13 dezembro 2009

Chico Alencar: A corrupção não é culpa do "sistema"

Caros amigos:

Vejam o discurso abaixo do Dep. Chico Alencar, enviado por um amigo do Rio de Janeiro. O Deputado argumenta que a corrupção que vivemos não é culpa do "sistema", mas das pessoas e, acima de tudo, dos valores que permitem, aceitam ou toleram as práticas criminosas e antirrepublicanas. Além disso, o Deputado critica - coberto de razão - que não adianta pôr a responsabilidade pelas canalhices em uma abstração chamada "sistema político", que deveria ser modificada, fazendo-se abstração dos motivos pessoais e dos valores que orientam as pessoas.

Embora o Chico Alencar seja da extrema-esquerda de origem marxista, nesse discurso ele apresenta-se radicalmente positivista: afinal, para o Positivismo não faz sentido, não é razoável querer mudar as instituições antes ou no lugar da mudança dos valores. A crise que vivemos não é "institucional" , ela é ética no sentido mais profundo; o que faz uma república algo "republicano" não são as instituições, mas os valores e as práticas dos cidadãos.

Gustavo.

* * *

http://www.chicoale ncar.com. br/chico2004/ chamadas/ pronuncs/ pronunc20091203c .htm


A culpa não é só do sistema

Virou costume se dizer que todos os escândalos de corrupção acontecem por causa do sistema político e da falta de uma reforma profunda nele. Sim, o sistema político-eleitoral brasileiro, mantido intacto tanto na era FHC quanto no período lulista, instituiu uma espécie de "democracia empresarial" e de "eleições de negócios". Nós, do PSOL, repetimos sempre que os partidos são, com poucas exceções, ajuntamentos de interesses difusos para fruir das benesses do poder, viabilizando aumento de patrimônio de suas figuras mais importantes. Adesistas sempre, com programas que servem apenas para encher papel. Por isso, cada vez mais, incidem pouco ou nada no dia a dia das pessoas, anestesiadas pela despolitização galopante. A não ser quando, com suas malfeitorias reveladas, os "políticos", ancorados nos seus partidos, provocam indignação cidadã, como a que move, neste momento, os que ocupam a Câmara Legislativa do Distrito Federal, protestando contra o detrito federal que ali, e nas instâncias do Executivo, se produz. Os mandatos são meios de vida e não serviço, representação.
Todas estas distorções são amparadas pelo modelo político vigente, é verdade. As doações ocultas de campanha, que poderiam acabar na recente mudança da legislação eleitoral aqui votada, foi mantida. Mas há uma base essencial, de caráter, que também responsabiliza os indivíduos que ingressam na vida pública por seus delitos. Afirmar que tudo vem do "sistema" pode contribuir para a minimização dos crimes e para a praga alastrada da impunidade. Há aqui, sr. presidente, parlamentares que, apesar do sistema, não se deixam corromper. O "todo mundo faz" ou o "é da nossa cultura" ou mesmo o "só com Reforma Política", que eu mesmo tanto reitero, acabam sendo leniência, senão cumplicidade, com esses desvios que abalam a República, e que precisam acabar. Quem os pratica não é inocente presa de um sistema perverso: é mau caráter mesmo! Nenhum sistema político, por mais viciado que seja, obriga a pessoa a ser desonesta e dar as costas ao interesse público.
Nessa linha, transcrevo aqui a coluna de Dora Kramer, publicada hoje em vários jornais do país, e que aborda esta questão com muita propriedade:

Responsável de plantão

Quando o primeiro escândalo de corrupção do governo Luiz Inácio da Silva emergiu das imagens de Waldomiro Diniz, então braço direito do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, extorquindo o dito empresário Carlos Augusto Ramos, também conhecido como o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de imediato todas as vozes se levantaram em defesa de uma reforma política "profunda".
A tese por trás da proposta era a de que a culpa é do sistema político, eleitoral e partidário daninho. De lá para cá, repete-se a mesma cantilena a cada novo caso escabroso de corrupção, conferindo-se à reforma política o status de solução de plantão para todos os males.
Por esse raciocínio, o "sistema" é que seria o grande corruptor de pessoas inocentes, cujo desejo de governar para fazer o bem só se realiza ao custo da adesão à realidade nefasta fazendo política com as mãos sujas, não obstante o coração permaneça imaculado. Seria o preço a pagar.
Essa lógica sustentou o discurso de quem queria uma justificativa para apoiar a reeleição de Lula, mas não tinha coragem de dizer que estava pouco ligando para a ética. Esta servira como bandeira de oposição, mas atrapalhava a execução do projeto de poder.
Isso no caso do PT. Nos partidos que não haviam feito nenhum trato explícito com a ética na política, nem se apresentam justificativas. Muito embora também se agarrem com veemência na defesa da reforma política na hora em que a assombração transita por seus terreiros.
Depois da manifestação espontânea ao modo de Pôncio Pilatos - "as imagens não falam por si" -, orientado por sua assessoria sobre a ultrapassagem do limite do aceitável, o presidente Lula passou a considerar "deplorável" o que todo mundo viu sobre as atividades da quadrilha que atuava no governo de Brasília.
E, claro, atribuiu tudo à ausência da reforma política, acrescentando desconhecer as razões pelas quais ela não é aprovada. Levantou, porém uma suspeita: "Provavelmente porque os parlamentares seriam afetados pelas mudanças".
Para um gênio da política, Lula se mostra um tanto ingênuo. E esquecido. O primeiro enterro da reforma, ainda no primeiro mandato, ocorreu porque os partidos de sua base trocaram o arquivamento por votos a favor do projeto - fracassado - da reeleição do então presidente da Câmara, o petista João Paulo Cunha.
O funeral seguinte deu-se agora em 2009 pela conjugação de interesses dos partidos do governo e da oposição que, no lugar da reforma, aprovaram uns remendos que facilitaram sobremaneira o uso do caixa 2 e encurtaram os prazos para punições, na prática impedindo cassações de eleitos, inclusive os deputados de Brasília agora pegos com as mãos imundas na botija.
Isso quer dizer que o defeito primordial não é das regras - de fato defeituosas - é da deformação das pessoas, da permissividade geral e da impunidade de que desfrutam.

Agradeço a atenção,
Sala das Sessões, 03 de dezembro de 2009.

Chico Alencar
Deputado Federal, PSOL/RJ

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