apenas Max Planck não queria, de maneira alguma alterar a Mecânica Clássica quando se viu forçado a propor as hipóteses que conduziram à constituição da Mecânica Quântica, como a Mecânica Clássica (de nível “médio”) convive mais ou menos bem com a Mecânica Quântica (de nível “muito pequeno”).
[18] Convém notar que as críticas de Sokal e Bricmont, e particularmente as polêmicas mantidas após a publicação do livro pelo primeiro dos dois autores, deflagraram a atual “guerra das ciências”, conforme a expressão de Cohen (2001).
[19] Latour enfatiza as relações de poder, mas isso é secundário para o nosso argumento. Na verdade, mesmo Pierre Bourdieu afirma a importância das relações de poder para a constituição do que chama de “campo científico”, mas nem ele chega tão longe a ponto de negar a validade intrínseca do conhecimento científico.
[20] Claramente, esta exposição foi mais breve que as demais: quem tiver interesse na argumentação de Sokal e Bricmont, o melhor é ler diretamente o seu livro, redigido de maneira adequadamente didática.

(Permitida a livre reprodução do texto, desde que citada a fonte.)
(1ª versão: 27.2.2012; 2ª versão, revisada: 25.9.2014)