RECONSTRUÇÃO
DA REPÚBLICA COMO TAREFA NECESSARIAMENTE UNIVERSALISTA E ANTI-IDENTITÁRIA[1]
A feliz e
necessária derrota eleitoral do fascista, no dia 30 de novembro de 2022, muito
mais que permitirá, na verdade obrigará
o Brasil e os brasileiros a reconstruírem o país a partir de 1º de janeiro de
2023, desde as instituições até os hábitos de convívio. Será um caminho longo,
difícil e demorado; o fascismo e os fascistas destruíram muito do país, permanecendo
sua capacidade de atrapalhar o país, como se vê nos distúrbios no Norte e no
Centro-Oeste do país, na violência em Brasília, na violência disseminada e
relegitimada, na ressurgida baderna militar etc.
Mas há um
aspecto que está escapando a todos, ou, pelo menos, à maioria.
A
reconstrução necessária ao Brasil é em termos de República, de republicanismo:
cidadania, valores compartilhados, isonomia (igualdade perante a lei), serviços
públicos de qualidade. Todos esses aspectos são universais.
O fascista
tornou-se governante com base no ódio e no projeto de destruir o país, mas
também no particularismo e no facciosismo.
Assim, para
que o país seja reconstruído, para que a sociedade e o Estado brasileiro
recuperem-se da destruição sistemática sofrida nos últimos quatro anos, serão
necessárias políticas e práticas universalistas.
Pois bem: as
práticas e as políticas universalistas são práticas republicanas e dirigem-se a
todos (ainda que, às vezes, concentrem-se em determinados grupos específicos).
Essas práticas são universalistas e, por definição, são contra os
particularismos e os facciosismos.
O
republicanismo necessário à reconstrução do país repele, portanto, a política
identitária. Repito: o necessário republicanismo repele a política identitária.
Não adianta dizer que existe política identitária “do bem” (que seria,
supostamente, a política identitária da esquerda) contra a política identitária
“do mal” (a da direita): a política identitária por si só já é daninha, ruim e
do mal. A política identitária é exclusivista, facciosista, particularista; ela
baseia-se na afirmação de um grupo particular contra todos os outros; ela
baseia-se no ressentimento social e político. Não é nenhum acaso que a política
identitária recuse terminantemente o republicanismo e, por extensão, o universalismo.
A necessária
reconstrução social e institucional interna do Brasil, bem como a necessária
reconstrução da atuação internacional do Brasil, exigem a visão de conjunto;
mas a política identitária rejeita (ou melhor, despreza) a visão de conjunto.
Aceito sem
dificuldade que muitos grupos identitários apóiam a saída do fascista: isso é
uma questão fática. Entretanto, tenhamos claro: os grupos identitários que se
opuseram ao fascista opuseram-se a ele não porque esses grupos apoiam o
republicanismo ou universalismo, mas apenas porque o identitarismo do fascista
opõe-se ao identitarismo desses grupos. Em outras palavras, os identitários de
esquerda opõem-se aos identitários de direita apenas porque só sabem
locomover-se no âmbito de seus particularismos e seus facciosismos, não porque
defendam o republicanismo e o universalismo.
Repito
novamente: a reconstrução do Brasil exige, como deveria ser evidente, uma
perspectiva universalista (seja em termos nacionais, seja em termos
internacionais), mas a política identitária rejeita esse necessário
universalismo.
Por que eu
faço essas observações? Porque eu tenho certeza de que a partir de 1º de
janeiro de 2023 o facciosismo identitário (de esquerda) dirá que quem é contra
esse facciosismo é “retrógrado” ou contra o “progresso” – como se o verdadeiro
progresso aceitasse o facciosismo ou como se os identitários valorizassem de
verdade o progresso.
[1] Este texto é uma versão levemente alterada de uma postagem feita em 6 de dezembro de 2022, em minha conta pessoal do Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/gblacerda1977/posts/pfbid0gat4SevMeX2r6sDGSMc7uCNfyiSWq4zAGv1zFvTgTJHipjzyVzErq8viuCznYXz6l; acesso em: 14.12.2022.
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