No dia 11 de Bichat de 168 (13.12.2022) realizamos nossa prédica positiva. Após a leitura comentada do Catecismo Positivista (na Quarta Conferência do livro), fizemos alguns comentários sobre o conceito de "progresso", nas nossas reflexões semanais.
As anotações que serviram de base para esses comentários sobre o progresso estão reproduzidas abaixo.
A exposição gravada ao vivo dos comentários sobre o progresso está disponível no canal Apostolado Positivista (aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/1113142389387222) e no canal Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=NBIfoej-Ejs); no canal Apostolado Positivista, está a partir de 44' 25".
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Comentários sobre o progresso
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É importante ter clareza a respeito disto: estas anotações não procuram esgotar o tema
-
O conceito de progresso é um dos mais
problemáticos atualmente
o Durante
muito tempo – digamos, desde o final do século XIX e todo o século XX – o
progresso foi o principal valor social e político
§ O
conteúdo específico do progresso era discutido, mas o valor em si, não
§ A
afirmação do progresso podia ocorrer com sacrifício ou não da ordem
o Neste
início do século XXI, o progresso passou a ser rejeitado em nome da ordem,
especialmente a partir de perspectivas conservadoras, reacionárias ou
retrógradas
§ Em
outras palavras, a partir deste século XXI muitos grupos passaram a adotar em
relação ao progresso uma perspectiva inversa à que se manteve ao longo do
século XX
-
Se ainda fosse necessário dizê-lo: a única filosofia social e política que
afirma com todas as letras a necessidade e a possibilidade de conjugar a ordem
e o progresso é o Positivismo
o Dessa
forma, embora todas as filosofias sociais e políticas que tratam do progresso
abordem a ordem (implícita ou explicitamente), no caso do Positivismo essa
referência dupla é obrigatória
o Cabe
lembrar que a divisa “Ordem e Progresso” é de caráter científico e político e é
algumas décadas anterior à fórmula moral e religiosa “O amor por princípio...”
-
Para o Positivismo, e ao contrário das concepções
teológicas ou metafísicas, tanto a ordem quanto o progresso têm conteúdos
positivos, que devem ser afirmados, respeitados e valorizados
-
“O progresso é o desenvolvimento da ordem”
o Inversamente,
“a ordem é a consolidação do progresso”
o A
ordem tem que ser entendida como “arranjo”; aí, o progresso é o desenvolvimento
dos elementos, das relações e da “lógica” própria a esse arranjo
§ A
ordem a que se refere Augusto Comte e cujo desenvolvimento constitui o
progresso não é a “ordem capitalista” (nem a “ordem eurocêntrica”, nem a “ordem
patriarcal”): é a ordem própria à natureza humana
o Assim,
o progresso constitui em última análise no desenvolvimento pleno e simultâneo da características da
natureza humana (sentimentos, inteligência, atividade)
o A
ordem corresponde à Sociologia Estática (a permanência, a consolidação) e o
progresso, à Sociologia Dinâmica (a mudança, o desenvolvimento)
§ Mas
não se pode cometer o grave equívoco de considerar que as mudanças em si constituem
o progresso
·
Não é qualquer
mudança que constitui o progresso
·
Da mesma forma, querer acelerar, sempre e cada vez mais, as mudanças, não é o mesmo que
ser sempre e cada vez mais “progressista”
-
Como o progresso que deve corresponder à divisa
“Ordem e Progresso” e à fórmula “O amor por princípio” refere-se ao conjunto da
natureza humana, a noção de “harmonia” impõe-se e, a partir daí, também as
concepções de “síntese”, de “consenso”, de “visão de conjunto” e daí, por
extensão e definição, a de “religião”
o O
desenvolvimento contínuo tem por primado e motor a afetividade, isto é, o
altruísmo (ou o amor); assim, o principal progresso é o moral; depois, é o
intelectual; depois, é o físico; depois, é o material
o Essa
sequência de tipos de progresso – moral, intelectual, físico, material – indica
a ordem de importância, de dignidade e de
dificuldade (a sequência inversa indica a ordem de facilidade)
-
Fora do âmbito
do Positivismo, em termos “populares” há uma associação entre o progresso e
a noção de “igualdade”
o Tal
associação é proposta pela “esquerda” como um valor positivo
§ Vale
notar que a “direita” também aceita essa associação, embora para criticá-la
§ Enquanto
a esquerda de modo geral afirma o progresso (mas de maneira incoerente e
irracional), a direita de modo geral rejeita o progresso (e também de maneira
incoerente e irracional)
o O
conceito de progresso, aí, é ou indefinido ou é a expansão da “igualdade”
o O
conceito de progresso, aí, opõe-se radicalmente à noção de ordem (que, por sua
vez, também é indefinida e/ou equivale a opressão política, exploração econômica
e alienação moral)
o Essa
concepção de progresso, embora indefinida e/ou sinônima da “igualdade”, habitualmente
é contraposta de maneira frontal à concepção positivista de progresso, que, por
sua vez, é entendida pela esquerda (especialmente a marxista) como equivalente
ao desenvolvimento do capitalismo
§ A
má-fé marxista, além disso, afirma que a concepção positivista de progresso que
estabelece antes de mais nada o progresso moral é uma concepção “ideológica” própria
à “burguesia”, no sentido de que serviria apenas para iludir o proletariado e
manter a opressão-exploração-alienação capitalista
§ A
direita católica, reacionária e/ou ultraliberal rejeita o progresso e contrapõe
a ele a noção de ordem, que, por sua vez, seria sempre estática
§ Para
essas direitas, qualquer noção de progresso será sempre e necessariamente opressiva,
exploradora e alienante
o Por
outro lado, a esquerda pós-moderna nega o progresso (assim como nega a
racionalidade, a ciência, a objetividade etc.)
-
Apesar do que afirmam a direita e a esquerda, a
noção de progresso não equivale à
ampliação da noção de “igualdade”, nem mesmo, em rigor, à noção de liberdade
o A
noção de “igualdade” social é metafísica
e tem um caráter destruidor; ela serve para destruir as instituições, as
práticas e a ordem antiga, mas em si mesma é incapaz de criar qualquer coisa
§ Essa
noção social de igualdade é de origem rousseauniana e foi retomada no século
XIX pelo marxismo
o As
instituições, as práticas e as ordens supostamente criadas pela “igualdade” ou
são instáveis (e autoritárias) ou, caso persistam e não sejam autoritárias, são
inspiradas pela fraternidade e pelo altruísmo
§ As
instituições criadas com o objetivo de estabelecer e manter a “igualdade”
social e política resultam no autoritarismo, nas divisões e na ausência de
“igualdade”
·
Para o Positivismo, a vinculação entre igualdade
social e regimes liberticidas é necessária
e não acidental
·
Além de liberticidas, os regimes que buscam
criar e manter a igualdade social também, e não por acaso, buscam impor crenças
oficiais (religião civil de Rousseau, marxismo nos países comunistas)
§ Apenas
em duas situações é possível falar em “igualdade” no âmbito do Positivismo:
·
A igualdade perante a lei (a isonomia) e uma
relativa igualdade de ensino são duas exceções à crítica positivista à
igualdade
·
O disciplinamento social e moral da riqueza – com
os aspectos correlatos de destinação social da riqueza; de responsabilidade individual
e coletiva dos poderes sociais; de dignificação da pobreza – é algo que resulta
no que se pode chamar, atualmente, de “eqüidade social”
o A
eqüidade social não se confunde, de maneira nenhuma, com a igualdade; mas,
apesar disso, é esse o resultado concreto que se busca com as políticas públicas
que, nominal, oficial e incoerentemente, afirmam realizar a “igualdade social”
·
Poderíamos atualmente acrescentar a essa lista as
políticas sociais universalistas,
como, no caso do Brasil, as políticas de seguridade social (saúde, desemprego,
previdência social)
o A
liberdade em si mesma é a condição de realização do progresso; da mesma forma, ela
é a condição da ordem
§ A
liberdade tem que ser afirmada e respeitada, mas ela não pode ser entendida
como um valor absoluto, pois, nesse caso, assumirá um caráter metafísico e
meramente destrutivo ou de irresponsabilidade individual e coletiva (como no
caso do liberalismo)
-
Para concluir, é importante reforçar e aplicar
um aspecto: para o Positivismo, o progresso é o desenvolvimento da ordem:
o Muitos
dos aspectos julgados “progressistas” nos dias atuais deveriam ser encarados
pura e simplesmente condições da ordem
§ Um
ótimo exemplo de condições da ordem que, entretanto, são vistas como realização
do progresso são os salários dignos
§ Essa
confusão entre elementos da ordem e realização do progresso indica pelo menos
duas coisas: (1) a confusão moral e intelectual prevalecente no mundo atual (em
particular na direita e na esquerda) e (2) a degradação moral em que se
encontra o mundo atual
o O
progresso que desrespeita a ordem não é progresso
§ Dois
exemplos: (1) nos séculos XIX e XX os marxistas queriam, revolucionariamente,
acabar com o Estado e a propriedade privada; (2) no século XXI, muitas
propostas identitárias buscam desarticular a família
§ O
“progresso” que desrespeita a ordem é sempre de caráter metafísico e, portanto,
é destruidor e tem sempre em vista as instituições e as práticas absolutas de
origem teológica
o Como
dizia Augusto Comte, mudanças rápidas (“revolucionárias”) nunca são profundas
e, inversamente, mudanças profundas sempre são lentas
§ Forçar
as mudanças sociais, especialmente no sentido de acelerá-las, com enorme freqüência
torna essas mudanças instáveis e provoca reações sociais; para conter a
instabilidade e as reações, o emprego da violência física (e, não raro, da
censura) é necessário
§ Mudanças
rápidas que se realizam sem grandes tensões e/ou sem grande instabilidade são
mudanças que foram preparadas antes, com freqüência de maneira subterrânea