Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
17 fevereiro 2009
Questionamento necessário
(Infelizmente, o jornal adota o acordo ortográfico, de modo que algumas palavras estão escritas incorretamente.)
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“O pensamento humano é primeiro teológico, em seguida metafísico e por fim positivo” (A. Comte)
A recente campanha deflagrada na Europa pela Associação Humanista Britânica, tendo à frente o biólogo Richard Dawkins, mais que uma provocação, é um convite simpático para as pessoas refletirem a respeito de suas vidas e de seus valores, individuais e coletivos. Essa campanha, que ocorrerá ainda na Espanha, na Itália e talvez na França (mas também no Brasil), dá-se em um momento em que se vê um retorno da teologia – que dura já quase 20 anos – e em que os humanistas, ateus e agnósticos procuram não apenas defender a laicidade e o secularismo, mas também a validade política e filosófica de suas posições e perspectivas.
Há duas ou três questões envolvidas na “polêmica” dos anúncios veiculados nos ônibus: 1) as escolhas individuais sobre crenças e valores; 2) a pseudodiscussão sobre a imoralidade de quem não crê em deus; 3) a importância pública (política) da religião. Apesar de a campanha britânica tratar apenas da primeira questão, as polêmicas que surgiram ao seu redor envolvem as três – sendo, no final das contas, esse o objetivo de Dawkins, dos ateus, dos agnósticos e dos humanistas de modo geral – mas também dos religiosos. Vamos nos ater a duas outras questões, em que a análise sociológica e filosófica é inseparável da afirmação moral.
A primeira refere-se ao avanço da teologia na vida pública e privada, no mundo inteiro e no Ocidente em particular. As marchas concomitantes da laicização e da secularização no Ocidente (mesmo no mundo) foram fatores de progresso social, moral e intelectual, com a atenção dos seres humanos voltando-se para o próprio ser humano e para sua realidade cósmica, social e individual. Isso inclui não apenas (por exemplo) o desenvolvimento da Medicina, das telecomunicações, da Sociologia, da Psicologia, do Welfare State e das preocupações ambientais, mas, acima de tudo, permitiu o desenvolvimento de um ambiente social e político favorável à livre expressão das ideias, mesmo aquelas mais contrárias aos “poderes dominantes”. Em outras palavras, foi o afastamento da religião que permitiu ao ser humano conhecer-se melhor e à sua realidade, além de ter-lhe criado as condições intelectuais e políticas necessárias para manter-se livre e combater crimes e excessos.
Assim, sem rodeios, o retorno da teologia é um retrocesso nessa marcha, com a afirmação de obscurantismos e “vontades” absolutas e arbitrárias como justificativa tanto para regimes sociopolíticos dominadores quanto para decisões individuais e coletivas daninhas para o ser humano e para o planeta Terra. Além de problemas facilmente perceptíveis como os excessos muçulmanos do Talibã ou cristãos de G. W. Bush, há derivações mais sutis: por exemplo, a afirmação do presidente francês Nicolas Sarkozy de que em uma república a crença na transcendência é um pré-requisito: essa é uma forma velada de dizer que um bom cidadão deve ser um fiel, deve acreditar em deus (mas qual deus? Aquele que o Estado defende?).
A segunda questão refere-se à necessidade de moral humana. Diversos pensadores de origem religiosa afirmam que, sem a crença em deus (mas qual deus?), o ser humano é imoral e criminoso. Ora, tal afirmação é um duplo erro: crer em deus não garante a moralidade nem descrer significa imoralidade. Os exemplos novamente são fáceis e variados: a quantidade de criminosos tementes a deus é enorme (na verdade, quase a totalidade deles), assim como a quantidade de humanistas e beneméritos ateus, agnósticos é também enorme – e, em particular, em uma porcentagem muito maior daqueles que creem em deus.
Essas são questões polêmicas, que suscitam fortes paixões. Para tratar delas, é necessário cuidado intelectual, respeito pela posição alheia e compromisso com as liberdades públicas. Respeitadas essas condições, todos temos a ganhar, agora que o debate está aberto.
04 fevereiro 2009
A soberba de Cláudio Lembo
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Prezado Professor Lembo:
Li em um artigo publicado no portal Terra que, para o senhor, a recente campanha atéia é uma "explosão de soberba"; além disso, atribui aos "ateus" e "agnósticos" a atual crise financeira mundial.
Suas opiniões são fantasticamente imaginativas.
Para começar, repete o bordão de que é necessário acreditar em divindades para ser ético e ter um comportamento moralmente orientado e aceitável. Isso é mentira e é um duplo erro: seja porque atribui à crença em deus o comportamente ético, seja porque atribui à descrença em deus o comportamento anti-ético. Senão, vejamos.
Os maiores fascínoras do mundo eram TODOS crentes ou saídos de seminários, estando à frente, é claro, a trinca Stálin, Hitler e Mussolini - mas não nos esqueçamos de todos os criminosos comuns de todos os países do mundo, que aparecem na televisão e nos jornais rezando e pedindo clemência a deus; também não se esqueça dos criminosos políticos e de colarinho branco, que fazem as mesmas coisas. Também não nos esqueçamos dos criminosos políticos brasileiros, a começar pelos militares que torturaram e mataram (aliás: durante os seus mandatos parlamentares e executivos): todos eles formados nas tradições dos anos 1920 e 1930, todos eles bons devotos.
Por outro lado, grandes beneméritos da Humanidade são ateus, agnósticos ou humanistas. Fiquemos apenas no Brasil: Benjamin Constant e Rondon (para citar dois que já morreram e cujos valores ninguém - nem o senhor - discutem) e Dráuzio Varela. Mas também o Gal. Pery Bevilácqua que, sem acreditar em deus, combateu o despotismo do regime de 1964 no Supremo Tribunal Militar.
Se o senhor parasse para refletir e deixasse seus preconceitos cristãos de lado, perceberia que é exatamente a crença em deus que permite que os crentes ajam de maneira anti-ética, imoral e completamente antissocial: afinal de contas, prestam contas a uma "autoridade maior". A preocupação com esta vida e o respeito ao ser humano é o que leva os descrentes no deus a adotarem um comportamento ético e respeitoso aos seus semelhantes: afinal de contas, vivem em sociedade, vivem apenas nesta vida e têm responsabilidades afetivas, práticas, intelectuais e - por que não? - jurídicas com os seres humanos.
Dessa forma, o senhor consegue a proeza de repetir o sofisma segundo o qual "acreditar em algo" é sinônimo de "acreditar em deus". Eu não acredito em deus: isso equivale a não acreditar em nada? Eu acredito no ser humano, eu acredito que há leis naturais no mundo, eu acredito que estou vivo, eu acredito (por mais difícil que seja) que o senhor falou as bobagens acima e, por fim, eu acredito que as idéias que o senhor expôs são todas elas preconceituosas, mistificadoras e intolerantes.
Mas o senhor também afirma que a atual crise econômico-financeira é devida à "falta de valores" dos "ateus". Pois bem: se não se baseasse em preconceitos e parasse para pensar e observar o que de fato ocorre à sua volta, perceberia que a crise surgiu nos Estados Unidos, onde a população é fortemente cristã e, de qualquer forma, crente em deus; exatamente porque crêem em deus é que se sentem autorizados a agirem de maneira irresponsável. Duvida disso? Pois bem: faça uma pesquisa sobre crenças religiosas nos Estados Unidos. Ah, lembrei: ela já existe e, não sendo apenas uma mas várias, comprovam elas o que disse.
Além disso, as crenças nos deuses não garantem um comportamento ético por si: o crente, quando é "ético", de modo geral não o é porque entende a importância e os próprios conceitos de "ética" e de "moralidade". Os crentes são "éticos" porque, literalmente, têm medo do inferno: basta o senhor sair às ruas de São Paulo para ver as pichações nos muros; ou, talvez, vá ao Rio de Janeiro ler esse "raciocínio" exposto em quantidade assustadoramente maior. Ou, ainda, fique insone uma noite e assista à programação dos pequenos canais abertos da televisão.
É necessário também corrigir uma imprecisão conceitual: o agnosticismo não é um ficar em cima do muro, uma indecisão sobre a existência ou não do deus por debilidade de caráter; é uma tomada firme de posição no mundo e a favor do ser humano, em que o problema de deus é deixado de lado como insolúvel e inútil. Mas o senhor deve saber disso: para o senhor, é melhor o ateísmo, que põe em questão o seu deus, que o agnosticismo, que simplesmente o deixa de lado.
Last but not the least, é importante notar que o senhor, sendo fiel ao seu pensamento e crente em deus, é profundamente intolerante com aqueles que não acreditam naquilo em que o senhor acredita. Mas isso não lhe faz diferença, não é mesmo? Afinal de contas, o senhor responde a uma autoridade maior, não se importando com os seres humanos.
Humanamente,
Gustavo Biscaia de Lacerda
Sociólogo e Cientista Político
28 janeiro 2009
Ele é meu e não abro!
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"Laicidade positiva"
Felizmente os franceses e alguns britânicos não ficaram mudos ao conceito de "laicidade positiva", esquadrinhando os argumentos de Sarkozy e tirando as conseqüências políticas deles.
Em primeiro lugar, se Nicolas Sarkozy - com o apoio do papa - defende uma "laicidade positiva", qual seria a "laicidade negativa"? Seria, evidententemente, a tradicional laicidade francesa, defendida desde o Iluminismo, proclamada por Danton na Revolução Francesa e finalmente transformada em lei em 1905. Ela consiste simplesmente na separação entre Igreja e Estado, em que o Estado não professa nenhuma religião e também não persegue nenhuma: ao contrário do que os sofistas de plantão argumentam, não se trata de um "Estado ateu", mas de um "Estado agnóstico".
Definir o princípio da separação entre a Igreja e o Estado como "negativa" tem um efeito psicológico específico. Não se limita a definir uma laicidade em oposição a outra, mas qualifica uma e outra, de modo que a "negativa" é ruim, fraca, falha. Sarkozy sabe disso e não usou essa expressão por engano.
Se assim é a laicidade negativa, qual o "positivo", qual a vantagem da laicidade positiva de Sarkozy? São várias as vantagens por ele propaladas.
Em primeiro lugar, ela não persegue nenhuma religião (o que já é um sofisma, pois a "outra" laicidade acima de tudo e antes que qualquer outra coisa não o faz).
Além disso, ela permite que os grupos sociais e políticos religiosos exprimam-se qua religiosos e possam influenciar, qua religiosos, a política e o Estado. Diversos críticos da laicidade positiva afirmam que com isso o conceito de universalismo cidadão cai por terra, pois cada grupo poderá defender a sua perspectiva específica contra as demais e assumir uma legislação particularista: o comunitarismo teria como uma de suas conseqüências a criação (ou melhor, a aplicação) de leis ao estilo xaria, como a Inglaterra e o Canadá (talvez não por acaso, dois países que adotam a Common Law, em oposição ao Direito positivo de origem romana) já têm feito.
Uma outra característica da laicidade positiva é que, com ela, pode o chefe de Estado da República Francesa opinar sobre assuntos religiosos e, por extensão, de consciência e de opiniões - em particular, criticando quem não professa nenhuma fé como "monstruosidades morais". Ele faz isso desconsiderando que não cabe ao chefe do governo emitir opiniões sobre as crenças de seus cidadãos, desde que essas crenças não se ponham contra as leis da República... em outras palavras, Sarkozy assume uma posição literalmente retrógrada, que volta no tempo, em que o poder Temporal decide sobre matérias de consciência e dita em que os seus cidadãos podem ou não acreditar. (Penso na Idade Média e também na Idade Moderna dos reis Luíses, mas Sarkozy, que já desprezou publicamente os imigrantes argelinos de Paris, talvez também se lembre da Action Française, do regime de Vichy e do homem forte que, do exterior, apoiava-a...)
Em outras palavras, a "laicidade positiva" é uma mistificação que Nicolas Sarkozy criou para negar, sob todos os aspectos, a laicidade, conforme ela foi elaborada, defendida e institucionalizada na França. Detalhe 1: Sarkozy faz isso sob o olhar atento e aprovador de seu confessor-mor, o papa Bento XVI. Detalhe 2: ao mesmo tempo em que afirmava esses importantes e desastrosos conceitos políticos, Sarkozy literalmente distraía a atenção pública com seu romance com Carla Bruni.
No Brasil não temos o hábito de refletir sobre o conteúdo dos discursos dos presidentes da República - mesmo porque os nossos presidentes, a começar por Lula, não falam coisa com coisa -, mas é uma questão de tempo até começarmos a sentir as conseqüências do Estado confessional, ops, da "laicidade positiva".
Para os interessados no assunto, informei-me a respeito em diversos blogues - todos eles europeus:
http://www.mezetulle.net/article-25741617.html
http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2008/feb/13/vivelalaicite
http://politique.hautetfort.com/archive/2008/01/16/laicite-positive.html
http://www.gaucherepublicaine.org/lettres/598.htm#goArticle3
http://esquerda-republicana.blogspot.com/2008/09/catherine-kintzler-cest-quoi-la-lacit.html
http://www.revue-republicaine.fr/spip.php?article1564
27 janeiro 2009
"Coro invisível" - oração positivista, de George Eliot
“O May I Join the Choir Invisible”[1]
Prière positiviste
Longum illud tempus, quum non ero, magis me movet, quam hoc exiguum.—CICERO, ad Att., xii, 18.
O MAY I join the choir invisible
Of those immortal dead who live again
In minds made better by their presence: live
In pulses stirred to generosity,
In deeds of daring rectitude, in scorn
For miserable aims that end with self,
In thoughts sublime that pierce the night like stars,
And with their mild persistence urge men's search
To vaster issues.
So to live is heaven:
To make undying music in the world,
Breathing as beauteous order that controls
With growing sway the growing life of man.
So we inherit that sweet purity
For which we struggled, failed, and agonised
With widening retrospect that bred despair.
Rebellious flesh that would not be subdued,
A vicious parent shaming still its child,
Poor anxious penitence, is quick dissolved;
Its discords, quenched by meeting harmonies,
Die in the large and charitable air,
And all our rarer, better, truer self,
That sobbed religiously in yearning song,
That watched to ease the burthen of the world,
Laboriously tracing what must be,
And what may yet be better—saw within
A worthier image for the sanctuary,
And shaped it forth before the multitude
Divinely human, raising worship so
To higher reverence more mixed with love—
That better self shall live till human Time
Shall fold its eyelids, and the human sky
Be gathered like a scroll within the tomb
Unread for ever.
This is life to come,
Which martyred men have made more glorious
For us who strive to follow. May I reach
That purest heaven, be to other souls
The cup of strength in some great agony,
Enkindle generous ardour, feed pure love,
Beget the smiles that have no cruelty,
Be the sweet presence of a good diffused,
And in diffusion ever more intense.
So shall I join the choir invisible
Whose music is the gladness of the world.
1867.
George Eliot, The Legend of Jubal, and Other Poems, Old and New (1874)
Voir le poème utilisé dans la liturgie positiviste anglaise de la fin du XIXe/See the poem used in Victorian English positivist liturgy
Ó, que eu possa juntar-me ao coro invisível
Oração positivista
George Eliot, 1867
Longum illud tempus, quum non ero, magis me movet, quam hoc exiguum.—CICERO, ad Att., xii, 18.
Ó, que eu possa juntar-me ao coro invisível
Desses imortais mortos que vivem novamente
Em mentes feitas por suas presenças: vivem
Em pulsos agitados pela generosidade
Em feitos de desafiadora retidão – que desprezam
Os objetivos mesquinhos que se encerram em si mesmos – ,
Em sublimes pensamentos que perfuram a noite como estrelas
E com sua meiga persistência persuadem os homens a buscarem
Temas mais vastos
Assim, o paraíso é viver:
Para fazer música imorredoura no mundo,
Respirando como a bela ordem que controla
Com crescente balanço a crescente vida do homem.
Assim, nós herdamos essa doce pureza
Pela qual lutamos, falhamos e agonizamos
Com retrospecto que se amplia aquele desespero criado.
Carne rebelde que não seria subjugada,
Um genitor vicioso ainda infamando sua criança,
Pobre e ansiosa penitência, é rapidamente dissolvida;
Suas discórdias, extintas por harmonias reunidas,
Morrem no amplo e caritativo ar
E todos os nossos mais raros, mais verdadeiros e melhores âmagos,
Que choraram religiosamente em canção ansiosa,
Que vigiou para minorar o fardo do mundo,
Laboriosamente traçando o que deve ser,
E o que deve ainda ser melhor – viram dentro
Uma imagem mais valorosa para o santuário,
E moldaram-no adiante, antes da multitude
Divinamente humana, elevando a adoração
Para tão mais alta reverência, mais misturada com o amor –
Que melhor âmago viverá até que o Tempo humano
Dobre suas pálpebras e o céu humano
Seja unido como um rolo no seio da tumba
Não lida para sempre.
Essa é a vida que virá,
Que homens martirizados tornaram mais gloriosa
Para nós que nos esforçamos para seguir. Possa eu alcançar
Esse paraíso mais puro, ser para outras almas
A taça de força em alguma grande agonia,
Acender o ardor generoso, alimentar o puro amor,
Procriar os sorrisos que não têm crueldade,
Ser a doce presença de um difundido bem
E que se difunde sempre mais intensamente.
Assim, que eu junte-me ao invisível coro
Cuja música é a alegria do mundo.
Relevância contemporânea de Augusto Comte
- “Reencantamento do mundo”: o conhecimento da realidade é condição necessária e inextirpável da vida humana, mas não é suficiente, pois ele refere-se apenas à inteligência; mais do que isso, as necessidades afetivas, morais e práticas do ser humano têm que ser atendidas e, para isso, Comte propunha todo um sistema de comemorações e representações – toda uma elaboração simbólica –, além da recuperação do fetichismo como elemento simbólico da vida humana
- Afirmação da autonomia da sociedade civil frente ao Estado e fiscal do Estado: Comte afirmava que o principal avanço político realizado na Idade Média foi a separação entre os dois poderes – Temporal e Espiritual –; tal separação, na verdade, foi esboçada na Idade Média mas deve realizar-se no mundo atual, em caráter permanente. Essa divisão consagra a existência do que se denomina atualmente de “sociedade civil”, percebida no Positivismo como fiscalizadora e legitimadora do Estado; por outro lado, o Estado tem que ser laico, ou seja, não pode professar doutrinas, sob risco de tirania e/ou doutrinação
- Afirmação da visão de conjunto na sociedade e para o ser humano: história, sociedade, Sociologia (ou Ciências Sociais): afirma-se repetidas vezes que um dos grandes problemas da sociedade atual é a fragmentação do conhecimento e da visão de mundo que cada um tem. Comte já percebera isso e indicara que é necessário constituir não apenas uma nova moralidade capaz de reinstituir essa visão de conjunto, como a própria ciência (social e moral, em particular) deve basear-se radicalmente nessa concepção
- Conhecimento científico da realidade: o relativismo pós-moderno afirma que as formas de conhecimento de todos os grupos e sociedades devem ser respeitados, derivando daí a conseqüência – falsa e enganadora – de que todos eles são iguais e que têm o mesmo valor epistemológico. O conhecimento científico da realidade (social, em particular) não é algo secundário ou desimportante; conhecer como a sociedade é e funciona é condição fundamental para melhorá-la e, assim, para o ser humano alcançar a felicidade
- Crítica ao individualismo em suas várias formas: ético, metodológico. Da mesma forma que se critica a fragmentação do conhecimento, o individualismo também é objeto de críticas correntes. Comte igualmente já tratara dessa questão, ao afirmar que não é aceitável falar-se em indivíduos como fundadores morais e teóricos da sociedade ou da Humanidade, mas apenas como integrantes de sociedades e que devem ser úteis; assim, o conceito de “direitos” – isto é, privilégios unilaterais exigidos por um contra outros – é substituído pelo de “deveres”, que são obrigações mútuas e necessariamente relacionais entre as pessoas, consagrando a dependência e a solidariedade mútuas. Essa crítica ao “indivíduo” não equivale à negação das identidades pessoais, do esforço (moral, intelectual, profissional etc.) que cada pessoa deve fazer sobre si mesma para desenvolver-se
- Epistemologia: a teoria do conhecimento de Comte afirma claramente a relatividade do conhecimento ao longo das épocas e nos diversos lugares, ao mesmo tempo que deixa claro que o conhecimento é sempre passível de modificações, de acordo com as teorias e com os dados disponíveis. Além disso, sempre que possível concepções estéticas devem auxiliar na elaboração e na difusão do conhecimento, bem como considerações morais e sociais mais amplas devem regrar a busca do conhecimento: o positivo não é apenas o que é real, mas também o que é útil
- Humanismo completo e radical, relativista e transdisciplinar: um dos objetivos, se não o objetivo fundamental de Augusto Comte era criar uma ética humana e humanista que afirmasse as possibilidades (mas, também, os limites) da ação humana no mundo e na própria sociedade; essa ética afirma o ser humano e, respeitando o papel histórico desempenhado pela teologia e pela metafísica para o desenvolvimento da Humanidade, retira de todas as concepções e instituições humanas os seus traços teológicos e metafísicos, ao mesmo tempo em que desenvolve todas as conseqüências lógicas e sociais da afirmação do ser humano; essas conseqüências são necessariamente transdisciplinares, baseadas em uma forte e sistemática visão de conjunto
- Importância das idéias e dos valores na vida social: uma das primeiras afirmações teóricas da carreira de Comte e um dos pilares do Positivismo é a afirmação sem subterfúgios da importância das idéias e dos valores para o ser humano e para a sociedade – e, assim, também para a Sociologia e para as ciências de modo geral –; idéias e valores para o Positivismo são importantes, são fundantes da sociedade e não meras decorações
- Perspectiva que conjuga o universal ao particular: como a Humanidade é um todo, em que cada indivíduo integra uma totalidade que o transcende historicamente, o Positivismo afirma os vínculos que unem o particular ao universal, cada indivíduo, família, cidade e pátria à própria Humanidade; além disso, a concepção que o Positivismo tem da Humanidade não inclui apenas os seres humanos, mas engloba os animais e os vegetais – a “natureza” – e mesmo o planeta Terra e o sistema solar
- Proposta de justiça social: uma proposta de ética humana tem que afirmar o que é justo e injusto, correto e incorreto, bom e mau, belo e feio; assim, há a clara definição de justiça social, em que os trabalhadores são respeitados e as condições sociais de vidas dignas são afirmadas; aliás, não apenas os trabalhadores individualmente, mas, de modo mais preciso, as famílias são respeitadas e amparadas
- Ultrapassagem das oposições ordem-progresso, materialismo-idealismo, agente-estrutura: o pensamento humano tende a operar com base em oposições binárias, tanto do ponto de vista lógico quanto também social, mas é importante perceber que os dualismos são importantes apenas para facilitar a compreensão que temos do mundo e da sociedade; assim, não se pode reduzir o mundo a esses dualismos nem permitir que eles dominem a ação humana: é exatamente com essa preocupação que o Positivismo respeita as posições dos dualismos mas ultrapassa-os resolutamente partir do humanismo, do conhecimento da realidade e da perspectiva de conjunto, conjugando aquilo que eles têm de compatível e deixando de lado o que é incompatível; entre as várias oposições que o Positivismo supera, podemos citar as que ocorrem entre ordem e progresso, materialismo e idealismo, agente e estrutura
- Utopia social: o Positivismo afirma claramente a importância dos ideais na conduta humana, como guias e modelos que conduzem as ações e os projetos políticos, sociais e individuais; para tanto, afirma uma sociedade mais justa e mais fraterna, em que as disputas são apenas diferenças de perspectivas e solúveis por meio do diálogo fraterno e racional