27 janeiro 2009

Relevância contemporânea de Augusto Comte


(Observações de 5.10.2014: 
(1) A revista Insight Inteligência publicou um artigo intitulado "O Positivismo ontem como hoje", que retoma vários dos aspectos relacionados abaixo; ele pode ser consultado aqui: http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com.br/2014/10/insight-inteligencia-o-positivismo.html.
(2) Uma versão inicial, maior, do artigo da revista Insight Inteligência pode ser lido aqui: http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com.br/2014/10/relevancia-contemporanea-do-positivismo.html.)

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Sem pretender esgotar o assunto, relaciono alguns elementos que justificam a importância atual de Augusto Comte:
  1. “Reencantamento do mundo”: o conhecimento da realidade é condição necessária e inextirpável da vida humana, mas não é suficiente, pois ele refere-se apenas à inteligência; mais do que isso, as necessidades afetivas, morais e práticas do ser humano têm que ser atendidas e, para isso, Comte propunha todo um sistema de comemorações e representações – toda uma elaboração simbólica –, além da recuperação do fetichismo como elemento simbólico da vida humana
  2. Afirmação da autonomia da sociedade civil frente ao Estado e fiscal do Estado: Comte afirmava que o principal avanço político realizado na Idade Média foi a separação entre os dois poderes – Temporal e Espiritual –; tal separação, na verdade, foi esboçada na Idade Média mas deve realizar-se no mundo atual, em caráter permanente. Essa divisão consagra a existência do que se denomina atualmente de “sociedade civil”, percebida no Positivismo como fiscalizadora e legitimadora do Estado; por outro lado, o Estado tem que ser laico, ou seja, não pode professar doutrinas, sob risco de tirania e/ou doutrinação
  3. Afirmação da visão de conjunto na sociedade e para o ser humano: história, sociedade, Sociologia (ou Ciências Sociais): afirma-se repetidas vezes que um dos grandes problemas da sociedade atual é a fragmentação do conhecimento e da visão de mundo que cada um tem. Comte já percebera isso e indicara que é necessário constituir não apenas uma nova moralidade capaz de reinstituir essa visão de conjunto, como a própria ciência (social e moral, em particular) deve basear-se radicalmente nessa concepção
  4. Conhecimento científico da realidade: o relativismo pós-moderno afirma que as formas de conhecimento de todos os grupos e sociedades devem ser respeitados, derivando daí a conseqüência – falsa e enganadora – de que todos eles são iguais e que têm o mesmo valor epistemológico. O conhecimento científico da realidade (social, em particular) não é algo secundário ou desimportante; conhecer como a sociedade é e funciona é condição fundamental para melhorá-la e, assim, para o ser humano alcançar a felicidade
  5. Crítica ao individualismo em suas várias formas: ético, metodológico. Da mesma forma que se critica a fragmentação do conhecimento, o individualismo também é objeto de críticas correntes. Comte igualmente já tratara dessa questão, ao afirmar que não é aceitável falar-se em indivíduos como fundadores morais e teóricos da sociedade ou da Humanidade, mas apenas como integrantes de sociedades e que devem ser úteis; assim, o conceito de “direitos” – isto é, privilégios unilaterais exigidos por um contra outros – é substituído pelo de “deveres”, que são obrigações mútuas e necessariamente relacionais entre as pessoas, consagrando a dependência e a solidariedade mútuas. Essa crítica ao “indivíduo” não equivale à negação das identidades pessoais, do esforço (moral, intelectual, profissional etc.) que cada pessoa deve fazer sobre si mesma para desenvolver-se
  6. Epistemologia: a teoria do conhecimento de Comte afirma claramente a relatividade do conhecimento ao longo das épocas e nos diversos lugares, ao mesmo tempo que deixa claro que o conhecimento é sempre passível de modificações, de acordo com as teorias e com os dados disponíveis. Além disso, sempre que possível concepções estéticas devem auxiliar na elaboração e na difusão do conhecimento, bem como considerações morais e sociais mais amplas devem regrar a busca do conhecimento: o positivo não é apenas o que é real, mas também o que é útil
  7. Humanismo completo e radical, relativista e transdisciplinar: um dos objetivos, se não o objetivo fundamental de Augusto Comte era criar uma ética humana e humanista que afirmasse as possibilidades (mas, também, os limites) da ação humana no mundo e na própria sociedade; essa ética afirma o ser humano e, respeitando o papel histórico desempenhado pela teologia e pela metafísica para o desenvolvimento da Humanidade, retira de todas as concepções e instituições humanas os seus traços teológicos e metafísicos, ao mesmo tempo em que desenvolve todas as conseqüências lógicas e sociais da afirmação do ser humano; essas conseqüências são necessariamente transdisciplinares, baseadas em uma forte e sistemática visão de conjunto
  8. Importância das idéias e dos valores na vida social: uma das primeiras afirmações teóricas da carreira de Comte e um dos pilares do Positivismo é a afirmação sem subterfúgios da importância das idéias e dos valores para o ser humano e para a sociedade – e, assim, também para a Sociologia e para as ciências de modo geral –; idéias e valores para o Positivismo são importantes, são fundantes da sociedade e não meras decorações
  9. Perspectiva que conjuga o universal ao particular: como a Humanidade é um todo, em que cada indivíduo integra uma totalidade que o transcende historicamente, o Positivismo afirma os vínculos que unem o particular ao universal, cada indivíduo, família, cidade e pátria à própria Humanidade; além disso, a concepção que o Positivismo tem da Humanidade não inclui apenas os seres humanos, mas engloba os animais e os vegetais – a “natureza” – e mesmo o planeta Terra e o sistema solar
  10. Proposta de justiça social: uma proposta de ética humana tem que afirmar o que é justo e injusto, correto e incorreto, bom e mau, belo e feio; assim, há a clara definição de justiça social, em que os trabalhadores são respeitados e as condições sociais de vidas dignas são afirmadas; aliás, não apenas os trabalhadores individualmente, mas, de modo mais preciso, as famílias são respeitadas e amparadas
  11. Ultrapassagem das oposições ordem-progresso, materialismo-idealismo, agente-estrutura: o pensamento humano tende a operar com base em oposições binárias, tanto do ponto de vista lógico quanto também social, mas é importante perceber que os dualismos são importantes apenas para facilitar a compreensão que temos do mundo e da sociedade; assim, não se pode reduzir o mundo a esses dualismos nem permitir que eles dominem a ação humana: é exatamente com essa preocupação que o Positivismo respeita as posições dos dualismos mas ultrapassa-os resolutamente partir do humanismo, do conhecimento da realidade e da perspectiva de conjunto, conjugando aquilo que eles têm de compatível e deixando de lado o que é incompatível; entre as várias oposições que o Positivismo supera, podemos citar as que ocorrem entre ordem e progresso, materialismo e idealismo, agente e estrutura
  12. Utopia social: o Positivismo afirma claramente a importância dos ideais na conduta humana, como guias e modelos que conduzem as ações e os projetos políticos, sociais e individuais; para tanto, afirma uma sociedade mais justa e mais fraterna, em que as disputas são apenas diferenças de perspectivas e solúveis por meio do diálogo fraterno e racional
(Reprodução livre, desde que citada a fonte.)

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