A teoria política de Augusto Comte reconhece de maneira radical dois âmbitos da ação social: os poderes Temporal e Espiritual. Cada qual tem suas particularidades sociológicas e seu domínio político; as recomendações de Comte levam sempre em conta essa diversidade. Ora, a Teoria Política, pelo menos desde Hobbes, mas com certeza desde Guilherme de Ockham, desconsidera o poder Espiritual e afirma somente o Temporal; daí a facilidade com que as recomendações de Comte destinadas ao poder Espiritual sejam lidas como sendo para o Temporal, com a conseqüente interpretação de “autoritarismo” (basta ler-se Stuart Mill para evidenciar-se a utilização sistemática dessa falácia). (Aliás, deve-se juntar a isso a hipocrisia teórica, que assume que a citação comtiana de Hobbes é um sinal seguro de seu “autoritarismo”, como se Marx, Weber e toda a tradição política ocidental, com a exceção de Hannah Arendt, não afirmassem que o Estado funda-se em última análise na violência física: basta ler-se Roberto Romano para comprovar-se o emprego dessa falácia.)
Por outro lado, em sentido inverso, o problema subjacente à má interpretação da teoria política de Comte indica um empobrecimento muito grande da Teoria Política de modo geral, que só entende a política em termos de Estado, dominação, “aparelhos coercitivos”, “interesses” etc., de modo a ignorar os elementos ideacionais da política, ou a encará-los de maneira cínica e instrumental.
A acusação de que A. Comte é autoritário revela um brutal empobrecimento teórico da Teoria Política: seu resultado prático é fácil de prever e de comprovar: é a política da força, é afirmação de que o único meio aceitável para a vida política é por meio do Estado e, last but not the least, a doutrina oficial de Estado.
Uma outra conseqüência desse empobrecimento teórico, agora de caráter metodológico, é o desenvolvimento das propostas “interpretativas” nas C. Humanas: como o movimento moderno é em direção ao “materialismo” e, ao mesmo tempo, a Teoria Política enfatiza o poder, as concepções que desconsideram a subjetividade perdem importância. Isso, por sua vez, permite que a metafísica da “vontade”, da “ontologia”, do máximo subjetivismo tenha espaço: daí as propostas “interpretativistas”.
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