Os pensamentos de
uma flor
(Clotilde de Vaux; tradução de Raimundo Teixeira Mendes)[1]
Nasci p’ra ser amada: ó, graças, bom Destino!
Que os
soberbos mortais praguejem teus azares!
O vento os
arrebate aos pés de teus altares,
Eu tenho o meu
perfume e o gozo matutino.
Tenho o
primeiro olhar do rei da natureza,
Por gala o seu
fulgor, seu beijo em chama acesa;
Tenho um
sorrir de irmã da juvenil Aurora;
Tenho a brisa
nascente a dulcidão que mora
Na gota
pendurada à borda do meu cális.
Tenho o raio
que brinca a se abismar nos vales;
Tenho o mago
painel, a sena inigualada,
Do universo
entreabrindo as portas da alvorada.
Jamais frio
mortal haurir-me deve a vida:
No seio da
volúpia a manso me adormeço;
Me guarda a
natureza o esplêndido adereço;
Em seu festim
de amor desperto embevecida.
Muita vez
embelezo a formosura;
Num puro seio
o meu candor se côa;
Enlaça-me o
prazer n’alegre cr’ao,
E a seu lado
me prende alma ventura.
Quanto o rouxinol
s’inspira
No meu talo em doce enleio,
Para não turvar-lhe o gorjeio
A
natura inteira espira.
Amor me diz seus votos mais secretos;
Abrigo de seus ais grata saudade;
Dos seus mistérios zelo a f’licidade;
A chave sou dos corações secretos.
Ó! Doce Destino, se as leis que nos baixas
Suspiros profanos pudessem mudar,
Só eu haveria, nas diáfanas faixas,
De amor aos bafejos à vida tornar.
Da tempestade sombria
Poupa-me o
horrendo furor;
Dá que sempre
a leda flor
Nas tuas festas
sorria.
[1] Carta de Clotilde a Comte, de 30.11.1845 (109ª carta do epistolário).
Fonte: Raimundo Teixeira Mendes, Comte e Clotilde, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1903, p. 49-50. Edição eletrônica em francês de 1916: https://bibdig.biblioteca.unesp.br/items/f3d104ea-4350-4a3d-a58a-63ec4a10fc54.
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